Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 22
Capítulo 20




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Não é mais como Era

É engraçado pensar como o tempo passa, é como líquido, escorre por nossas mãos quando tentamos nos agarrar a ele, na tentativa de viver mais um pouco. Horas, dias e meses escorregaram pelos meus dedos finos sem mais nem menos, tão rápido que mal fui capaz de contê-los.

Mil e noventa e cinco dias correram rápido, fugindo de mim como uma galinha foge de uma raposa. Três anos eu passei e permaneci com a chave que me dava acesso à biblioteca particular do rei Evander, que nesse meio tempo tornou-se o meu grande confidente. Podia mexer e ler tudo, desde pergaminhos a livros, tanto saber trancafiado entre paredes de pedra fria.

Coletei muitas informações nesse tempo, entre noites acordadas devorando livros, manhãs cafeinadas analisando mapas e tarde quentes lendo pergaminhos e abandando-me a mesmo tempo. Mesmo sabendo de muitas coisas, em sua grande maioria novas, eu estava convicta de três pontos.

Primeiro, os piratas, que insistem em afligir a paz que é tão sutilmente mantida pelo rei Evander em Elvenore, são de uma raça que divergem da minha. Enquanto os Elfos se voltaram para a natureza e estabeleceram um forte contato com a vida nas montanhas frias, os Drows, piratas inimigos, se voltaram para o mal. Tornaram-se mercenários e saqueadores, dominando a vasta orla ao sul de Elvenore e bloqueando os avanços reais em direção as terras desconhecidas do além-mar.

Segundo, os piratas são numerosos e desconheço a extensão de seus poderes. Talvez tenham permanecido com a mesma linhagem mágica dos elfos, mas a probabilidade de isso ser verdade é quase nula. Poderiam muito bem ter trabalhado seus poderes para controlar os ventos ou até mesmo metais e isso deixava Evander apreensivo. Sabia disso, pois toda vez que alguém tocava no assunto, um semblante sombrio assumia o seu rosto. Desconhecer os Drows e inconscientemente subestimá-los levou meu pai ao seu trágico final e o rei ressentia isso mais do que qualquer outra pessoa.
Se fôssemos avançar, precisaríamos conhecer muito mais o nosso inimigo.

Terceiro, após três anos na Alta Corte, eu me sentia verdadeiramente uma líder, e não uma garota às sombras do luto e da raiva que costumava consumir o meu coração diariamente. Minhas habilidades foram aprimoradas, até meus bons modos na corte. Infelizmente ainda não tinha idade o suficiente para retornar a Elfdale, mas meu tempo com a realeza surtiu efeito.

Havia feito um bom acordo com Fiery Fasbrir, ela disponibilizava verduras, arroz e feijão para Efldale nos tempos difíceis do inverno em troca de tecidos novos e armas. Mesmo estando longo de meu povo, eu fazia de tudo para que não faltasse nada na aldeia e conforme eu fui me aproximando do rei, ganhei benefícios. Podia visitar Novak e os outros elfos uma vez a cada quatro meses, deixando-me cada vez mais certa de que meu futuro era liderar o meu povo.

Três anos se passaram desde a morte de meu pai, desde que comecei a questionar as origens da minha mãe. Seu sobrenome, Blysinth, não existe entre os elfos, provavelmente era falso, criado para não levantar suspeitas de que era mestiça enquanto ela se misturava no povo élfico. Eu nasci dessa mistura, meio elfa e meio sereia. Essa era e única verdade que não podia escapar.

Com um suspiro cansado eu me deixo cair na poltrona já deformada por conta de meu uso constante. Antes ela era macia, seu tecido abraçava a pele nua de meus braços com delicadeza, o veludo era escuro, um tom de azul denso e poderoso. Agora estava gasta, com o estofado marcado com as voltas e curvas de meu corpo. Me observo no espelho, meus cabelos castanhos estavam ainda mais compridos, parando um pouco abaixo da cintura, meu corpo estava mais roliço, a culpa era da comida farta que me era servido diariamente.

Quando ainda vivia em Elfdale, eu era mais magra e musculosa, acostumava a fazer o meu melhor com o frio sendo alimentada com sopa e vegetais na maior parte do tempo. Entretanto, depois de bons meses me ajustando a comida real, havia ganhado alguns quilos, meus quadris ficaram mais redondo e perdi massa muscular, mas nada que me atrapalhasse em meus treinos de luta contra Dominic.

Prínicipe Dominic…

Ele se tornara tão silencioso e frio desde nosso beijo em meu primeiro baile na Alta Corte, parecia se esquivar de mim toda vez que nos encontrávamos nos corredores do palácio. Não o culpa, imagino a pressão que deve recair sobre ele todos os dia, afinal precisava saber sobre tudo e todos sendo o herdeiro do trono.

Repouso o livro pesado na pequena cômoda ao meu lado, estava cansada demais para prosseguir com a leitura. Caminho pelo castelo em silêncio, repassando as informações que coletei hoje.

