Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 115
Uma Viagem (mesmo que rápida) Pela América do Sul


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Estou de volta. Sei que faz quase dois meses que não atualizo a história, mas não a abandonei.
Depois de um fim de ano complicado, estou de volta e pretendo manter as atualizações semanais.
Capítulo bem extenso, mas é meio uma compensação pela demora de atualizar.
Lembrando que todos estes lugares existem, tinha salvado os sites de referência, mas na correria, acabei perdendo os links.
Boa leitura!



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Acordei antes de Alex, o que estava virando até mesmo uma rotina, porém, dessa vez tinha um motivo especial.

Era terça-feira e dia de terapia.

Assim, aproveitei que o belo adormecido estava apagado para o mundo, e como ainda eram quatro da manhã, enrolada em uma das cobertas e com uma xícara de chá recém-saída da máquina que tinha no quarto, me refugiei na sacada de onde, via FaceTime conversei com minha psicóloga sobre a última semana e, principalmente, sobre a última ‘descoberta’ e a minha ideia para superá-la.

Passei a próxima hora colocando para fora tudo o que sentia, ou melhor, o que tinha restado da conversa com Dona Amelia, e sendo devidamente orientada sobre todos estes sentimentos e sensações. Além de ter a confirmação do que eu, no fundo, já sabia, não seria um processo de superação rápido, ainda mais para mim que já vinha de vários traumas anteriores, contudo, seria possível trabalhá-lo.

Ao final da sessão estava muito mais leve do que pensei que estava, além de ter a confirmação de que a minha ideia de ajudar os demais era sim uma boa ideia e nada tinha a ver com relação a reviver o passado, mas sim, de como superá-lo.

Segura de que estava no caminho certo, dei-me o luxo de olhar para a paisagem, e ver o dia nascer, com o sol começando a surgir do meio das montanhas.

Ao fundo escutei um despertador tocando e tive que entrar e me arrumar para o longo dia que me esperava, afinal, às seis em ponto, Saramago já estaria chegando para nos levar a Valparaíso.

Passei por Alex que ainda estava despertando e fui para o banheiro tomar um banho rápido e colocar a roupa não tão chique, afinal, o dia de hoje era no porto e não no escritório.

Assim que saí, Alex entrou, ainda meio desorientado sobre onde estava e que horas eram, mas de uma coisa eu tinha certeza, pelo menos dois espressos ele tinha tomado, a julgar pelo cheiro que café que pairava no ar. Aproveitei e fechei nossas malas, pois, à noite, só passaríamos aqui para colocar uma roupa confortável e já partiríamos para o aeroporto e nosso próximo destino.

Ainda deu tempo de tomar café da manhã no Hotel e às seis em ponto já estávamos no carro, contando para o Sr. Saramago o que conseguimos ver ontem.

Um pouco depois de passarmos pelo aeroporto e entrarmos efetivamente na Ruta 68, a estrada que nos levaria para o litoral, nosso motorista só nos perguntou:

— Nenhum de vocês enjoa dentro de carro, certo?

Achei a pergunta um tanto estranha, mas deduzi que deveria ser de praxe, devido a elevação da cidade em razão do nível do mar, contudo, eu havia me esquecido de um pequeno grande detalhe.

Santiago é uma cidade que está no vale entre duas cadeias de montanhas, a leste a Cordilheira dos Andes e a Oeste, a Cordilheira da Costa. O que significa que iríamos subir a cordilheira da Costa e depois descer em direção ao litoral.

E, ao ver a estrada que nos esperava, eu senti, pela primeira vez, o enjoo de movimento.

Foram os 116 quilômetros mais dolorosos da minha vida. E, não tinha acabado totalmente, pois ainda teria a volta.

E, um tanto enjoada, tonta e com uma dor de cabeça que mais parecia marteladas em meu cérebro, cheguei no porto de Valparaíso.

Respirei fundo quando desci do carro e rezei para que pelo menos meus passos estivessem firmes, enquanto caminhava para o escritório das docas.

Esta reunião foi um tanto mais rápida do que a de ontem, porém, o número de problemas era dobrado. Para meu espanto, descobri que tinha mais de três anos que ninguém vinha vistoriar essas docas e que nem mesmo o que era necessário chegava com frequência.

