A matter of time escrita por Alice


Capítulo 2
One




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/800042/chapter/2

Henry escondeu o rosto entre as mãos, seu corpo inclinado para frente era o retrato da exaustão, há meses procuravam por Charlotte, cinco meses e treze dias para ser mais exato. Passou por todos os estágios possíveis, da raiva ao ódio, do medo ao desespero, da esperança a exaustão. Não conseguia trabalhar, comer no início se tornou impossível e por muita insistência e apoio de sua família não se entregou por completo. Ela ainda estava em algum lugar do mundo, ainda estava bem e viva e esperando por ele, ele ainda iria encontrá-la.

— Nada hoje?

A voz de sua irmã veio baixa, Piper estendeu um copo com café para ele que aceitou prontamente. Os dois estavam no novo centro de controle de Ray enquanto o Manchester treinava a nova turma de super heróis, surpreendentemente o seu método trazia resultados e a escola foi ampliada.

— Schowz está tentando outros métodos, mas fica difícil quando não sabemos quem a levou e por que.

Piper somente assentiu, bolsas roxas sob seus olhos eram a prova de que ela também não estava bem. A Hart mais nova sentou ao lado do irmão no sofá, torceu as mãos sobre o colo e abriu a boca como se fosse falar algo, porém parou. Balançou a cabeça como se estivesse irritada consigo mesma e prosseguiu.

— Hen. - o tom suave de sua voz chamou sua atenção. - E se estivermos fazendo errado?

— Como assim?

— Eu estava pensando e procuramos por todos que tiveram algo para odiar você e o Ray, todos que poderiam querer fazer algum mal a ela por causa dela ou por causa de vocês. Mas e se não tiver nada haver com vocês?

— Olha, Pipes. - esfregou os olhos com a ponta dos dedos, precisava dormir. - Eu não estou entendo onde você quer chegar.

Piper suspirou impaciente e reformulou seu pensamento.

— E se alguém estiver atrás dos seus poderes?

— Então essa pessoa teria que ter vindo atrás de mim.

— Mas e se...

— Piper, vá direto ao ponto, por favor. - pediu nervoso.

Ela torceu a boca e respirou fundo, resolveu então verbalizar sua teoria.

— Eu vi um filme outro dia onde perseguiam uma criança por conta de seus poderes. - gesticulou para o irmão, querendo estapeá-lo quando uma expressão confusa tomou seu rosto. - Ela nasceu com eles, Henry, então não foi atingida por nada ou escolhida para isso. Ela nasceu naturalmente com poderes.

Olhou incisiva para ele, o Hart começou a compreender onde sua irmã queria chegar, a ideia chegava a ser absurda.

— Mas não existe criança alguma. - assegurou firme, notando que ela não ficou convencida. - Disso eu tenho certeza.

— Absoluta? - era claramente uma pergunta retórica. - Vocês estavam naquela enrolação de serem só amigos, mas é claro a tensão entre vocês. Nunca, nunca mesmo aconteceu nada que pudesse provocar algo... assim?

Henry abriu a boca para protestar, porém flashes de memória vieram a sua mente. Algo assim realmente aconteceu, meses atrás em uma noite de cinema improvisado. Ele havia saído tarde do trabalho, ainda com pétalas de flores espalhadas em suas roupas pelos ornamentos que passara a tarde fazendo, ela estava estressada por conta dos trabalhos finais que deveria entregar à faculdade para finalmente aproveitar seu recesso.

Lembrou dos dois muito próximos no sofá, das risadas que viraram sussurros, da escuridão que os envolvia sendo quebrada somente pela luz fraca da televisão onde um filme passava. A sensação dos lábios de Charlotte, das mãos suaves em seu corpo e de tudo o que aconteceu depois foi revivida. Não aconteceu somente uma vez naquela noite ou madrugada, mas... será?

— Uma criança?

Olhou sem reação para a sua irmã, Piper não precisava que ele dissesse com todas as letras que aquela hipótese era possível.

— É uma hipótese. - esticou o braço para apertar levemente a mão de seu irmão, parecia que Henry iria passar mal a qualquer segundo.

— Mas quem iria querer uma criança nossa?

O sussurro mortificado a fez beliscá-lo, não tinham tempo para que ele se afundasse em desespero. Henry olhou com uma expressão fechada para ela e massageou sua mão, Piper o ignorou e continuou a conversa.

