Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 92
Tic...Tac...BOOM


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, um aviso de capítulo ENORME! Segundo, Kat ainda continua a sentir os efeitos do trauma sofrido, então, já sabem, leitura um pouquinho arrastada por conta do tema, mas prometo que o finalzinho é mais levinho.
Boa leitura!



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“I'm not fine

I don't know if I will be alright

But I have to try

I know you're with me, so what if we do fall apart?

Give into all that we are

And let all the broken pieces shine”

(Broken Pieces Shine – Evanescence)

Se passou uma semana e o único contato que tive com Alex era por mensagem. Ele até tentou ligar no meio do meu dia, mas eu estava ocupada com uma reunião importante e não pude atendê-lo. Neste mesmo dia, fiquei acordada até bem tarde, tentando contato, ele não pôde me atender. E cada dia que passava e eu ficava sem notícias dele, meus pesadelos pioravam.

Acabei, mesmo a contragosto, estabelecendo uma rotina, acordava cedo, ia correr, tomava café na Dottie e jogava muita conversa fora com a simpática mulher, que, observadora como era, notou que algo estava errado comigo, depois ia para casa, me arrumava e ia trabalhar, saía do prédio às 18:00 e ia direto para o Pilates e ainda conversava com minha família e amigas por vídeo e mensagens duas vezes por dia. Até aí, um dia normal, uma rotina que qualquer um poderia ter, meu problema era quando chegava em casa.

Era estranho, muito estranho todo o silêncio, a falta que Alex me fazia. Assim, decidi que sairia para dar uma volta pelo bairro com o trio, isso diminuía meu tempo dentro de casa e ainda fazia bem para os três. Porém, eu não poderia perambular por toda a noite na rua, e, eventualmente, me pegava parada no meio da sala, olhando para a escada que dava acesso ao segundo andar. E esse era o momento que eu tentava evitar, pois sabia o que me aconteceria se fechasse os olhos.

Algumas noites eu simplesmente virei trabalhando, porém, logo coloquei meu trabalho em dia e, sabia pelo sim ou pelo não, que logo alguém notaria as profundas olheiras em meu rosto.

— Eu tenho que fazer alguma coisa! – Falei uma certa noite, estava sentada no sofá da sala, tendo acabado de assistir mais um dos filmes de Alex. – Não posso simplesmente ficar com medo de dormir! Todos têm pesadelos.

Por mais que eu falasse isso, não tinha coragem de subir para o quarto... inventei inúmeras desculpas, chegando até mesmo a me escorar em uma das redes do lado de fora e pegar no sono lá, porém, os pesadelos continuavam...

No fim da minha segunda semana sozinha, tentei fazer as contas de quantas horas de sono eu tivera.

Não eram o suficiente para me manter de pé e se eu continuasse nesse ritmo de evitar dormir, sabia exatamente o que aconteceria comigo. Eu ia desmaiar de cansaço. Na frente de alguém. E isso seria uma péssimo déjà vu para a minha família.

E na sexta-feira à noite, tudo ruiu de uma única vez. Como eu tinha prometido para Dona Amelia na segunda em que cheguei (tinham se passado só doze dias?), eu estava arrumando minhas coisas para ir à Fazenda na manhã seguinte, contudo, mais uma vez, o medo de dormir me atingiu. Cada vez que eu ia e voltava do closet para o quarto e parava perto da cama, eu começava a tremer, dolorosas imagens voltavam à minha mente, imagens que eu nem sabia que me lembrava. E, como um eco fraco, até meu tórax doía, no exato lugar onde eu levara o tiro e o pisão.

Ofegando, acabei por me sentar no chão e colocar a cabeça entre os joelhos, dizendo a mim mesma que tudo já tinha passado. Que eu estava bem. Que eu era senhora de mim e de minha mente. Que eu era forte.

Só que eu não era. Na verdade, descobri que eu retirava a minha força das pessoas ao meu redor. E, sozinha, eu não tinha em que me apoiar, quem dizer para mim que eu era forte, que eu ia conseguir superar mais esse trauma.

Ou seriam traumas, pois até mesmo o meu atropelamento a quase 22 anos atrás voltou para me assombrar.

Comecei a chorar abraçada as minhas pernas, logo meus cachorros vieram me fazer companhia e se deitaram a minha volta. Meus soluços ficaram cada vez mais altos, altos ao ponto de eu achar que tinha outra pessoa chorando perto de mim.

A promessa que eu fizera aos meus pais, meus avós, minha família, minhas amigas voltou à minha mente. Eu prometi que procuraria por ajuda, que eu seria sincera quanto aos meus sentimentos, meus medos.

Não podia ligar para Alex, eram quase 20:00 aqui em Los Angeles, ele estava perto de Cracóvia, ou seja, nove fusos à frente. Lá eram 05:00 da manhã de sábado e eu nem fazia ideia de como tinha sido a semana dele, pois não nos falamos muito. Ou melhor, jogando a verdade nua e crua na minha própria cara, eu simplesmente não sabia como ele estava, pois tinham oito dias desde a sua última mensagem. Se em Cracóvia eram 05:00 da manhã, o mesmo valia para Milão, Londres eram 04:00 da manhã... me restava quem estava no mesmo fuso que eu.

Meus sogros e minha cunhada.

Mas eu ligaria chorando para Dona Amelia, pedindo ajuda? Eu ia matá-la do coração! Simplesmente não poderia fazer isso. Tinha que ter outra saída.

