The Call escrita por LisRou


Capítulo 5
III. Pesadelo ou... premonição?


Notas iniciais do capítulo

Que esse final de semana seja tão lindo e divisor de águas quanto esse capítulo. Prestem atenção porque a partir daqui teremos o processo de redenção. ♡

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799704/chapter/5

POV. Susana 

 

— Me ajude! — Uma voz desconhecida ecoou de algum lugar. — Eu lhe imploro, me ajude! Me tire daqui, por favor!

Tudo estava completamente escuro e por isso não consegui enxergar nada além de um palmo da minha mão. Ouvi uma voz masculina agoniada gritar por socorro. Eu queria saber quem era, queria saber porquê estou dentro desse breu, mas, eu me movia, tentava chegar em algum lugar e era em vão. Tudo continuava escuro e frio e os gritos se tornavam cada vez mais altos.

— Onde você está? Como conseguiu parar aqui? — Perguntei tentando apalpar as paredes, buscando alguma forma de saber onde estava ou de sair dali.

— Estão me ferindo... — O rapaz falou, parecendo confuso. — Eu quero sair daqui, mas não consigo. Eu quero ver meu pai! Por favor, me ajude a encontrar meu pai outra vez!

— Como posso ajudá-lo a encontrar o seu pai se nem sei quem você é? — Minha pergunta soou um pouco rude, mas não foi minha intenção. Era o medo que me assolava falando por mim. Toquei meu peito, bem em cima de onde meu coração transpassava todo meu pavor, e estremeci de leve ao notar que a escuridão parecia ficar ainda mais densa. A voz do rapaz ecoava em minha mente e parecia piorar a sensação dentro de mim, porque era carregada de medo, pavor, agonia, tornando aquele breu ainda pior e me dando uma sensação estranha, como se descobrir de quem era aquela voz estranha e perdida no fundo da minha consciência fosse de extrema importância.

— E-eu... — Ele começou a chorar. — ...Eu só queria trazer paz ao meu coração... Só queria vingá-la... — Seu timbre era baixo, em meio a soluços e lágrimas.

Enquanto ele dizia, consegui tocar alguma protuberância no rochedo e fechei minhas mãos em volta, pegando ao que me parecia pela textura um pedaço de madeira. Rasguei uma parte da minha roupa — não soube discernir se era um vestido, ou uma saia, mas peguei a barra e tirei um pedaço, amarrando-o na ponta, conseguindo ascender sozinho feito mágica, como se aquele breu estivesse esperando que eu fizesse exatamente aquilo.

Finalmente o local foi iluminado. Era um ambiente completamente vazio, e a única coisa que avistei foi a sombra de uma silhueta de um homem recostado em uma rocha.

Despertei com um salto em minha cama, sentindo gotículas de suor se acumularem em minha testa, pescoço e vale dos seios, além do meu peito subir e descer com velocidade graças a sensação estranha e ruim em meu âmago.

Pelos céus... o que foi isso?

A manhã seguiu normalmente como sempre fora o meu dia a dia até então. Seria mais um dia normal, exceto para mim, já que um incômodo constante tomou-me por inteira desde a hora que acordei. A pressão da discussão com Lúcia, o olhar de minha mãe naquela noite, um futuro até o momento incerto e agora esse bendito sonho.

— Susan? — Uma voz grave me chamou.

— Sim, John? —  O fitei após perceber que olhava para o nada, completamente perdida.

— Parece preocupada — Ele instigou e depois iniciou uma curva qualquer, estacionando o carro em frente a calçada em seguida. Me localizei rapidamente e vi que estávamos diante da instituição de ensino. — Quer que eu te leve para comer alguma coisa?

— Não. Só estou um pouco indisposta e sem fome alguma— Dei de ombros e o olhei rapidamente, percebendo seus olhos bem atentos em mim.

— Aconteceu alguma coisa? — Ele perguntou, preocupado, deixando o volante de lado e se virando para mim. — Pode falar qualquer coisa comigo, Pevensie, você sabe. — Mesmo sério, tive um vislumbre de uma preocupação em seu olhar e senti sua vontade de querer me ajudar, entender o que estava havendo, porque realmente eu não sabia disfarçar o meu incômodo. Fiquei tocada pelo seu cuidado.

— Eu sei — sorri de leve e toquei seu queixo com a ponta dos dedos, sentindo a textura macia da sua pele. Eu gostava de sentir uma barba macia, como eu tocava quando era criança o rosto de meu pai, mas com John isso não seria possível. Até porque, não acho que ele ficaria bem com uma. — Está tudo bem, não se preocupe.

— Tem certeza?

— Tenho sim, senhor persistente. — Brinquei na tentativa de aliviar um pouco aquele clima maciço, e funcionou. John sorriu sem dentes, segurando minha mão em seu rosto e entrelaçando nossos dedos.

— Persistente com você — ele soltou num sussurro e se aproximou o suficiente para me beijar.