Ou seja, tinha-se muito o que fazer por aqui nos próximos meses e, talvez anos.

Do escritório, me levaram até as docas, onde me mostraram o que faltava e o que era de extrema importância tanto para a manutenção e conserto dos navios, quanto para o transporte em terra.

Eu ia tomando nota e até mesmo conversando com o pessoal que trabalhava para nós, querendo saber das condições de trabalho, do tempo de descanso, do valor do salário, dos benefícios que lhes eram pagos e até mesmo do plano de previdência privada.

Se na parte de suprimentos faltava bastante coisa, o mesmo não acontecia com os funcionários, todos estavam sendo pagos em dia e com todos os adicionais.

Minha última reunião em Valparaíso foi com o sindicato dos motoristas e estivadores.

Eles tinham muito o que reivindicar e nem tudo seria aceito por ser quase absurdo, mas pelo menos não tinham sobre o que reclamar. Queriam mais e tinham esse direito, mas a prioridade no momento era repassar os valores para a manutenção do porto e das docas.

Com o fim da reunião às 14:00 horas, voltei para o carro até animada, só para me lembrar que eu agora iria subir a cordilheira que descemos para chegar até aqui...

— Eu não vou aguentar voltar, a menos que eu esteja dirigindo... – Murmurei.

Ainda tínhamos tempo para almoçar, e eu estava mais do que tentada em abrir mão da refeição para não passar mal na volta, mas depois que o Sr. Saramago nos indicou experimentar um dos pratos que os chilenos mais apreciam para se comer no almoço, a Cazuela, foi-me impossível recusar aquele prato que nunca tinha visto e que cheirava e parecia tão bom.

O ensopado era, de fato, uma delícia e uma refeição e tanto para uma pessoa que não estava tão acostumada em almoçar como eu. Ou seja, foi uma despedida apropriada do Chile.

 Antes de voltarmos, fiz questão de passar em uma farmácia e comprar um remédio para enjoo de viagem e, para minha surpresa, Alex pediu um.

— A paisagem é bonita, Kat, mas a estrada... – Foi a desculpa que ele deu.

— É, eu te entendo. – Foi tudo o que eu disse, antes de entrar no banco de trás do carro.

A viagem de vinda tinha durado pouco mais de uma hora. A de volta, demorou um pouco mais, pelo menos foi menos penosa, tendo tomado o remédio, pude observar a paisagem que era de tirar o fôlego.

Em Santiago, só paramos no Hotel para um banho rápido e pegar nossas coisas, o avião já nos esperava para nos levar ao nosso próximo destino, o Peru.

A caminho do aeroporto, olhava desolada para a Cordilheira dos Andes e imaginava-a coberta de neve. As pistas de esqui deveriam ser maravilhosas no inverno.

— Nem venha com essa ideia.

— Sim, estou com essa ideia na cabeça. – Respondi a Alex. – Vou voltar aqui no inverno só para aproveitar a temporada de esqui. Na verdade, preciso conhecer esse lugar no inverno.

Alex revirou os olhos, já sabendo que muito provavelmente viria comigo.

— Ninguém mandou pedir uma mulher que gosta de esportes de inverno em casamento, agora aguenta! – Brinquei com ele.

No aeroporto, despedimos do Sr. Saramago, agradecendo as ótimas dicas de lugares que ele nos deu. E prometemos voltar com um pouco mais de tempo.

O avião já nos esperava, pronto para decolar. Era hora de irmos para o Peru.

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— Quantas horas de voo entre as duas cidades? – Foi a primeira pergunta que Alex me fez assim que atingimos altitude de cruzeiro e eu não pude mais ver as Montanhas.

— Quase quatro horas. Isso com tempo bom, mas parece que vamos passar por turbulência no caminho. – Indiquei a previsão do tempo no mapa do avião.

— Medo de turbulência? – Ele me perguntou brincando.

— Não. Nunca tive. Não é lá muito agradável, mas não me apavora.

Alex deu uma volta no avião e depois se sentou na minha frente, semblante sério, quando questionou:

— Não é na terça feira que você tem terapia?

— Sim. E fiz a minha sessão. Enquanto você dormia. Isso soou o nome do filme! – Fiz uma careta.

— E como você está? – Ele não caiu na minha saída brilhante.

