Race in Heels - Corrida em saltos escrita por badgalkel


Capítulo 13
Douze




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800733/chapter/13

Uau.

É tudo o que o alemão diz depois de Liza ter despejado toda a história em cima dele.

Eles estavam sentados frente a frente nas poltronas da sala bem mobiliada do loft onde Mike passava maior parte das suas férias e ficava quando ia ao país visitar os pais.

O lugar era um digno apartamento de solteiro, isso se for generalizar como um apartamento de solteiro de um piloto de Fórmula race por estar repleto de estantes que expunham inúmeros troféus, capacetes já usados, quadros, prêmios e medalhas pertencentes ao rapaz ao longo de sua carreira.

As cores predominantes por todo o imóvel eram o laranja tijolo e preto, pois mobília, eletrodomésticos, lustres, abajures e até o piso de madeira na casa do piloto eram escuros e davam um contraste moderno às paredes de tijolos à vista envernizadas.

Rústico e moderno, um ambiente que poderia facilmente se passar por como se tivesse sido decorado sem muitos esforços e à grosso modo, mas que Liza sabia que havia sido metricamente calculado para que desse à entender exatamente aquilo.

A jovem toma o último gole do chocolate quente que o parceiro havia feito à ela. Com muito açúcar e calorias, mas ela pouco se importava com o fato no momento.

— Eu não sei o que dizer. – Mike revela abobalhado. – É uma história e tanto.

— Pois é. – ela assente com o olhar fixo no fio solto da almofada em seu colo.

— Eu... – ele começa, mas se interrompe. – Queria poder fazer alguma coisa para ajudar. Mas... – o rapaz suspira – Eu sinto muito por esse campeonato ser repleto de machistas ridículos.

— Eu também. – ela sorri fraco.

— O que pensa em fazer agora? – ele questiona.

Ela suspira.

— Acho que vou para casa do meu pai, no Brasil. Sinto muita a falta dele... - ela diz olhando simbolicamente pela gigantesca janela da sala, a qual mostra todas as luzes da cidade abaixo deles – Vou ficar as férias por lá, esfriar a cabeça. Talvez tirar algumas coisas a limpo com minha mãe, ainda não voltei a confiar cem por cento nela, mas acho que vale a tentativa. – ela umedece os lábios vagarosamente – Deixar passar as festas de final de ano, resolver a minha vida pessoal pra depois ver o que vai ser do meu futuro neste campeonato.

Mike assente lentamente.

— Vai ser bom você se deligar um pouco disso por enquanto. – ele fala – Você não se desligou nem nas férias de verão, por Deus. – eles riem fraco. – Você literalmente supriu o tempo perdido, ganhou a experiência que precisava... A vitória de hoje e sua pontuação no campeonato traduzem isso. Mas agora é bom tirar um tempo para você, para voltar com tudo ano que vem e conseguir tudo de novo.

— Você quer dizer, perder o primeiro lugar de novo? – ela arqueia uma sobrancelha.

— Quero dizer dos seus resultados. – ele a corrige. – Você ganhou a pole position no sábado e venceu a corrida de hoje, isso além de ter quase alcançado à liderança do campeonato por ser uma pilota excelente durante toda a temporada e com peso nos ombros. – Mike sorri docemente – Não importa o que eles digam, não importa o que tentem tirar de você. Você fez! E fez muito bem feito.

Liza sorri abertamente, mas em seguida franze a testa ao ver o parceiro se levantar e caminhar até sua mochila, jogada em cima da mesa de centro da sala. De lá ele tira o troféu de primeiro lugar e a garrafa de champanhe ainda fechada.

— Isso pertence á você. – ele diz a oferecendo os objetos. – Pode ser que te remeta à lembranças tristes, mas que também te faça lembrar o quanto você arrasou naquele carro hoje.

Liza pousa sua caneca ao chão aos pés da poltrona para pegar os objetos das mãos do parceiro. Seus olhos ficam estarrecidos no troféu.

— É lindo. – ela sopra.

— E é seu. – Mike volta a se sentar na sua poltrona.

Ela encara o loiro.

— Obrigada, Mike. – diz com sinceridade. – Por tudo. Você foi um parceiro sensacional, eu não tenho o que reclamar.

Ele dá de ombros sorrindo modesto.

— Vou sentir tanta a sua falta. – ela admite.

