Desaparecendo escrita por Dama das Estrelas


Capítulo 16
A velha amiga insegurança


Notas iniciais do capítulo

E aí gente, chegando com mais um capítulo novo. Espero que gostem.



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A chuva caía timidamente pela estrada, tornando o trajeto um pouco mais demorado para evitar acidentes ao longo das curvas. A rádio do carro estava ligada, provavelmente numa estação de notícias. Grissom não tinha certeza — não era fluente na língua —, mas deduziu que fosse pelo ritmo com o qual o apresentador dirigia o programa. Pouco tempo depois uma música em inglês começou a tocar. Não era familiarizado com o artista ou com a música em si, mas se sentiu um pouco mais em casa. 

Em seus dias normais acharia o ambiente agradável. Nada de conversas, opiniões ou comentários; somente o som típico de uma estação de rádio, direção à noite e temperatura amena. Mas o silêncio da mulher ao lado corroía seus pensamentos. Ele deveria perder o medo e perguntar o que era conveniente, só que algo o impedia de abrir a boca. Era como estar diante de um tabu; enchia-se de vergonha. 

— E-ela vai ficar bem? 

E em um de seus conflitos acabou soltando aquela pergunta. Arrependeu-se depois por lançar uma pergunta rasa demais. 

— Estamos trabalhando para isso. — Zhang o respondeu sem tirar os olhos da estrada. Não esboçou reação, parecendo não se incomodar. 

Aquilo não era o bastante para Grissom. 

Ele balbuciou algumas vezes, umedeceu os lábios e até se ajeitou no banco na tentativa de buscar mais respostas, só que nada parecia bom o suficiente. Sentia-se uma criança ao lado de um adulto que não sabia o que dizer e temia represália. 

— O que tá acontecendo com ela? — perguntou aquilo com o coração à mil. 

— Não é fácil explicar a situação dela por aqui, senhor Grissom. 

— Um resumo dessa história, ao menos? — insistiu. — Estou às cegas aqui e só queria alguma... explicação... Eu... — Ele suspirou por tristeza. — Deus, eu não tenho ideia do que está acontecendo com Sara. Ela... Eu só queria saber o motivo que a fez largar tudo e vir até aqui — desabafou. Indignação e melancolia ditavam seu tom de voz. 

A cientista o visou por alguns instantes para não perder o foco na direção. A olhada rápida, todavia, foi o suficiente para perceber o quanto aquele homem estava angustiado. 

— Este não é o local apropriado para eu te contar o que está havendo sem ao menos te mostrar uma prova contundente. 

— Veja. — Ele gesticulou com a mão esquerda. — Passei um dia inteiro no avião. Estou cansado. Exausto. Vim para cá sem ter a menor ideia do que está acontecendo com a minha amiga e depois disso tudo sequer tenho uma explicação?! 

Ele não queria ter erguido a voz ou se alterado, porém deixou que a angústia e o cansaço tomassem as rédeas. Era tarde demais para se desculpar.

A cientista o visou por uns instantes, mas o suficiente para entender ao menos o pouco o que sentia.

— Você não acreditaria nas palavras de uma cientista dirigindo um carro a essa hora da noite. 

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Já era madrugada.

Ele estava lá. No mesmo país e no mesmo prédio que o dela. Tolice agir como uma adolescente em meio a uma tempestade de hormônios, mas quem dera se uma palavra bastasse para voltar ao normal. Nem o período interminável de horas e horas no hospital realizando exames afastavam-no de seus pensamentos. Num momento pensava sobre o resultado dos exames e o que teria de fazer em seguida, mas logo depois se pegava imaginando como seria reencontrar aquele homem a quem "abandonou" sem dizer tchau.

Arrependimento nunca foi uma palavra tão frequente em seu dicionário. Sara não queria trazê-lo para sua vida daquela forma; no momento em que mais o desejava longe, Grissom se encontrava no mesmo lugar, questão de metros separando os dois. Com que cara iria aparecer para ele, logo agora quando acabara de voltar do hospital? 

— O senhor Grissom já está instalado em seu quarto. Estão no mesmo andar, inclusive — informou Langston, ao acompanhá-la de volta ao prédio residencial. 