Sereias costumam viver em bandos, sociedades, mas não são fáceis de serem estudadas. Em seu habitat são ágeis e quase impossíveis de serem capturadas (suas caudas são gosmentas). Um calafrio percorre minhas espinhas, estava mais do que satisfeita por não possuir uma cauda, contente demais por ter duas pernas. Para entender exatamente como funciona a vida de uma sereiana seria necessário tirá-las do mar, mas isso significaria sua morte eminente.

Ao chegar na orla, me sento na areia, observando o sol se por. O vento era fresco e salgado, brincando com os meus cabelos e esfriando as partes mais extremas de meu corpo. Queria ter respostas, mas estava longe de obtê-las, sem a minha mãe comigo, isso seria quase impossível.

As ondas se chocam contra os meus pés, fazendo-os cintilar de leve. Era o mesmo brilho, um azul meio perolado, nunca mudava. O calor aconchegante das ondas faz o meu coração relaxar e minha respiração, acalmar. Podia passar um dia inteiro naquela posição, observando a maré mudar, as ondas quebrarem na areia e as aves brincarem no céu, era tudo tão bonito que, mesmo três anos morando aqui, eu nunca me cansei da paisagem.

— Deixe-me pensar — Uma voz contente chega aos meus ouvidos, sendo levada pela brisa marinha — Não chegou em lugar nenhum com a sua pesquisa sem graça?

— Achei que estivesse no meio do oceano a essa altura, Skander… — Brinquei, vendo-o caminhar lentamente até mim.

Estava um pouco mais diferente, seu cabelo castanhos estava maior, preso pela metade em um rabo de cavalo desleixado. Sua pele estava mais escura, queimada em alguns pontos e descascando em outros, mas ainda continuava diabolicamente bonito. Seus olhos encontram os meus, fazendo um calor conhecido tomar conta de minhas bochechas.

Ainda flertávamos um com o outro, mesmo sendo amigos e, como sempre, ele ganhava. Skander se senta ao meu lado, passando seu braço pelos meus ombros, apertando-me contra seu corpo quente. Podia sentir o sal em sua pele e o leve odor do mar e de seu navio, havia acabado de chegar no porto, disso eu tinha certeza.

— Não vai aprender nada sobre as sereias se continuar no continente — Murmurou, fazendo o timbre de sua voz percorrer a minha espinha — Sabe, elas vivem no mar.

— Não me diga — Resmunguei.

Havia negado todos os seus pedidos, pois ele não sabia do meu segredo. Para o capitão Valir eu era uma elfa com um interesse nem um pouco saudável sobre sereias e nada mais. As únicas pessoas que sabiam da falha em meu sangue élfico era o rei, Dominic, Nicholas e Zya, o que, por si só, já era muita gente.

— Eu já disse, e repito, o Sirena Vermelha está ao seu dispor — Podia sentir ele sorrindo — Assim como o capitão.

Sua mão toca o meu rosto, levantando-o. Seu toque é quente e reconfortante, era um jogo perigoso aquele que estava participando, mas depois de três anos, eu havia derrubado todas as barreiras contra ele e ignorado completamente a minha sanidade. Skander é um homem atraente e sabia usar isso contra mim, mas o que ele se recusava a acreditar, era que eu não era tão ingênua assim.

— Aposto que usa essa contada com todas as garotas de Guenivere — Falei, fuzilando-o com o olhar.

Um sorriso malicioso surge em meus lábios, fazendo-o corar de vergonha.

— Ah, Kya — Grunhiu, afastando-se de mim — É incrível como consegue estragar o clima.

Ele se encolhe, encarando o mar e bufando. Uma risada tímida escapa de meus lábios, mas a contenho com minhas mãos.

— Não há outras garotas no porto, Kya — Resmungou, observando o horizonte.

O sol se punha devagar e eu aproveitava cada raio para aquecer a minha pele. Coloco minhas mãos para trás, apoiando-me nelas e estico a cabeça, permitindo que o calor adentre o meu corpo, aquecendo-me como um abraço de mãe.

— Imagino que deva falar isso para todas — Murmurei, fechando os olhos e me deixando ser levada pelos sons do mar.

— Deixe-me provar que estar errada — Sua voz era rouca e séria, forçando-me a encará-lo.

— O que?

— Viaje comigo — Continuou, levantando-se apressadamente — Partiremos amanhã e te mostrarei o melhor lugar para observar sereias…

— Skander… — Tentei falar, mas ele me ignorou completamente.

— Me dê uma chance para provar que está errada.

— Eu… — Gaguejei, tentando negar o pedido.

— E, por favor, não diga não.

Seu olhos estavam tão verdes que mais pareciam esferas de esmeralda, pareciam levemente marejados, talvez fosse o vento salgado que os deixou assim, ou talvez…

— Estava chorando? — A pergunta escorregou pela minha boca.

— Aceita? — Ele ergue sua mão na minha direção, ignorando-me.

Calo-me. Era um ultimato. Se eu não aceitasse, ele convenceria Evander a mandar eu ir. O rei ficaria mais do que contente ao me ver desbravando o oceano, pois sabia que isso me ajudaria a entrar em contado com a parte sereiana de meu sangue. Estava em um beco sem saída.

— Se eu disser não — Resmunguei, levantando-me com sua ajuda — Vai falar com Evander, não é?

