Quatro Estações escrita por Lilac


Capítulo 3
Capítulo 3 - Equinócio de Outono




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800622/chapter/3

Era o equinócio de Outono. O primeiro dia daquela estação. Embora fosse apenas o primeiro dia, o vento já estava mais frio, as folhas de algumas árvores começavam a mudar de cor e as de outras começavam a cair em preparação para a total desfolha que as permitiria sobreviver ao rigoroso inverno. 

Apesar disso, Rosé achava o Outono uma época muito bonita. Os tons de laranja e amarelo eram agradáveis demais para que ela simplesmente não lhes desse a devida atenção. Era como andar por uma das pinturas de Van Gogh com tantas cores vivas que havia naquela época do ano e, mesmo a aura melancólica do tempo cinzento, tudo lhe parecia agradável e perigosamente atraente do ponto de vista de Roseanne.

Em algum ponto de sua curta caminhada entre o apartamente e o campus da Universidade ela permitiu-se divagar completamente acerca de como vinha sendo sua adaptação e recepção. Uma semana antes ela era o assunto da faculdade por ter bebido demais. E agora, era assunto por ter sido convidada a auxiliar Jong Suk no projeto que ele desenvolvia e que era parte da carga horária que ele precisava cumprir para o doutorado. Aparentemente, conseguir a confiança de Lee Jong Suk para ser um de seus alunos era algo difícil e o fato de eles estarem muito próximos para os padrões do homem sempre fazia algum burburinho mais apimentado a respeito deles aparecerem. Suas conversas com a irmã a respeito daquele tópico específico variavam entre momentos de muito riso e momentos de puro desconforto.

De qualquer maneira, o projeto era algo simples. Ela, Jennie e Yuta participavam de um tipo de estudo alternativo onde criavam cores. Novos pigmentos. Por isso, ocorreu à ela que pegar algumas folhas vermelhas, amarelas e amarronzadas poderia ser interessante. Especialmente se ela as levasse para o laboratório, triturasse e as colocasse num filtro de papel como se fosse ervas para infusão. Então poderia fazer a extração do pigmento usando álcool ou o que mais fosse conveniente através da técnica de arraste. É, seria uma boa ideia. 

Aquilo ia levar um tempo, especialmente porque ela precisava desidratar as folhas por completo para não haver interferência da água. Ela estava sorrindo quando chegou ao corredor, mas ouviu a conversa dentro da sala antes mesmo de se aproximar o suficiente da porta. Não era dada a fofocas e muito menos a ouvir por trás da porta. Também acreditava que assuntos sérios deveriam ser debatidos, mas as coisas dentro do laboratório pareciam acaloradas em um péssimo sentido.

A mulher gritava algo que ela não conseguia distinguir a princípio, mas que se tornou claro à medida em que caminhava. — E então? E depois de você se formar?! Depois que acabar esse doutorado, heh? Oppa, você tem de casar! Está com trinta e dois anos nas costas! Sabe que nossos pais vão acabar arrumando alguém se você não o fizer! Não seja assim! Uma vez na vida faça um esforço para ter uma namorada minimamente decente e aceitável! O que custa, hm?!

Seria falta de educação interromper. Mas se ela conseguia ouvir, então talvez fosse menos educado ficar parada. Ainda assim, ela congelou ao ouvir uma vidraria se quebrando, pensando o que havia motivado a quebra do objeto. Hesitou antes de dar os cinco passos finais que a separavam da entrada. — Droga! Eu pedi pra você não botar a bolsa aí que ia quebrar alguma coisa — a voz de Jong Suk parecia um pouco exasperada e ela decidiu então que seria melhor acabar logo com aquilo. Um favor para Jong Suk por tê-la socorrido quando havia bebido demais. Era um favor justo, mesmo que corresse o grande risco de levar uma bronca em conjunto do mais velho. 

Bateu os nós dos dedos contra a madeira e abriu a porta, colocando o rosto ali dentro. — Oh, sunbae. Olá. Eu não percebi que estava com visitas. Me desculpe interromper, eu trouxe algumas folhas que já entraram no clima do outono para extrairmos os pigmentos. Pode me dizer se o material é de boa qualidade?

A mulher bufou ao ver Jong Suk com a expressão surpresa e com os cacos de um balão de fundo redondo em sua mão. Bom, Park Chaeyoung julgava ser por surpresa, mas não sabia que Lee Jong Suk estava admirando-a naquele dia em especial. Talvez Jay não soubesse o quão angelical era Roseanne quando a chamou de anjo dourado, mas ela definitivamente tinha ares de anjo da guarda para ele. Especialmente aparecendo daquela maneira, naquele instante, onde precisava sair daquela discussão antiga. — Claro, senhorita Park. Entre, por favor. Você pode colocar seu jaleco, minha irmã já está de saída, certo?

