Elvenore: A Revolução Das Marés escrita por Pandora Ventrue Black


Capítulo 20
Capítulo 19




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O Clã Fasbrir

Mais uma noite eu passei acordada, observando o céu ir de um azul-escuro e denso, como os olhos de Dominic, a um tom de rosa amarelado, indicando que minha espera estava chegando ao fim. Tentava entender a minha relação com a água do mar e, aparentemente, com a água de rios, vasculhava a minha mente procurando memórias com a minha mãe que indicavam algum sinal de ela não ser uma elfa.

Entretanto, tudo o que consegui coletar foi a diferença de seu cabelo. Curto e espetado, diferentemente das outras elfas de Elfdale. Ela era uma mulher determinada e guerreira, mas não viveu o suficiente para que eu presenciasse isso com os meus próprios olhos. Suspiro e me levanto, caminhando pelo entreposto, procurando alguma coisa para fazer.

— Acordou cedo — Alguém fala, fazendo meu corpo enrijecer.

O rei.

— Eu nunca dormi — Disse, curvando-me perante ele.

— Imaginei — Um sorriso fino assumiu seus lábios enquanto ele abria a segunda porta de sua tenda de metal, indicando que eu deveria entrar — Venha tomar café da manhã.

Penso em recusar, mas algo dentro de mim queria passar um tempo com ele. Entro em sua tenda, majestosamente decorada e com um cima mesa simples no centro. Havia café, pão e um bolo marrom. Evander puxa uma cadeira para eu me sentar e em seguida me serve com tudo o que estava disponível.

— Nicholas me passou uma informação sobre você, Kyanite — Tomou seu café, fazendo meu corpo gelar por completo. “Droga!”, xinguei Nicholas mentalmente umas mil vezes “Eu vou matar ele!” — Há mesmo alguma possibilidade de ter sangue sereiano correndo em suas veias?

Engulo em seco, encarando-o, analisando cada movimento seu. Deveria falar a verdade ou mentir? O rei poderia facilmente arrancar tudo o que sabia com um piscar de dedos, mesmo não querendo admitir eu era sua súdita e, pior que isso, Dominic estava certo. Ele me disse para manter distância de seu irmão e eu decidi ignorá-lo e agora estava em uma encruzilhada.

— Eu não sei… — Suspirei.

Minta do jeito élfico, Kyanite”

A voz da minha mãe percorre a minha mente como um sopro, rápido e quase imperceptível. Eu não precisaria mentir, pois tudo o que eu sabia sobre ela era uma imagem espectral, flutuante e vazia, que entrei naquele dia na praia. A verdade era que eu sabia tanto sobre a minha própria mãe quanto o rei Evander.

— Minha mãe morreu antes que eu pudesse perguntar sobre minhas origens — Fechei minha mão em um punho muito bem cerrado — E meu pai, como bem sabe, odiava tocar no assunto.

Evander balança a cabeça positivamente.

— É um assunto delicado — Murmurou, bebericando de seu café — Não precisa entrar em detalhes se não estiver confortável, Kyanite.

Assenti, ainda sentindo o meu coração palpitar.

— Mas estou aqui para te ajudar — Continuou, fuzilando-me com o olhar — Draiko gostaria que eu fizesse isso… Ele amava você mais do que tudo.

Suspiro inconscientemente. É claro que eu sabia o que meu pai sentia por mim, podia ver seus olhos brilharem toda vez que nos reencontrávamos, seu sorriso quando eu o contava de minhas novas habilidades (adquiridas a partir do pulso firme de Novak e seu treinamento incansável).

— A chave que carrega em seu pescoço lhe dá acesso à minha biblioteca privada. Lá encontrará tudo o que precisa sobre sereias… Talvez algumas memórias com sua mãe reacendam e descubra o que você realmente é — Podia ver um semblante de compaixão em seu olhar e, por uma estúpida fração de segundo, pude ver a imagem de meu pai refletida no brilho azul-escuro opaco de seus olhos — Pode entrar e sair quando bem entender, passar o tempo que precisar, jovem Kyanite.

Tento dizer algo, mas estava surpresa demais para formar sentenças entendíveis, decidi, então, permanecer calada enquanto ele saboreava o seu café. Sua abertura comigo era estranha, provavelmente estava sendo pior para o rei do que mim a nossa convivência, mas ele queria honrar a memória de meu pai.

A perda de Draiko Liadon nos unia, algo que nunca imaginei que pensaria.