E tinha. Eu poderia perguntar se eu poderia ir hoje para a fazenda. Lá eu estaria sozinha? Sim. Porém, era outro lugar. Sem memórias que me prendessem a algo muito profundamente. E como lá é grande e tem muito o que se fazer, eu poderia me distrair o suficiente durante à noite.

Assim, mesmo sendo tarde, mandei uma mensagem para minha sogra, dizendo que estava indo hoje, com a simples desculpa de que estava morrendo de saudades dos meus cavalos, o que não era de tudo uma mentira. Era uma meia mentira.

A única variável dessa equação de mentiras que eu bolei, e que eu não pensei, foi justamente a receptora da mensagem. Dona Amelia é perceptiva, é mãe, passou por algo assim e logo, ao invés de me responder com outra mensagem, ela me ligou. De vídeo.

Ponderei e pensei em não atender, dando a margem para que ela achasse que eu estava dirigindo, porém não consegui fazer isso. Não com ela. E ela deveria saber a verdade, pois não desligou a chamada, continuava a insistir.

E, depois de limpar o rosto com as costas das mãos, atendi o vídeo.

De início Dona Amelia não falou nada. Absolutamente nada, apenas observou meu rosto. E tardiamente me lembrei de que estava sem a maquiagem que nos últimos dias escondeu tão bem as olheiras. E isso pareceu perturbar minha sogra, ao ponto de que ela soltou um profundo suspiro antes de falar a seguinte frase:

— O que foi que combinamos, Katerina?

Deselegantemente eu funguei e mordi o lábio inferior, segurando choro antes de respondê-la.

— Eu tentei. Juro para a senhora que eu tentei me acostumar com tudo, mas eu não consegui. Eu... eu não consigo esquecer o que aconteceu comigo! – Recomecei a chorar. – Toda vez que eu fecho os olhos eu vejo cada uma das vezes em que eu estive perto de... – Cortei-me para não repetir nada inapropriado. E continuei: - Eu não nasci para ficar sozinha. Não mesmo. Mas não achei que isso ira acontecer. Não desse jeito!

É claro que eu já havia conversado sobre a minha falta de sono com minha mãe. Eu seria uma idiota se não pedisse ajuda para ela, porém, minha mãe, que me indicou ajuda psicológica se a insônia e os pesadelos continuassem, disse que isso eram os efeitos de estar sozinha, de, finalmente, absorver mentalmente o que me acontecera e o que me fora revelado, e me pediu para procurar ajuda imediatamente. E para sempre ligar para ela, independentemente da hora.

Eu não fiz nenhuma das duas coisas. Apesar de ter aconselhado Liv a procurar ajuda, eu mesma não a fiz e agora estava lidando com as consequências.

— Kat, por que você não veio aqui para casa?

A resposta era bem simples, eu não queria incomodar ninguém.

— Se você me responder que não queria me incomodar, eu serei obrigada a te lembrar que você mudou a sua rotina completamente, por causa do meu filho, quando vocês tinham duas semanas de namoro. Você ia e vinha todos os dias de Los Angeles para a fazenda, só para ficar perto dele quando ele se acidentou. Assim, tendo feito isso, por que não veio me pedir ajuda? Por que deixou que as coisas chegassem a esse ponto? Tem quanto tempo que você não tem uma noite de sono completa?

— Estou pedindo agora. – Murmurei infeliz. – Eu não quero ficar sozinha. Não posso. Só os três não é suficiente. – Apontei para os três cachorros que estavam com as cabeças em meu colo. – E... eu não sei o que é dormir desde que voltei de Londres. – Admiti em derrota. – Na primeira noite, eu me deitei, porém, os pesadelos, não me deixaram esquecer o que aconteceu e ainda juntou os outros dois atentados e tudo piorou hoje, porque... – Parei para respirar, as palavras do mandado de intimação queimavam minha mente.

— O que aconteceu hoje, Katerina?

— Eu recebi a intimação da Justiça de Londres, para a audiência de instrução e julgamento de Cavendish. Eu vou ter que depor, contar para as pessoas do júri o que aconteceu comigo... reviver tudo o que eu não consigo esquecer. – Recomecei a chorar. No fundo eu me perguntava quantas vezes mais Cavendish e a Família dele iriam me fazer mal, iriam tentar tirar a minha vida.

— Quando você será ouvida?

— Em duas semanas, posso ser ouvida de casa, ou do escritório, não preciso ir até lá, se eu não quiser. E eu não quero, porém, mesmo de longe, mesmo via internet, ainda terei que encarar aquele monstro.

 - Kat, uma coisa de cada vez, por favor. Ficar colocando tanta coisa na sua cabeça, não vai te fazer bem e assim você não vai voltar a dormir.

— Tudo bem. – Concordei como uma criança. Tudo o que eu queria era uma ideia, uma dica de como fazer isso passar, fazer essa dor de cabeça ir embora para sempre.

— Você está conseguindo dirigir? Consegue trazer o carro sem desmoronar de novo?

— Se for com o intuito de ter companhia, de sair dessa casa imensa e vazia, sim, eu consigo.

— Acabe de guardar as suas roupas, pegue o trio e venha para cá. Eu sabia que não era certo te deixar sozinha logo que você voltou. Caso não consiga chegar até aqui, me avise.

— Sim, senhora.

— E, por acaso, você ouviu as recomendações da sua mãe?