A mulher, bonita e elegante, se aproximou dele e sussurrou como se apenas o homem ali presente pudesse compreender, ainda que Rosé estivesse ouvindo muito bem o que ela falava, algo que deixou a menina mais nova visivelmente chateada, com sua expressão em um misto de choque e contrariedade. — Você tem que parar de se engraçar com essas menininhas, oppa. Ainda mais uma que não parece nem tão inteligente assim. É sério, olha bem para ela. É bonita, mas parece cabeça oca. — E, tão rápido quanto havia sussurrado aquelas coisas, deixou a sala antes que Jong Suk pudesse falar qualquer coisa.

— Me desculpe por isso. Ela normalmente não é ranzinza neste nível, embora seja meio mau humorada mesmo. E obrigada, Chaeyoung. Digamos que você acaba de me salvar de uma longa e tediosa conversa com minha irmã. — Ela forçou um sorrisinho sem jeito, porque compreendia que ele não tinha culpa alguma pelo mal gênio de sua irmã, mas também não tinham o que fazer para amenizar as coisas rudes que ela havia dito e insinuado sobre Chaeyoung. No fim das contas, Rosé apenas balançou a cabeça em concordância ao agradecimento do mais velho, achando que seria sua melhor saída.

— Considere que eu estou pagando a minha dívida por ter me salvado semana passada. O meu pequeno vexame alcóolico, caso você não se lembre. De todo modo, estava dando para ouví-la de longe. Pensei que seria constrangedor para vocês se outras pessoas parassem para ouvir. Eu não acho que seja tão cabeça oca assim, certo? De todo modo, eu acho que seria pior se ela saísse da sala e me encontrasse encostada perto da porta para ouvir o que falavam enquanto esperava o fim do espetáculo, certo?

— E então? O quanto você ouviu? — o riso nos lábios dele era bem humorado enquanto ele passava a mover-se pelo laboratório de maneira compassada e profissional.

— Casamento arranjado? Eu achei que isso não existia mais. — Ele riu baixo e balançou a cabeça de modo sereno. 

— Você a ouviu. Eu estou velho. — a respiração pesada de Jong Suk enquanto ele secava as mãos depois de descartar a vidraria quebrada a fez comprimir os lábios em pena. — Eles querem que eu tenha herdeiros logo. Meu irmão está noivo e se alistou no fim do ano passado. E minha irmã já é casada… eu sou o mais velho dos três. E ainda estou aqui. Esperam que eu me case o mais rápido possível para que eu possa ter filhos e todas essas coisas que esperam das pessoas depois que eles passam dos trinta anos. Aproveite, Chaeyoung.

— E se você não arrumar alguém por conta própria eles vão arrumar pra você? Não parece justo. Quer dizer, não é o tipo de coisa que meus pais fariam, eu acho. Ainda não comentaram nada do tipo com minha irmã e, bem, ela está quase nos trinta, não é? — Jong Suk riu um pouco ao vê-la cabisbaixa e mexeu na sacola de papel, abandonada sobre o balcão há alguns minutos, onde Rosé colocara as folhas. 

— O mundo dos ricos é assim, Chaeyoung. Quanto mais dinheiro, mais estúpidos os pais podem ser. Não que eu fosse detestar ser gay ou coisa do tipo, mas meu pai com toda certeza não teria me deixado viver tanto se eu o fosse. — a garota arregalou os olhos e afastou-se um pouco da bancada, como se o móvel tivesse lhe dado um choque. — Honra. Imagem é tudo, certo? Você precisa cuidar da sua imagem para ter uma boa vida e não ser uma vergonha para seus parentes. E eu, sendo o mais velho, tenho de ser bom exemplo. Já viu filho gay sendo bom exemplo? Meu pai não viu, definitivamente. Eu acho que o desgosto o mataria antes que ele me matasse, mas para todos os efeitos… eu estaria morto.

— Sinto muito, sunbae. Eu espero que você encontre alguém e não acabe se casando de maneira forçada. Acho que seria muito triste alguém tão bom e gentil acabar em um relacionamento sem amor e tudo mais que um relacionamento pede. — O olhar dele prendeu-se no rosto delicado, demorando-se nos lábios rosados projetados em um pequeno bico. Os olhos dela brilhavam de um modo que realmente lhe dava um ar de tristeza angelical, fazendo-o arfar discretamente quando abaixou a própria cabeça. 