— Eu vou sentir a sua também. – ele diz assentindo. – Principalmente do tráfico de pizzas.

Eles desatam a rir.

— Ou das danças engraçadas antes das corridas. – ele continua, causando ainda mais risadas. – Do jeito que você fala Mike Schmidt quando vai chamar a minha atenção.

Liza ri.

— Uma coisa que não vou sentir falta é das partidas de poker. – ela revela. – Você me fez odiar esse jogo.

— Eu preciso admitir uma coisa. – ele fala aos sussurros e aproxima-se dela para falar: - Eu também não sei jogar poker.

— Mentira! – ela esbraveja de olhos arregalados e eles gargalham. – Eu sabia que tinha alguma coisa errada com aquelas regras.

A verdade é que Liza e Mike haviam visto um no outro um ponto de apoio que eles não esperavam ter em uma equipe, superando todas as suas expectativas sobre um parceiro.

A amizade entre os dois foi aflorando aos poucos devido ao grande período de tempo que passavam juntos, e quando perceberam já eram amigos próximos. Os quais se apoiavam, conversavam, desabafavam – cada um a seu modo – e celebravam.

Eles iam sentir falta um do outro.

— E quanto ao Lacroix? – Mike pergunta depois de um tempo.

Ela suspira pesadamente.

— Não sei. – admite por fim. – Não tenho cabeça para pensar nisso agora.

Mike sorri triste.

— Ele gosta de você de verdade.

Liza encara o mar azul nos olhos de Mike, pensativa.

— Eu sei. – sopra. – Eu também gosto muito dele. Mas preciso ficar um tempo longe para pensar com clareza todos os pontos dessa história. Não quero ser injusta comigo mesma ou magoar alguém, mas agora eu estou muito puta para poupar ofensas à qualquer um deles e isso pode acabar fodendo as coisas ainda mais.

— Você está certa.

Ela assente antes de se levantar e começar a caminhar pelo loft do piloto, passando os olhos por todos os detalhes decorativos. Haviam reportagens de revistas emolduradas em placas de vidro falando sobre a carreira promissora de Mike estampadas na parede, manchetes falando sobre o seu futuro promissor, fotos reveladas dele com alguns ídolos, dele ainda criança em karts e em outros campeonatos segurando troféus, dentre outras coisas.

Uma foto específica chamou a atenção da jovem. Era uma dele com o pai.

Mike ainda era apenas um bebê e Murray o segurava em cima de carro de Fórmula 1, na garagem da Findspot. O bebê parece se divertir com as cores da lataria do carro enquanto o pai tinha os olhos nele e um sorriso orgulhoso no rosto.

Liza sorri automaticamente.

Era uma bela imagem.

Depois disso ela segue andando vagarosamente em frente à estante, mas algo fora dela chama a sua atenção. Na lateral da parede de troféus havia um quadro com algumas chaves penduradas. Liza quase engasga ao constatar cinco chaves com o logo de marcas famosas.

— Você tem a porra de um Porsche?

Mike dirigiu uma BMW ao caminho para o seu condomínio e o manobrista fora quem levara o automóvel até as garagens. Apesar de não saber que o parceiro era proprietário de automóveis esportivos ou o fato sequer passar pela sua cabeça, ela deveria desconfiar devido a sua profissão.

Mike gargalha e se aproxima dela, parando em frente ao quadro e olhando a chave em específico.

— Eu tenho a porra de um Porsche. – ele afirma rindo.

— Qual modelo? – ela indaga animada.

— 911 Turbo S.

Caralho!— ela diz encantada. – É um carro incrível. Sou apaixonada nele desde o lançamento.

Mike a olha pelo canto do olho.

— Quer dar uma volta? – ele pergunta pegando a chave do quadro e girando no dedo.

Os olhos de Eliza brilham.

Eles descem até o subterrâneo do prédio e caminham até a garagem de Mike. Quando o rapaz sobe o portão de ferro Eliza sente seu queixo cair.

Mamma mia.

Enfileirados um do lado do outro havia carros belíssimos de diferentes cores e padrões, todos reluzindo à luz fraca da garagem e transcendendo o seu valor. Eliza podia sentir o cheiro de carro novo dali de fora.

— Pensei que fosse acostumada com isso, afinal você dirige máquina bem mais potente. – Mike diz.