— Se precisar de qualquer ajuda com os pergaminhos antigos da minha biblioteca, não hesite em pedir — Falou, oferecendo encher minha xícara ainda cheia. Nego com as mãos — Seu eu não estiver disponível, certamente Nicholas estará.

Ele não disse Dominic, talvez duvidasse de suas capacidades, ou o seu primeiro filho fosse tão ocupado quando o próprio rei. Príncipe Dominic… Eu ainda estava pensando nele e isso me deixava furiosa. Balanço a cabeça, precisava, pelo meu bem e pelo dele, deixá-lo para trás.

— Obrigada, majestade — Meus olhos focam na realeza na minha frente e ele sorri, apontando para a porta.

— Está na hora de continuar a viagem, Kyanite — Murmurou, levantando-se — Aproveitando?

Meus lábios se fecham em uma fina linha. O que eu deveria responder? Sim? Não?

— Demorada — A verdade escapa de meus lábios como uma bala, fazendo o rei gargalhar baixinho.

— Igual ao seu pai — Suas mãos se aproximam de sua boca — É surpreendente.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

A viagem continuou, o rei na frente, com seu guarda-costas, conde Thornton atrás, com Skander ao seu lado, falante e prestativo. Discutiam sobre negócios, disso eu tinha certeza, havia números e contas que eu não conseguia acompanhar. Pelo que pude perceber, Dominic era bem mais rápido com cálculos do que o capitão Valir, pois o comerciante usava seus dedos às vezes, quando as contas não fechavam ou os números se tornavam grandes demais. O príncipe fazia tudo isso com a cabeça e nunca precisou recalcular.

Suspiro, observando a paisagem ao meu redor. Seria um ótimo terreno para a minha revanche, certamente ganharia de Dominic se Rasdir estivesse aqui. É bem plano e, mesmo com as árvores, a trilha que seguíamos era bem marcada, tornando impossível se perder. Os animais ainda se movimentavam na selva, mas estavam mais distantes, provavelmente se escondo do barulho que todos os homens presentes faziam.

O dia passou tão rápido que mal consegui entender como fomos de sete da manhã para sete da noite em um piscar de olhos. Estava realmente satisfeita com a mata ao meu redor, me fazia sentir mais em casa, sem todo o mármore e modos da corte para me fazer sentir deslocada. Estou rodeada de natureza e isso fazia meu sangue festejar.

A entrada da aldeia do clã Fasbrir era feita com dois troncos retorcidos, que mais pareciam ter sido trançados por um dos membros do clã, formando uma pico na parte superior. Havia lanternas, não daquelas mecânicas dos homens do rei, mas sim aquelas que são iluminadas por velas, que, por sua vez, são cuidadosamente escondidas por folhas levemente transparentes, deixando a entrada para aldeia iluminada por diversas cores.

Passando pelo arco, meus pés encontram pequenas pedras de cascalho que mais pareciam pérolas, cintilavam e refletiam a luz da lua que começava a aparecer, iluminando com cuidado o nosso caminho, juntamente com diversas tochas espalhadas pelo local.

Prendo a respiração, completamente extasiada com a beleza da aldeia. Havia cabanas de madeira e palha tanto no chão, quanto presas aos troncos (algumas nos galhos) das árvores. Era colorido, a madeira usava nas casas haviam sido tingidas, variando entre o verde e o laranja. Tudo ao meu redor era tão vivo quando a selva que cercava o clã Fasbrir.

Uma mulher, vestida com mantos laranjas e amarelo queimado, desce as escadas de sua residência com dificuldade, por conta de sua enorme barriga, acompanhada de um homem, que presumo ser seu marido. Sua pele é escura, magnificamente decorada com desenhos em tinta branca, cobrindo seus olhos, bochechas e nariz, uma espécie de máscara de arabescos tribais. Seu sorriso brilhava mais do que a lua quando se aproximou do rei, dando-o tapas nas costas.

Com ela mais perto de mim, pude estimar a quanto tempo estava grávida e, pelos meus cálculos, não demoraria para dar a luz… Me pergunto como arranjou forças para descer as escadas e se aproximar de nós.

— Evander — Sua voz era grave como um trovão e poderosa como um raio, não precisei pensar duas vezes para ter certeza de era ela que comandava o clã Fasbrir.

— Fiery — O rei disse, dando um bruto aperto de mãos — Achei que a essa altura já conheceria seu filho…

— O danado não quer sair — Brincou, acariciando a barriga — Preguiçoso que nem o pai — Ela aponta para seu marido, depois o soca de leve no ombro, voltando seu olhar para a comitiva, forçando-me a me encolher atrás de um dos soldados — Nessa última semana o pequeno decidiu descansar, aproveitar os últimos dias na minha barriga e… Espere um minuto.

