Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 21
Pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Quarta-feira chegou e com ela capítulo novo!
Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799284/chapter/21

“My fall will be for you

My love will be in you

If you be the one to cut me

I'll bleed Forever”

Ghost Love Score – Nightwish

Alemanha – Entre 1540 a 1550

Eu não me lembrava muito bem os motivos de nos mudarmos de uma vila para outra, só sei que foi assim que eu passei os meus primeiros anos de vida, sempre de vila em vila, quando eu achava que íamos ficar, era hora de sair.

Até que nos assentamos em uma vila perto de Munique, eu tinha dez anos e, como todas as outras vezes, achei que permaneceríamos por ali. A vila não era grande, e tudo o que precisávamos tinha que vir de Munique, e eu adorava os dias em que meu pai me levava com ele para a grande cidade, eram os melhores dias e sempre, no caminho de volta, eu acabava ganhando um biscoito, que eu logo comia, porque a minha mãe jamais poderia ficar sabendo que eu comi.

Não era sempre que ele me levava, até porque ele não ia sozinho, outros homens da vila iam também, um grande grupo para garantir a segurança.

Nas vezes em que eu ia, acabei por notar que ia uma outra criança, um garoto, como éramos os mais novos, acabamos por ficar juntos e passamos a dividir os biscoitos que nossos pais nos davam de forma escondida, seu nome era Alexander e ele tinha os olhos mais azuis que eu já tinha visto.

Descobri, não muito depois de nossa última viagem à Munique, que Alexander morava bem perto da minha casa, assim, foi fácil manter a amizade e não raro éramos vistos juntos.

O tempo foi passando e a nossa amizade foi ficando cada vez mais forte, e, passamos a ir à Munique no lugar de nossos pais quando estes ficavam presos nas colheitas.

Logicamente que nossas viagens solo eram muito mais divertidas do que com nossos pais, mas isso deveria ser porque Alex sempre falou muito e virava e mexia, saía de Munique com algumas frutas ou castanhas que nós não tínhamos como comprar.

— Anda, Katerina, já está aqui mesmo!

— Um dia, Alexander, ainda vão te prender e te matar por isso! – Falei ao pegar uma maçã.

— Eu sou rápido, nunca vão me pegar. – Era a resposta convencida dele e não raro ele saía correndo para me provar o seu ponto.

Minhas reações a estes rompantes de Rei dos Ladrões eram sempre as mesmas, eu revirava os olhos e ele, inconformado por eu ser tão medrosa, começava a cutucar nas costelas, até que eu concordasse que ele era, de fato, o melhor ladrão da região, e que ele só tirava as coisas de quem tinha em abundância e as dava para quem não tinha.

E a nossa vida seguiu nesse ritmo, acabamos por assumir a tarefa de ir pegar os suprimentos, logo que completamos catorze anos, e, por isso, passamos a ficar ainda mais tempo juntos. E, para mim, a vida não poderia ser melhor.

Até que na manhã gelada do Natal de 1545, Alex apareceu na janela do meu quarto, felicidade emanava de seus olhos azuis.

— O que foi? – Disse ao abri-la. Estava frio e era cedo demais.

— Posso entrar? Aqui fora está congelando.

Abri o restante da pequena janela e eu não soube como ele conseguiu se esgueirar para dentro sendo que ele era tão grande.

— O que foi? – Perguntei, voltando a me deitar no colchão e a me enrolar no cobertor. Ele rodou pelo quarto, esfregando as mãos, tentando se aquecer.

— Lembra que eu te falei daquele meu tio que é padre?

— Sim, ele está aí para o Natal, certo?

— Sim, ele está.

— E foi ele quem trouxe as boas notícias?

— Como você sabe que tenho boas notícias? – Perguntou espantado.

— Sempre é fácil de ler os seus olhos! – Falei sincera e Alex levantou uma sobrancelha para então, depois de se jogar do meu lado, continuar.

— Voltando, sim, ele está aqui e conseguiu me matricular em um mosteiro.

— Você vai virar padre? – Não consegui disfarçar o pânico que subiu na minha voz ao escutar isso.

— Não! Eu só vou para lá para aprender a ler e, assim, posso te ensinar, você é inteligente, e, como saberemos ler, poderemos ter uma vida melhor.

— Nós? – Eu não tinha perdido o plural.

