Curiosas Ilusões escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 2
Parte II




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Barry não falara com ela.

Horas depois da cerimônia ter terminado, sentado junto ao balcão do bar instalado no luxuoso salão, embora não pudesse realmente sentir o efeito do drink que tomava, ainda não havia trocado qualquer palavra com Caitlin.

De longe, trocaram sorrisos educados quando Cisco se dirigiu para cumprimentá-la, mas fez o caminho oposto em direção ao bar e ali permanecera. Tinha a impressão de que, vez em quando, parava para observá-la por tempo demais, sem conseguir se impedir de admirá-la de longe interagindo com os convidados ou o próprio noivo.

Soubera que seria um desastre ir falar com ela no instante em que a porta do salão se abriu e Caitlin percorreu o tapete de cor clara, sozinha, fazendo seu peito inteiro contrair apertado. Ela continuava absolutamente linda, mas parecia ainda mais deslumbrante no vestido de noiva, mesmo que fosse completamente simples em uma seda brilhante, não exatamente branca, mas num tom champagne, tinha um decote em V com alças finas e seguia justo até o chão onde se arrastava. O detalhe ficava nas costas, quase que inteiramente nuas, o vestido ajustado somente por um fio horizontal no mesmo tecido. Os cabelos, um pouco mais compridos do que se lembrava de ter visto, também se encontravam mais claros e completamente soltos.

Mesmo depois de tanto tempo, olhando ao redor, via muito da mão e do gosto pessoal de Caitlin na decoração, o que o fizera concluir que ela realmente se empenhara naquilo, afinal sempre fora mais prática do que cerimoniosa. Além disso, pela maneira como se mostrava corada e sorridente, sabia que tudo tinha corrido como deveria e, por isso, ela estava... Feliz.

Estava em cada poro dela, da forma que olhava para o noivo ou deixava que ele percorresse os dedos pelos fios de seus cabelos distraidamente enquanto falavam com outra pessoa. Imaginou se ele pedira que ela os deixassem soltos para o casamento – tinha certeza que o faria, se tivesse a chance. Não havia nada mais Caitlin do que seus fios castanhos levemente ondulados.

Franziu o cenho ao notar a direção de seus pensamentos e quase bufou, desviando o olhar quando ela sumira por uma porta de serviço. O barman o olhou de maneira preocupada, uma vez que já perdera a conta de quantos drinks de tequila servira a Barry, mas não fazia ideia que nada daquele álcool surtia efeito em seu corpo. Queria apenas voltar para a casa. Ir até ali havia sido um erro.

Por um momento, convenceu a si mesmo que, assim se vissem novamente, as coisas voltariam a ser exatamente como antes, mas passava longe disso e não sabia porquê. Ainda era Caitlin, ainda se importava com ela, mas não conseguira impedir aquele sentimento sufocante que nascera em seu peito e secara sua garganta no instante que colocara os olhos nela.

Depois daquela noite, era como se houvesse um peso invisível entre eles, uma hesitação incomum e incômoda, a qual não sabia nomear. Observou Joe brincando com Nora na pista de dança entre os poucos casais que se encontravam ali. Parte dos convidados já estava indo embora, a música era uma balada de fim de festa dos anos oitenta, assim como as luzes mais baixas.

Notou o noivo sentado a uma das mesas, conversando com um casal de amigos, provavelmente. Seus dedos nervosamente tamborilaram no balcão. Queria ir para a casa, mas também encarava o lugar por onde Caitlin havia sumido. Seria muito indelicado partir sem dizer nada. Não estavam dizendo nada há cinco anos e a sensação era tão angustiante quanto a que o tomava nesse instante.

Então, respirando fundo se levantou deixando o drink para trás e ajeitando o terno enquanto, sem se apressar, caminhava em direção aonde ela provavelmente se encontrava. Ignorou o aviso de área restrita para pessoal autorizado na porta e ganhou um corredor, sem muitas portas. Este terminava em um cômodo mais iluminado e industrial, que provavelmente era a cozinha.

Algumas pessoas uniformizadas andavam de um lado a outro na cozinha, conversando em alemão, mas todos estavam ocupados e apressados demais para se importarem com ele. Principalmente, levando em consideração que obviamente estava ali para falar com Caitlin, a noiva sentada a uma mesa mais afastada de toda a movimentação, pacientemente comendo uma fatia de bolo. Nozes com creme, reconhecera no mesmo instante que fora servido, recordando com facilidade que ela pedia esse sabor na confeitaria elegante próxima ao Jitters, sempre que iam até lá.

Ela parecia distraída e pensativa, não exatamente cansada. De alguma forma, havia algo como uma aura que a deixava instantaneamente mais radiante naquele dia, a qual não tinha nada a ver com o vestido, a maquiagem de bom gosto ou os cabelos sempre brilhantes.

Contudo, estava ali, sob tudo isso para quem quisesse ver, sem muito esforço. O noivo dela notava isso? Devaneou por um segundo, chegando à conclusão que ele deveria notar bem mais, especialmente tudo o que Caitlin se tornara nesses cinco anos. Não tinha qualquer ilusão que ela fosse a mesma, uma vez que não sentia nem a si mesmo como a pessoa que era quando Nora nasceu.

Assim, hesitou pelo branco em sua mente, o que parecia ser... Decepcionante. Para si mesmo, para eles. Em comparação ao que um dia foram, era decepcionante não saber o que dizer a ela. Ao mesmo tempo em que parecia haver muito não dito, de repente era como se não houvesse nada pendente entre eles, nada que os ligasse realmente senão um passado distante demais e um sapato de bebê guardado numa caixa no fundo do armário.

