Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 23
Encarar o Leviatã ou se afogar em águas profundas


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal, sejam bem-vindos a mais um capítulo novo. Eu tenho falado por várias vezes que estamos na reta final e eu juro que é isso mesmo!



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Era madrugada e faltavam poucas horas para o nascer do sol. O momento estava chegando e parecia que o mundo ao seu redor havia se distorcido, perdido a cor. Comprimiu-se, tomando a forma de um cubículo no qual só havia Sara e mais ninguém. 

Acordando de repente como se tivesse passado por um sonho do qual não conseguia se lembrar, Sara aproveitou que se encontrava um pouco afastada de Grissom e se levantou da cama. Vestindo a primeira camisa que tateou sobre o chão, encaminhou-se para a janela vagarosamente. No meio da escuridão, afastou um pouco a cortina e atentou para o vaso de camélias, tão bem conservado que parecia ter sido ganho no dia anterior. Sara cultivou um carinho tão grande por aquelas flores que chegava a ser engraçado sua afeição por elas.  

Pensou em se sentar à mesa na companhia das flores, porém, o lado de fora lhe conquistou a atenção no final. Parou de frente para a janela e abriu um pouco mais as cortinas para observar a escuridão quase total no pátio exterior do Complexo, iluminado por uns feixes de luzes mais afastados. 

Ela acordou porque não queria que a manhã seguinte chegasse tão rápido. Passou os minutos ali em silêncio, atentando para as gotas d'água que pouco a pouco aumentavam de volume enquanto se chocavam contra a janela. Pensou tanto como a chuva; muita coisa em pouco tempo. Pensou inclusive no homem deitado em sua cama; dormindo, quem sabe, um sono tranquilo. Pensou no quanto o amor que sentia e recebia por ele era um combustível que alimentava sua sede por viver. E no quanto o amor também era um motivo para temer tudo que viesse pela frente caso as coisas não saíssem como esperado. 

Sem motivo aparente tocou na superfície fria; a diferença de temperatura quente de sua pele e do vidro foi suave, mas evidente, o que a fez se retrair por um momento. Tentando enxergar além da janela não viu mais que seu reflexo apagado e distorcido pelo vapor de sua respiração. Passando a mão para clarear a superfície, tentou mais uma vez enxergar o que havia lá fora: apenas a penumbra do bosque. Assim estava sua vida; mal conseguia enxergar um palmo de distância. 

O tempo era cruel com ela: demorou a passar quando mais ansiava que aquele dia chegasse e então correu mais rápido que nunca quando o temia com todas as forças. De repente se viu sem coragem alguma de continuar. Estava prestes a encarar um leviatã no mais profundo dos oceanos numa jornada que teria de enfrentar sozinha; sem a mínima certeza de que iria retornar. 

Não, aquilo era assustador demais. Ela não tinha condição alguma de aceitar um destino daquele; não quando corria o risco de perder toda uma vida, perder a chance de viver — ao menos por um breve período — ao lado da pessoa que amava. E se desistisse de tudo para se lançar ao restante da vida como uma pessoa normal? Tinha certeza de que traria boas memórias até o seu túmulo, de que pôde aproveitar algo que sempre desejou. 

Não era a janela fechada que lhe causava a sensação de estar presa; nem se a abrisse teria sua angústia sanada. Sua prisão era seu próprio corpo. 

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Escuridão tomava conta do quarto. Quase um breu se não fosse um feixe claro de luz um pouco distante, situado no lugar que talvez fosse a janela. 

Gradativamente ele foi acordando. Não foi um evento que o despertou, mas uma ação natural de seu corpo que aconteceu de repente, ainda acostumado com a rotina do trabalho madrugada à dentro. Ele respirou fundo. Virou-se para o lado, mas como ainda não havia se adaptado com a escuridão, preferiu usar o tato para encontrar Sara e se aconchegar nela. Ainda tinham tempo até o amanhecer, melhor passar aquelas últimas horas juntos. 

Mas havia algo errado; ele não a encontrou.  