Sara não disse nada. Limitou-se a fazer um sinal com a cabeça a indicar que entendeu. No momento se encontrava cansada, com sono e sentindo um turbilhão de emoções que não conseguia discernir direito justamente pelo cansaço. Todavia, não iria deixar de "passar e dar um oi" ao amigo e provável ex companheiro de trabalho depois de todo o esforço que ela e os outros fizeram para que a presença dele ali fosse possível. Era o mínimo que podia fazer. 

Fale pouco e vá embora, prometeu a si mesma em seus ensaios para terminar a futura conversa o mais rápido possível.  

Mostre que está viva, ao menos. 

Era seu desejo, sim, ver um rosto familiar; isto não era mentira. Mas não se sentia segura o suficiente para manter um diálogo extenso ou acabaria dizendo coisas um tanto inapropriadas, por mais inocentes que fossem. Ainda assim poderia argumentar com Langston, dizendo que todos estariam cansados demais para trocarem algumas palavras. Não seria um mau argumento, afinal. Era uma verdade e teria respaldo sem problemas. Mas não poderia lutar contra parte de si que desejava encarar aqueles olhos azuis, barba e cabelo grisalhos novamente. Se tinha algo, inclusive, que não contaria tão cedo a Langston, foi o desejo anterior para que Grissom não viesse de forma alguma. Não depois de tudo que aconteceu. 

Três batidas na porta. Quatro segundos de espera. 

— Senhor Grissom? Boa noite! Aqui é o doutor Langston. A senhorita Sidle está aqui comigo — falou, mas sem muita esperança. Imaginava que já estivesse dormindo como consequência da longa viagem. 

Eles aguardaram um pouco mais de dez segundos e então se deram por vencidos. Não seria ele a pessoa a interromper o sono de alguém e muito menos Sara, que já agradecia internamente por não ter que lidar com ele naquela hora. 

Entretanto, quando se preparavam para ir embora eles ouviram a porta ser destrancada. Pronto. Todas as esperanças de Sara caíram por terra. 

— Espero não tê-lo acordado — Langston comentou aparentando arrependimento. Logo em seguida estendeu sua mão para cumprimentá-lo. — É um prazer conhecê-lo pessoalmente. Que bom que já está instalado por aqui. 

Num breve instante, antes de seus olhares se encontrarem e ela fosse desmontada por completo, Sara observou a feição do homem que os atendeu. Olhos pesados, cabelos minimamente desgrenhados e roupas sem sinal de amasso. Era o rosto de um Grissom que via comumente no trabalho; não de quem dormiu, mas justamente o contrário. 

— Igualmente. Não estava dormindo, inclusive. 

Sara disfarçou um sorriso. Conhecia-o bem.  

Sua graça, entretanto, logo chegou ao fim quando finalmente foi notada por aqueles olhos azuis e ela perdeu todas as suas defesas. Boca fechada, a voz não saía e Sara se viu presa diante dele, que por sua vez também não dirigiu uma palavra para ela.  

E o silêncio prevaleceu no corredor, criando uma atmosfera incômoda para uma terceira pessoa. Foi o momento do qual Langston se sentiu desconfortável. Estava sobrando na conversa, isso era óbvio. Não havia mais motivo para se estender e poderia muito deixar os assuntos maçantes para a manhã seguinte. 

— Eu vou me retirar agora.  

Não, não, não! Sara lamentou com todas as forças. Chegou a temer que de alguma forma tenha sido ouvida pelas duas figuras. O rosto continuava impassível. 

— Os resultados dos seus exames ficarão prontos logo e pelo início da manhã a doutora já deverá tê-lo em mãos. Espero que esteja se sentindo melhor depois do que aconteceu.

— Hã? O-obrigada — respondeu sem jeito. Não se lembrava se agradeceu a Langston direito pela ajuda. A verdade era que o queria por ali mais tempo a não ter que "enfrentar" a figura de Grissom sozinha. Mas não teria jeito. — Eu estou melhor sim, obrigada.  

— Boa noite. — Ao se despedir de ambos uma vez por todas, o cientista se afastou do dois em direção ao elevador. 

Sara não queria e nem podia olhar, mas sentia as mãos se umedecerem pelo nervosismo. O espaço entre eles pareceu se reduzir cada vez mais, sendo que mal havia dado um passo desde o reencontro. O ar frio no corredor esquentava na medida em que sua respiração ficava mais rápida. 