— Carros de corrida são completamente diferentes. – ela diz rodeando os carros – Estes aqui são esportivos, para uso nas ruas. É quase um pecado fazer uma máquina dessa e ela ser limitada à velocidade urbana, mas elas são incríveis. Para testar toda a potência elas têm que ser experimentada em circuitos e até hoje eu só peguei uma Mercedes 300SEL 6.3 naquele evento no Canadá para realmente correr.

— A Pruma não te deu uma Ferrari para se locomover durante a estadia lá na Itália? – ele indaga com a testa franzida.

— Sim, mas eu mal tive tempo de guiar. – ela suspira – Eram treinos dia e noite e a querida 488 GTB ficou na garagem do apê. Acho que eles até levaram de volta para a sede e colocaram de exposição depois que começou o campeonato. – ela dá de ombros – De qualquer forma, uma Porsche é uma Porsche, não é?!

Mike joga as chaves em sua direção.

— É toda sua.

Liza as pega no ar e olha o carro de cor grafite cintilar aos seus olhos.

Ela destrava e senta-se no banco de motorista, desfrutando do cheiro de carro novo e moderno. Passa as mãos pelo volante de couro e confere aquele painel completamente digital e tecnológico, muito diferente do Gol 2012 que ela tinha antes.

O carro era equipado com tantos acessórios que Liza se sentiu até perdida com aquele excesso de informação. Ela aperta o botão de ligar e o motor ronca imediatamente, estremecendo o portão de ferro da garagem.

Eliza olha para Mike do lado de fora e indaga com a testa franzida: - Você não vem?

— Não. – ele dá de ombros. – Confio em você.

— Não deveria. Eu não conheço nada de Barcelona. – ela ri. – Vai que entro em uma rua que é contramão.

— Aposto que encontra o caminho até o circuito. Ele não é muito distante daqui. – ele diz sorrindo esperto – Ouvi dizer que ainda tem uns funcionários da manutenção trabalhando por lá.

Liza arqueia uma sobrancelha sorrindo, captando a mensagem na fala do parceiro.

— Tudo bem, eu vou. – ela diz por fim. – Mas só vou fazer isso pelo carro, ele ficou muito tempo trancado nesse cubículo. – ela acaricia o painel sorridente.

Mike gargalha.

— É claro.

Em poucos instantes Liza já está nas ruas e sentindo aquela excitação usual por estar no controle de um motor tão poderoso. Diferente de quando se está em um carro próprio para corridas, o carro esportivo tinha muito mais espaço e detalhes complementares que criavam a personalidade do automóvel.

Com os carros esportivos não era somente acelerar, frenar, correr, reduzir ou guiar, tinha muito mais a acrescentar nesse contexto.

Ela chega aos portões secundários do autódromo e o segurança arregala os olhos em surpresa ao constatar quem era a motorista. Ela desce o vidro para falar com ele.

— Oi Damke. – ela lê o nome no crachá. – Será que teria como eu entrar rapidinho? Esqueci a minha mochila em algum lugar por aí e meu crachá está dentro dela.

O rapaz, extasiado pela presença da pilota que tinha o rosto estampado em vários sites da internet, somente assente e abre o portão para ela sorrindo.

— Obrigada. – ela diz alegre e segue em frente.

Ela passa pelo estacionamento e se direciona às entradas de segurança para a pista, passando por alguns funcionários de outras construtoras que terminavam de recolher todo o seu equipamento e aparelhagem.

Pingos finos molham o para-brisa do carro e Liza revira os olhos. Ela estava começando a pensar que não estava entre as preferidas de alguém lá de cima.

Quando finalmente consegue colocar o carro frente à faixa quadriculada na reta da largada do circuito, está a cair uma chuva torrencial ao lado de fora. As luzes do circuito estão apagadas e a escuridão é completa, exceto pelas luzes do painel do carro e faróis que pouco iluminava o lado de fora.

— Ótimo. – resmunga com ironia.

Liza encosta as costas no apoio do banco e respira fundo, passando as mãos pelo rosto. Em seu campo de visão, apesar de conturbado por conta da chuva, ela consegue ver resquícios da faixa branca e preta à sua frente e automaticamente as lembranças daquele mesmo dia mais cedo a atingem com força.

A alegria, a excitação, toda aquela emoção que havia vivido parecia ter sido há uma vida e naquele momento ela sentiu o bolo na sua garganta aumentar.