Encarei a tela, abobada, como minha sogra saberia disso?

— Não... achei que conseguiria sozinha.

— Recomenda ajuda para a sobrinha, faz de tudo para que ela melhore, mas é incapaz de fazer o mesmo para si... o que vamos fazer com você Kat?

Eu não sabia o que responder, então só dei de ombros. O que foi a reposta mais errada possível, tendo em vista a reação de minha sogra.

— Venha para cá. Primeiro vamos tentar te acalmar. Depois resolvemos o resto.

— Sim, senhora.

— Estou do lado do telefone, Kat. Qualquer coisa, avise, que eu e Jonathan vamos atrás de você.

— Sim.

— É para me avisar de verdade, Katerina. De verdade.

— Eu vou, Dona Amelia. Isso é uma promessa e eu não costumo quebrar as promessas que faço.

— Estamos te esperando. – Ela encerrou a chamada assim que eu concordei com a cabeça.

Olhei para a tela escura do celular por mais tempo que seria necessário e, com medo de ter outra crise, levantei-me correndo do chão e acabei de arrumar a minha mala.

Joguei a bolsa no ombro, ajeitei o quarto, que não tinha sido usado nos últimos dez dias, e chamando pelos meus cachorros, segui escada abaixo. No térreo, conferi tudo, fechei as portas e janelas e sai para garagem.

Como ia para pegar estrada de terra, e ainda levaria o Trio Peludo, peguei o Jeep de Alex. Abri o porta-malas, prendi os cachorros. Minhas bolsas foram para o banco do carona mesmo. Dei a volta correndo no carro, subi no banco do motorista e sem olhar muito para trás, fechei o portão da garagem. Antes mesmo de deixar a rua de nossa casa, liguei o som do carro, colocando um dos meus álbuns favoritos para tocar, na tentativa de me distrair de meus pensamentos agitados.

As ruas não estavam cheias, não no sentido em que eu ia, a maioria das pessoas estavam se dirigindo para o centro, para os bairros onde havia as melhores casas noturnas, não para os bairros residenciais mais famosos.

Não demorei muito e logo estava abrindo o portão da garagem da casa de meus sogros. Uma vozinha, no fundo de minha mente, me dizia que eu estava sendo intrometida, estava ultrapassando os limites da boa convivência com os sogros, mas era a minoria do meu cérebro. Neste exato momento, tudo o que eu ansiava era companhia, uma companhia que me entendesse e não julgasse a minha crise de ansiedade, nem a minha aparência.

Parei o carro na vaga onde ele cabia, desliguei o motor, desci para liberar os cachorros e pegar só as coisas que iria precisar para a noite. Assim que me virei em direção à casa, vi minha sogra parada perto do carro, me olhando preocupada.

Como eu já havia pensado, eu estava pedindo por companhia, mas também por outra coisa.

Eu implorava por um abraço, por uma pessoa que me abraçasse apertado e ao me apertar com força, teria o poder de juntar os cacos que formavam a minha mente nestes dias.

E foi exatamente o que Dona Amelia fez. Ela deu um passo para frente e estendeu os braços e tudo o que eu fiz foi correr para lá.

Vergonhosamente eu comecei a chorar. Chorava como Elena quando tem um pesadelo.

— Ah, minha criança! Por que deixou chegar a esse ponto? – Ela murmurava enquanto me balançava de um lado para o outro, como se ninasse um bebê.

Eu não tinha resposta para a sua pergunta, nem eu mesma sabia o porquê tinha colocado a minha sanidade à prova desse jeito. Orgulho? Medo?  Tentativa de autoafirmação? Não sabia dizer.

A única certeza que eu tinha era a de que minha sogra tem os melhores abraços do mundo.

— Obrigada. – Murmurei depois de um tempo. – Eu estava precisando de um desses.

— Deveria ter pedido mais cedo. Porém, não vou discutir isso com você, o importante é que pediu ajuda. Vamos entrar porque está uma noite bem fria, e apesar de você ser acostumada com o frio, eu não sou.

Peguei minhas coisas e fui andando ao lado de Dona Amelia, que sabiamente trocou o assunto, começando a falar dos novos cavalos que ela havia comprado.

No alto da escada, nos esperando, estava o Sr. Pierce. Ele, sem falar nada, só me deu um abraço bem apertado, como que tentando me juntar em uma.

Agradeci o gesto e ele logo pegou minha bolsa de meus ombros e a levou para o segundo andar, sendo seguido por Stark e Thor. Loki permanecia fiel ao meu lado.

Dona Amelia me guiou até o sofá e quando me sentei ali, pude, enfim, respirar novamente. Eu não estava sozinha.

— Obrigada mais uma vez por me receber, Dona Amelia. E desculpe a intromissão e o trabalho.

 - Não vou repetir o que já te disse, Kat. Não é trabalho.

— Mesmo assim, estou sem graça de incomodar vocês dois... se eu tivesse escutado a minha mãe...

— Você iria acabar aqui também, Kat. Você mesma me falou o motivo. Não gosta de ficar sozinha. O que, pode ser ruim para você, mas é bom para mim, porque eu realmente não gosto de ver meus filhos e noras espalhados por aí. Gosto de minhas crias, perto de mim.

Senti meu rosto corar na hora, eu não tinha tido sorte somente com o fato de Alex me amar, mas também de que os pais dele eram calorosos ao ponto de receber a nora e tomar conta dela e não acharem ruim.