— Bem... não tive muito tempo para pensar em mais nada nestes últimos dois dias, então, mente ocupada não volta a pensar no que não deve. Mas no geral, estou mais conformada, se é que posso dizer assim. Vou seguir com o meu plano e tentar deixar o passado onde ele tem que ficar. Não posso mudar o que aconteceu, porém, posso evitar que isso vire um problema para o meu presente e futuro.

— Então está decidida em criar a fundação.

— Sim. Eu estou. E andei pensando em onde vou fazer isso.

— Posso saber?

— Vou estar completamente desvinculada da empresa, então quero a América do Sul e a África. Acho que a região dos refugiados é a pedida. E no Continente Africano têm muitas áreas de refugiados.

— E a América do Sul...

— Você viu as mesmas coisas que eu, não viu?

— Sim...

— Reparou que há uma clara divisão entre a parte que querem que os turistas vejam e as partes que eles não querem?

Alex ficou quieto por um tempo... e balançou negativamente a cabeça.

— Volte no nosso passeio a pé por Santiago. Relembre cada lugar que passamos. Depois relembre os bairros por onde as estradas que nos levaram tanto para a costa, quanto para o aeroporto passam.

Vi Alex fazer a associação com que eu falava.

— Não é só aqui, é no mundo inteiro que isso acontece. Mas as pessoas têm o dom de se lembrarem da América do Sul para viagens, mas nunca para ajuda. Vai demorar para chegar até aqui, porém, eu vou chegar. Precisam de casas de acolhimento aqui. – Comentei. – Basta abrir o jornal local e você vai notar que isso é verdade.

Estávamos tentando discutir o que deveria ser feito, quando fomos atingidos pelo primeiro sacolejar da turbulência.

O piloto nos avisou que ficaríamos nisso até o pouso em El Callao, cidade na região metropolitana de Lima, que seria, também, o nosso destino para a reunião no porto, apesar de que ficaríamos hospedados na Capital Peruana.

— Uma viagem nada agradável, essa. – Alex murmurou.

— Não mesmo. – Confirmei. E tratei logo de fechar a tampa do notebook e guardar tudo, para evitar que algo saísse pulando pela cabine, como eu já estava quase prestes a começar a fazer.

Sem ter muito o que fazer, ficamos jogando conversa fora, tentando planejar datas para visitar Vic e Kim e também, uma possível mini viagem de verão, pelo interior dos EUA.

— Só não se esqueça de que é bem provável que Liv e Tuomas aportem em Los Angeles. – Comentei.

— Elena não? Isso é maldade com a baixinha!

— Para Elena vir, eu terei que voar até Londres para trazê-la, mas duvido que Ian vá deixar os três filhos virem para a América...

— Ele tem que deixar, pensar que são as férias dele também.

— Pode não parecer, mas Ian é apegado aos filhos. Sempre foi. E quando Liv nasceu, até cogitou pedir demissão da McLaren para poder ajudar Tanya na criação dos, à época, dois filhos. Ela não deixou, na verdade, ninguém deixou. Contudo, ele quase saiu, desistiu na última hora, quando Tuomas perguntou para ele quando eles iriam a um GP novamente...

— Tuomas foi quem salvou o emprego do Ian?

— Indiretamente, sim. Porém, até hoje eu tenho dúvidas se ele iria realmente sair... meu irmão pode até gostar da família e de ficar ao lado de cada um, contudo, a Fórmula 1 é a vida dele. Desde que eu me entendo por gente, Ian, ou falava que iria trabalhar como engenheiro, ou como mecânico dos carros... ele sair seria como se tirasse um pedaço dele. – Expliquei. – Mas não é isso que vem ao caso. O que quero dizer é que, dependendo da época que você for fazer essa viagem, Ian estará em casa por quatro semanas, e não vai deixar que os filhos venham. Assim, tem que ser bem planejado, para que os três também passem um tempo com o pai. – Terminei de explicar.

Alex tirou o celular do bolso e começou a analisar algo na tela, até que perguntou:

— Quando que Vic vai ter o bebê?

— Está marcado para a segunda quinzena de julho. Mas nada é 100% garantido.

— E os três saem e férias em...

— Final de maio.