— Você... tá mesmo aqui. — Foi a única coisa que saiu de sua boca. Bobagem, pensou Sara, mas não teve tempo de pensar em algo melhor. 

Grissom, que ensaiou uma enxurrada de protestos e reclamações sobre a partida repentina de Sara e a falta de uma explicação, de repente, viu-se exposto diante de uma figura imponente. Estava convicto de soltar tudo o sentia de uma vez só para que ela soubesse o quanto se magoou e o quanto ainda estava chateado, mas todo aquele impulso desapareceu.  

Ela estava ali, bem na sua frente. Bem ali. As palavras antes dispostas em ordem, foram desfeitas em questão de segundos. Ficou incapaz de falar. O que está acontecendo, ele se questionava ao se ver refém da própria insegurança. 

Talvez fosse a oportunidade para que se despedisse também e voltasse para o seu quarto. Era a hora de se aproveitar daquele "momento Grissom", e sair dali antes que seu raciocínio voltasse. 

— Bem... eu... — Ela apontou com o polegar para trás, disfarçando sua deixa para ir embora. 

— V-você está bem? — Grissom perguntou instantes após se manifestar, pegando-a completamente fora da guarda. 

— É... S-sim, eu estou — respondeu na defensiva. Forçou um sorriso ainda por cima, pega de surpresa por suas primeiras palavras. — Eu... acabei de voltar do hospital. Tive que fazer alguns exames... — Sara disfarçou um semblante chateado para ilustrar a situação. Passados alguns segundos, percebeu que a feição dele não melhorou; continuava quase como antes. — Saber se está tudo bem... 

— Deus... Eu... vi aquele vídeo... 

— Vídeo? Que vídeo? — perguntou apreensiva. 

Grissom gesticulou com a mão direita por várias vezes. Ele não conseguia falar direito, pois em sua mente via apenas as imagens da câmera de segurança do prédio. 

— Meu Deus... — lamentou. — Eles me contaram tudo, Sara. 

Desta vez realmente foi pega fora da guarda. Agora ele sabia de tudo e não havia mais um véu separando a verdade entre eles. Uma barreira que ela batalhou até a exaustão para manter no mesmo lugar, agora totalmente desfeita. 

— Tudo? — As sobrancelhas dela arquearam ligeiramente. Ficou desnorteada. — Espera- eles... eles te mostraram o que aconteceu? 

— M-me desculpe. — Ele gesticulou, sem saber como continuar com aquilo. Havia pesar em sua voz. 

A feição de Sara logo se estabilizou e deu lugar a um tanto desdenhoso e triste. Entendera tudo o que quis dizer. Provavelmente foi captada pelas lentes das câmeras na sala de reunião. Talvez a primeira prova material do que havia acontecido. 

— Agora você acredita... 

— Sara, eu-... Eu não quis... — Após uma tentativa frustrada de se explicar, acabou refém de si próprio. Talvez fosse carregar um peso na consciência por ter duvidado de parte de suas explicações pelo resto da vida. 

— Tá — disse o interrompendo. — Eu já... imaginava algo assim. Acho que, não sei... nem mesmo eu iria acreditar direito. — Deu de ombros para minimizar a situação. — Já sabe o que aconteceu agora, não é? — Ela ergueu os braços. — Eu não estou louca, afinal. 

Ainda lhe restava tempo para a deixa perfeita. Diria um "até amanhã" e sair de sua visão o quanto antes. Já não havia mais sustento para aquele cenário. Entretanto, como se ele pudesse ler sua mente, ergueu o indicador como se lembrasse de algo e voltou para o quarto. Ele não iria fechar a porta, Sara não o interpretou daquela maneira. 

— D-depois que eu soube do que aconteceu, eu... as comprei no aeroporto. — Aparecendo com um pequeno vaso de camélias rosadas, o supervisor as entregou timidamente e nem sequer percebeu sua reação de imediato. — Eu não sabia o q-que fazer, eu acho que... deveria ter comprado apenas um vaso de plantas... 

— Não!... — Sara se manifestou de repente, atraindo sua atenção. No momento ficou sem saber como reagir ao encarar o presente e não falou nada até que ele se explicasse. Encontrava-se totalmente desnorteada. — O q-que... O que você fez...? 