— Chega de choro, chega de choro. – ela diz limpando os cantos dos olhos que ameaçam liberar os seus dutos lacrimais mais uma vez.

Ela chacoalha a cabeça com força e respira fundo novamente, tentando controlar a dor crescente em seu peito.

Depois de um tempo em silêncio, só ouvindo os pingos da chuva ao lado de fora do carro, ela liga o rádio e uma música da banda Coldplay [1]começa a tocar os primeiros acordes.

Ela fica com o olhar preso no rádio, sentindo seu corpo todo se arrepiar.

Aquela era a música e banda preferida de Charlie, ele havia tocado exatamente aquela música para ela em notas suaves e vibrantes no piano da sala de música de um hotel que eles se hospedaram para alguma corrida que Eliza não se preocupou de recordar-se onde. Foi um momento íntimo e marcante, vê-lo concentrado em frente aquelas teclas comparava-se a observar o mar. Completamente tranquilizante.

O monegasco era fã da banda porque, segundo ele, as letras tinham significado e eram inspiradoras, além de ter batidas incríveis. Charlie também gostava de dirigir ouvindo música, era uma mania que ele tinha. Sempre que subia em um carro seu dedo automaticamente se direcionada ao botão do rádio. Ele dizia que ajudava-o a pensar e ao mesmo tempo relaxar.

Claro que em corridas oficiais não se era permitido, mas ele garantia que não havia algo mais tranquilizante que pegar uma estrada reta e longa acompanhada de uma boa música. Isso porque ele nunca teve a oportunidade de se ver tocando piano.

Stole a key.

Took a car downtown where the lost boys meet.

Took a car downtown and took what they offered me.

To set me free.

I saw the lights go down at the end of the scene.

Saw the lihts go down and standing in front of me.  [COLDPLAY, 2011.]

 

Roubei uma chave.

Fui de carro até o centro onde os meninos perdidos se encontram.

Fui de carro até o centro e peguei o que eles me ofereceram.

Para me libertar.

Eu vi as luzes se apagarem no final da cena.

Eu vi as luzes se apagarem e elas estão paradas na minha frente.

[Tradução. COLDPLAY, 2011]

Liza sobe os olhos até onde os faróis de largada, que estavam acima de sua cabeça. A coincidência dando-lhe um tapa na cara.

“In my scarecrow dreams. When they smash my heart into smithereens.” [COLDPLAY, 2011.]

 “Nos meus sonhos de espantalho. Quando eles quebram meu coração em pedacinhos” [Tradução. COLDPLAY, 2011.]

É inevitável Liza tentar repelir as imagens da reunião da FIA onde eles lhe desclassificaram da melhor corrida de sua vida e a cena humilhante que foi acompanhar o pódio de seus adversários em cima do mesmo palco, vendo-os receber um prêmio que era para ser dela.

Lágrimas involuntárias descem pelo seu rosto pela inconveniência de logo aquela música casar tão bem com a situação e ela ao menos procura evita-las.

“Light a fire, a fire, a spark. Light a fire, a flame in my heart.” [COLDPLAY, 2011.]

“Acenda uma fogueira, uma fogueira, uma faísca de luz. Acenda uma fogueira, uma chama no meu coração.” [Tradução. COLDPLAY, 2011.]

E no mesmo instante em que o vocalista canta, as luzes do circuito se acendem de súbito, cegando a pilota que tampa os olhos devido à claridade.

Quando sua visão se acostuma com a iluminação, ela percebe que a chuva não está tão forte quanto pensava. E que os faróis de largada também tinham sido ligados.

Ela olha ao seu redor, mas não encontra ninguém nem na reta dos boxes, ou nas arquibancadas, mesmo nas mesas de controle onde ficavam as construtoras na hora da corrida.

No entanto, conforme as luzes da largada vão se ascendendo, a buzina indicando que estava na hora da sua largada, como uma boa pilota ela ligou o seu motor aguardando que todos os pontos vermelhos se apagassem.

“We’ll run wild. We’ll be glowing in the dark.” [COLDPLAY, 2011.]

 “Vamos correr como selvagens. Estaremos brilhando no escuro.” [Tradução. COLDPLAY, 2011.]

Ela larga e o seu pneu patina, devido aquaplanagem causada pela água na pista. Contudo, ainda assim, em menos de oito segundos ela está próximo a 200 km/h correndo com borboletas em seu estômago dançando no ritmo da música.