— Claro, Kat, temos que continuar a nossa empreitada de tirar de quem tem e dar para quem não tem. E com você sabendo todas essas plantas que ajudam os doentes, vamos longe! – Disse com um sorriso.

— Eu não sei, Alex.... Mosteiro? A Igreja não é lá muito a favor de roubar e muito menos do que sei fazer, esqueceu que eles falam que algumas curandeiras são bruxas?

— E você acredita nisso?

— Não! Você sabe que não. Se acreditasse não estava te ajudando com esse pé, estava?

— Falando no meu pé, ele já não está tão roxo assim...

— Deu sorte... porque poderia ter sido pior. Fugir de um guarda se jogando no rio quase congelado não foi a sua melhor ideia. – Xinguei enquanto massageava o seu pé esquerdo.

Ele deu de ombros, fingindo que não estava doendo onde eu estava apertando e soltou:

— Eu sabia que você poderia me consertar.

Ignorei-o e continuei a examinar o seu pé, tinha melhorado, mas nem tanto.

— Não vai falar nada? – Me perguntou quando terminei.

— Não.

— Você não gostou da minha novidade.

— Não.

— Não fique assim, Katerina, eu vou voltar.

Mordi o lábio para não começar a chorar e fiquei entretida em puxar um fio da minha blusa.

Alex fez um barulho estranho, e, sem eu notar, me puxou para um abraço.

— Do que você tem medo? – Me perguntou sussurrado.

— De que você não volte.

— Eu já disse que vou voltar.

— Tenho medo de não reconhecer quem você será. – Agarrei o seu casaco de lã.

— Kat, olhe para mim.

Enterrei meu rosto em seu peito, eu não queria olhar, não queria ver como ele estava feliz em ir para longe de mim.

— Kat... – Ele suspirou em meus cabelos. – Eu estou indo, mas vou voltar para você. É uma promessa.

Eu nunca gostei de promessas. Fizeram inúmeras comigo ao longo dos meus quinze anos de vida e nenhuma se cumpriu.

— Por quanto tempo?

— Três anos.

— Tudo isso?

— Depois eu vou ficar para sempre do seu lado.

— Quando você vai? – Eu ainda não tinha olhado em seu rosto.

— Na primavera. Depois do seu aniversário.

Eu não falei mais nada, apenas o abracei ainda mais forte. E ficamos assim até que o dia amanheceu e ele teve que ir, pulando a janela do meu quarto.

O inverno acabou, os rios descongelaram e as flores começaram a aparecer. Eu tinha aproveitado todos os minutos que eu tive ao lado de Alex, ainda temia que ele não voltasse para mim.

Eu passei o último dia antes de sua partida ao seu lado, seus pais estavam muito felizes que agora teriam um filho entrando para a Igreja, achavam que assim melhorariam de vida, e cada vez que sua mãe dizia isso, Alex olhava para mim e piscava, indicando que ele não ficaria para se tornar padre.

A noite fresca de abril chegou e ficamos sentados debaixo das estrelas, olhava para o céu ao invés de olhar para a minha companhia.

— Não quero que a última lembrança que tenho de você seja todo esse silêncio e seu rosto triste.

— Não tenho sorrisos para você nessa noite, Alex. Sinto muito. – Murmurei.

Ele me cutucou com o pé para chamar a minha atenção, quando levantei a cabeça, ele tinha uma flor em sua mão.

— Não tenho como te comprar um presente, mas vamos dizer que esse é o meu presente de despedida. – Falou todo sem graça.

Peguei a flor de sua mão, tentando a todo custo não começar a chorar, mas foi em vão.

— Não chore, Katerina. Não chore. Eu já te falei, eu vou voltar para você e ficarei até o último dia de minha vida ao seu lado.

— Você vai?

Alex levantou o meu rosto para que eu o olhasse.

— É uma promessa, Kat. Minha promessa que quando eu voltar, eu vou me casar com você.

Mesmo com tais palavras, meu coração estava apertado, batendo descompassado. E eu só sabia chorar. Eu queria Alexander ali, ao alcance dos meus braços, do meu lado, não em um Mosteiro nos confins da Baviera.

Ele partiu logo cedo na manhã seguinte, seu tio viera buscá-lo. Se eu desse sorte, poderia vê-lo no Natal.

A primavera virou verão, que virou outono, que trouxe o inverno, mas o inverno não me trouxe Alex. E o ano passou, assim como o próximo e ele não voltou. Perguntava para a sua mãe e ela me disse que ele estava bem, que um dia viria me visitar.

