Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 16
Companhia


Notas iniciais do capítulo

Prometi que eu voltava ainda nessa semana e aqui estou!
Espero que gostem!
Boa leitura!



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“No light, no light in your bright blue eyes

I never knew daylight could be so violent

A revelation in the light of day

You can choose what stays and what fades away

And I'd do anything to make you stay

No light, no light

Tell me what you want me to say

(No light, No light. – Florence And The Machine)”

 

O jantar e a noite em si foram eventos estranhos, não que eu não tenha gostado da companhia, eu adorei, ter alguém para conversar enquanto comia, para me ajudar com a cozinha era diferente... em Londres eu tinha as visitas de Liv, a falação sem sentido de Elena e até mesmo os murmúrios de Tuomas dentro de casa – afinal meus sobrinhos praticamente moravam comigo, - e aqui só tinha a dupla de cachorros... foi bom sentir que esse apartamento tinha a perspectiva de virar um lar, porque até então estava parecendo um hotel, e, no fundo, eu agradeci por Alex ter tido a ideia precipitada de querer passar a noite aqui.

Com a cozinha arrumada, fui para o escritório revisar por uma última vez os dados dos dois portos, Alex ficou na sala, trocando os canais da TV – não falei para ele, mas era a primeira vez que o aparelho era ligado.

Com pouco ele parou na porta e cruzou os braços.

— Se você vai me perguntar qual canal passa o que, saiba que eu não sei. – Respondi ao seu suspiro, sem olhá-lo.

— Não era isso.

— Então... – Levantei a cabeça na sua direção.

Ele apontou para o andar superior.

— O que tem lá? – Perguntei.

— Exatamente... você tem uma cobertura e está enfiada aqui dentro?

— As janelas estão abertas e eu preciso ler isso. – Levantei a pesada pasta.

— Vamos lá para cima, você pode ler lá.

— Por que eu estou achando que você está querendo que eu passe vergonha amanhã?

— Na verdade eu só quero companhia, mas seu escritório foi feito para ser a sala do trono, só você entra.

Tive que rir...

— Claro, porque aqui é o meu lugar de trabalho e eu preciso de silêncio...

— Mas tem duas almofadas para seus cachorros. E tem música, não está em silêncio. – Acusou mal-humorado.

— Música não me atrapalha, muito pelo contrário, me ajuda na concentração, e é música clássica! Quanto às camas de Thor e Loki, eles não falam ou me interrompem... só quando começam a roncar...

Alex nada feliz com o meu comentário, só atravessou o cômodo, pegou a pasta que estava aberta em cima da mesa, e disse:

— Lá para cima! Vamos! Eu fico quieto e você me faz companhia.

Revirei os olhos, mas cedi, também queria ficar do lado dele.

Subimos para a cobertura e ele pareceu impressionado com o que tinha lá.

— Você não veio aqui durante o dia? – Perguntei enquanto ele dava uma volta por toda a extensão.

— Não. Se tivesse, tinha dado um mergulho nessa piscina.

— Nada te impede de fazê-lo agora. – Falei ao me sentar na chase com a pasta no colo. Loki logo se juntou a mim, se deitando aos meus pés. Alex desapareceu para algum lugar. – Doido. – Murmurei. – Pede companhia e desaparece.

Me concentrei no que tinha que ler e fiz pequenas anotações no tablet para discutir na reunião da manhã, como agora tinha motorista, iria ler o relatório de San Diego no caminho, quando, do nada, escutei o característico barulho de alguém mergulhando na água. Levantei meus olhos só para ver Alex cruzando a piscina e voltando.

— Pelo menos assim me dá sossego.

Me acostumei com o som ritmado de suas braçadas e voltei a trabalhar, ficando tão concentrada no que lia, que não notei quando Alex parou de nadar e se sentou na ponta da chase onde eu estava, só percebi que ele estava ali quando ele puxou a ponta do meu dedão.

— Credo! Fale algo! Quer me matar do coração? – Quase gritei de susto.

Ele riu.

— Quando batem na porta da sua sala, você fala assim com a sua secretária?