Deixei que ele me beijasse como queria, porque precisava de uma distração... Precisava de algo para sobrepor ao meu peso subitamente maior. A sensação esquisita foi deixada um pouco de lado enquanto sentia a maciez de seus lábios  moldando os meus, me deleitando, sua mão afagando meus cabelos da nuca e sua respiração roçando na minha pele. Assim que ele terminou, eu repuxei seu lábio inferior com suavidade e fui agraciada com um dos seus sorrisos de lado que mexia com qualquer mulher.

— Até mais tarde — ele se despediu, me beijando uma última vez.

— Até — me afastei com um sorriso e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha para, enfim, pegar meus materiais e sair do automóvel.

Coloquei minha bolsa envolta dos ombros e pressionei os cadernos em meu peito. Atravessei a extensão da rua em passos suaves. O estranho é que foi somente eu ficar sozinha apenas com meus pensamentos, tudo voltara a tona: um aperto no coração, junto com calafrios e um misto de insegurança por não ter certeza do que se tratava essa sensação. Era algo sombrio que ecoava dentro de mim como os gritos daquele desconhecido em meu sonho. Respirei profundamente e procurei andar mais rápido, desejando afundar-me logo em meus estudos intensos para tentar esquecer o misto de sentimentos que me cercavam.

*

 

As aulas foram intensivas, como eu torcia para que assim fossem. E, aparentando brincar de destino comigo, o tema foram justamente os sonhos: os sonhos há muito tempo têm sido estudados e interpretados de várias maneiras, alguns de forma especulativa, outros por não vê-los com algum sentido — o que era o meu caso, e outros, ainda, com algum caráter científico. Grande parte das especulações leigas ou não especializadas procurou analisá-los de forma profética, como se representassem uma possível janela ao que viria acontecer com o próprio sonhador ou com alguém relacionado ao seu mundo.

Segundo Wolf — psiquiatra renomado, em todas as épocas eles têm sido objeto de preocupação do homem, embora considerados das mais diversas formas. Desse modo, diz o autor, enquanto que para alguns o sonho nada mais é do que algo sem sentido que povoa nosso sono, para outros, ao contrário, é carregado de indicações, sendo, portanto, de fundamental importância seu estudo aprofundado.

Para mim, isso não era relevante.

Eu estava certa de que aquele sonho não havia sentido algum, já que eu não conhecia aquele rapaz que pedia por socorro, tão pouco reconheci o local que me encontrei por lá. Pelo amor de Deus, talvez eu nem precisasse me preocupar tanto com isso; estava dando atenção demais ao que não havia necessidade... O que eu precisava mesmo era não me atentar à isso.

Mordisquei um pedaço da minha maçã enquanto conferia minhas últimas anotações da matéria sobre a mesa do refeitório. Tanto eu como meus colegas trocávamos ideias sobre o assunto de vez em quando e, naquele momento, não foi diferente:

— O que vocês estão achando do conteúdo desse período?

— Um pouco complexo — Anne bebericou seu suco ao mesmo tempo que respondia à Michael.

— Quase que eu tive um sonho na carteira mesmo... — O universitário caçoou com um sorrisinho de lado enquanto mexia nos fios castanhos do cabelo.

Eu ri, revirando os olhos das órbitas.

— Deixa de ser implicante... — Pressionei seu antebraço, meneiando o rosto.

— Ele tem que aproveitar os últimos instantes com o professor Olivares, na verdade. — Anne disse com evidência, me fazendo girar o rosto em sua direção com o cenho subitamente encrespado.

— Por que?

— Porque ele está indo embora. Vai se mudar para Londres — ela me explicou, dando de ombros. — Dizem que a substituta dele é uma professora que se formou há poucos meses.

— Tomara que seja linda feito você e Susana — Michael comentou, dando-nos uma piscadela, mas parecendo mais interessado em impressionar Anne por ser a solteira de nós duas. Tanto eu quanto ela achamos graça da tentativa.

— Vai sonhando, Mike — Anne brincou, bagunçado as mechas caracoladas da testa dele. — Ela é uma senhora de quarenta e pouco anos, se eu não me engano.

— E como sabe disso, Anne? — Quis saber, subitamente curiosa.

— Eu conversei com o professor na sexta passada e ele me disse — seus lábios se esticaram. — Vou sentir falta das aulas dele. Ele era bem metódico.

— Que nem você, não é? — Michael arrastou sua cadeira, se levantando dali. Para lhe dar uma resposta a altura, Anne colocou a língua pra fora. — Senhoritas, eu vou me retirar. Já está ficando tarde para minha saída no The Squirrels*.

— Hum, festeiro ele. Vai lá, Michael.

— Fica com inveja, Susana... Agora que está namorando, não acho que você vai aproveitar essas farras de novo.

Franzi o cenho e meneio o rosto. Não acredito que esse idiota falou uma coisa dessas... Só Michael mesmo para achar que, só por existir um compromisso, você se limita a certas distrações. Coitado. Eu peguei um desapreço por festas, nenhuma delas me interessa ou me chama mais atenção, e essa foi a sorte dele. Se fosse o contrário... Ah, eu teria acertado um tapa bem cheio na sua nuca.