E os três anos acabaram. Ele não voltou para mim e eu tive que me mudar de vila, pois, com a morte de meu pai, começaram a desconfiar que a minha mãe era uma bruxa, o que era mentira, ela só fazia remédios para curar os doentes. Porém, em uma tarde ensolarada a Igreja a levou embora, acusando-a de bruxaria. Minha mãe foi queimada em praça pública e eu passava bem na hora quando acenderam a fogueira dela, a única coisa que me lembro foi que ela me mandou ficar calada e me avisou para fugir.

Eu estava sozinha no mundo, sem ninguém para me proteger, assim, me mudei para uma vila próxima a Colônia e assumi a identidade de uma mulher viúva, pois solteiras como eu eram consideradas prostitutas, para todos os efeitos, meu marido morrera de tifo. Pelos próximos dois anos eu pude me manter tranquilamente, ninguém mexia comigo ou se importava com a minha presença e eu gostava de ser a invisível, aquela a quem as pessoas só recorriam quando precisavam de um remédio.

E, como já era tão comum na minha vida, essa paz não durou muito e, em uma madrugada quente de verão, antes mesmo que as galinhas começassem a fazer barulho no meu terreiro, alguém invadiu a minha casa, me puxou pelos cabelos e me arrastou até a praça do Vilarejo.

Por todo o caminho eu vi meus vizinhos me olhando com asco, nojo, alguns  gritavam:

— Bruxa! Bruxa!

Outros já tinham a minha sentença pronta:

— Queimem-na! Queimem-na! Queimem-na!

E eu clamava, pedia, implorava para que me escutassem, eu não sou e nunca fora uma bruxa!

Mas cada um dos meus gritos eram em vão, os soldados que me prendiam pelo braço com um aperto de ferro não cederam e assim que me jogaram no meio da praça, clamei:

— Eu não sou uma bruxa! - Outras mulheres já estavam atadas a colunas e gritavam o mesmo que eu. – Por favor! – Pedi a quem segurava o meu braço. – Acredite em mim, não sou bruxa.

— Cale-se! – Bradou a voz.

— Por favor! – Gemi quando um outro soldado amarrou minhas mãos, logo que ele fez o laço, senti sangue escorrer de meus pulsos.

Comecei a chorar. Isso não era justo. Eu não praticava bruxaria!

— Em Nome da Igreja, vocês foram julgadas e condenadas pela prática de bruxaria e feitiçaria. – Um clérigo dizia enquanto dava a volta em torno da praça. Ele parou alguns instantes, leu alguma encíclica que eu não sabia o que significava, eu não falava latim, só alemão. E, depois se virou na minha direção.

E eu reconheci aquele rosto, eu me lembrava dele e do dia em que eu o conheci e como seus olhos azuis me fascinaram à primeira olhada. Me lembrei de cada dia em que nós dois fomos à Munique, me lembrei da manhã de Natal quando ele se esgueirou para dentro do meu quarto e me disse que ia para um Mosteiro e me lembrava com uma clareza ainda maior da promessa que ele fizera, promessa que ele claramente não cumpriu... eu fora uma tola ao achar que me casaria com ele.

O Padre não era ninguém menos que Alexander. O grande amor da minha vida.

— Alex? – Sussurrei o seu nome.

Ele olhou bem nos meus olhos e ali não havia perdão ou amor. Só uma frieza assassina.

— Cale-se sua bruxa. – Ele me desferiu um tapa. E eu comecei a chorar na hora, não pelo tapa, mas pelo homem de ideias tão simples que havia me conquistado quando eu ainda nem sabia o que era amor. Para logo em seguida bradar: — Acendam as fogueiras!

O soldado que estava atrás de mim acendeu a pira, eu senti os meus pés queimarem. Mas nada disso importava. Pois a maior dor vinha do meu coração. O homem que eu sempre amei, que um dia esperei que me fizesse sua, tinha acabado de ordenar a minha morte.

Eu não gritei como as demais, não, eu só chorei. E olhando para o par de olhos azuis que um dia eu pensei que seriam a minha salvação, soltei as palavras que tinham ficado presas em minha garganta anos atrás.

— Eu te amo, Alex. – E fechei meus olhos, sentindo a chuva que começava a cair e aceitando o meu destino.

 ------------------------------------

Califórnia, 2021.

