Eu sou a Protagonista escrita por Vatrushka


Capítulo 5
Mudança




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Xaveco e eu jogávamos damas, para honrar os velhos tempo. Ele parecia ter muito tempo livre, então aproveitava quando eu podia lhe fazer companhia. Jogávamos conversa fora, falávamos sobre qualquer aleatoriedade ou meme do momento.

Ele riu, e logo em seguida suspirou. — Faz tanto tempo que não tenho um momento assim.

Éramos consideravelmente mais próximos antes. Sempre nos identificamos pela... Irrelevância no enredo. É como se tudo ao nosso redor fosse uma peça, e nós interpretássemos sempre os mesmos papéis de árvore nº 3 e nº 4.

Ergui a sobrancelha, surpreendida pelo súbito momento de confissão. — Você também se isolou quando se formou, não foi?

Ele assentiu. Eu sorri em solidariedade. — Te entendo tanto que até dói, sabia? — Suspirei. — A gente fica nessa expectativa de conhecer novas pessoas, fazer novos amigos. Crescer mesmo e superar a escola. Atualizar um pouquinho essa vidinha.

Ele coçou a nuca. — Nem é só isso... Também tem esse negócio de faculdade. Já tenho um complexo de inferioridade né... Ver todo mundo ao meu redor já estudando e trabalhando no que quer... E se afastando aos poucos, também. Me dá uma sensação de estar atrasado, perdendo o meu tempo, congelado numa fase que já era pra ter passado. É horrível.

Foi a minha hora de assentir. — Eu imagino. Acho que o segredo pra ser feliz é não se comparar, mesmo.

Ele deu de ombros. Voltamos às damas.

— E Xaveco... — Murmurei. — Estou feliz de termos nos reencontrado. Pode falar comigo, toda vez que se sentir sozinho.

Sorrimos.

E subitamente, me senti com 6 anos de novo. Quando as coisas eram simples, e o futuro, tão distante.

 

 

No dia seguinte, Dora e eu nos dividimos — eu fui entrevistar os trabalhadores da nave, enquanto ela finalizava a primeira parte de nossa redação. Aninha foi de grande ajuda, para me guiar dentro daquele verdadeiro labirinto de back-stage.

— Por que criaram um caminho tão complicado? — Perguntei.

— Deve ser pra que a gente não consiga fugir. — Ela riu consigo mesma.

Dei um sorriso ácido. — Se vocês estão passando por condições trabalhistas precárias, o momento de falar é agora.

Ela riu. — Não. Na verdade é bem tranquilo.

Após caminharmos por alguns corredores estreitos, finalmente chegamos à central de controle da nave.

Antes de entrarmos, entretanto, percebi uma figura esgueirada na escada de incêndio.

Obviamente desviei de meu caminho para investigar.

— Denise? — Perguntou Aninha, vindo atrás de mim.

A figura tinha percebido que eu estava atrás dela e se escondeu, fechando a porta da entrada de incêndio. Quando a abri para correr atrás da pessoa com tudo, me esbarrei com (guess who?) Franja.

— Franja! — Gritei, aliviada; embora também um pouco decepcionada por não ter o furo de reportagem que eu queria. — Menino, oi! Desculpa, achei que era outra pessoa!

Ele assentiu, tentando muito fazer uma cara simpática. Seus olhos inchados e seu nariz vermelho, entretanto, não conseguiram disfarçar muito sua situação emocionalmente abalada.

— Franja... Você está bem? — É claro que a Aninha tinha que fazer a pergunta estúpida.

Ele esfregou o rosto, tentando se recompor. — Oi gente... Tô bem sim.

Suspirei e revirei os olhos, sem paciência para aquele “não-me-toque” todo. Puxei Franja e Ana de volta para a escadaria, fechando a porta atrás da gente.

— Vamos, Franja. Desabafa. O que tá acontecendo? — Incentivei. — Você chorando sozinho na escada do trabalho é deprimente demais. Deixa a gente ser um ombro amigo, pelo menos.

Ele enxugou as lágrimas insistentes. Sentou-se em um dos degraus, olhando para baixo. Levou alguns minutos de respirações fundas para que enfim falasse:

— A Marina terminou comigo.

Aninha e eu nos encaramos em absoluto espanto. — O quê?! — Questionamos ao mesmo tempo.

— Não, que é isso... Não é possível. — Murmurei. — Vocês são tipo... O único casal emocionalmente estável nesse quengaral... Que isso. Não, não. É armação, mentira da oposição. A Marina? Mas como que foi isso?

Franja respirou fundo mais uma vez. — Já não tava boa a situação... Faz um tempo. Eu com os meus afazeres e ela com os dela... A gente já tava se distanciando em universos diferentes, sabe? Não era a mesma coisa de antes. E agora... Acabou.

Franja se encolheu, abraçando a si mesmo. Aninha sentou-se do lado dele, abraçando-o e sussurrando que ficaria tudo bem.

— Eu sei como é. — Murmurou Ana. — Eu sei como é difícil. Eu sei.

De súbito, me senti um pouco deslocada da cena. Não é como se eu tivesse uma experiência na área para colaborar com qualquer comentário.

Se bem que nada que eu falasse realmente o ajudaria...

Aos poucos e levemente desorientada, deixei Aninha dando o apoio para o Franja. Voltei para o meu trabalho, esfregando as mãos no rosto.

Não sei qual ideia é a mais assustadora. Concluí. As coisas continuarem como sempre foram ou mudarem completamente, tão rápido.


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