Sr. Pierce desceu não muito depois dessa fala da esposa e logo se sentou ao lado dela, pegando o controle da TV e começando a zapear pelos canais, procurando, provavelmente algum canal de esporte e quando ele finalmente parou em um, Dona Amelia olhou para ele com a expressão indignada.

— Jonathan... – Foi a forma que ela avisou que não estava nem um pouco satisfeita em ficar na sala, vendo o último noticiário esportivo.

— São os playoffs, Amelia.

Acabei por segurar a risada e me fingi interessada no que quer que passava na telinha. Não entendia nada mesmo sobre os esportes que falavam, contudo, uma expressão era repetida à exaustão:

Super Bowl.

E cada vez que falavam da finalíssima da NFL, meu sogro até se sentava de forma diferente no sofá e era a reportagem acabar e ele começar a falar do jogo. E, dessa vez com uma novidade.

Ele tinha comprado ingressos para todos.

Todos? – Dona Amelia perguntou.

— Sim, para todo mundo que foi na Fórmula 1.

Sem querer arregalei meus olhos. Afinal, estava duvidando que meu pai viesse parar na Califórnia para ver um jogo de futebol americano... porém, se meus sogros voaram até o Texas para ver uma corrida, tudo poderia ser possível.

— E quando vai ser esse jogo?

— No segundo domingo de fevereiro. – Senhor Pierce disse todo animado. – Acho muito bom os meninos darem um jeito de aparecer. E até lá, eu tenho que ensinar para a Kat, pelo menos quem é quem em campo, porque no jogo dos Bruins ela ficou mais perdida do que eu vendo a corrida.

Como resposta só abri um sorriso para ele, mas no fundo, eu já estava tentando imaginar a confusão. E foi minha sogra quem expressou os meus pensamentos:

— Será que a Elena vai gostar desse jogo? Porque a Liv, sabemos que gostou.

Elena. Como controlar a Elena em um estádio lotado, para ver um jogo que ela nem sabe que existe?

— A Pequena a gente dá um jeito. Coloca ela nos ombros do Alex e deixa... – Foi a solução encontrada pelo meu sogro.

— Claro, imagina, Jonathan... A Elena sentada nos ombros do Alex! Ela vai sair dos EUA falando todos os palavrões que existem, porque seu filho é incapaz de não xingar durante o jogo!

— Amelia, vai dar certo.

Já eu não tinha toda essa certeza, porém, fiquei calada, olhando para a tela da TV, onde começaram a comentar sobre como seria o show do intervalo.

Pelo visto a coisa tinha até um mini show! Eu tinha muito o que tentar entender em um mês.

Depois que meu sogro assistiu a todos os noticiários esportivos, em todos os canais, o que praticamente enfureceu a minha sogra, ele, finalmente, colocou em um filme.

Faroeste em preto e branco.

Dona Amelia até se engasgou de ultraje e eu comecei e pensar que seria uma ótima ideia começar a pesquisar sobre o tal do Super Bowl e já ir avisando à minha família para se programarem para o tal jogo.

Espalhar a notícia sem colocar no grupo da família seria fácil. Bastava comunicar Olivia. E foi o que fiz.

Avisa para o seu pai que vocês ganharam ingressos para o Super Bowl. Segundo fim de semana de fevereiro. Todo mundo aqui.

Ainda era cedo para que minha sobrinha me respondesse, mas poderia apostar um de meus cavalos que a noite seria agitada!

Sem muito o que fazer e me recusando a ficar vendo um filme em preto e branco que era quase tão velho quanto o meu pai, fiquei passeando pelas redes sociais, pulando do Twitter para o Instagram por um tempo, e cansada de não ver nada de útil e me arrependendo de não ter trazido um livro comigo, estava para largar o telefone quando uma mensagem chamou a minha atenção:

Eu vi que você estava online no IG há pouco, não negue. E tenho novidades para você!— Pietra escreveu.

Por que você está me stalkeando no Instagram?

Não era você. Era outra pessoa, só que essa pessoa em questão não me respondeu e ainda me bloqueou... esse filho da... Esquece. Mas, não quer saber da novidade ou está conversando com o Alex?

Vou me permitir não me preocupar com o pobre que você estava stalkeando. — Respondi. – Não estou conversando com o Alex... na verdade tem um tempo que tudo o que mandamos um para o outro é bom dia, ou boa noite... então, pode mandar a bomba.

Credo. Só bom dia e boa noite? Achei que vocês eram melhores do que isso. Mas por que ele está tão calado? Isso é estranho! Preciso colocar alguém atrás dele? Olha quando ele ficou online pela última vez! Principalmente no IG! Dá uma stalkeada no seu noivo...

Pietra, ele não é o Dempsey... não vou fazer isso. Agora, desembucha.

Estava conversando com as meninas e pensamos que seria uma ótima ideia dar um rasante por Los Angeles... o que você acha?

Você, Mel e Vic, aqui em LA?

Sim. e, claro, pode chamar a Pepper também. Ouvi dizer que o Will está trabalhando também... um final de semana das meninas... quem sabe não rola até uma ida em Vegas.

Vegas? Para que? Você sair casada de lá igual a Britney Spears?

A única que está com casamento no horizonte é você! Não quero essa dor de cabeça para a minha vida.— Ela desfez da minha ideia.