Acordei com o barulho de chuva e certa de que eu havia chorado ali, nos braços de Alex. Se eu piscasse, ainda era possível ver cada pedacinho do acontecido, cada pequeno detalhe de um dos passados mais dolorosos até agora.

Respirei fundo e tentei de todas as formas manter a calma, se aquele era um dos meus passados, se aquilo que eu vi realmente acontecera... era doloroso demais.

Claro que eu sabia que a Caça às Bruxas acontecera, está em diversos livros de história, mas saber a história é uma coisa, agora, ser a vítima dela... não era nada agradável.

Internamente me perguntei se, de alguma forma, haveria algum registro dessa época em algum lugar, qualquer coisa. Li recentemente que uma mulher conseguiu limpar o nome de uma parente, não me lembro de qual grau, que fora queimada como bruxa pela Igreja... será que a Katerina e o Alexander do Século XVI estariam nos livros de registros?

Respirei fundo, era melhor nem saber, não queria ter que ficar pensando em tudo o que vi, e, principalmente, na expressão de Alexander quando ele ordenou que acendessem a fogueira.

— Depois eles falam que o amor não mata... – Murmurei.

Alex, que ainda dormia, se remexeu do meu lado, algo que ele sonhava o tinha deixado inquieto. Pelo visto a tarde só trouxe pesadelos para nós.

Tentei acalmá-lo, passando a mão por seu braço, porém ele só ficou mais agitado, se remexeu sem parar, e mesmo que eu o chamasse, ele não acordava, em determinado momento, notei que ele chorava.

— Alex! – Chamei-o. – Alex, acorde! É só um pesadelo. – Me sentei do seu lado e acariciava seus cabelos.

Ele começou a murmurar algo como:

— O que foi que eu fiz... o que foi que eu fiz?

— Alexander... – Tentei de novo, dessa vez passando a mão em seu rosto.

Ele, ainda dormindo e ainda sofrendo, segurou a minha mão. E com uma expressão de total agonia, falou:

— Katerina, me perdoe. Espero que você possa me perdoar um dia.

— Alex! – Tive que sacudi-lo, suas palavras me assustaram tanto que fiquei além de preocupada.

Ele acordou de uma só vez, se sentando no sofá, um tanto desorientado, olhou para todos os lados e quando me viu, sem proferir palavra alguma, simplesmente me puxou para os seus braços e me abraçou com força, enterrando seu rosto em meus cabelos. Apertei-o em meus braços, até porque queria esquecer a imagem que vi em meus sonhos, mas não pude ignorar o desespero dele.

— Está tudo bem. Foi só um pesadelo, Alex – Murmurei contra o seu ombro.

Ele me apertou ainda mais, praticamente me colocando em seu colo e eu notei que murmurava algo.

— Quer falar sobre isso? – Perguntei mansamente.

Ele suspirou fundo e ainda sem me olhar, só respondeu uma única palavra.

— Não.

Não fiquei chateada por ele não dizer o que lhe afligia, eu mesma não queria de jeito nenhum falar sobre o meu outro dia. Assim, presa por seus braços, tudo o que eu pude fazer foi confortá-lo à minha maneira, então, apoiei meu rosto em seu ombro e comecei a afagar seus cabelos. Ficamos um bom tempo assim, tempo suficiente para a chuva virar uma tempestade e a noite cair.

— Eu não gosto de chuva. Agora acho que sei o motivo. – Ele falou horas depois.

Eu, que tinha quase cochilado em seu colo, despertei.

— Desculpe? – Olhei seu rosto pela primeira vez em horas.

— Eu não gosto de chuva, nem de dia chuvosos. – Ele tornou a falar, me olhando nos olhos e acariciando o meu rosto. Em seus olhos havia uma sombra de dor que não estava ali pela manhã.

— Acho que você já deixou claro a sua preferência por dias ensolarados.

— E eu tenho toda a razão.

— Quer se explicar? – Questionei.

Ele levantou uma sobrancelha e a dor voltou a seus olhos, nublando o azul da cor do mar.

— Você acreditaria se eu dissesse que não me trazem boas lembranças?

— Acho que posso aceitar isso. E, talvez, te mostrar que dias de chuva também podem ter boas lembranças...

— Eu duvido muito, Kat, que vá mudar a minha impressão. – Disse sombriamente, me deu um beijo na testa, me colocando sentada no sofá e se levantou.