— Alguém que se beneficiária com isso.

— Mas um bebê, Piper, quem faria mal a um bebê?

— Esse é o problema, Henry, não acredito que essa pessoa faria mal ao bebê.

Seu coração afundou em seu peito, uma nova onda de terror se espalhando por seu corpo ao ponto de fazerem suas mãos tremerem. Se Piper estivesse certa, se Charlotte estava mesmo esperando uma criança, tudo mudava, e o pior de tudo, não haveria garantia de que a vida dela estivesse a salvo. Levantou em um salto do sofá, correndo para encontrar Schwoz, eles precisavam de um novo plano e rápido.

 

▪︎ ▪︎ ▪︎ ▪︎ ▪︎


— Você tem que comer.

O prato com mingau insosso foi empurrado em direção à ela, Charlotte torceu o nariz ao sentir o cheiro e o empurrou de volta sobre a mesa para ele. O homem fechou as mãos em punho e as bateu em cima da mesa de madeira, pratos e colheres tremeram à violência do gesto, ele não a deixava chegar perto de nada afiado.

— Eu não vou conseguir comer isso.

Afirmou um tanto petulante, cruzando os braços e não desviando de seu olhar. Poderia estar parecendo uma criança mal educada, entretanto suas formas de reagir às ordens dele eram limitadas e, para falar a verdade, estava morrendo de fome, porém realmente não conseguiria engolir uma colherada sequer daquela coisa. Seu estômago embrulhava ao simples cheiro do leite e da massa, fechou os olhos por um segundo, a náusea a invadindo forte.

— Você vai comer nem que eu tenha que lhe obrigar.

A ameaça a fez encará-lo novamente, ele parecia ter envelhecido dez anos só nos últimos meses, os cortes e hematomas em seu rosto o davam um ar grotesco e doentio. Ela o odiava.

— Não estou mentindo, não vou conseguir comer.

Insistiu, recebendo uma carranca em resposta. Ele se levantou, seguiu até o armário da cozinha e pegou um pacote meio velho de biscoitos, o jogou sobre a mesa com uma indiferença forçada.

— Coma isso então. - pegou o casaco que estava jogado em uma cadeira e as chaves que se encontravam sobre a mesa. - Vou sair, comprar algo para a duquesa comer depois. - o tom venenoso a fez abrir um sorriso forçado. - Nem tente fugir, se bem que na sua situação é impossível e a neve bloqueou tudo.

— Mesmo se conseguisse não daria certo já que você implantou aquelas armadilhas horríveis.

Afirmou irritada. Ainda lembrava dos caçadores que se aproximaram da cabana semanas atrás e tiveram seu fim em meio a dor provocada por uma das armadilhas e o inverno impiedoso. Ainda conseguia escutar os gritos desesperados e os pedidos de socorro, era um dos sons que povoavam seus pesadelos.

— Se sabe do que eu sou capaz então nem irá tentar. - o sorriso grotesco a enviou arrepios de nojo, a vontade de vomitar se tornou maior. - Cuide bem do meu filho enquanto estou longe.

— Nunca mais repita isso. - sentiu seu corpo tremer em raiva, sua voz saindo afiada a cada palavra. - Ele nunca será seu e você nunca vai tocar um dedo no meu filho.

Parou, a mão sobre a maçaneta, então se virou ao passo que abria a porta, o brilho perigoso em seu olhar a congelou.

— Isso é o que veremos.

Ao baque alto da porta sendo fechada, seguido do som da mesma sendo trancada, Charlotte correu para o banheiro vomitando tudo o que havia comido na noite anterior. Lágrimas começaram a rolar por seu rosto, soluços altos escapando por seus lábios. Ela o odiava, odiava cada parte dele.

O banheiro, assim como a maior parte da cabana, era frio e úmido. Procurou apoio em uma pia próxima para conseguir se levantar do chão, estava ficando mais fraca a cada dia. Ele não a deixava passar fome, trazia todos os dias o suficiente para que ficasse viva, porém ela não necessitava de alimento só para si e sua pouca energia era sugada pela criança que carregava. Deu passos vacilantes para fora do cômodo, apoiando-se nas paredes de madeira enquanto ia à procura dos biscoitos velhos que ele jogou em cima da mesa.