— Sara...? — A voz arrastada quase não saiu. Por um momento achou que não a alcançou realmente, mas algo estava estranho.   

Ela não estava ali. 

— Sara? — Chamou-a novamente, desta vez sem falhas na voz. Havia certa ansiedade que ele tentou conter de todas as formas. 

Sentou-se o mais depressa que pôde na cama; mente forçada a despertar logo, o cérebro já imaginava mil coisas que pudessem ter ocorrido e todas elas indicavam o pior. 

— Sara?! 

Aflição e desespero ofuscavam seus olhos, que não possuíam direção certa e dificultavam sua capacidade de tomar uma decisão rápida. Seu medo surgiu como um fantasma cruel que se tornou realidade no momento em que acordou e não percebeu Sara por perto. 

Não pode ser.  

Quando se dispôs a erguer seu olhar para mais longe, foi então que viu a penumbra de uma mulher à janela. Esta, posta de pé em sua direção por curiosidade ao ouvir seu nome. 

— Ah, Deus... — Ele disse por entre um suspiro. Deu graças aos céus por ela ainda estar naquele quarto apesar do susto. Pôs a mão no peito descoberto e sentiu a pulsação acelerada e baixou a cabeça por alguns instantes. 

— Desculpe. — Do outro lado do quarto, ela declarou como quem estivesse arrependido. 

Ele não respondeu. Sem precisar da luz para se orientar, buscou pelo chão sua calça e sua camisa, mas só achou o primeiro. Num sobressalto ele então caminhou em sua direção. Parou ao seu lado, mas um pouco atrás. 

— Desculpe. — Ela repetiu, visando-o de canto de olho. 

— Foi só um susto... — Grissom tentou amenizar as coisas. Não precisava de mais alguém sob estresse. 

— Acordei há pouco tempo. Perdi o sono. — Sara deu de ombros ao voltar sua atenção para a janela. Do lado de fora, a imagem era distorcida pelos pingos da chuva. — Não queria te assustar, você dormia tão bem. 

— Já passou. — Grissom fez de tudo para que ela parasse de se preocupar, apesar de que as batidas do coração ainda voltavam ao normal. Esperou algum tempo e então perguntou: — Você está bem, querida? — Ele perguntou quase em sussurros, aproximando-se para lhe beijar a região entre o rosto e o pescoço; área sensível, o que lhe provocou uma reação imediata em Sara. 

— Você achou que eu tinha... ido embora de vez, não é?  

Grissom queria não ficar assim, mas não era inocente a ponto de não lidar com a realidade. A vida de Sara estava no limbo e por isso a chance de aquilo acontecer a qualquer momento era real.  

— Eu... 

Ao observá-la sob a fraca luz da noite, percebeu que ela vestira sua camisa; tão larga que a cobria como um vestido, cobrindo inclusive sua peça íntima. Ele sorriu por isto. Passados alguns segundos, fitou-a por alguns instantes como se esperasse o momento oportuno para contar-lhe um segredo. 

— Eu tentei não fechar muito os olhos enquanto... fazíamos amor. Eu fiquei... — Não teve coragem de terminar. 

Suas palavras saíram como uma confissão de que fez algo errado ou reprovável. Claro, não deixou de desfrutar dos momentos prazerosos que teve com ela horas atrás, porém uma voz dentro de si chamava-o a permanecer alerta. 

Mesmo no momento mais íntimo, no qual não havia nada a se pensar, a devoção de Grissom ao seu bem-estar chegava a constrangê-la. Poderia ter escondido isso de Sara, mas preferiu desabafar como se algo estivesse preso em sua garganta. 

Ela o encarou de frente. Pareceu surpresa de início, mas logo seu olhar abaixou e aos poucos voltou a olhar para a janela. 

— Eu-... 

— Você deslocou por meio mundo e provavelmente deixou o laboratório em crise só para vir aqui. Isso tem que acabar, Gil. — Ela visou o interior do quarto rapidamente. — Tudo isso. 