Em verdade, Jong Suk sentia-se atraído por Rosé pelo que pudera observar dela. Longe e perto, ela era alguém que extrapolava as aparências. Até onde ele havia a observado, ela era gentil, educada e tinha um ótimo coração. Também era engraçada e sincera, de modo que ele, honestamente, não conseguia deixar de pensar que adoraria encontrar alguém como ela. Porque, no fim das contas, pensava que com Roseanne ele sequer tinha chances. Era velho para alguém como a garota. Se ela fosse uma moça como as garotas de sua idade costumavam ser, ele com toda certeza teria alguma chance com a menina, porque uma grande diferença de idade costumava ser comum em seu país. Moças costumavam buscar homens com alguma estabilidade. Homens que pudessem cuidar das famílias que construíram. Homens que tinham conquistas que os garotos de vinte e pouco dificilmente teriam. Embora, de certa maneira, ele tivesse a noção que ela era diferente em vários aspectos das garotas de seu país, por conta da criação que havia tido.

Jennie e Yuta entraram no laboratório de mãos dadas, se limparam logo após os cumprimentar e começaram a separar as folhas para colocarem na estufa. Era um processo tranquilo e, ao mesmo tempo, um tanto quanto minucioso, embora estivesse longe de ser a parte mais complexa ou perigosa daquilo que iriam fazer. O objetivo era deixar as folhas na estufa a sessenta graus por algumas horas para as que estavam no chão. Mas para aquelas que Chaeyoung havia tirado da árvore, o tempo era de dias. 

De todo modo, eles trabalharam em silêncio a maior parte do tempo. Cada um absorto demais em suas próprias anotações, análises e raciocínio. Suas mãos movendo-se de maneira discreta e pontual. Quase como se fossem autômatos. Mas então, o trabalho acabou e cada um sentou-se em uma bancada, em pontas distintas e distantes umas das outras. Discretamente, Rosé começava a desenhar Jong Suk em seu caderno enquanto não tinha anotações a fazer, visto que havia terminado-as durante o processo de separação. Ela gostava do modo como ele era gentil, divertido e atencioso ao mesmo tempo em que era sério e profissional. Ele parecia-se com duas pessoas em uma só com aquela dualidade que Chaeyoung não conseguia deixar de acreditar piamente que era um charme do maior. 

Ainda assim, ela não conseguia deixar de pensar no que a irmã dele falara. Jong Suk nunca "se engraçava" para as alunas. Então, qual era o problema da irmã dele? Talvez ela não quisesse que ele acabasse infeliz por se casar com uma pessoa qualquer e, também, não devia pensar que pequenas universitárias seriam boas o bastante para o seu irmão mais velho. No fim das contas, aquilo parecia triste demais até mesmo para Roseanne, que não entendia como as pessoas poderiam ser tão cruéis com os próprios filhos para obrigá-los a um casamento infeliz, ou simplesmente julgar todas as pessoas de uma determinada faixa etária pela imprudência delas.

Foi Jennie quem a viu desenhando para sua sorte e a tirou de seus devaneios com um cutucão. — Acho que se você o convidar para sair, ele deve aceitar. — Roseanne arregalou os olhos e fechou o caderno com um baque seco e alto, fazendo Yuta e Jong Suk olharem em sua direção com alguma surpresa. — Não comece a agir como se você não tivesse pensado nisso, Rosé-ah! 

A estrangeira balançou a cabeça em um breve aceno e mordeu o inferior como se pensasse no que responder para a morena que sussurrava em seu ouvido como Lillith. Talvez Jennie fosse o próprio demônio, ela era bonita como um. Park engoliu em seco e inspirou profundamente por três vezes antes de abrir o caderno e escrever com a caligrafia caprichada: "O que te faz pensar que tenho chance?"

— Ele te olhava como se estivesse pensando se o gosto desse seu gloss é mesmo cereja, como o cheiro. Ou se é daqueles que amarga a boca quando você encosta a língua.

"Ele pode estar com mulheres maduras. Mulheres de verdade."

— Fato. Mas acho que ele anda querendo provar algo mais novo. — Jong Suk olhou para ambas, o que fez a mão de Roseanne estremecer quando ela fez menção de escrever. Seu coração batia de forma tão pesada que ela podia ter a mais completa certeza de que seus batimentos se faziam audíveis mesmo do outro lado da sala. — Admite, você também pensou em como seria beijá-lo e a julgar pelo jeito em que você está engolindo em seco, deve ter pensado em algo além.

"Eu não pensei em nada."