Tudo bem, suponhamos que essa sua ideia louca saia do papel. Quando vocês viriam?

Isso, minha amiga apaixonada, é surpresa. Mantenha a casa arrumada que quando você menos esperar, estaremos chegando.

Fiz uma careta para a tela do telefone. Do jeito que Pietra é louca, ela pode aportar a qualquer hora na porta da minha casa, ou pior, na porta do meu escritório!

Só acredito vendo.— Duvidei de suas palavras só para deixar a Italiana brava.

A resposta de minha amiga, um monte de meme rindo da minha cara.

— Ela é maluca de tudo, coitada. – Murmurei baixinho, contudo não foi tão baixo assim, pois minha sogra logo perguntou:

— Quem é maluca? A Pietra?

Até ela sabia da falta de senso da italiana!

— Sim. Exatamente ela, Dona Amelia.

Minha sogra deu uma risada.

— Vou te falar uma coisa, soltar a Pietra por Los Angeles, vai seria um evento que viraria um livro.

— Soltar a Pietra em qualquer lugar, Dona Amelia, é motivo para se escrever um livro. Algo sempre acontece com ela! Sempre.

— Bem que ela poderia aparecer por aqui, só para que nós pudéssemos rir um pouco.

— Não pede que ela acaba aparecendo. Aliás, é exatamente isso que ela disse que vai fazer.

— Deu uma data, para que eu me prepare para as cenas exageradas dela?

— Não. E é isso que me preocupa. Para ela aparecer por aqui, de uma hora para outra, toda trabalhada nas roupas de grife, dirigindo uma Ferrari vermelha e complicando ainda mais o trânsito de Los Angeles, ela não troca de roupa.

Meu sogro, que só olhava da esposa para mim, deu uma risada e soltou a seguinte frase:

— Juntar a Pietra e o Benny. Era uma vez essa cidade.

E ele era a terceira pessoa que pensava assim.

— Senhor Pierce, melhor nem cogitar a ideia. Para o bem de todos!

Já Dona Amelia, ela queria ver esse encontro. E queria ver de camarote. Como o filme ainda não tinha acabado e ela queria rir um pouco sobre esse possível encontro explosivo, ela só bateu na minha perna e me chamou para a cozinha.

Minha sogra se sentou na ilha e só me mandou fazer um chá tipicamente inglês para nós, enquanto voltamos a conversar sobre o motivo de eu ter sido teimosa ao extremo e não ter procurado ajuda.

E quando ela colocou a situação nessas palavras, eu realmente fiquei com vergonha. Afinal, eu sabia, eu já tinha imaginado que tudo o que eu passei iria voltar de uma forma, e quando eu vi que tinha voltado, simplesmente ignorei e tentei seguir a minha vida, quando eu mais precisava de ajuda.

— Acabou de perceber que o pedido de ajuda tem que partir de você, não foi, minha filha? – Dona Amelia perguntou enquanto eu colocava o chá para decantar na nossa frente.

— Sim. – Murmurei.

— E então?

Respirei fundo e disse aquilo que eu sabia, era o eu precisava dizer e fazer:

— Eu vou procurar ajuda. Eu preciso. Isso não pode continuar. Ainda mais com o julgamento tão perto.

— Palavras bonitas. Terão algum efeito?

— Terão. Eu ainda tenho o contato da psicóloga que me ajudou no ano passado. Vou ligar para ela e ver se é possível ter sessões de terapia via internet. Creio que devo conseguir.

— Vai me manter informada sobre isso? – Perguntou séria, no mesmo tom que minha mãe falaria comigo.

— Vou. E não só a senhora.

— Assim espero, Katerina. Existem certos sentimentos que não devem ficar enterrados dentro de nós. Temos, por bem, ou por mal, que colocar para fora. Por favor, não faça mais isso com você. As pessoas que te machucaram não merecem ter o prazer de te ver definhar por conta delas. Você é melhor do que eles. E tem que mostrar isso.

Estava servindo o chá e ouvindo o sermão mais do que bem-vindo. Às vezes um pouco de amor duro faz mais por você do que apenas um abraço.

Tomamos nosso chá, conversando e fazendo alguns planos, Dona Amelia torcendo para que os planos do Super Bowl fracassassem, porque ela não queria passar a metade da tarde de domingo sentada em um estádio, sem entender nada do jogo e tendo que controlar o que os filhos gritavam.

— Ainda mais se Elena realmente vier. Ela tem que ter exemplo. Você e seu irmão não ficaram berrando obscenidades quando fomos assistir ao Grande Prêmio.

Parei para pensar, eu podia jurar que soltei alguns palavrões... mas pelo visto ou Dona Amelia não ouviu, ou foi em algum idioma que ela não entende.

— Bem, Dona Amelia, veja por outro lado, é tanto barulho que ninguém vai escutar o que o outro está gritando.

Eu vou. E isso já basta. Assim, prefiro que todos venham e passemos bastante tempo juntos, mas não o SoFi Stadium.

— Eu nem sei se o pessoal poderá vir. Ian e Tanya não marcam uma viagem dessas sem olhar o calendário escolar dos três.

— Seria muito mais fácil se todos viessem para as férias de primavera. Assim, teríamos uma semana por aqui, sem ter que ser gasta com um jogo de futebol.

Definitivamente minha sogra não estava nada animada para o jogo.

Com pouco escutamos a televisão ser desligada e trocamos de assunto, ninguém querendo ferir os sentimentos do Senhor Pierce, assim, começamos a falas sobre os cavalos.