— Sem dúvida — Sorriu, passando a mãos por seus cabelos.

— Então não tenho como negar o pedido.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Eu sabia que a partir daquele momento a minha vida ia mudar. Meu corpo fervilhava a medida que eu andava pela madeira molhada e meio podre do porto, o sal e o mar pareciam vibrar de alegria. As ondas se chocavam nas barreiras, molhando alguns aldeões e me forçando a esquivar da água para evitar que meu segredo se espalhe ainda mais.

O sol brilhava, iluminando a vida portuária, queimando a pele dos desprevenidos e esquentando a água do mar. O Sirena Vermelha não estava longe, mas andava o mais devagar possível na esperança de que alguma onda destruísse a carcaça de madeira e ferro do navio. Porém, para a minha infelicidade, o navio se encontrava na única parte do porto na qual o mar estava mais calmo.

Resmungo, revirando os olhos e segurando com mais força a alça da minha mala.

Podia sentir os olhos do rei Evander em minhas costas, ele fez questão de me acompanhar até Guenivere, mas permaneceu na mata, para não causar tumultos. Nicholas também veio e admito que sentiria falta dos dois. Entretanto, algo dentro de mim estava sendo esmagado, meu coração se contraia com uma tristeza estranha, daquelas que faz o seu coração acelerar repentinamente e para de bater sem mais nem menos. Recupero o fôlego e continuo o caminho.

O capitão Valir me esperava já em seu barco, com umas mãos no quadril e um sorriso largo no rosto. Sou introduzida aos seus marinheiros, porém mal consigo reter seus nomes, eram homens demais. Uma face se destaca na multidão, ou melhor, a falta de uma perna. Reconheço Lycan, vestido com roupas de tons sóbrio e um sorriso malicioso no rosto. Ele manca até mim, curvando-se.

— Bem-vinda a bordo, princesa — Sua voz é grave e gentil, seus olhos encontram os meus, fazendo uma linha fina surgir em meus lábios — Com você aqui, Skander finalmente cala a boca.

Franzo o cenho.

— Acho que não entendi.

— Ele vive falando de você, dona — Ele se aproxima, apontando comicamente para seu amigo — Mas agora entendo o porquê.

— Obrigada, Lycan — Skander resmungou — Quer me humilhar mais ou já está satisfeito?

Sorrio.

— Não pare, senhor — Pedi, repousando minha mão em seu ombro.

— Não posso negar o pedido de uma dona bonita — Lycan fez uma cara de cachorrinho perdido — O que quer saber primeiro? O dia em que ele caiu do mar ou… — Ele me mostra o seu braço, me dando apoio enquanto caminhamos pelo convés, deixando para trás o capitão do Sirena Vermelha fumegando — Quando ele dormiu com os porcos?

— Em primeiro lugar, não sou uma princesa — Comentei, observando o nosso caminho até a proa — Segundo, me interessei pera história dos porcos.

— Ah! Ótima escolha — Sua energia era tão boa que mal fui capaz de tirar meus olhos dele enquanto falava — Dois anos atrás, chegamos no porto de Ayerus de noite, tarde demais para conseguir uma estadia de prestígio mas não tarde para uma boa rodada de cerveja na taverna. Seria a nossa primeira vez naquele maldito lugar e não sabíamos que a cerveja servida tinha um alto teor alcoólico.

Ainda prestando atenção, me viro para o porto, passando os meus olhos por todos os aldeões, até repousar em uma figura distinta. Usava uma capa preta de um bom tecido, sabia disso pois não havia nem uma marca sequer. Seu rosto estava coberto, menos seus olhos. Sinto meu coração cair até o meu estômago, fazendo-me perder o fôlego.

Me agarro a madeira, forçando a minha visão para enxergar com mais clareza as feições do homem, mas eu não tinha dúvidas, sabia muito bem quem era. Reconheceria aqueles olhos azuis denso e frios a quilômetros de distância.

— Dominic — Minha voz saiu tão fraca que não se passava de um sussurro imperceptível.

Nossos olhares se encontram pela primeira vez em três anos.

Sentia sua fúria mesmo eu estando a metros longe dele. Eu não intendia o que me deixava tão atraída pelo príncipe, ele tinha um campo gravitacional próprio, tão forte que era impossível me manter longe. Ele me chamava, apesar de lutar contra isso.

O lenço que prendia meu rabo de cavalo escapa por conta do vento, flutuando no ar sem destino certo. Tento alcançá-lo, mas desisto ao vê-lo tão longe. O tecido verde e cintilante voa como uma pena, para lá e para cá, até que sua liberdade é cortada pelas mãos de Dominic. Ele agarra o lenço como agarrou o meu pescoço na noite em que nos beijamos.

Um calafrio percorre a minha espinha e finalmente me lembro de respirar.

— Você está bem, dona? — Lycan pergunta preocupado, segurando uma de minhas mãos.

— Eu… — Murmurei, respirando fundo e arrumando a postura — Preciso de uma bebida.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado! Comente, caso se sinta confortável, pois eu adoraria conversar com você. Até o próximo capítulo S2



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