Liza guia o carro como havia feito naquele dia, tranquila e centrada. A chuva nunca fora seu maior problema, como para a maioria dos pilotos, porque uma das inúmeras coisas que havia aprendido com o ídolo Adalto é que quanto mais você treinasse para algo, mais você seria habilidoso naquilo. E o quanto ela havia treinado só aquela temporada em pistas molhadas devido à isto não poderia ser contabilizado nos dedos das mãos.

A sinfonia da música causa uma emoção, diferente das cento e vinte e sete vezes que havia percorrido o trajeto naquele final de semana, como se a velocidade que fazia não fosse rápida o suficiente para acompanhar o ritmo da música.

Quando ela passa pela segunda vez pela faixa quadriculada e escuta os toques leves que antecedem ao final da musica, para o carro por completo e o barulho da freada brusca ecoa pelo autódromo.

A parte final da música é tocada por uma melodia de um único instrumento.

O piano.

E as lágrimas que haviam caído livres durante as voltas se intensificam.

Droga, como ela poderia estar tão chateada com uma pessoa e ao mesmo tempo querer que a própria a abraçasse?

Ela pousa a testa no volante aos soluços, finalmente refletindo sobre os últimos acontecimentos.

Em questão de um dia ela havia perdido a sua pontuação, perdido a chance de disputar uma final de campeonato, perdido as esperanças de ser uma mulher que poderia ser bem sucedida no mundo automobilístico e ela receava a possibilidade de perder o seu primeiro amor.

Eliza tinha ficado tão viciada na presença do monegasco e a sensação de autoconfiança, tranquilidade e segurança que ele transmitia que estava com medo de não voltar a sentir toda aquela paixão por ele com a mesma intensidade depois de se sentir tão traída.

A dor da mágoa por não ser aceita no meio de uma supremacia masculina não se comparava à dor da traição de pessoas quem ela tinha afeto profundo e confiava cegamente.

Era como se ela tivesse sido atingida na barriga por várias vezes consecutivas. Era quase uma dor física.

 Além disso, ela pensava na amizade que pensara ter com Felipe e Afonso, a segurança que ela sentiu ao estar sendo supervisionada pela FIA – um órgão que ela pensara estar ali para garantir o melhor aos seus competidores sem recriminação de gêneros – e a fé que tinha de progredir para a etapa maior, o grande campeonato dos sonhos.

Não consegue evitar sentir desespero ao ver o seu mundo desmoronar pela segunda vez diante dos seus olhos e não poder fazer nada.

Como ela passaria para a Fórmula 1, com todas as construtoras sabendo que se associando a imagem dela eles poderiam ser prejudicados?

Como ela garantiria a permanência na Pruma Racing, depois de terem arrancado a pontuação da somatória deles por causa dela?

Ela não conseguia ver esperança.

Agora que havia parado para pensar, não conseguia ver soluções.

Liza pula de susto quando de repete escuta dois toques leves no seu vidro lateral.

Ela sobe os olhos e vê um homem rechonchudo, de bochechas grandes, cabelos grisalhos e lisos penteados para trás sorrir amigavelmente em sua direção.

Ele vestia uma jaqueta corta vento na cor laranja que tapava-o do frio e uma calça cinza, mas nenhuma de suas roupas ou ele próprio estavam molhados.

É então que Liza percebe que havia parado de chover, somente uma garoa quase imperceptível caía do céu vagarosamente.

O homem a encara com uma sobrancelha arqueada.

Ela aperta o botão para abrir o vidro com uma mão, enquanto com a outra tenta secar o rosto molhado rapidamente.

— Me desculpe, senhor. Eu já estou de saída. – diz com a voz rouca.

— Eliza Benedetti, é você. Certo? – ele pergunta.

— A própria. – ela assente com um sorriso tristonho no rosto.

O homem repara na vermelhidão do nariz e olhos da jovem, mas prefere não comentar sobre.

— Pensei que não iria mais te ver por aqui. – ele admite. – Foi uma situação e tanto que aconteceu mais cedo. Eu sinto muito.

— Foi. – ela suspira pesadamente. Em seguida pergunta – Foi o senhor que ligou os refletores?

— Sim. – ele assente sorrindo – E ainda bem que eu fiz, não poderia perder a chance de te ver provar mais uma vez que é uma talentosíssima pilota.