Seus olhos laranjas encontram os meus, fazendo meu corpo inteiro travar, fincando-se no cascalho com força.

— É a menina do Draiko, não é? — Indagou abrindo caminho entre os homens — Ah! É claro que é! Reconheceria esse tom de castanho de longe!

Suas mãos envolvem o meu rosto magro com um calor reconfortante e maternal. Ela encara os meus olhos, parecia analisar todas as estrias levemente prateadas que ocupavam o mar verde. Fiery mexe-me mais um pouco antes de me abraçar com força. Era estranho estar em seus braços, pois havia uma grande barriga entre nós, que empurrava o meu rim, machucando-me.

Me afasto de seu toque apenas para conseguir respirar.

— Igualzinha a ele! — Clamou, levantando um dos braços e sinalizando as mulheres ao seu redor, todas magnificamente vestidas — Venha para a cabana, pequena Liadon — Disse, tomando o meu braço — Tenho certeza que está cansada desses homens fedidos!

Faço menção para negar o pedido, mas já estava sendo arrastada para dentro de sua casa na árvore. Algumas outras mulheres entram junto comigo, carregando comida, bebidas e toalhas coloridas. Um perfume terroso e levemente doce toma conta das minhas narinas, parecia uma espécie de café com chocolate quando pude olhar com cuidado a xícara que me foi entregue.

— Não se preocupe, é apenas uma mistura de cacau com canela — Fiery explicou, usando uma de suas mãos para se sentar em uma cadeira — É bem melhor do que aquela porcaria cafeinada que Evander tanto se orgulha.

— Café não é tão ruim… — Murmurei, tocando a porcelana marrom com os lábios.

O líquido morno desce pela minha garganta como leite, doce, porém sutil. Uma mistura perfeitamente agradável entre a canela, densa e poderosa, e o cacau, ainda mais misterioso e rico de sabores. Meus olhos se arregalam, o sabor era muito delicioso e depois da viagem que fim, era um deleite. Eu não vou ser capaz de descrever o calor gentil que assumiu o meu estômago quando a bebida desceu pela minha garganta… Se assemelha muito a se enrolar em cobertas em dias frios.

— Aposto que agora sabe do que eu estou falando e… Uh! — Gemeu, massageando a barriga.

— Você está bem? — Indaguei, repousando o manjar dos deuses em uma mesinha de madeira ao meu lado.

— É só o bebê… Ás vezes ele chuta e acerta no pulmão, me deixando completamente sem ar — Ela tenta sorrir, mas sabia que estava exausta, provavelmente mais cansada do que eu.

— Disse que deveria ter nascido… — Comecei, aproximando-me dela — Está muito atrasado?

— Não, não está — Seu olhar encontra os meus — Só estou ansiosa.

Sorrio, pois seus olhos me davam a certeza de que essa criança em seu ventre seria seu primeiro filho. Fiery tinha mais de trinta anos, eu não precisava perguntar para saber que ela era mais velha do que eu, suas mão são calejadas, trabalhou duro para se manter uma boa líder, o jeito que ela lidava com o rei Evander demonstrava que trabalhavam juntos a muito tempo e isso me encorajava a permanecer ao lado do rei.

Talvez ele tivesse a ajudado a chegar onde chegou e poderia fazer o mesmo por mim.

— Eu sinto muito por sua perda, Liadon — Sussurrou, acariciando sua barriga — Seu pai não merecia esse triste final.

— Ele morreu servindo o rei… — As palavras escapam da minha boca como água, jorrando.

— Seu pai era muito mais do que um mero capataz de Evander, pequena — Sua voz é dura, um conselho… “Ou talvez ela esteja brigando comigo…”, pensei — Ele é um bom homem, antes de ser um conselheiro real.

— Ele era — Enfatizei que meu pai era o passado, ele estava morto e tudo em mim gritava para desviar do assunto — Draiko não está entre nós, mas farei jus ao seu nome.

— Sei que vai, pequena elfa — Fiery tocou o meu ombro, apertando-o — Do jeito que Draiko era, é capaz que o ultrapasse em tudo — Calo-me, ninguém seria melhor do que meu pai.

Ela nota o meu silêncio furioso quando me afasto de seu toque e caminho para a janela mais próxima. Queria poder explicar para Fiery que meu pai era único, o melhor elfo a pisar em Elvenore, o melhor arqueiro em toda Elfdale e o melhor esgrimista de toda a Alta Corte.