— E eu nasci ontem, certo? Sabe… se você o chamar, o que de pior pode acontecer? — a fala de Jennie foi acompanhada de um pequeno riso, o que fez Lee Jong Suk se afastar de Yuta e começar a andar em direção às garotas. Roseanne rapidamente enfiou o caderno em sua mochila e se colocou de pé, sentindo-se subitamente nervosa. 

— Sunbae, eu p-posso ir embora? Me sinto meio tonta de repente. — ela conseguiu manter a voz razoavelmente firme, embora suas bochechas queimassem e seus olhos estivessem arregalados como quem havia acabado de ver uma assombração. Jennie continuou a rir, o que deixou o Lee completamente intrigado enquanto observava as garotas sem ter muita certeza do que dizer ou de como reagir. Àquela altura, Yuta também olhava-os com curiosidade explícita e passou a se aproximar da bancada. — Sunbae? Posso ir?

— Sim? Ah. Sim. Pode ir. Espero que melhore. — desejou à garota, sorrindo de maneira amigável. 

Roseanne agradeceu e se retirou do laboratório em passos rápidos, por pouco não tropeçando em seus próprios pés. De todo modo, as coisas que Jennie havia dito a faziam pensar sobre o que era verdade e o que era apenas delírio da morena que parecia ansiosa para ver Jong Suk com alguém. 

O que ela sabia é que evitaria se encontrar com o mais velho pelo máximo de tempo possível. 

Foi por isso que naquela semana ela passou grande parte do tempo dedicando-se em evitar Jong Suk e qualquer outra pessoa que pudesse falar dele, perguntar dele ou qualquer outra coisa que a fizesse pensar no constrangimento que sentia com a imaginação fértil que começava a ocupar as horas livres de sua mente de maneira consciente ou não. Ainda era irritante lembrar-se do sonho onde o havia beijado, especialmente porque a simples memória do sonho era suficiente para fazê-la suspirar. 

O professor a chamou, fazendo-a afastar os devaneios para o fundo de sua mente. — A senhorita por um acaso já terminou? — ele olhava para a bancada na frente de Roseanne. Ela havia terminado? Seus olhos percorreram os materiais e a solução salina pronta sobre sua bancada antes de assentir sem pressa alguma. 

— Sim. E não estou me sentindo muito bem… posso sair mais cedo? — o professor pareceu irritado com a chance de ter perdido a oportunidade de lhe dar uma bronca. Suas orelhas ficaram vermelhas e ele respirou fundo como se ela o tivesse insultado. 

— Claro, senhorita Park. Pode ir. — ela se despediu de Lisa e Jay, que eram partes de seu grupo e sorriu minimamente. Ela colocou a pequena bolsa no ombro e caminhou pelo campus até se sentar no banco sob uma árvore. Estava cansada, mentalmente exausta, mas fisicamente sentia-se bem. Tentar lutar contra os pensamentos “impróprios” e se reprimir durante quase todo o tempo a fazia sentir uma necessidade extrema de apenas sentar e respirar fundo. Relaxando gradativamente com os olhos fechados. 

Perdeu um pouco da noção do tempo em que ficou ali, sobressaltando-se ao ouvir uma voz parada ao seu lado. — Você ainda está mal? — murmurou Jong Suk antes de tocar sua testa como se para ver se ela estava com febre. — O que você tem? Precisa de ajuda? 

Roseanne olhou-o com um meio sorriso descrente e balançou a cabeça. — Estou bem. Foi um mal estar momentâneo. E você me achou aqui… — ela pareceu pensativa. Era curioso que Jong Suk parecesse sempre ter um meio de encontrá-la nos momentos em que ela mais precisava de alguém para ficar de olho em si. Ela gostava da ideia de tê-lo por perto, mas havia uma sensação engraçada e crescente na boca de seu estômago quando ele se aproximou naquele dia. O que estava acontecendo consigo? 

— Na verdade, me disseram que você não estava se sentindo bem e que eu, talvez, devesse te procurar — Ele riu um pouco e lhe ofereceu uma garrafinha com chá gelado. — Mas já que você está bem, eu queria te perguntar uma coisa. — havia um meio sorriso que parecia um misto de nervosismo e diversão pairando nos lábios dele. Especialmente porque Rosé parecia não ter a menor ideia do porquê diabos ele estava falando com ela ou do que teria a dizer.

— O que é? — perguntou curiosa, olhando-o com a testa franzida. Ela sentia-se estranha enquanto pegava a garrafa e tomava um longo gole do chá. Era um pouco amargo, mas devia ser o que ele havia julgado bom para o mal estar dela.

— Quer sair comigo? 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quatro Estações" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.