Um trovão atravessou os céus interrompendo a conversa dos dois que, em silêncio, acompanharam a chuva caindo lá fora. Mas nem isto foi o suficiente para que se esquecesse do que acabara de ouvir. Havia muito mais que apenas tentar manter os olhos abertos por preocupação; era ansiedade desesperadora por tê-la perto e vê-la pelo maior tempo possível antes que o algo de ruim acontecesse. 

Ela visou o interior do quarto rapidamente. A voz embargou um pouco.

— Tudo isso...

Grissom permaneceu quieto, arrependendo-se de ter dito aquilo. Atentava para seu rosto e só via uma mulher abalada pelos fatos. Pensou em algo para desviar seu foco, mas as palavras lhe faltaram. 

A chuva mudou de direção, não batia mais contra a janela. Os ventos agitados pareciam não terem cessado ainda. 

— Gil. 

Ele se limitou a fazer um gesto para que prosseguisse. 

— Por que você não me deixa morrer? 

Era uma pergunta. Era um apelo, inclusive. Um pouco de ambos. Uma tentativa angustiada de tentar se achar no meio de tortuosos caminhos em busca da paz.  

Talvez sua melhor opção fosse desistir, mesmo. Evitar o que seria dias ou meses de sofrimento para os dois lados. O único momento em que ela pudesse finalmente respirar.  

Por quê? 

Silêncio entre os dois. 

Grissom a encarou com espanto. Abraçado pela tormenta da qual a pergunta o envolveu, perdeu-se nas palavras. Não sabia se era o sono que batia às portas ou o peso que aquela pergunta carregava que o deixou incapacitado de falar. 

— Não seria mais... fácil pra nós dois? — Atenta ao movimento das gotas de chuva, deixou-se sorrir. — Você... A gente volta pra casa... damos algum jeito — sugeriu, dando de ombros. — Uma hora isso aqui vai acabar. 

Ele ameaçou dizer algo, pôr-se frente a ela, mas parou no último instante. Feição triste. Temia que suas atitudes não produziram alguma mudança de mente ou comportamento em Sara, ou pior: que prejudicaram ainda mais os seus conceitos. Poucas horas os separavam do procedimento e seria uma grave perda, a pior de todas, se ela desistisse de vez. 

— Por que não me deixa ir, Gil... — Ela balançou a cabeça em negativa por várias vezes. 

— Eu não posso te obrigar ou te convencer a seguir adiante com isso. — Grissom respondeu com todo pesar — Mas eu não vou-  

— Por que você não me deixa ir? — Sara insistiu. Seus olhos suplicavam por uma reposta objetiva, desprovida de quaisquer máscaras. Acostumara-se com seu jeito de lidar com certos conflitos, mas desta vez só queria ouvir de sua boca algo claro. 

— Eu não posso — admitiu. 

Este era o motivo de não querer se jogar naquele relacionamento. Sara estava perdidamente apaixonada por ele e ter este amor interrompido por uma condição como aquela doía demais. Estava prestes a morrer sozinha e deixar um homem com um coração despedaçado. 

— Você habita nos meus pensamentos. Como eu... posso fazer isso? 

Presenciar face a face aquele homem se declarar estava sendo seu ponto fraco. O maior deles. Mesmo que sequer dissesse as palavras explicitamente, Grissom não a deixava partir de forma alguma. Era estar atada a ele por correntes rígidas, quem sabe indestrutíveis.  

Sem pressa ela o tomou pela nuca, recostou a testa na dele e fechou os olhos. Mentalmente exausta, achava que iria desabar a qualquer momento. A realidade era pior que seus últimos pesadelos. Muito pior. 

— Eu não quero ir — sussurrou ela.

Grissom nunca soube dizer realmente sobre qual partida ela se referiu naquela hora.

—------------------------------------------------------- 

Acordara antes dele, como já esperava. Sete e cinco da manhã, pouquíssimas horas para descansar o que podia antes de sair daquele quarto e encarar seu destino.  

Estava um pouco afastada de Grissom, mas se lembrava muito bem de ter caído no sono envolta em seus braços. Melhor assim; não precisaria acordá-lo sem querer para trocar de posição.  