— Não... mas no escritório eu sei que a qualquer momento alguém pode aparecer... Você foi silencioso como um gato!

— Foi essa a intenção. – Ele sorriu nada inocente para mim.

— Imaginei que você tinha um plano maligno se formando nessa sua cabeça quando me chamou para vir aqui.

— E então, já está acabando isso aí?

— Mais ou menos. Por quê?

— Por nada. – Ele deu de ombros e depois de jogar um roupão nos ombros, se jogou em cima da chase, vindo a se deitar com a cabeça em meu colo.

— Seu cabelo está molhado! – Falei.

Alex nem se mexeu, continuou deitado, olhando para o céu.

— Boa sorte em achar estrelas aqui.

— Dá para ver algumas. Na praia, a vista é melhor.

— A melhor vista que se tem do céu é na Lapônia, e, se você der sorte, além da Via Láctea, em um dia de céu bem limpo, pode ser que você seja agraciado com a Aurora Boreal.

— Nunca vi... – Ele comentou.

— Eu não me canso de ver... se deixarem eu me deito na neve e esqueço da vida, só para ficar olhando para o céu e ver a dança das luzes.

— Tenho certeza de que um dia você vai me levar lá.

— Você, “O Surfista de Venice Beach”, na Lapônia Finlandesa? Vai trocar o sol da Califórnia pelo frio e o gelo da Finlândia?

— Você fez o caminho inverso e parece que está sobrevivendo... – Me respondeu. – Eu vou sobreviver também.

— Se você está dizendo... – Desafiei e voltei para a minha leitura e ele ficou ali, deitado, calado, quieto e com os olhos fechados, quase que por instinto, acabei por começar a acariciar a sua cabeça, tentando ajeitar o cabelo que ele não fez questão nenhuma de arrumar.

E assim ficamos, eu tinha quase certeza de que Alex havia caído no sono, e eu estava quase acabando o relatório e as anotações quando ele falou.

— Você tá morrendo de frio. Tá toda arrepiada.

— Estou quase acabando aqui... mais uns dez minutos.

— Teimosa...

Resolvi ignorar a provocação e tratei de terminar as dez folhas que faltavam. Mais algumas anotações e finito.

— O que você estava dizendo mesmo? – Cutuquei a sua cabeça, já que ele tinha fechado os olhos novamente.

— Que você é teimosa.

— Prefiro ficar sentido frio a perder o que eu tinha que anotar... além do mais, era pouca coisa que faltava.

— Acabou?

— Para a reunião de amanhã cedo sim...

— E vai pegar outra pasta dessa para ler agora? – Ele levantou a pasta que estava apoiada na minha perna esquerda.

— Nem pensar... estou caindo de sono. Como consegui um motorista para amanhã, posso ir lendo no caminho.

— Não vai aproveitar a paisagem?

— Faço isso na volta. Agora, me dê licença, pois preciso de um banho e vou cair na cama.

— Não vai dar nem um mergulho?

— É quase meia-noite... tá maluco? – Respondi pegando a pasta e o tablet. – Anda, vamos descer, porque você está tão cansado quanto eu.

Alex me olhou atravessado, mas seu olhar logo mudou para espanto quando ouvimos o ronco de Loki.

— Eu te disse que ele roncava. – Ri e cutuquei meu cachorro, mostrando o caminho da escada.

— Isso não foi um ronco, foi uma motosserra!! Como pode um cachorro roncar tão alto? – Alex perguntou ao me seguir escada abaixo.

— Espere até você ouvir o Thor!

— Por acaso seus cachorros pensam que são gente?

— Não sei, nunca perguntei e eles nunca me falaram nada. – Brinquei. – E por favor, enquanto eu estiver no banho, nada de se deitar na cama com esse cabelo molhado... minha roupa de cama é nova e está limpinha! – Dei um selinho nele e fui para o quarto.

Quando saí do banheiro Alex estava colocando o relógio no criado da cabeceira.

— Mesma coisa da noite passada? Você do lado direito e eu do lado esquerdo? – Ele perguntou ao apontar para o local onde tinha colocado o relógio.

— Para mim tanto faz, mas pode ser.