Fechou os olhos, inspirando fundo para controlar seu coração, não queria mais chorar, chorar requeria forças que no momento estavam se esvaindo. Após buscar o único alimento que talvez fosse conseguir engolir completamente, fez seu caminho de volta para o quarto. Ele com certeza só voltaria a noite, saía todas as manhãs e retornava somente quando a escuridão dominava o mundo. As janelas embaçadas só a possibilitavam saber a passagem dos dias, as horas eram impossíveis, mas conseguia manter uma noção de quanto tempo estava ali e toda vez que acrescentava mais um dia a contagem, se sentia afundar em desesperança.

Abriu a porta do pequeno cômodo, somente uma cama e uma cômoda faziam parte do espaço, as tábuas de madeira foram cobertas com inúmeros papéis colados, fora sua única alternativa para diminuir o frio. Desenhos e rabiscos cobriam o lugar, ele sempre trazia folhas e lápis de cor para ela como se fosse um gesto de carinho. Queria pegar cada um daqueles lápis e enfiar no olho dele, porém havia tentando uma vez e o resultado foi doloroso e assustador.

Estremeceu levemente quando uma brisa fria vinda da sala a atingiu, buscou o cobertor na cama e o enrolou ao redor de seus ombros, fechou a porta e sentou com dificuldade em um tapete fino no chão. Olhou ao redor sentindo novamente a desesperança tomar seu corpo, o nariz pinicou em antecipação as lágrimas e Charlotte se forçou a procurar sentimentos positivos. Parecia loucura tentar se manter otimista em um lugar como aquele, mas havia lido um tempo atrás que seu bebê sentia o que ela sentia e definitivamente não o deixaria se afogar em um mar de desalento.

— Sei que está difícil. - desenhava círculos no topo da barriga, suspirando quando sentiu um chute em sua costela. - Eu sei, eu sei. Aí dentro está ficando apertando e desconfortável, mas por favor não saia agora, espere por seu pai. - um pequeno pé chutou onde sua mão estava, levantou a blusa para ver o formato suave sob sua pele e uma surpresa risadinha anasalada saiu de si. - Isso é ainda tão estranho, saber que você está mesmo aqui dentro.

Contornou o minúsculo pé com a ponta de seus dedos. Quando foi sequestrada havia acabado de decidir contar para Henry o seu segredo, escondeu por quase dois meses de seu melhor amigo aquele bebê, mas estava assustada e queria ter tudo definido antes de conversar seriamente sobre algo que mudaria o resto de suas vidas. Estava saindo do consultório da obstetra, poucos dias depois que fez três meses de gestação, quando ele saltou de um beco vazio e conseguiu domina-la.

Massageou o pescoço dolorido, as marcas dos dedos grossos talvez já tivessem saído de sua pele, ele a havia agarrado por trás quando tentou lutar semanas atrás. Bufou irritada, nem um mísero espelho de mão ela podia ter, tentava se ver nos reflexos das janelas e sendo uma imagem ruim não conseguia dimensionar o quão não ela estava naquele momento. Um novo chute a tirou de seu devaneio, levou um biscoito mole à boca, mastigando com dificuldade, mas se forçando a engolir tudo.

— Não me faça vomitar depois, nós dois sabemos que precisamos nos alimentar, estrelinha.

Falou com uma voz falsamente séria, seus olhos passeando por uma parte da parede onde tentou desenhar uma parte do universo. Tudo estava grudado com cola, ele nunca a deixaria tocar em uma tachinha, não depois de ter tentando furá-lo com um prego. Esticou as pernas, se alongando devagar, sentiu seus músculos tremerem e desistiu do exercício. Estava ficando mais difícil até para sair da cama a cada dia que passava, não queria imaginar o que aconteceria com eles caso o bebê resolvesse vim antes da hora.

Não. Não iria pensar nisso. Pensaria então no que sua família estaria fazendo e rezando para que eles estivessem perto de encontrá-la. Riu um tanto incrédula, nunca pensou que fosse rezar por algo, porém em um lugar como aquele não possuía muito conforto para se manter esperançosa. Rezar para algo superior, uma energia ou algo inominável, ajudava. Charlotte Page não iria desistir e se seu ato de resistência seria aguardar e confiar que iriam resgatá-la, então era isso o que iria fazer até onde suas forças a levassem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A matter of time" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.