Ela se virou um pouco de lado para dar sua atenção a ele. Quis guardar em sua memória o máximo daquele tempo ali na cama bem ao lado dele, trazer para si a certeza de que ela o amava com todas as batidas do coração e que aquele amor era correspondido.  

— Eu te amo. — Ela sussurrou baixinho para não fazer barulho. Não falou, mas sentiria sua falta terrivelmente. 

Lembrou-se então da carta que escrevera a ele. Já estava pronta para ser entregue a Langston e faria isto sem que Grissom soubesse. Numa outra época acharia a ideia tão tola quanto os contos de fada que rejeitava quando criança, mas depois de tudo que passou esta foi a melhor ideia. Melhor que sentar-se diante dele e contar tudo o que sentia. 

Somente quando saiu do banheiro já pronta para descer foi que Sara o viu desperto. Foi pega de surpresa, mas logo contornou a situação. Trajando um sorriso meio contente, aproximou-se dele e se sentou na cama, bem ao seu lado. 

— Oi, meu amor — disse ela. 

— Oi... Você está bem?  

Chegara o grande dia, enfim, mas também chegou o dia de seu destino. Dizer que estava bem, no entanto, não seria primeira resposta que lhe veio à mente. 

— Acho que isso não importa muito para o que vai acontecer — brincou, mostrando-lhe um sorriso triste. 

— Importa para mim. — Apoiando-se sobre um dos lados do corpo para ficar mais próximo dela, Grissom tocou em seu braço gentilmente e resvalou o polegar sobre ele. 

Sara baixou a cabeça e suspirou por um momento. 

— Um pouco ansiosa — respondeu ainda de cabeça baixa. — Nervosa... aflita. 

Não havia motivos para esconder o que sentia para ele quando sua postura indicava justamente aquelas coisas. 

— Você vai ficar bem. 

Ela não concordou e tampouco discordou. Preferiu mudar de assunto inclusive para se esquivar. 

— Se você quiser eu te espero para o café da manhã — sugeriu empolgada, esperando que ele se “esquecesse” um pouco do que viria adiante. 

Não era isto que Grissom gostaria de ouvir. Encarando-a por uns instantes, entretanto, assentiu como quem concordasse com suas palavras. 

— Me dê uns dez minutos. 

—-------------------------------------------------------- 

Sara tomou café normalmente. Junto de Grissom, comeu sua refeição sem pressa e fazendo de conta que não passava de mais um início de manhã comum. Surpresa foi para ela encontrar o local quase vazio e receber um atendimento recheado dos cozinheiros. 

Eles sabem o que está acontecendo, pensou Sara, ou ao menos parte do que está acontecendo. Talvez foi um pedido de Langston que preparassem aquilo, conjecturou. Não reclamou, afinal. Os bolinhos típicos, a variação de bebidas, pães e cereais oferecidos foram um jeito deles abraçarem-na para que se sentisse um pouco melhor. Agradecida pelo gesto recebido, sentiu-se um pouco mal por outro lado.  

O assunto foi estranhamente limitado à quietude proporcionada pelo espaço vazio e ao sabor da comida. Não que tivessem combinado anteriormente, mas não havia clima para tal. 

— Eu vou fazer. — Sara declarou de repente. Estava prestes a terminar a refeição. 

Grissom não esboçou reação de início. Lá no fundo sentia que ela fosse tomar aquela decisão, apesar de se encontrar vagando no meio de uma tempestade, sem a certeza para onde seguir. Encarou-a admirado por sua atitude, mas não se esqueceria da noite anterior da qual tudo o que via era uma pessoa a ponto de largar tudo.  

Ele demonstrou apoio ao tocar em sua mão e dizendo que não estaria sozinha nesta. 

— Gentil da sua parte dizer isto, mas... Você sabe que a realidade é outra. — Quando olhou para ele no intuito de saber sua reação, mostrou-lhe um sorriso terno. — Obrigada por se importar mesmo assim. 