— Por que não segunda quinzena de junho? Não vai atrapalhar ninguém. A menos que tenha algum Grande Prêmio que seus sobrinhos adoram ir e não querem perder...

Foi a minha vez de olhar para o calendário, o calendário da Fórmula 1.

— Não. O Grande Prêmio imperdível dos três é Silverstone e será dia 03/07. Eles podem vir, ficam aqui e nós voamos com os três para a Inglaterra e poderemos ver o show da Adele e o Grande Prêmio no mesmo final de semana... o que acha?

— E o Festival que o Tuomas ia?

Glastonbury? Uma semana antes... – Fiz uma careta. Ajeitar essa viagem seria mais complicado do que pensei.

— Bem... vou olhar isso com calma, quando não estiver em um avião chacoalhando desse jeito... mas creio que vai dar para encaixar todas essas datas e ainda estar do lado da Vic quando o bebê nascer.

Olhei descrente para Alex. Eu duvidava piamente disso.

— Se você está dizendo... só me avise com antecedência para abrir um espaço na minha agenda.

— Nem que eu mesmo tenha que ir até o escritório e pedir para a Milena arrancar estes dias da sua agenda.

— Ela vai ficar feliz em saber que terá alguns dias longe de mim.

Passamos quase uma hora sendo sacudidos, quando enfim, nosso pouso foi liberado e, depois de passar mais uns dois sustos na aproximação por conta do vento, aterrissamos ilesos.

Como chegamos quase à meia-noite, fomos do aeroporto de El Callao, direto para o Hotel, que, ficava no entorno do aeroporto, para facilitar a nossa chegada e nossa saída, já que aqui só vamos passar um dia, o que era uma pena, visto que eu queria ver os pontos turísticos de Lima, principalmente o centro histórico.

Com a noite perdida, esperava, ao menos, que sobrasse um par de horas para poder ver algum lugar especial por aqui.

Na quarta, quem pode aproveitar a região foi Alex, que disse que sairia de taxi mesmo atrás de algum lugar interessante. Já eu, passei a manhã e metade da tarde em reuniões com a chefe do escritório local e também das docas.

Sendo o porto de El Callao o principal do Peru, era mais do que esperado que o fluxo de mercadorias e cargas fosse elevado, e era, afinal, aqui era o ponto de partida de todas as encomendas para a região andina que não era coberta por Valparaíso, e como lá, também faltava algo.

A cada vez que falavam que isso ou aquilo tinha tempos que não chegava, eu me perguntava o que Mancini fazia como administrador de Los Angeles que não viu o que faltava na América do Sul e, tudo o que eu poderia fazer era prometer que chegaria o que eles estavam precisando, e isso me fazia sentir como um pessoa mais política do que de ação, e eu odiava prometer sem saber se poderia cumprir, já que tudo dependeria do orçamento.

Pensar nisso tudo me fazia crer que eu estava administrando um país e não um escritório de uma multinacional e aqui ainda era o segundo porto, eu tinha pela frente Equador, Colômbia, Panamá e México.

Consegui sair antes do pôr do sol e a minha intenção era voltar para o hotel, fechar as malas e voar para Guayaquil no Equador um pouco mais cedo, pois assim teria algumas horas de folga na manhã seguinte para fazer o relatório dessa visita e encaminhar para Londres.

Só que essa não era a ideia de Alex, que tinha me mandado mensagem, falando que me encontraria em um restaurante em La Punta, um dos bairros da cidade que ficava em uma península. Tentei argumentar que estava cansada e querendo ir para o próximo país, mas ele não me escutou. A desculpa:

— Pelo menos uma coisa temos que fazer aqui... juntos. – Destacou muito bem a última palavra.

Como não era tão distante assim, cedi e fui. Posso dizer que valeu a pena, a vista e o restaurante, mas a comida de mariscos não me agradou muito. Não tinha problema, o jantar serviu para dar uma relaxada depois de um dia repleto de problemas e sem nenhuma solução a curto prazo.

Duas horas depois, estávamos decolando rumo ao Equador, tendo como próxima parada Guayaquil, que também seria de apenas um dia, algo que não agradou a Alex.

— Eu te falei que seria corrido. Infelizmente não é turismo... se fosse eu passava ao menos uma semana em cada cidade.

— E não vai ter a Colômbia?