Ele entrou para o banho e eu fui arrumar a minha roupa para o dia seguinte, bem como conferir se tinha ração e água para os belos adormecidos, conferi meu telefone, esperando ter alguma mensagem dos meus pais, nada. Só tinha de Ian, pedindo que eu ligasse para ele quando tivesse um tempo no final de semana, programei o alarme e estava para me deitar quando Alex abriu a porta do banheiro e saiu de lá da mesma maneira que tinha feito na casa de seus pais, descalço, só com uma calça de moletom e secando os cabelos.

— Que horas daqui a pouco? – Me perguntou andando pelo quarto e passando a toalha na cabeça.

— Seis da manhã. – Respondi.

— Dá para ser seis e meia. – Falou e parou de secar o cabelo, que estava espetado para todas as direções.

— Acho que não... prefiro chegar mais cedo a ficar desesperada com o horário.

— Eu vou te levar, você não vai chegar atrasada. – Respondeu confiante.

— Se você está dizendo... se eu chegar atrasada, demito esse motorista! – Brinquei enquanto mudava o horário do despertador e ele voltava ao banheiro para dependurar a toalha. Quando saiu, só mergulhou de uma vez na cama.

— Você vai dormir assim?

Alex me olhou.

— Assim como?

— Meu Deus! Ele vai! Venha aqui, sente-se. – Bati na cama ao meu lado.

— Posso saber para que? – Questionou, mas se sentou.

Desci da cama, fui até a cômoda e peguei um pente, voltei e um Alexander com cara de dúvida me fitava. Me ajoelhei atrás dele e só falei.

— Seu cabelo todo espetado assim, está me dando agonia! Me deixa arrumar.

— Você, por acaso, é fascinada com o meu cabelo?

— Não, só não gosto de pessoas descabeladas. Prontinho, agora vai ficar melhor. – Coloquei o pente no criado e me sentei normalmente.

— Você é doida, Kat. – Me falou quando se sentou do meu lado e me puxou para perto dele. – Mas eu bem que gosto dessas suas manias.

— É bom gostar mesmo. – Roubei um beijo. – Pois vai ter que aturar a minha loucura por muito tempo.

— Assim espero! – Respondeu e me puxou para me deitar ao lado dele.

Ficamos em silêncio por um tempo, na verdade, eu já estava quase dormindo e ele estava inquieto, se mexendo sem parar.

— Tudo bem, isso é o pagamento por eu não ter te deixado dormir de madrugada?

— Não.

— Então o que é?

— Só estou pensando.

— Pensamentos não fazem barulho... a menos que seja algo ruim. Em que está pensando?

— Em algo que você disse.

Franzi o cenho, eu tinha dito muita coisa nas últimas vinte e quatro horas.

— Seja bem específico... meu cérebro já está no modo de economia de energia.

Ele deu uma risada para a comparação.

— Sobre a reação do seu pai a tudo que aconteceu e o que você disse em tentar deixá-lo orgulhoso.

Ainda bem que ele não podia ver a minha expressão, porque eu tinha quase certeza onde essa conversa iria parar e eu teria que mentir...

— E? – Encorajei.

— Só pensando... como vai ser quando você finalmente me apresentar a ele. E à sua família...

Fiquei calada... até porque eu sabia como seria. Pietra já tinha dito, Vic e Mel insinuado... e eu sabia bem no fundo que não seria lá uma apresentação muito agradável, não mesmo. A não ser que eu tivesse alguém do meu lado, alguém que não fosse a Liv.

— E então, como vai ser?

Tentei fazer piada...

— Quer saber se você vai precisar de um colete à prova de balas?

— Isso também, mas queria uma base sobre o que me espera.

— Se eu conseguir amasiar o calado Jari-Matti, vai tudo correr bem. – Terminei a frase aí.

— E se não conseguir? – Ele me pareceu um tanto tenso.

— Vou te jogar na fogueira igual a você me jogou ontem à noite. Com uma pequena diferença.

— Que é?

— Minha família é bem menor.

— Mas você tem dois irmãos mais velhos!! Isso pesa contra a sua família.