Ao encarar o presente os olhos dela saltaram de surpresa. O pequeno vaso era um pouco maior que a palma de suas mãos. As cinco camélias enfeitavam o recipiente envolto por um plástico personalizado como um jardim. Sara não sabia dizer o que houve, mas sentiu o peito se comprimir tanto que simplesmente não poderia mais ficar ali. Aquele gesto, aquele presente para ser mais específico, partiu-a em dois e a despedaçou aos poucos. 

— E-eu preciso ir agora. 

O olhar surpreendido de Grissom se transformou em surpresa. Mal acabara de vê-la e estava prestes a se despedir. Foi um baque para ele. Queria mais um tempinho de sua companhia; pedir que entrasse em seu quarto seria de uma intimidade da qual não tinham, mas que era seu desejo, era. 

— Você deve estar cansado da viagem e... — disfarçou, dando já os primeiros passos para trás. — É melhor nos falarmos pela manhã. — Assentiu. 

Grissom balbuciou algumas palavras. Não estava preparado para uma despedida tão repentina e acabou perdendo o fio da meada. Inocentemente pensou que o presente fosse um convite para estender a conversa e esclarecer quaisquer pontas soltas. Achou errado. 

Voltando depressa para seu quarto, Sara não via a hora de trancar-se lado de dentro, de volta à sua segurança. Tão aflita, parecia que a porta se recusava a abrir, mas na verdade suas mãos tremelicavam e tornavam o processo ainda mais desesperador. Não olhou para trás com medo de se arrepender, mas não podia evitar o receio que foi criado em sua mente. 

Finalmente dentro do cômodo, do seu secreto, conseguia ouvir o som da sua respiração descoordenada. Ela acendeu a luz e fechou os olhos fortemente como se a lâmpada fosse cegá-la. Olhou então para baixo, para o pequeno vaso de camélias e teve a sensação de que o coração lhe escaparia pela boca. Nem o primeiro encontro com Grissom após alguns dias distantes a tocou mais quanto aquele vaso; engraçado para ela e, ao mesmo tempo, trágico. 

Não havia mais motivo para lutar contra as lágrimas, que ameaçavam descer enquanto ainda conversava com ele. Pouco a pouco seu rosto ia se umedecendo com elas e o nariz se congestionava fazendo-a fungar sem parar. Aproximando o vaso de camélias ao rosto, fechou os olhos, recostou-se na porta e desatou-se a chorar. 

Por que você fez isso, perguntava desesperadamente. De tudo que imaginava receber de Grissom, um presente era a última coisa que passava por sua mente.

— Por que você fez isso... — sussurrou lamentando.

Não aguentando permanecer de pé deixou o peso corpo decair pela porta até que atingisse o chão. O pequeno vaso foi envolto em suas mãos como se o estivesse protegendo, mas na verdade não teve coragem de se afastar dele; do gatilho que a fez desabar no choro. 

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O dia amanheceu com poucas nuvens. As cortinas fechadas impediam a passagem da luz diurna para seu quarto, então levou um tempo até que se acostumasse com a escuridão no ambiente. Quando isto aconteceu, seu olhar a levou para a mesa próxima à janela. Visou diretamente o vaso de flores; um presente simples, que a fez desatar em lágrimas, mas que se tornou seu pequeno tesouro. Nunca imaginou que fosse chorar por um gesto tão pequeno carregado de significados.

Dormiu pouco para alguém que retornara pela madrugada, um reflexo de seus hábitos noturnos causados pelo trabalho, por isso relutou para começar o dia. Após uma luta de cinco minutos para levantar da cama, finalmente resolveu por seus pés no chão. Ela caminhou até a janela e a abriu junto das cortinas, semicerrando os olhos até que se acostumasse com a claridade. O ar carregado com o cheiro de terra úmida chegou como um incenso às narinas de Sara, o que a fez se sentir renovada pela atmosfera da manhã.  

Antes de se afastar dali rumo ao banheiro, parou para admirar o pequeno vaso e fez uma promessa a si mesma de não estragar aquele dia. 

Ao se arrumar optou por uma calça jeans, uma camisa verde de meia-manga e uma jaqueta marinho corta-vento com a logo do Complexo que ganhou dos cientistas. O nome Huxian aparecia entrelaçado com uma raposa. Langston havia lhe dito que o nome e o animal faziam parte da mitologia chinesa. 