— Sim, o principal terminal portuário do país fica em Cartagena, e, apesar de estar no Caribe, é de responsabilidade de Los Angeles, ficaremos dois dias lá. Depois mais dois na Cidade do Panamá, aí subimos para o México e voltamos para casa.

— Então, mais uma semana voando de país em país.

— Mais ou menos...

— Então, vai ser mais trabalho do que turismo.

— Creio que sim. – Confirmei. – Mas... mudando de assunto, o que achou de Callao?

— Você ia gostar mais do que eu do centro histórico, primeiro porque gosta de coisa velha... – Ele falou brincando e mereceu um bom chute na canela.

— Gosto tanto de coisa velha que meu noivo é quatro anos mais velho do que eu.... – Murmurei.

Alex me olhou um tanto contrariado, porém, continuou falando.

— Então, você gostaria mais do centro histórico, porque, além de gostar de história, - Ele se corrigiu. – sabe falar espanhol e entenderia as placas e o que os guias estavam explicando.

— Bem, isso nos mostra que você precisa aprender a falar espanhol urgentemente... – Comentei. – Em Santiago eu te salvei, não vou poder fazer isso sempre.

Alex iria reclamar, já começando a contar nos dedos o número de idiomas que ele teria que aprender.

— E não reclama. – Cortei-o. - Minha família é de poliglotas, agora aguenta e aprende.

— Mas minha professora de finlandês não está cooperando com as aulas... – Ele jogou a culpa em mim.

— Meu aluno ficou fora por quase três meses... não há muito o que eu possa fazer, quando até os fuso-horários são de quase oito horas de diferença. – Rebati.

Foi a vez dele de fazer cara feia na minha direção. Se isso fosse um jogo, eu, com certeza estaria na frente.

— Jogou sujo, hein? – Ele reclamou ao se levantar e ir para a parte de trás do avião.

— Você não impôs regras a este jogo. Mas já que quer tanto recomeçar as suas aulas de finlandês, aloitetaan[1].   

Alex parou no meio do caminho e me olhou, querendo saber o que eu tinha começado a falar.

Etkö halua oppia puhumaan suomea? Aloitetaan nyt[2]!

— Kat... isso não tem graça, começar a soltar todas estas palavras em finlandês na minha cabeça, assim, eu não vou entender é nada!   

Tive que rir, ele queria aprender, mas não queria que fosse de uma hora para outra... vai entender a cabeça da criatura. E voltando a falar o idioma que ele conhece, traduzi o que tinha falado:

— Só falei que, já que você quer aprender a falar finlandês, que vamos começar agora.

— Mas não é assim que ensinam nas escolas. – Alex parou na minha frente e cruzou os braços.

— E eu lá tenho cara de professora, Alex? Se você quer que eu te ensine, vai ter que ser do meu jeito!

— Melhor eu esperar quando nós tivermos filhos, você vai ter que ensiná-los do começo e aí eu aprendo junto.

— Tudo bem... – Segurei a risada que queria sair alta. – Vai começar do comecinho mesmo... com palavrinhas bem fáceis.

Ele não se importou com o que eu falei e voltou a caminhar pelo avião, parando para fazer um café para ele.

— Chá? – Perguntou quando não o segui.

— Sabe fazer no estilo inglês? – Perguntei alto e como não obtive resposta, tive que continuar. – Já vi que não. Então pode deixar.

Alex voltou para se sentar na minha frente, me atazanando enquanto eu escrevia o relatório da reunião de hoje mais cedo, falando que eu poderia fazer isso quando chegasse em Los Angeles.

— Até lá, eu já esqueci os detalhes mais importantes, não posso adiar isso aqui, até porque tem pedidos que são de extrema importância.

Mesmo assim ele não ficou quieto, mas como que por milagre, eu consegui, ao menos, mandar as partes mais importantes para o documento, terminei minutos antes de aterrissarmos em Guayaquil.

Eu nunca estive no Equador. Vontade nunca faltou, contudo, sempre faltou tempo e esta viagem era o mesmo problema. Faltava tempo para poder conhecer a maior cidade do Equador e toda a história que havia não só por trás do nome, mas de tudo o que se passou por aqui tantos anos antes.

E essa parte de não poder aproveitar a parte histórica de cada lugar estava me deixando brava. Nunca mais eu viajo com cronograma tão apertado!