— Eles não vão te fazer mal. – Disso eu tinha certeza.

— Mas podem não gostar de mim.

— Poder até podem, mas não acredito nisso. Seu maior problema é o meu pai.

— E como é que eu ganho o sogrão?

— Para começar, não o chame de sogrão, um dos exs da minha irmã fez isso. Ele tem verdadeiro ódio.

— Tudo bem, alguma dica que valha a pena?

— Sinceramente, não. Eu não tenho.

E isso era verdade, eu não fazia ideia de como iria navegar esse assunto com o meu pai, e nem com o restante da família, ainda mais depois que descobri que Alex pode ou não conhecer a minha irmã... estava em um beco sem saída e não tinha como eu contar isso para Alex.

— Dormiu? – Me perguntou dando um beijo na minha cabeça.

Era a saída perfeita para ficar quieta e tentar não pensar no que, um dia, eu teria que fazer. Assim, fiquei quietinha, dando a impressão de que realmente tinha caído no sono.

— É, você dormiu. – Alex tornou a falar baixinho e me abraçou mais forte. – Espero que o que você falou seja verdade, mas tenho a impressão de que a sua família não vai gostar de mim.

Ah, se eu não estivesse fingindo!! Como eu queria ter perguntado o que ele quis dizer com isso!

Ele ficou quietinho, e as batidas do seu coração me levaram a dormir.

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Região da Baviera – Alemanha – 1.550

Estava frio, muito frio, eu tinha sido arrancada da cama e arrastada para o meio da praça da cidade à força, mãos seguravam firme os meus braços, eu tentava me soltar a todo custo, pois eu sabia, no fundo da minha mente, o que estava acontecendo, já tinha visto isso acontecer em uma outra vila.

Era uma execução.

Uma execução de bruxas comandada pela Igreja.

Por todo o caminho da minha casa até a praça eu reparei os olhares sobre mim, eu vi como as pessoas reagiam com nojo à minha presença.

— BRUXA!! BRUXA!!! – Gritavam uns.

— QUEIMEM-NA!! – Bradavam outros.

Eu não era uma bruxa. Nunca fora. Não fazia feitiços ou participava de algum clã. Tudo o que eu fazia era remédios para curar as pessoas doentes com plantas que achava na floresta.

— Eu não sou uma bruxa! – Clamei quando me jogaram no meio da praça. Outras mulheres já estavam atadas a colunas e gritavam o mesmo que eu. – Por favor! – Pedi a quem segurava o meu braço. – Acredite em mim, não sou bruxa.

— Cale-se! – Bradou a voz.

— Por favor! – Gemi quando um outro soldado amarrou minhas mãos, logo que ele fez o laço, senti sangue escorrer de meus pulsos.

Comecei a chorar. Isso não era justo. Eu não praticava bruxaria!

— Em Nome da Igreja, vocês foram julgadas e condenadas pela prática de bruxaria e feitiçaria. – Um clérigo dizia enquanto dava a volta em torno da praça. Ele parou alguns instantes, leu alguma encíclica que eu não sabia o que significava, eu não falava latim, só alemão. E, depois se virou na minha direção.

E eu reconheci aquele rosto, eu me lembrava dele e do dia em que ele se fora, pois sua família havia conseguido que ele fosse para um mosteiro, o que quase acabou comigo porque eu sempre achei que me casaria com ele.

Era Alexander.

— Alex? – Sussurrei o seu nome.

Ele olhou bem nos meus olhos e ali não havia perdão ou amor. Só uma frieza assassina.

— Cale-se sua bruxa. – Ele me desferiu um tapa.

E logo em seguida bradou:

— Acendam as fogueiras!

O soldado que estava atrás de mim acendeu a pira, eu senti os meus pés queimarem. Mas nada disso importava. Pois a maior dor vinha do meu coração. O homem que eu sempre amei, que um dia esperei que me fizesse sua, tinha acabado de ordenar a minha morte.

Eu não gritei como as demais, não, eu só chorei. E olhando para o par de olhos azuis que um dia eu pensei que seriam a minha salvação, soltei as palavras que tinham ficado presas em minha garganta anos atrás.