— Então é amanhã que vamos ver o que você sabe fazer? – Meu sogro entrou na cozinha perguntando, já que tinha pegado um pedaço da conversa no ar.

— Pois é... está até parecendo um evento. Mas sim, amanhã eu vou tirar a ferrugem, tanto minha, quanto dos meus cavalos.

Furia de la Noche vai até ficar com ciúmes, já que será preterido por você. – Dona Amelia comentou rindo.

— Se ajeitar direitinho, dá para dar uma volta com todos. É só ter tempo e nenhum dos meus cavalos cismar de empacar na arena nova. – Fiz uma careta.

— Acho que não empacar. Hal já andou dando umas voltinhas por lá. – Ela continuou e meu sogro completou:

— Mas Perigo não.

— Bem, Perigo virou cavalo de exposição, todos já foram vê-lo, mas ninguém chegou perto, ainda mais quando ele deu um coice na parede. O único corajoso entre todos foi Loki, mas ele não teme nada mesmo. Só você. – Disse Dona Amelia olhando para o cachorro que estava deitado aos meus pés.

— Está explicado o motivo de ele ter dado o coice. Perigo detesta muita gente perto dele, fica mal-humorado que só vendo. Ou melhor, vocês viram.

— O típico cavalo mimado pela dona. – Meu sogro falou me encarando.

Mea culpa. Admito que mimo os cavalos mais do que os cachorros. Mas, tenho uma ótima desculpa, não é sempre que posso vê-los. E olha que os dois que vieram são meus, de montaria mesmo. Tenho os demais que são de competição e que eu quase nunca vejo.

— E posso saber o motivo dessa disparidade de tratamento?

— Sabe, Dona Amelia, é que eu sou ciumenta. Não aguentaria ficar vendo o treinamento e saber que outra pessoa é quem vai montar. Assim, prefiro só acompanhar o treinamento de longe, recebendo as atualizações e assistir à corrida, ou é bem capaz que eu tire o jóquei de cima do cavalo e assuma o lugar dele.

— Então você sabe montar para corrida?

— Não, Senhor Pierce, pior que não sei. E esse é outro dos motivos que me mantenho longe. Mas que eu gostaria de poder correr, eu gostaria.

— Amanhã vamos ficar sabendo se você sabe realmente fazer o que está falando. Por hora, vamos para cama, porque quero sair cedo para evitar trânsito. E não se esqueça, Kat, você pega Pepper.

— Sim, senhora.

— E vá dormir cedo. Você precisa descansar. E qualquer coisa, pode nos chamar.

— Pode deixar que eu chamo.

Meus sogros passaram atrás de mim, e cada um me deu um beijo no alto da cabeça, eu fiquei um pouco mais na cozinha para lavar os utensílios de chá, e, assim que terminei, conferi onde os cachorros estavam, Thor e Stark dormiam enrolados como duas rosquinhas enormes e peludas no tapete da sala, e logo me vi apagando tudo e subindo para o quarto que era de Alex.

Achei que sentiria aquela sensação de sufocamento a me subir pelo peito, contudo, não senti nada.

— Acho que meu problema é realmente ficar sozinha. – Murmurei no corredor vazio antes de abrir a porta do quarto. Do meu lado, Loki só me deu uma cabeçada de leve, indicando que estava do meu lado. – Obrigada, Ruivo.

Meu sogro já tinha trazido a minha mala e bolsa, só me restava tomar um banho e ir para cama. E foi o que fiz, deitada, no meio da imensa cama, ainda fiquei receosa de apagar a luz, olhei para todos os cantos e, sem sono, acabei por me levantar e pegar o violão que estava encostado no canto do quarto.

Dei uma conferida nas cordas, estavam boas, pareciam até novas, o que me surpreendeu, afinal, não me lembrava de Alex ter comentado que fazia manutenção neste violão e nem na guitarra que também está aqui.

Voltei para a cama levando junto o violão e antes que eu pudesse sequer pensar, me vi procurando por alguma partitura na internet.

— Vamos ver o que temos aqui... – Murmurava atrás de alguma música que pudesse me interessar.

Até que encontrei. E, mesmo que coincidências não existam, acabei pegando justamente a partitura da música que vim ouvindo até aqui e que tanto combinava com meu estado de espírito.

Broken Pieces Shine da banda Evanescence.

Devagar e baixinho, comecei a dedilhar no violão que não era meu, cantarolando a letra, dentro do ritmo. Logo, Loki, que não me ouvia cantar há algum tempo, ficou de pé nas patas traseiras e colocou a cabeça na cama, prestando atenção no que eu fazia.

— Você gosta dessa música, é? Ou melhor, você é um cachorro roqueiro, não?

E o Ruivo só balançava a cauda enquanto eu continuava a dedilhar a música.

Estava quase no fim da partitura e da música, quando a aba de notificações me mostrou que alguém me ligava, em vídeo.

Surfista.

Nem acreditei no que via e, um tanto esbaforida para falar com Alex pela primeira vez em quase treze dias, quase que recuso a chamada ao invés de aceitá-la!

— Oi, Surfista da Neve! Como vai? – Saudei.

— Finalmente conseguimos nos falar, Rainha da Califórnia! E... o que você está fazendo no meu antigo quarto? – Foi a primeira pergunta que ele fez. – E com o meu violão no colo.