— Nada mau — disse ao se olhar no espelho vestindo a jaqueta pela primeira vez. Atentou para o rosto e as marcas de ontem já não apareciam mais. O rosto inchado e vermelho devido as lágrimas sumiu naturalmente, mas era sempre bom verificar primeiro. 

Eram nove e cinco quando ela desceu do quarto até o refeitório. Cogitou bater na porta de seu "vizinho" ainda. Pediria desculpas pela forma com a qual agiu ontem e quem sabe iria agradecer por ter se deslocado para um lugar tão longe por causa dela. Com certeza sabia que criou um clima desconfortável, mas não podia deixá-lo saber que derramou uma enxurrada de lágrimas por sua causa. 

Acabou desistindo na última hora. 

Preferiu deixar isto para depois, quando terminasse seu café da manhã e estivesse mais disposta e bem alimentada. Portando um ar confiante, chegou a cumprimentar alguns funcionários que passavam por perto, o que geralmente não fazia por pura timidez. 

Ao chegar no refeitório surpreendeu-se com a quantidade de pessoas se alimentando àquela hora da manhã. Estipulou pelo menos umas dez apenas nas mesas compartilhadas, sem contar com os que se serviam ainda. 

Acompanhada de um café recém preparado, pegou alguns pãezinhos e uma fatia de bolo de nabo, esta última uma recomendação de um dos cozinheiros. O cheiro agradável foi o suficiente para despertar nela uma vontade de experimentá-lo enquanto ainda estava quente. 

Bandeja em mãos, quando procurava por um lugar para se sentar ela foi pega de surpresa por uma figura conhecida. Bem distante dos demais, isolado como numa "ilha", Grissom terminava sua refeição como um aluno excluído dos demais. Não foi difícil reconhecê-lo, obviamente.  

— Bom dia... 

— Sara...? — O supervisor ergueu o rosto rapidamente ao reconhecer sua voz. Seus olhos emitiram certo brilho assim que a viu. 

Um breve aceno e um sorriso de lado foi sua resposta. De um jeito desengonçado Grissom pediu que se juntasse a ele. Ela até cogitou em se instalar na cadeira paralela a dele, mas acabou mudando de ideia no último instante e sentou-se ao seu lado. 

Sara começou a refeição em silêncio, muito pela timidez para iniciar uma conversa. Provou receosa um pedaço do bolo de nabo — do qual nunca experimentara antes — e, com o passar da degustação aprovou-o de vez. 

— Obrigada pelas camélias — comentou sem dirigir o olhar a ele. Sentiu um peso ao se lembrar que nem ao menos havia agradecido pelo presente. — São lindas. 

Grissom, que terminava de tomar um último gole de seu café, foi pego de surpresa por ela. 

— Oh... não há de quê. 

Grissom estava no mesmo país, no mesmo prédio que o dela. Estava bem ao seu lado. O que fazer agora? 

— Obrigada, mesmo. Meu quarto precisava de uma cor e elas chegaram na hora certa. — Ela ressaltou, sentindo-se no dever de compensar o que houve na noite anterior.

Ele não esboçou uma reação clara, mas por dentro sentiu um calor tomar o seu peito, tão alegre que ficou ao ouvi-la dizer aquilo. Apenas sorriu. 

Simplesmente ela não tinha ideia de como seriam as coisas em diante. Ele já sabia de tudo e não tinha ideia sequer de como realmente se sentia sobre isso. A cena de ontem não lhe mostrou quase nada, mas ela não tinha coragem de perguntar. 

— Vou me encontrar com a doutora daqui a pouco para saber se... está tudo bem comigo. — Sara continuava evitando o contato visual. Não queria se deparar com uma expressão de espanto em seu rosto mais uma vez. 

— Você se feriu? 

Ela balançou a cabeça a negar, mas seu gesto não passava tanta confiança. Restava-lhe duas alternativas: forçar uma mentira ou falar com sinceridade, afinal, estava ao lado de alguém que preferiu deixar tudo de lado e viajar para o outro lado do mundo. Qualquer tipo de resposta não seria uma boa opção. 