— Se eu quisesse já teria ido com ele — fui franca, bem direta, fechando meu caderno na mesa com um pontapé. Ameacei lhe dar um tapa, mas foi só ameaça mesmo. E isso bastou para Michael proteger o rosto com as duas mãos, ao som da risada de Anne.

— Então prove. — Michael instigou, erguendo uma sobrancelha.

— Não tenho que te provar nada.

— É só um encontro de universitários no The Squirrels, Susan. Você leva o oficial e aproveita a festa com ele, só isso. — Ele explicou com uma entoação maior que o normal. — Até para você sair um pouco dessa rotina de estudo. Você parece que quer comer os livros o tempo todo e não tem tempo para se divertir. Eu mal vejo um sorriso seu, pra falar a verdade.

— Eu odeio dizer isso, mas Mike está certo, Su — Minha colega disse enquanto gesticulava com as mãos, me observando com seus olhos de amêndoas. — Você precisa se divertir. Parece que carrega o peso do mundo nas costas.

— E você é tão bonita... Sendo franco, é uma pena que esteja comprometida. Porém uma mulher linda desse jeito não pode ficar ranziza e se tornar uma velha chata.

Por mais que aquele assunto estivesse num contexto que me incomodava — por me recordar porquê decidi ser daquele jeito: fechada em meu próprio mundo, Michael e Anne conseguiram me causar uma gargalhada daquela comparação e fazer com que eu pensasse melhor em como estava passando os meus dias. Eles tinham razão. Tudo bem, eu estava mesmo diferente, sorria menos, era cada vez menos acessível e compreensível com os outros... Eu tinha machucado minha própria irmã, e desde minha pré-adolescência, quando me comprometi com minha mãe cuidar de Lúcia no período que fomos hospedados na casa do professor Kirke, jamais poderia imaginar que teria feito ou dito o que eu disse.

Eu assenti, ainda imersa em pensamentos e completamente desmotivada a cogitar em aceitar aquele desafio. No entanto, se eu queria espairecer, me distrair principalmente dessa rendoma pesada que começou a me perseguir, eu precisava tentar.

Michael riu de minha expressão e se despediu de nós, deixando-nos sozinhas na mesa. Aproveitando que estava somente eu, Anne apoiou seus dois cotovelos na mesa para encaixar o rosto nas mãos e me contemplou, um pouco mais atenta e observadora que antes. 

— Muito bem. Pode me dizer.

A fitei sem entender.

— Dizer o quê?

— Você e o oficial discutiram? — Umas rugas de preocupação fincaram-lhe a testa.

— Não, não — meneio o rosto, me perguntando porquê ela pensou isso. — Estamos muito bem. Na verdade, não tive discussão com ele nenhuma vez. — Ao menos não com ele.

Meu coração se apertou no peito, mas ignorei.

Anne não se deu por convencida:

— Alguma coisa aconteceu, Susana. Na verdade, eu quero que você seja franca comigo — seus dedos se encaixam em meu ombro, parecendo querer me encorajar a dizer o que gostaria. — Eu... Eu sinto que há alguma coisa em você que não é acessível para ninguém. Somos colegas, você não tem obrigação de me contar nada, mas... Caso queira conversar de verdade, sem brincadeiras ou fingimentos, eu estarei aqui. De verdade.

Eu fiz que sim, mesmo que dentro de mim ainda persistia minha reclusão.

— Obrigada pela preocupação, mas realmente não tenho nada a contar porque não escondo nada. Eu só... — Respirei fundo e procurei as palavras certas sem parecer uma louca, ou sem educação. Pelos céus, era difícil. — ...Só estou... Tendo alguns problemas com minha família. Eu discuti com a minha irmã.

Achei que contando à ela, mesmo que superficialmente, poderia abreviar um pouco a minha culpa, mas aquilo só serviu para massificá-la, pois era como se minha própria voz estivesse testificando tudo o que eu disse para Lúcia. Para piorar, minha memória estava aliada a minha culpa, porque tão rápido quanto a diferença de um segundo para outro, ela expôs atrás das mimhas retinas a imagem de seu semblante triste antes de me deixar sozinha naquela cozinha.

"Você não é a minha irmã."

Suspirei, enroscando meus dedos em minha saia, controlando minha respiração que ficou entrecortada e engolindo em seco também.

— Converse com ela, Susan — Anne interceptou o silêncio e eu a encarei reluntante, vendo-a que realmente estava disposta a me ajudar. — Peça desculpas. Tente arranjar uma forma de melhorar a situação entre vocês.

— Acho que um pedido de desculpas não seria o suficiente...

— Então procure fazer algo que seja.

A encarei, vendo a sugestão brilhando em seu olhar e uma vertigem de um sorriso se esticar em sua boca. Um sorriso encorajador.

O que eu poderia fazer?

Não importa. Eu encontraria um jeito, porque não era de desistir tão fácil. 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse sonho da Susana... Sei não, viu... Me enchem de teorias, por favor.

Até o próximo capítulo. Kisses! ♡



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "The Call" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.