— Bem... lembra que falei que se precisasse de ajuda eu pediria. – Resolvi pela sinceridade e pelo caminho mais curto. – Então. Aqui estou eu, pedindo asilo para seus pais, para não ter que ficar sozinha naquela casa.

— Ruim assim? – Vi que ele se sentou na cama, parecia que era um dia de folga do set.

— Bem, sim. Ruim, algumas noites bem ruins. – Respondi.

— Bem ruins quanto, Kat?

— Pesadelos. Alguns me mantiveram acordada por toda a noite...

— Aí você decidiu pedir ajuda?

— Sim... – Parei e Alex me encarava. – Mais ou menos... mais para menos, na verdade, tentei mentir para a sua mãe e ela me pegou no pulo, quando vi, estava chorando no telefone e acabei aqui.

— Kat, o que aconteceu que eu não sei?

Respirei fundo, e, como que me instando a continuar, acabei, de relance, lendo a letra da música, “I don't know if I will ever be alright/But I have to try/And I know you're with me, so what if we do fall apart?”

— Muita coisa. Muita coisa mesmo. Mas a mais importante, marcaram o dia do julgamento e eu vou ter que depor.

— Você vai ter que ir para Londres para isso?

— Não. Posso depor via internet, mas, não vai ser fácil lembrar de tudo isso e ainda falar. O problema é que foi essa intimação chegar e todos os detalhes daquele dia, voltarem para me assombrar. Todos. Por isso estou aqui.

Alex não parecia muito satisfeito com a minha explicação, porém não foi além, acho que ele teria que absorver o fato de que eu ainda tenho que contar para um júri tudo o que passei, então mudou de assunto.

— E como meu violão foi parar no seu colo?

— Com ciúmes dele, é? – Perguntei e só para perturbá-lo, ainda acariciei o instrumento e o abracei. Alex do outro lado revirou os olhos. – Estava sem sono e acabei por pegá-lo.

— Estava tocando às 11:00 da noite?

— E cantando! – Confirmei.

—  E eu perdi isso?! Você tocando e cantando? Que música era?

Mandei para ele a música.

— Não conheço.

— Lançaram a pouco tempo... mas acabei me identificando com a letra. – Expliquei.

Alex se ajeitou na cama, colocando um travesseiro atrás da nuca e cruzando os braços.

— E posso saber o motivo dessa cara? – Questionei.

— Estou esperando o show começar... como fã cativo, creio que tenho direito à um show especial.

— Você quer que eu toque e cante para você?

— Mas é claro! Seu noivo aqui está trabalhando igual a um maluco nos últimos doze dias, não teve nem tempo de te ligar, acho que mereço um presente que é, além de te ver, mesmo que via vídeo, ter você cantando e tocando para mim.

— Sua cara não queima de me pedir algo assim, não? Sou eu quem anda sofrendo com insônia e você quer me privar de alguns minutos de sono para que eu cante para você? Não deveria ser ao contrário? Afinal, você já está no sábado de manhã... e eu ainda não terminei a sexta-feira.

Alex abriu um sorriso do outro lado da tela e só pela forma como seus olhos azuis brilharam, eu sabia que lá vinha uma bomba.

— Um trato. Você canta e toca agora, e depois eu vou contar uma história até que você caia no sono.

— Eu não sou a Elena que precisa de uma história maluca sobre uma princesa que quer ser piloto! – Falei exasperada.

— Ainda estou esperando... – Ele me provocou do outro lado.

Tirei o violão do meu colo e cruzei os braços igual a uma criança pirracenta.

— Não.

— Qual é, Kat! Se eu estivesse trabalhando e chegasse em casa para te encontrar tocando e cantando, te garanto que você continuaria a tocar, desde que eu prometesse arrumar a cozinha, o que custa?

Continuei com o bico e os braços cruzados, mais para tentar me manter firme na minha posição, porém, no fundo, eu concordava com ele. Afinal, eu já tinha feito isso!

— Te levo um presente quando eu voltar... – Ele prometeu.

— Não quero presentes. – Falei por fim. – E acho bom você conversar com o seu pai, porque ele tem um presente para você. – Soltei a bomba e saí correndo.

— Que presente?

— Não falo. O Senhor Pierce vai falar, mais cedo ou mais tarde. – Fiz mistério.

Alex ficou encucado do outro lado e começou a murmurar que não era justo que eu soubesse o que o pai dele estava aprontando, enquanto ele, sendo filho, não sabia de nada.

— Privilégios de poder jantar de graça duas vezes por semana. Eu e a Pepper.

— Como é? – Agora ele estava mais do que interessado no assunto.

— Sua mãe nos convidou para jantar com ela, duas vezes por semana. E amanhã vamos para a Fazenda.

— Hoje. Já passa da meia-noite aí em Los Angeles. – Foi a vez de ele fazer cara feia e a minha vez de me vangloriar.

— Hoje. – Corrigi minha fala, mas não perdi o ar de vitoriosa.

— Eu saio de casa por duas semanas, e você recebe tratamento VIP?

— Sempre recebi. – Confirmei.

— Eu estou trabalhando!

— Tadinho. Eu também. E muito. Tenho responsabilidades maiores agora na empresa, então essa sua cartada não serve para nada.

— Eu estou longe!!! – Alex tentou mais uma desculpa e dessa vez eu não consegui segurar a risada.