Antes que pudesse se voltar a saída, no entanto, Caitlin levantou os olhos ao perceber a presença e instintivamente levantou um sorriso fácil. Foi como se seu coração se espremesse e explodisse em si mesmo, alívio e algo mais que o angustiou completamente.

— Ei. - Engoliu em seco, incapaz de conseguir sorrir para ela como ela o fazia, e se aproximou.

— Eu não... Não pensei que fosse aparecer. – De repente ela hesitou, meneando a cabeça. – Não realmente.

— Bem... Eu confirmei, não é? – Deu de ombros, como se isso respondesse muito e preenchesse todo o distanciamento.

— Cisco confirmou sua presença, sim.

Os olhos dela estreitaram por um instante e Barry notou como sentira falta disso em seu dia-a-dia, tão característico era o gesto. Contudo, notou que precisava se concentrar no que fora fazer ali ou ficaria horas apontando, ao menos para si mesmo, essas pequenas coisas que perdera quando ela se fora.

— Eu estou indo para a casa. Só vim me despedir. – Guardou as mãos nos bolsos da calça, apertando-as em punho. – Nora irá com Cecile e Joe mais tarde de... Um jeito mais seguro, mas... É melhor eu ir.  

A viu brincar com o pedaço de bolo no prato até, lentamente, decidir colocar o garfo apoiado na louça branca e se levantar, tomando cuidado para não amassar ou pisar na saia do vestido, antes de encará-lo. Então, notou que, embora sustentasse o pequeno sorriso nos lábios caracteristicamente vermelhos, pairava nela também a tensão invisível que o percorria, esticada como uma corda.

— Nós nos veremos? – Ela perguntou em tom um baixo e tentou não conjecturar muito sobre os olhos brilhantes, afinal eles sempre haviam brilhado daquela maneira. Certo? Estavam voltados para Barry, exatamente daquele jeito, e sempre os ignorara. – Em um futuro próximo?

— Provavelmente não, a julgar pelos últimos anos. – Realizou que era um tanto fácil ser covarde com Caitlin quando a viu morder os lábios e abaixar os olhos, em resignação não constrangimento. Contudo, continuou a fitá-la de maneira quase perturbadora, pois não conseguia desviar os olhos da imagem da mulher, tão diferente, mas ao mesmo tempo tão como sua amiga. Ainda era ela? Ainda eram eles? Quase sem pensar, levantou uma das mãos para afastar os fios que caíam ao redor do lindo rosto, enquanto ela somente o fitava com calma como se o gesto incomum fosse habitual. – Você está feliz? Realmente feliz?

— Sim. Eu estou feliz.

Caitlin afirmou sem qualquer hesitação o que pudera deduzir apenas ao olhá-la. Soube disso desde o instante em que colocara os olhos na doutora assim que começara a caminhar em direção ao noivo, tendo os olhos apenas nele. Por isso, somente meneou a cabeça e murmurou em concordância, usando a mão já levantada para puxá-la para um abraço.

Diferente de toda a interação até aquele momento, nisso não havia hesitação. Só por esse instante, foi como se todo o conforto e familiaridade de antes estivesse no suspiro baixo de Caitlin ao apoiar o rosto contra seu ombro ou na textura macia dos cabelos brilhantes e perfumados sob seu queixo.

Fechou os olhos, que não já viam realmente nada, e a apertou um pouco mais contra si, como se quisesse compensar tanto tempo longe ou garantir que, de alguma forma, ela não sairia dele. De repente, eram eles novamente. E, mesmo estando ali, nunca sentiu tanta falta dela e do que haviam sido. Agora, parecia distante e quase irreal em comparação a tanto tempo sem contato.

— Acho que fui lento demais, Caitlin.

Torceu para que ela entendesse o que nem mesmo ele compreendia. O que ainda pareciam sensações efêmeras e antes distantes demais, que ocupavam apenas uma parte pequena e devidamente cuidada em seu peito, e agora soavam retumbantes e sufocantes demais, pois... Não havia para onde ir depois disso. Sabia antes de dizer e ela, no momento que ouvira.

A sentiu imediatamente tensa, mas como não continuou logo Caitlin correu as mãos por suas costas, sobre o terno, abraçando-o um pouco mais forte em meio a um suspiro pesado. Imaginou o que faria quando ela resolvesse apenas ir novamente e o soltasse. Inebriado pelo perfume costumeiramente suave vindo ela, não tinha qualquer intenção de se afastar e desejou, por um momento, que ela não o fizesse. Não queria experimentar novamente o amargor da perda, de algo que deixara para trás e se perdera nas dobras das escolhas que faziam.

— Sinto sua falta, Barry.

Ela sussurrou contra seu ouvido, quase baixo demais para que pudesse distinguir, e Barry notou o próprio peito em compressão ao murmurar em retorno, contra os cabelos dela.

— Eu também.

No que pareceu pouquíssimo tempo depois, se afastaram sem pressa e, dessa vez, o sorriso que veio dela foi forçado e quase lacrimoso, seguindo o brilho melancólico dos olhos castanhos, que logo se desviaram para alguém que a chamava animadamente à porta da cozinha em meio a todo o movimento dos funcionários que ainda iam e vinha. 

Supôs que fosse o noivo dela quando Caitlin somente o olhou uma última vez e ajeitou o vestido, ainda imaculadamente claro e passado, pigarreando repentinamente cautelosa antes de se dirigir à saída. Barry não se virou para acompanhar, apenas respirou fundo e guardou as mãos nos bolsos, experimentando sem surpresa o amargor conhecido do que tentara evitar.

Como imaginou, o tempo naquela cozinha fora mísero, mas tinha certeza que a sensação não o seria pelos próximos anos – como não havia sido naqueles que se passaram sem Caitlin ao seu redor. 


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Notas finais do capítulo

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