— Eu te amo, Alex. – E fechei meus olhos, aceitando o meu destino.

~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

— Katerina! Katerina! Acorde, Kat!! – Alguém me sacudia. – Kat! Por favor, foi só um sonho.

Acordei sobressaltada, conferindo meus pés, pernas e mãos, que eu nitidamente tinha sentido queimar no meu pesadelo, eu jamais poderia chamar o que vi de sonho. Olhei bem para meus pulsos, não tinha nenhuma marca ali.

— Kat... – Me chamaram e acenderam o abajur do lado da cama.

Olhei para o lado, para quase morrer de susto novamente.

— Calma, sou eu. Alex.

Mordi o lábio para segurar as lágrimas. Eu não sabia se chorava de alívio ou de medo.

Alívio porque o que eu vi fora um sonho – ou uma vida passada, eu tinha passado a aceitar isso. – ou se chorava de medo. Pois na minha frente estava a cópia do homem que ordenara a minha execução na fogueira.

Alex me pegou em seus braços e praticamente me colocou em seu colo, tentando acalmar os meus soluços.

— Quer conversar sobre isso? Por que você sabe que foi só um pesadelo, não sabe?

Balancei a minha cabeça. Eu não queria ter que explicar esses sonhos para ninguém. Ainda mais esse.

Com pouco meu choro foi cessando e eu fui me acalmando, e uma nítida certeza me pegou.

Em nenhuma das vidas passadas, nenhuma, eu tive o meu final feliz com Alex.

— Precisa que eu pegue algo para você? – Alex me perguntou todo preocupado. – Água, chá, um copo de leite?

Limpei meu rosto.

— Não, eu estou bem... só me assustei mesmo. – Falei sincera, sem olhá-lo.

— Se lembra sobre o que foi?

Eu não poderia mentir, mas falar a verdade era impossível, então, optei por uma meia verdade.

— Sonhei que tinha morrido queimada. Não foi agradável não conseguir fugir do meu destino.

E ele me abraçou apertado mais uma vez.

— Me desculpe por acordá-lo. - Murmurei.

— Você tem muitos pesadelos? – Começou a puxar conversa.

— Não. Sonho sempre, mas pesadelos, esse é o primeiro em anos. – Respondi. E do nada me senti sufocada dentro do quarto, tive a necessidade de sair dali. Com muito jeito, me desenlacei dos braços de Alex, saí de seu colo e me levantei.

— Vai aonde? – Ele perguntou, querendo me seguir.

— Tomar um copo de água, um pouco de ar. Volte a dormir, você tá com uma carinha de quem está cansado. – Me ajoelhei na cama e dei um beijo nele. – Volto logo.

Saí do quarto e fui à cozinha, ainda pensando no sonho, no que aconteceu comigo e quem tinha ordenado a minha morte. Nada disso me perturbava na verdade, se você acredita em reencarnação, sabe que um dia morreu para estar aqui, fato. O que me perturbava, e muito, era a frieza nos olhos de Alex.

E se eu fechasse os meus olhos agora, ainda podia ver a cena que a Katerina acusada de bruxaria viu.

Frios, sem vida, até mesmo mortais.

E eu não conseguia encaixar aquele olhar nos demais sonhos que tive, os outros Alex não eram assim. O meu Alex não era assim. 

Peguei um copo de água e o levei para a sala, ainda me sentia como se estivesse ardendo na fogueira, então decidi abrir a porta que dava para a sacada e me sentei no sofá, virada para a vista da cidade, que se eu olhasse bem, era possível ver a escuridão do alto-mar sendo clareada de tempos em tempos por raios que cruzavam o céu.

Logo Loki se juntou a mim no sofá, Thor estava morto para o mundo, e eu acabei por me deitar ali, sentindo a brisa fria da madrugada em meus pés em chamas.

Não me lembro de ter tido companhia e muito menos de ter caído no sono, porém, a próxima coisa da qual me lembro foi de escutar, muito ao longe, o meu despertador tocando.