Tudo o que eu sei veio dele, não há como ultrapassá-lo. Não havaia como eu ser melhor do que ele, pois sou sua cópia, sua pupila. Não posso ultrapassar meu mestre sendo que ele está morto

— O que digo não é uma coisa ruim, elfa — Podia sentir o seu olhar nas minhas costas — Zya me disse muito sobre você e creio que há grandes feitos marcados para o seu futuro.

Engulo em seco.

— Você conhece a Zya? — Indaguei, incapaz de olhá-la.

— Ela é minha irmã — Sua voz se torna doce e alegre — A caçula. Abençoada com o dom da magia… Uma criatura mágica como você.

Sinto o meu fôlego escapar pela minha boca. Como não pode notar as semelhanças? São os mesmos olhos amendoados, o mesmo queixo marcado e o mesmo nariz arrebitado e altivo. A diferença estava nos olhos, uma tinha pedras de âmbar laranjas no olhar, a mais nova, por outro lado, tinha cobre nos olhos, mais escuro e misterioso.

— Surpresa? — Ela sorri, parecia se divertir com o meu espanto.

Afirmo positivamente, analisando a movimentação dos soldados do rei Evander pela janela. Coletavam impostos, mas ao invés das moedas, arrecadavam bodes, galinhas e jazidas minerais.

— É bom não estar envolvido no sistema monetário — Fiery comentou, bebericando da bebida dos deuses — Podemos ficar com o nosso ouro e prata.

Seu sorriso era ao mesmo tempo malicioso e brincalhão, iluminando todo o cômodo.

— Mas eles não pegam muito bens materiais? — Perguntei, virando-me para ela — Já contei doze bodes…

— Somos vegetarianos, Liadon — Fiery falou, apontando para outra janela — Nunca levam nossos legumes nem nossas verduras, só os animais, que usamos para adubar a terra, mas estamos melhorando o nosso adubo vegetal, então logo nos tornaremos independentes nesse sentido — Seus olhos pareceram brilhar quando tocou no assunto — Mantemos os bodes e algumas vacas, pois sabemos que Evander os levará para uma grande fazenda que tem ao leste da Alta Corte.

Um sorriso fino assume os meus lábios, era uma ótima ideia.

— Mantenha esse segredo entre nós, Liadon — A líder pediu, entregando-me minha xícara com o cacau e canela misturados — De uma líder para outra.

Sinto minhas bochechas aquecerem, acho que estava fazendo o meu primeiro trabalho como a futura governante de Elfdale: criando conexões e vínculos com outros povos. Futuramente, eu e Fiery poderiamos fazer um acordo, pois nossa base alimentar é praticamente a mesma.

— Claro — Sopre, olhando-a pela beira da xícara.

— Foi muito bom fazer negócios com você, Kyanite Liadon — Fiery ergue sua bebida, sorrindo.

— Igualmente, Fiery Fasbrir.

Rimos como se fôssemos grandes amigas. Meu coração batia feliz e orgulhoso, se Novak estivesse aqui diria que fiz um bom trabalho. Tranço discretamente três trancinhas, trançando-as novamente até formarem uma só, uma espécie de símbolo para alegria e sorte.

Terminamos o resto da noite ao redor de uma fogueira, conversando amenamente sobre filhos e sobre como, em hipótese alguma, eu ficaria grávida, a gravidez élfica dura nove meses.

Bom, talvez eu teria um filho, se eu me casasse com alguém que eu verdadeiramente ame.

— A não ser que se case com um humano — Skander se intrometeu.

Cerro o maxilar, encarando-o. Estava flertando e era péssimo em esconder isso.

— Elfos e homens não conseguem procriar — Continuou, erguendo sua cerveja.

— Certamente a Kyanite não está pensando nisso — Evander silenciou a conversa — Ou está?

— Quero liderar o meu povo, rei — Expliquei, voltando o meu olhar para o capitão Valir — Não estou a procura de um namorado.

Ele sorri, como um belo demônio, fazendo meu corpo inteiro aquecer.

— Ainda bem — Havia ironia em sua voz e eu podia sentir ela no ar.

 

✵ ✵ ♔ ✵ ✵

 

Já estava de noite e fomos relocados para uma grande cabana onde grande parte das pessoas dormiram em questão de segundos. Eu demorei para pegar no sono, pensando em meu pai e minha mãe, tentando imaginar os dois juntos, felizes, antes de tudo desandar depois da morte da minha mãe…

Morte…

Do que ela havia morrido mesmo?


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado! Comente, assim me ajuda a manter a história viva.



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