Ainda fiquei sentada no sofá, depois que Alex subiu as escadas. Só de curiosidade peguei o celular e olhei as horas, cinco da tarde. Para quem achava que estaria em casa na parte da tarde para poder arrumar tudo, eu já estava mais do que atrasada.

Procurei por Thor e Loki, os dois dormiam no canto da sala.

— Meninos... está na hora de irmos. – Chamei-os, mas não foi a minha voz que os assustou, mas o trovão que ecoou por todo o cômodo, assustando não só os dois, mas Stark também. – Hei... calma. Está tudo bem. – Me ajoelhei no chão para tentar aquietar os três, antes que Alex descesse e começasse a reclamar dos latidos.

Só que a chuva piorou, assim como a quantidade de relâmpagos que cortavam o céu, o tempo estava tão mal-humorado quanto o meu namorado desaparecido. E para piorar, a luz acabou.

— E essa é a famosa Lei de Murphy... nada está tão ruim que não possa piorar. – Falei sozinha.

Tateei pelo chão até encontrar a mesa de centro, e lá achei meu celular, acendi a lanterna e me pus a pensar onde teria uma lanterna nessa casa.

— Kat? – Alex me chamou.

— Na sala. – Respondi. – A luz acabou só aqui, ou no bairro inteiro? – Perguntei um tanto alto, não sabia onde ele estava.

— Creio que em metade da cidade. Lá de cima não dá pra ver luz nenhuma. – Sua voz soou bem perto de mim, assim, segui o som e iluminei seu rosto.

— Chuvas assim são comuns aqui? – Me peguei perguntando.

— Às vezes. Mas essa está forte além do normal. – Ele disse parando na minha frente. – Vem, volta por sofá.

— Os três. – Apontei para os cachorros que tinham acabado de se encolherem por conta do trovão. – Por acaso você tem lanterna, tirando a do celular, é claro...

— Já volto. – Me avisou.

Deixei o meu celular no chão, jogando a luz para o teto branco, enquanto tentava fazer Stark e Thor se acalmarem, Loki já tinha parado de ganir e estava deitado com a cabeça na minha perna.

Alex voltou nem três minutos depois, com uma lanterna de xenônio na mão que iluminou o andar inteiro.

— Agora está muito melhor... – Comentei.

— Vem, vamos lá para cima, essas paredes de vidro vão aumentar ainda mais os clarões.

Estendi a mão para que ele me ajudasse a me levantar, e Alex, não só me levantou do chão, como me abraçou por trás e foi me guiando escada acima.

— Mas e os três... – Tentei olhar por cima de seu ombro, mas estava descalça e não adiantou nada.

Meu namorado só assobiou e logo os três passaram correndo por nós.

Chegamos ao seu quarto, e Alex logo apoiou a lanterna de forma que iluminasse boa parte do cômodo, Loki se deitou no chão ao lado direito da cama, Thor e Stark se acomodaram em cima da cama mesmo, e eu tratei logo de tirar Thor de lá. Alex fez o mesmo com Stark e assim que a cama ficou vaga, me puxou para o seu lado, nos deitando ali.

Ele ficou quieto, já eu olhava para as janelas, para os clarões. Torcendo para que a tempestade passasse rápido e que eu pudesse ir para casa.

— Eu sinto muito. – Alex começou.

Levantei a minha cabeça para olhá-lo, indagando o que ele queria dizer com isso.

— Por mais cedo. – Ele interpretou corretamente a minha expressão. – Eu não deveria ter te deixado lá embaixo sem explicações.

— Você não tem que me dar explicações sobre o que você sonhou. Eu mesma não te contei o que foi o meu.

— Mas você não reagiu como se eu fosse o culpado pelo seu pesadelo.

Mordi o lábio para ficar quieta. Alex não me olhava, fitava o teto, olhos guardados e pensativos.

Um raio atingiu algum lugar bem próximo à casa, assustando os três cachorros e mim também.

— Medo de tempestades? – Alex brincou ao me cutucar na cintura.

— Até que não... muito pelo contrário, sempre gostei de ver os relâmpagos.

 - Fotos?

— Tenho. Até muitas. Algumas tiradas de dentro de aviões.

— Sempre gostou de olhar o céu.

— Pode-se dizer que sim.

—   Aurora Boreal, Via Láctea, relâmpagos... você queria ser astrônoma ou astronauta?