Eram quase nove da manhã. Ao término da refeição ela não esperou e fez seu caminho até o outro prédio junto de Grissom. Encontraram-se com Langston na sala de conferência. Todo o restante da equipe estava por lá também; apenas aguardando por sua chegada. 

— Nós estamos prontos, senhorita Sidle. — Foi uma das primeiras coisas que declarou logo após trocarem cumprimentos. 

Sara visou Grissom por dois segundos antes de responder. Estava prestes a tomar a maior decisão de sua vida e parecia que dias de "treinamento" não adiantaram coisa alguma. Talvez estivesse diante de seus últimos momentos próxima a ele. Foram segundos que mais pareceram horas. 

— Então é melhor não perdermos mais tempo. 

Não imaginava que esse dia chegaria tão de repente, mas lá estava ela: dizendo "sim" a uma coisa que todo seu corpo e alma gritavam para não fazer. Era isto, ou ser assombrada por toda sua vida pelo remorso de nem ao menos ter tentado. 

— Certo. — Assentiu sóbrio. — Antes de descermos, eu e Zhang vamos te deixar a parte do que vai acontecer. Está convidado a permanecer também, senhor Grissom. — Langston o visou ao terminar de falar. 

Ele não sairia dali mesmo, mas gesticulou cordialmente que ficaria. 

Contando-lhes um breve resumo sobre como o projeto foi realizado, os dois cientistas discorreram sobre cada etapa que levaram para chegarem ao estágio final. O trabalho, se assim podiam dizer, foi feito com base do projeto original do qual eles vinham desenvolvendo nos últimos anos, realizado com moléculas que se mostravam instáveis. 

A sala utilizada para realizar o procedimento não ficava no prédio de pesquisa em si, mas abaixo dele; no subsolo. O ambiente fora adaptado para receber uma pessoa e foi logo nesta parte que Grissom sentiu um forte calafrio. Sara estava prestes a entrar numa sala que não foi feito para ela desde o início e isto desencadeou uma série de maus pressentimentos. Bem que tentou afastar todos eles nas últimas semanas, porém, lá estava o dia e a confirmação de que tudo o que foi realizado ali foi sob pressão e contra o tempo. Ele não estava gostando; na verdade, fez de tudo para não aparentar que estava apavorado com a situação. Chegou a ser um exímio defensor daquele procedimento em Sara — o único meio de salvar sua vida —, porém quanto mais se aproximava daquele momento, mais o frio na barriga ficava evidente.

De vem em quando visava Sara de canto de olho a saber como ela reagia. Sua atenção se limitava a eles e nada mais; tão vidrada que parecia distante ao mesmo tempo. Estranhamente não reagia como esperava de qualquer um que fosse enfrentar a maior jornada de sua vida e isto o preocupava ainda mais. 

O procedimento em si não levaria muito tempo para ser realizado. O sistema foi projetado pra emitir um pulso de energia que lançaria ondas em alta frequência, responsáveis por estabilizar as partículas no corpo de Sara. O processo ambicioso, no entanto, tinha de ser realizado uma única vez: único tiro, única chance. Se algo desse errado não poderiam prever qual seria o destino dela. 

— Precisa de alguma coisa antes de seguirmos com o próximo passo, senhorita Sidle? 

De repente foi como se uma hora para outra, a conversa de quase uma hora tivesse passado em poucos segundos. Foi assim com Grissom, que se sentiu desprevenido com aquilo tudo. Ele se virou na direção de Sara, olhos atentos e um pouco apreensivos, apenas esperando por sua palavra final. 

— Eu sei que eu já tive isso, mas... me dá um tempo a sós com ele? — Pediu a Langston um tanto receosa.  

Pego de surpresa, o cientista os visou rapidamente e assentiu antes mesmo de responder. 

— Oh, claro. Claro. — Ele olhou para o relógio em seu pulso de praxe e então visou sua colega de trabalho. 

— Uns cinco minutos e eu já vou — garantiu-lhe. 

Visto que não havia mais nada a ser dito, Langston e Zhang respeitaram seu desejo e deixaram a sala sem demorar. Tudo o que restou foram duas pessoas sentadas lado a lado numa sala ampla e quieta demais. 