— Eu não... me lembro direito — respondeu após comer outro pedaço do bolo. — Só de... acordar numa cama sentindo meu corpo dolorido. 

— Meu Deus... — Ele lamentou baixo. Tinha mais coisa a dizer que não passava de comentários rasos que não os levaria a lugar nenhum, como o porquê de isto acontecer logo a Sara. 

— Já me sinto melhor. — Sara concluiu, na tentativa de amenizar a situação. 

— Menos mal. 

Queria ele que aquela resposta sanasse de vez sua angústia sobre tudo o que estava acontecendo. 

—-------------------------------------------------------------------- 

— Não há nada de errado com você, Sara — declarou a doutora Liang após dedicar alguns minutos a analisar cada um dos resultados daqueles exames. — Isso é bom. 

Uma pena que aquela resposta não resolvia todo seu problema. Ao menos fora do "mundo quântico" ela continuava bem. 

— Menos um problema para me preocupar. 

Elas estavam de volta àquele quarto de enfermaria do qual Sara foi levada anteriormente. Só havia uma cadeira, então foi escolha da médica que Sara ficasse na cama. 

Ela se recordara da consulta que fez à oftalmologista. Não havia nada de errado aparentemente. Nessa hora desejou com todas as forças que estivesse vivenciando um sonho longo e acordasse antes daquela consulta. 

— Como está se sentindo agora? — A médica perguntou. 

— Não sinto nada — respondeu ao desviar a atenção da médica. 

— Eu devo lembrar que... você precisa nos informar qualquer sintoma ou alteração anormal em seu organismo. 

— Sim. Eu sei disso — disse como que não gostou da suposta repreensão. Por um breve momento olhou para a entrada do quarto. 

— Tem algo que está te preocupando? 

Ela repreendeu a si mesma ao dar tão na pinta. 

— Muita coisa me preocupa agora, doutora. — Com um tímido gesto de mãos apontou para si mesma. — Eu não sei, eu... parte de mim tenta não acreditar que isso realmente está acontecendo para eu não perder o restante da minha sanidade. 

— Convencer a si mesma pelo que está passando não seria o melhor a se fazer? — Liang lhe questionou. — Tornaria o processo de lidar com isso algo menos doloroso. 

Sara fez que não com a cabeça, mas foi hesitante. Há pouco se acostumara com o fato de que mais pessoas além de Langston conheciam sua história e por isso sentia-se exposta demais. Um livro aberto que era vigiado a todo momento.  

— Talvez... — Deu de ombros. — Mas não espere que vou aceitar essa condição tão facilmente, quanto uma gripe qualquer. 

— Não estou te pedindo isso. 

Ela só queria sair dali. Encerrar a conversa e fazer o que tinha de fazer, sabe-se lá o que era.  

— Mas se tiver alguma fórmula de como lidar com isso sem enlouquecer eu sou toda ouvidos. 

— Se você precisar nós podemos providenciar um profissional ou uma equipe de apoio psicológico a você. Eu não sou especialista nisso, e talvez nem a melhor pessoa a te ajudar. 

— Acho que não... — Sara disfarçou. Sua vida pouco a pouco se tornava um livro aberto, não queria que virasse um best-seller. — Pelo menos... não agora. 

— Eu entendo. Fale comigo quando precisar. 

Percebendo que era sua deixa para encerrar a conversa, Sara agradeceu, se despediu da médica e deixou o quarto logo em seguida.  

Ao olhar para o lado percebeu que não retornaria sozinha. Seu olhar para o homem não foi de surpresa, pelo contrário, esperava que ficasse por ali não importando quanto tempo levaria naquele quarto. 

Em silêncio, seu olhar preocupado pedia por respostas já que não as recebeu de prontidão. 

— Está tudo bem comigo — respondeu ela, olhos visando o chão. 

— I-isso é bom. — Grissom arqueou as sobrancelhas por uns instantes, mas logo voltaram ao normal. Aquele semblante dela não o agradava. 

Quase de frente um para o outro, saber como continuar aquela conversa para sair dali era a maior dificuldade tanto para Grissom quanto para Sara. Ele não gostava do que estava vendo; imaginou até que cometeu algum erro no meio do caminho ao visar aquele rosto abatido e um pouco distante.  

Então ela ergueu o olhar em sua direção. 

— A gente precisa conversar. 


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