Tive que rir.

— Nenhuma das duas coisas, apesar do fascínio que tenho pelo céu, sempre soube o que queria fazer.

Alex se sentou na cama e olhou pela janela.

— Você sempre quis seguir os passos do seu avô?

— Sim... quando eu era criança, ia visitá-lo no escritório e sempre acabava me sentando na cadeira dele, e brincando que era a CEO. Minha mãe ficava louca, ela sempre achou que eu tinha jeito para a medicina igual a ela.

— E você não tem esse dom?

Parei para pensar.

— Nunca me interessei, apesar de saber primeiros socorros muito bem. Uma vez até suturei o meu irmão...

— Você sabe que isso é crime, não sabe? Exercício ilegal da medicina...

Tive que rir.

— É, eu sei. Mas foi mais uma das nossas brincadeiras que deu errado, ou no caso, muito errado, não queríamos que a Dona Diana ficasse sabendo, e ele estava sangrando muito...

— O que vocês fizeram? Pularam de algum lugar?

— Pular de lugares é a sua especialidade não a minha. Nós só estávamos jogando hockey dentro de casa... Kim caiu de cara na beirada da escada... e não queria ir para o hospital.

— Seu irmão poderia ter morrido.

— Tínhamos doze anos... não pensei nisso. Mas pelo menos o serviço ficou bem feito, nem cicatriz deixou.

— Bom saber que não vou precisar ir mais no hospital, tenho uma socorrista de plantão... – Alex brincou.

Foi a minha vez de me sentar.

— Nem pense nisso. Nunca mais faço isso, como você disse, além de ser um crime, eu não tenho técnica nenhuma. E você que trate de tomar cuidado e não precisar de médico nenhum.

Só o suspiro que Alex me deu eu sabia que lá vinha uma história daquelas.

— Sabe quantas vezes eu já fui parar no hospital, Kat?

— Provavelmente muitas vezes...

Ele me pediu um minuto e começou a contar nos dedos.

— Umas trinta vezes, isso tirando as que não lembro por ser muito novo.

Não consegui esconder a minha careta.

— Como você ainda tem seus pais depois de dar tantos sustos neles?

— A grande maioria veio depois dos dezesseis. – Ele desdenhou. – Só ficaram sabendo quando viram a sutura, e creio que não ficaram sabendo de todas as vezes, porque costela quebrada e sutura na perna dá para esconder.

— Você é um péssimo filho, sabia?

— Falou aquela que correu com touros...

— Eu não parei na emergência. – Rebati.

— Mas ficou em coma... eu nunca fiquei.

— Te odeio! – Murmurei e chamei por Loki que estava deitado me encarando, ele ficou de pé nas patas traseiras para que eu acariciasse sua cabeça.

— Falando em me odiar. – Alex não deixou o assunto morrer. – O que você escreveu aqui? – Ele se virou para pegar o bloquinho que estava no criado ao seu lado.

— Você tem um dicionário, descubra. – Falei enigmaticamente.

— Você poderia facilitar a minha vida.

— Se eu quisesse facilitar a sua vida, Alexander, eu teria colocado a tradução ao lado.

— Vou colocar no Google Tradutor. – Ele garantiu.

— É uma opção, mas não teria graça. – Respondi e me levantei da cama.

— Vai aonde?

— A chuva passou, Alex. Eu preciso ir para casa. Tenho muita coisa para fazer, para organizar, minha vida no escritório será caótica nessa semana que entra. Não posso me dar o luxo de deixar a minha casa desarrumada e minhas roupas sem passar.

— Achei que você ia dormir aqui... – Ele tentou dar o bote e agarrar a barra da minha blusa, mas fui mais rápida e me afastei da cama.

— É tentador, não nego, mas não posso. Além do mais, você viu a minha cara o dia inteiro, e amanhã vamos jantar juntos. Vou te dar um tempinho para pensar se você realmente quer ficar do meu lado... – Brinquei com ele antes de sair do quarto.

— Está sem luz... o portão é eletrônico! Volta pra cá, Kat! – Ele tentou me convencer.

Estava no meio do corredor, quando a luz piscou e voltou.

— Merda! – Escutei o seu xingo. Na pontinha do pé, fiz o caminho de volta para o quarto e assim que entrei, ele estava de costas para a porta, olhando para o bloquinho. Pulei nas costas dele e gritei:

— É feio ficar xingando!