— Obrigada. – ela diz sincera, com a voz fraca. – Você é um fã?

— Do seu trabalho? Com certeza! – ele sorri entusiasmado.

Eliza sorri.

— Entra aí, vamos dar uma volta. – ela diz e o homem engrandece o sorriso, dando a volta no carro para entrar no banco do passageiro.

Eliza tinha a leve impressão de conhecer o rosto daquele homem, mas em vista dos inúmeros funcionários que trabalhavam nos eventos da Fórmula 2, poderia tê-lo visto em qualquer um destes lugares.

Ele entra no carro, coloca o cinto de segurança e em seguida estende a mão para a pilota.

— É um prazer finalmente te conhecer. – ele diz e ela aperta sua mão rapidamente.

— Como havia dito que era o seu nome, mesmo? – Liza pergunta já saindo com o carro.

— Eu não disse. – ele diz contendo uma suspirada funda, devido á arrancada veloz da jovem.

— O senhor já andou em algum dos carros antes? – ela pergunta apertando o pé no acelerador. – Os de corrida.

— Posso afirmar que tenho uma certa familiaridade. – ele responde segurando-se no próprio banco quando ela vira a primeira curva.

Liza ri.

— E o que estava fazendo até essa hora no autódromo? – ela indaga sem tirar os olhos da pista. – Ganhando algumas horas extras?

— Na verdade eu estava mesmo com esperança de te encontrar. – ele revela e Liza franze a testa. – Não viajei por mais de doze horas, tomei um chá de cadeira o dia inteiro, assisti do melhor ao pior momento hoje para sair daqui de mãos vazias.

Eliza reduz o carro para entrar na curva que viria a seguir.

— Como é?

— Quando se assume a chefia de uma equipe automobilística é de praxe receber algumas dicas e conselhos do último líder. – o homem declara, ignorando a sua pergunta. – Havia algumas observações e indicações, digamos, curiosas do meu antecessor. As quais são completamente normais, afinal é de orientações para se administrar um cargo de grande responsabilidade que estávamos falando e neste meio em que trabalhamos, todo detalhe é essencial.

— Não estou compreendendo aonde o senhor quer chegar com isso. – ela diz rindo anasalada.

— No entanto. – ele atenua sua fala, novamente a ignorando – Fiquei completamente intrigado com uma observação de Ron Dwayne quando ele me passou a chefia da McDraguen.

Liza prende a respiração um instante por tamanho choque.

O pneu dianteiro passa pela zebra na lateral da pista, fazendo todo o carro vibrar, e a pilota é obrigada a reduzir a velocidade até que o carro parasse por completo no meio do circuito.

Seu coração está batendo loucamente em seu peito e a respiração começa a ficar ofegante.

— Você gostaria de saber qual era a observação dele? – o homem a pergunta com o sorriso amigável no rosto.

Com as mãos e pernas trêmulas, ela acaba por assentir vagarosamente sem desviar os olhos da pista inerte à sua frente.

— Ele me disse para ficar atento á próxima promessa dessa geração. – ele relata. – Uma jovem brasileira, de descendência italiana, que tinha muita garra e havia se destacado muito, antes mesmo de atingir a maioridade. Ele tinha certeza que, mesmo que ela se afastasse por um tempo, voltaria e consagraria a sua carreira e que se encaixaria perfeitamente nos padrões da McDraguen.

Liza vira a cabeça na direção do homem, se xingando mentalmente por não ter reconhecido o seu rosto de imediato. Que tapada.

— Eu tenho acompanhado toda a sua desenvoltura desde o começo deste campeonato e o que vi hoje me fez prometer a mim mesmo que não sairia daqui sem a sua assinatura no nosso contrato. – ele declara. – Temos uma vaga na equipe principal como pilota titular na nossa escuderia e adoraríamos que fosse preenchida por você.

O coração da jovem erra uma batida.

— E então, o que me diz?

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[1] Coldplay é uma banca britânica de rock alternativo composta por Chris Martin, Jonny Buckland, Guy Berryman e Will Champion fundada em 1996 que está vigente até o presente momento (2021).

Referências Bibliográficas

COLDPLAY. Charlie Brown. The Bakery e The Beehive, Londres, Inglaterra, Reino Unido. EMI: 2011. Suporte: 4:45min;



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Race in Heels - Corrida em saltos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.