— Meu Deus! Como é mimado esse garoto! Não aguenta quinze dias longe de casa que começa a chorar... acho que vou te mandar uma malinha com o seu travesseiro, sua coberta e suas roupas preferidas, o que você acha?

— Você vem junto, dentro da mala? E vai trazer o violão para cantar para mim?

— Não, porque alguém tem que trabalhar para garantir a ração dos nossos filhos peludos... e não digo só dos cachorros!

— Então, se você não vem aqui, para cantar para mim, vai ter que cantar daí. Pode começar.

— Você deu essa volta toda só para repetir o pedido?

— Mas é claro. Se não vai de um jeito, vai do outro...

— Eu já até tirei o violão do meu colo.

— Ele está aí do seu lado. É só você esticar o braço, pegá-lo e começar a tocar.

Encarei Alex pela tela e ele me encarou de volta, só para fazer carinha de cachorro pidão e soltar em finlandês:

Olkaa hyvä[1]! Por favor, Loira! Canta para mim!!

— Apelou para o finlandês para ver se consegue o que quer?

— Parece funcionar com você, afinal, bastou que eu escrevesse umas dez frases erradas em finlandês no bloquinho para você dizer que me ama... vai que dá certo de novo!

Se ele estivesse do meu lado, tinha ganhado um tapa, tamanha a cara de pau da criatura, mas como ele estava longe, só me restou ameaçá-lo mesmo.

— Eu vou anotar todas essas chantagens que você está fazendo comigo e tudo vai ter um preço.

— Mas antes de você tentar tirar a minha vida, será que ainda rola o show? – Tornou a pedir com olhos de cachorrinho.

— Você é chato, hein?

Insistente... como foi que me falaram uma vez, ah, sim.. Como você acha que eu te conquistei? Foi na insistência!

Revirei meus olhos diante do claro roubo de falas que ele tinha acabado de cometer, contudo, peguei o violão de volta, e até Loki, que tinha se enroscado no chão, voltou a se sentar para prestar atenção no que eu ia cantar.

Dedilhei alguns acordes aleatórios, até que encontrei uma música adequada e comecei a cantar, baixinho Can’t help falling in love do Elvis. Alex, nada falava, só prestava atenção na tela, acompanhando a música, dessa passei para Love Me Tender e emendei Always on My Mind, mudei de cantor, mas permaneci no rock e me cantei Yesterday, dos Beatles, depois fiz uma versão de And I Love Her, que virou “And I Love Him”, e terminei com Love Of My Life, do Queen, nem me lembro como consegui chegar até o final da música, afinal, já estava caindo de sono.

Como ele havia me prometido, logo que viu que eu estava mais dormindo do que acordada, Alex começou a contar uma história, não fazia muito sentido, mas as histórias que ele inventava nunca faziam mesmo, só sei que eu acabei por colocar o violão ao pé da cama e me deitar, observando a tela, tentando matar a saudade que estava dele, por ali, pela minúscula tela do telefone.

Em algum lugar do fundo da mente, uma vozinha tentava me manter acordada, dizendo que eu tinha muito o que conversar com ele, perguntar como estava indo as gravações, como ele estava sendo tratado, se ele estava bem, contudo, a voz dele foi me dando uma paz, um conforto tão grande, que, juntando com o cansaço da semana e as noites insones, acabou me levando a dormir...

Acordei com o despertador tocando, não me lembrava de ter pegado no sono e muito menos ter me despedido de Alex, a minha única certeza era a de que eu tinha dormido uma noite inteira como há doze dias eu não fazia.

Peguei o telefone para desligar o alarme e vi a mensagem de Alex

Bom dia, Dorminhoca. Você não me escutou te responder, mas eu também te amo, Kat. Obrigado pelo show, mais tarde eu ligo de novo. Aproveite o sábado e prepare um novo repertório para hoje à noite.

Abri um sorriso para a mensagem. Pelo visto ele ficou me contando a história até que teve a certeza de que eu estava dormindo profundamente.

Boa tarde para você! Obrigada pela história, não que eu me lembre sobre o que era, mas me ajudou a dormir. Enquanto eu penso no repertório do próximo show, pode pensar na próxima história maluca que você vai me contar, ou pelo menos, me conte o final dessa última. Rakastan sinua[2], Surfista da Neve!

Acabei por me levantar com um ótimo humor, algo que não passou despercebido aos olhos de meus sogros, principalmente de Dona Amelia, contudo, ela não comentou nada.

Tomamos nosso café da manhã, deixamos tudo arrumado e partimos cedo, meus sogros em um carro, e eu no outro, afinal, eles passariam para comprar algumas coisas que não me disseram o que eram e eu ia pegar Pepper. Ou melhor, tirá-la de casa, afinal, ela era outra que ficava um tanto deprimida quando Will não estava por perto.

Internamente eu rezava que esse começo de dia permanecesse por todo o final de semana e, também, pela semana que viria.

 

[1] Por favor!

[2] Eu te amo.


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Notas finais do capítulo

E, um adendo, eu sei que o álbum The Bitter Truth do Evanescence foi lançado em março de 2022, não em janeiro, mas tanto a letra quanto a música combinam tanto com o momento que Kat está vivendo, que fiz essa pequena confusão de tempo, assim, me perdoem.
E eu espero que o finalzinho tenha compensado todo o drama do início.
Obrigada a você que chegou até aqui! E sejam muito bem-vindos novos leitores!
Até na próxima semana.
xoxo



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