Antes que ele pudesse tentar me pegar, desci, corri para o pé da cama e peguei minhas coisas.

— Por favor, Alex, preciso ir. – Pedi.

— E se eu não quiser te levar?

Tirei o celular do bolso, que apesar da pouca bateria, seria um bom argumento.

— Posso chamar um UBER a qualquer minuto.

— Você é uma tremenda de uma estraga prazeres. Eu nem te mostrei a casa.

— Eu vou ter tempo para ver a sua casa...

— Amanhã você dorme aqui. E não me venha com não. – Ele foi tagarelando na minha frente até o andar de baixo. – Arrume suas roupas as chiques e as de corrida, seus sapatos de salto, suas bolsas e tudo o que vai precisar e traga pra cá. Aí poderemos sair para correr e eu te deixo no trabalho.

— Só um probleminha no seu plano infalível... eles. – Apontei para Loki e Thor.

Alex murmurou qualquer coisa inaudível e eu comecei a rir.

—Você vai ter que pensar em um plano muito melhor do que esse se quiser que eu durma aqui.

— Eu vou pensar, Kat. Pode apostar.

— Só quero ver.

— Quer apostar quanto?

— Na verdade, Alex. – Comentei quando ele abriu a porta da garagem e Loki foi todo feliz para dentro do carro, contente de ir para casa. – É você quem está me devendo. E eu vou cobrar.

— Só quero ver o que vai ser? Vai me fazer ser seu escravo?

— Ou talvez uma coisa pior... Você só vai saber quando eu decidir. – Fiquei na ponta dos pés para vê-lo.

— Eu acho que posso gostar do que você vai planejar... – Me abraçou.

— Quem sabe, não é mesmo? – Dei um tapinha na sua bochecha.

Alex jogou a cabeça a para trás, um movimento que percebi ser característico de quando ele está frustrado com alguma das minhas reações ou falas.

— Seu bobo... acredita em tudo o que eu falo. – Brinquei e roubei um beijo dele.

— Tem certeza de que não quer ficar?

— Tenho Alex. Eu realmente tenho, o que vai te dar tempo para aprender a falar finlandês... com um dicionário.

— Vai rir da minha cara? – Ele perguntou quase ofendido.

— Claro que não! Achei um gesto fofo. E inesperado. Nunca imaginei que alguém iria se interessar em aprender finlandês só por estar comigo.

— Ninguém fez isso?

— Não, ninguém. Falo inglês muito bem, tanto que todos esquecem de onde vim... e o que você fez foi... – Procurei pela palavra certa e não encontrei.

— Desconcertante?

— Não! Longe disso! Muito longe! Foi.... Extraordinário! Muito obrigada por se importar! De verdade. – Fui sincera.

— Sou capaz de fazer qualquer coisa por você, Kat. Você nem imagina. – Ele disse e lá estava aquela tensão novamente.

— Eu... – Comecei, mas me perdi no azul dos olhos dele.

— Você? – Ele devia saber exatamente o poder que aqueles olhos tinham sobre mim, não é possível, ser tão dono de si assim!

E eu fiquei parada, hipnotizada, estática, enquanto olhava no fundo dos olhos dele, aquele olhar, daquele jeito, era o completo oposto do que tinha visto no meu sonho... me fazia me sentir querida, me fazia me sentir em casa, segura... amada.

— Rakastan sinua! – Murmurei e acariciei o seu rosto.

— O que isso significa, Kat? – Ele quis saber.

— Vamos fazer um trato? – Perguntei ainda abraçada a ele.

— Que seria?

— Eu repito essa frase, em cada idioma que eu sei, até que você entenda, mas você não pode buscar pela tradução na internet, o que acha?

— Eu não sou fluente em sessenta idiomas, Katerina. – Ele deu um passo para trás.

— Nem eu... mas acho que sei dizer essa frase em, no mínimo, uns trinta, tirando inglês, é claro.

Alex me olhou meio torto, mas vi que ele tinha aceitado o desafio pelo sorriso que me mostrou suas covinhas e pelo brilho em seu olhar.

— Eu vou gostar da tradução?

Tombei a minha cabeça e busquei pela resposta dentro dos olhos dele.

— Vai. Você vai gostar. – Disse com certeza.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então é isso!
Espero que tenham gostado.
Muito obrigada a você que leu!
Até a próxima atualização.
xoxo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Presos Por Um Olhar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.