— Ei ... Ei ... Minun täytyy nukkua[1]. – Murmurei e me virei, tentando ignorar o som, para acabar batendo em alguém. Levantei a minha cabeça e vi Alex.

— Espero que isso seja bom dia... – Ele falou.

Tive que esperar um pouco para que meu cérebro processasse como eu tinha parado na sala de TV, enrolada em uma coberta, nos braços do meu namorado.

— Não, não era bom dia. – Falei quando me sentei. – Você não tinha ficado no quarto?

— Você não voltou, então vim ver se estava tudo bem, e te encontrei aqui, encolhida no sofá, a porta aberta e Loki deitado nos seus pés. Estava tão tranquila que não quis te acordar para te levar para o quarto.

— Aí decidiu se juntar a mim aqui?

— Você me pediu para ficar.

— Pedi?

Ele abriu um sorriso, confirmando.

— Obrigada.

— E então, vai me dar bom dia em finlandês, ou eu vou ter que apelar para o Google Tradutor?

Hyvää huomenta!— Fiz o que ele pediu.

— Bom dia para você também. – Ele me puxou para um beijo. - E como se escreve isso?

— Com mais tremas do que você usou na sua vida inteira. Mas tem palavras muito mais complicadas. – Respondi. – Melhor eu desligar aquele despertador antes que ele venha até aqui e nos acerte com um taco de hockey. – Me levantei.

— Café da manhã aqui ou no caminho? – Alex perguntou.

— Pode ser aqui.... já vou te ajudar. – Respondi do quarto.

— Eu faço o café, você arruma a cama. – Barganhou.

— Por mim tudo bem! Só não coloque fogo na minha cozinha!

Tive que voltar na sala para pegar o travesseiro e o cobertor que lá estavam e voltei para o quarto para organizar tudo.

Aproveitei a calmaria para tomar um banho rápido e me arrumar, como ia parar no porto, nada de roupa chique hoje e isso chamou a atenção de Alex.

— Sem roupa bonita hoje? – Perguntou assim que eu apareci na cozinha.

— Vou para o porto. Não para o escritório. Calça social não dá muito certo por lá. – Falei e fui ver o que ele tinha aprontado. – Vai se arrumar que eu termino aqui.

Ele correu para o quarto e, no lugar dele, aparecerem Thor e Loki.

— A comida de vocês está ali. – Falei ao acariciar suas cabeças peludas. Thor foi comer e Loki se sentou do meu lado, na verdade, se sentou em cima do meu pé mesmo. – Aí não dá para você ficar, Ruivo, eu tenho que me movimentar. – Mas ele não arredou o pé e logo Thor fez a mesma coisa. – Eu mereço! – Murmurei.

— Falando sozinha? – Alex me perguntou.

— Não, com eles! – Apontei a colher com a qual fritava os ovos para a direção do meu pé.

— Folgados.

— Pode acreditar que sim. Anda, Loki, Thor! Licença! – Pedi e só aí eles saíram e ainda saíram rosnando. – E nada de ficar reclamando! – Soltei.

Alex começou a rir.

— Posso saber o motivo da risada? – Perguntei enquanto eu servia os pratos e ele ia direto para a cafeteira.

— Só quero ver como você vai ser quando forem os seus filhos.

— Crianças não ficam assim. Meus sobrinhos nunca ficaram. Esses dois que são espaçosos e rabugentos mesmo. – Falei e me sentei ao seu lado para tomar café.

E o que nós fizemos na terça, quarta e quinta, repetimos hoje, ele lavou as vasilhas eu as sequei e guardei. Uma estranha rotina que ia se formando sem perceber.

— Pronta? – Me perguntou quando estendi o pano de prato.

— Só falta uma coisinha. – Fui ao quarto acabei de me arrumar, ou tentei, já que Alex resolveu invadir o meu espelho para escovar os dentes, depois, peguei o que iria precisar, me despedi de meus cachorros e, enfim, tudo pronto.

Que começassem os jogos.

 

[1] Não... Não... preciso dormir.


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Notas finais do capítulo

Gostaram da viagem no tempo??
Espero que sim!
Muito obrigada a você que leu!
Até o próximo capítulo!
xoxo



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