Sara chegou naquele dia com o coração rachado e não o queria estilhaçar de vez. Era a tão indesejada conversa que estremecia cada célula de seu corpo. A boca ficou amarga só de pensar em como dizer tudo aquilo. 

— Bom que deixaram esse tempinho pra gente — comentou na tentativa de quebrar o gelo. 

Ele sorriu em resposta, mas um sorriso triste e momentâneo. Sabia que ela puxou o assunto para não tornar o momento um velório entre os dois. 

— Vão me colocar num "macacão especial", você ouviu? — declarou em tom de brincadeira. — Disseram que é o meu número, mas vamos ver. 

Grissom não conseguia entender de onde ela tirava tanto ânimo aparente para fazer comentários humorosos da situação. Diferente dela — ou da imagem que passava — encontrava-se uma pilha de nervos. 

— Eu vou estar perto. 

— Eu sei. — Ela fez um biquinho ao disfarçar o sorriso.  

Ambos sabiam que isto não seria possível.  

— Obrigada por ter vindo — disse ela, ainda sem encará-lo. Permaneceu quieta por algum tempo a refletir sobre aquele momento. Não era qualquer coisa, qualquer conversa trivial. Seria, talvez o último encontro entre os dois e Sara não queria desperdiçá-lo com futilidades.  

Queria respondê-la com uma dezena de palavras; que seria um louco se não viesse ou que não podia deixá-la ficar sozinha do outro lado do mundo e que a amava tanto que não podia suportar vê-la passar por aquilo. Todavia, permaneceu quieto. 

— Eu estava prestes a desistir de tudo, sabe disso. Mas... Droga, você foi tão teimoso. — Ela lhe arrancou um sorriso. — Aqui estou eu agora. 

— Sara... 

— Eu vivi um pesadelo ultimamente — pausou-se por um tempo. — Mas eu também posso dizer que tive os melhores momentos da minha vida aqui e... foi graças a você. Eu espero guardar isto comigo para sempre. — Enquanto deslizava as mãos sobre as pernas, tentava acalentar o nervosismo por dizer aquilo. Era preciso força naquela hora.  

— N-não fale como se fosse uma despedida — protestou. — Isso ainda não acabou. 

— Eu quero pedir uma coisa a você. — Sara ignorou suas palavras e continuou. — Se eu morrer- 

— Você não vai morrer, Sara. Por favor- 

— Me ouça, por favor. — Diferente dele, Sara não ergueu a voz. Apenas o interrompeu erguendo a mão para falar. — Ouça o que eu tenho a dizer. 

Pelo semblante fechado ele continuava inquieto; a mais rebelde das atitudes que Sara já presenciou. Tomando um suspiro médio, voltou seu raciocínio e continuou: 

— Se eu conseguir sobreviver àquilo nós vamos embora juntos, tá bom? — prometeu, forçando um tom empolgado. — Eu mudo de turno, saio do trabalho, eu não sei. Mas nós vamos ficar juntos, o que acha? — Sara tomou uma pausa antes de falar o restante. — Mas se... se eu morrer... não se esqueça de mim. 

As palavras dela soaram como um soco no estômago de Grissom. Ele fechou os olhos e balbuciou por várias vezes, incrédulo com o que acabara de ouvir.  

— Não, não... Isso não-... — Ele balançou a cabeça em negativa e seu semblante se fechou mais ainda. Parecia incapaz de se conformar. 

— Gilbert, me escuta. Me escuta! — Sara envolveu suas mãos no rosto dele; não muito firme, mas o suficiente para que chamasse sua atenção. Ele evitava olhá-la diretamente.

Ela estava ofegante quando continuou:

— Você precisa entender que existe a chance de eu não sair dali viva — explicou, puxando de si todas as forças que encontrou para dizer aquilo. — Você sabe muito bem disso, você não é uma criança. Não se apegue em expectativas tão altas! 

Grissom não precisava gritar, espernear ou mover um dedo para que fosse entendido. Estava completamente desolado. Tarefa ingrata para ele assistir a tudo isto sem ter o poder de intervir. Pior ainda para ela ter de presenciar o homem que mais amava sofrendo por sua causa. 

— Eu te amo tanto... — Ela sussurrou, deslizando o polegar em seu rosto para conter uma lágrima involuntária. — Me desculpe te pedir isso. Eu não... não quero ser apagada.  

— Sara... meu Deus... 

— Me desculpa. 

Afastando finalmente as mãos de seu rosto, Sara o viu abaixar a cabeça a lamentar de olhos fechados. Não portava mais a feição indignada e persistente de antes, pelo contrário; aparentava estar cedendo. 

— Como eu poderia me esquecer de você? — questionou-a, aparentando chateação. — Como? Isto é impossível. 

Sara buscou alcançar sua mão retraída e a agarrou firme, como se nunca fosse soltá-la. Impossível era uma palavra utópica demais, porém ela teve certeza de que ele não exagerou de forma alguma. 

Enquanto ainda olhava para as mãos que envolviam a de Grissom, ela esboçou um sorriso inocente. 

— Eu não paro de dar trabalho a você — brincou, porém, seu semblante risonho se apagou quando sentiu um toque sublime em seu queixo e então em seu rosto. Sara o fitou diretamente e viu aqueles olhos vermelhos a encararem com toda a perplexidade. 

— Por favor — pediu Grissom em sussurros. — Volte para mim. 

Ela tinha certeza de que se passasse mais um minuto sentada naquela cadeira frente e ele, Sara teria desistido de continuar. Então achou melhor que sua conversa fosse encerrada por ali, por mais dolorosa que fosse. Grissom fez o mesmo.  

Ela o abraçou forte, tão forte que parecia estar prestes a desistir de tudo aquilo par fugir com ele para longe. Era grata por ter a oportunidade de amá-lo e ser amada mesmo que por poucos dias e queria que ele soubesse muito bem. 

— Eu amo você, Sara. — Voz rouca pelo abatimento, ele sussurrou. Afundou-se naquele abraço como se fosse o último. Enquanto isso, pedia aos céus para que não perdesse a única pessoa que amou de verdade. 

Quando enfim se afastaram, ela puxou-o para si uma última vez e o beijou. O beijo mais valioso de todos e talvez o mais doce. Juntos, deixaram a sala em silêncio e pegaram o elevador até o térreo, onde Langston e Zhang esperavam por eles. 

— Eu sei que você vai voltar. — Ainda no elevador acompanhado somente por Sara, Grissom virou o rosto em sua direção. 

Ela apenas sorriu de lado. 

Os dois chegaram ao térreo e no momento em que o elevador se abriu, a atenção dos dois cientistas se voltou para lá. 

— Eu... estou pronta agora — disse Sara logo após se aproximar deles. Grissom continuava do seu lado. 

— Está bem — assentiu Langston. — Então vou pedir que nos acompanhe. O elevador até a base subterrânea está logo ali. — Ele apontou para um segundo elevador, diferente do que os outros costumavam usar e que não podia ser acionado sem a utilização de um cartão. Tanto ele, quanto a doutora Zhang e até mesmo Sara precisaram portar um destes cartões para que o sistema os identificasse. 

Como já tinha sido informado antes, Grissom não poderia seguir com eles. Mente tão cauterizada pelos eventos, não teve forças para seguir adiante com seus protestos e lutar por um espaço junto deles. A última coisa que gostaria era de atrapalhar a chance de salvá-la. 

Um último contato visual entre ele e Sara. Ela acenou discretamente na sua direção e lhe mostrou um sorriso confiante. 

— Eu vou fazer história.


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Notas finais do capítulo

Essa primeira parte do capítulo foi tão marcante para mim que eu tive que dividir um capítulo em dois. Não dava para deixá-lo no anterior, é como um divisor de águas na vida de Sara. Eu repensei pelo menos umas duas vezes antes de chegar nesse cap aqui e confesso que foi difícil imaginar uma situação dessa.

Obrigada a todos que leram. Até o próximo capítulo!



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