Depois de passarmos pela imigração – quase que acabam por reterem Alex, porque o passaporte dele estava para vencer a menos de seis meses, e tivemos que explicar que a viagem era de negócios e que só duraria 24 horas, pegamos um táxi e fomos para o hotel.

Não foi uma viagem perto, quase quarenta minutos depois fizemos o check in no hotel e de posse das chaves do quarto, ficamos na dúvida, comer ou dormir?

Um olhou para o outro já dentro do elevador e a resposta veio sincronizada:

— Dormir.

Nem perdemos tempo de desafazer a mala, só tiramos o que iríamos precisar de verdade e, depois de um longo banho muito quente, daqueles que até a alma se queima, fui dormir, pois o dia seguinte prometia ser tão cansativo quanto este.

E o dia que prometia ser exaustivo, foi exatamente isso e mais um pouco. Uma longa reunião que contou com a presença do chefe do escritório do porto e dos representantes dos trabalhadores da empresa. Como tinha muito tempo que ninguém vinha inspecionar o porto, todos eles tinham inúmeras reclamações e exigências para fazer. E não eram poucas, como também não eram pedidos sem fundamentos. Eles tinham razão, em tudo, agora, como implementar essas mudanças, eu não sabia como dizer, ainda.

O final da reunião foi um tanto tenso, com todas as reinvindicações feitas, os funcionários queriam respostas imediatas. E eu não tinha estas respostas. Claro que não falei com estas palavras, não sou despreparada assim, contudo, eles não acreditaram na minha palavra de que tudo seria analisado cuidadosamente em conjunto com a direção da empresa. E essa fala causou a explosão de um grupo de trabalhadores que começaram a falar mais alto, querendo soluções e não ouvir promessas de uma patricinha europeia.

Fiquei calada quanto ao xingamento, era o melhor a se fazer naquele momento. Aprendi com a vida que, quando uma pessoa está exaltada ao ponto de levantar a voz, o melhor que se faz é ficar quieto e esperar que os ânimos se acalmem. Entrar em uma briga em um momento desses não valeria de nada, e o líder do falatório saiu, minutos depois, batendo a porta e me xingando com todos os palavrões que conhecia.

A reunião foi propriamente encerrada, ainda esperei que a grande maioria saísse, para evitar novos atritos, não era nem necessário que fizesse isso, afinal os mais nervosos já tinham ido.

Caminhei até o carro conversando com o funcionário responsável pelas docas daqui; ele me explicava, por alto, a situação do país e da região, tentando por panos quentes e explicar por alto as reações do final da reunião.

— Sem querer continuar com as frases prontas e politicamente corretas. – Comecei a falar. – O máximo que posso fazer hoje, realmente e anotar cada uma das reclamações e levar adiante. Vou fazer o máximo possível para que sejam atendidas o mais breve possível. Porque a única garantia que posso dar é que serão, mas não tenho prazo para isso.

Assim como eu havia entendido os pedidos, quem me acompanhava também entendeu o meu ponto. Não dependia de só de mim. Eu poderia dizer que tudo era realmente necessário, e era, contudo, ainda precisava do aval da diretoria e do conselho para fazer os repasses.

Cada um seguiu o seu rumo e eu percebi, com quase seis meses no cargo de diretora do Escritório do Pacífico que administrar a parte econômica com a parte de pessoal seria muito mais complicado do que eu pensava.

Cheguei no hotel e acabei me vendo sozinha no quarto, Alex deve ter saído para dar uma volta em algum lugar e ainda não voltara. Aproveitei e escrevi o relatório sobre a reunião de hoje e enviei para Londres com o pedido de urgência. A julgar pela diferença de horário, isso só seria lido no dia seguinte, todavia, o pedido de prioridade que eu tinha colocado, chamaria a atenção de Wendy, e eu tinha a certeza de que ela passaria o problema para Grissom assim que lesse o conteúdo do e-mail pela manhã.

Minha esperança era que pudéssemos discutir tudo isso já na minha próxima reunião, no final desse mês.

Como meu noivo ainda estava desaparecido, resolvi tomar um banho e arrumar as malas, deixando para ele uma roupa separada para a viagem e tentei relaxar nos poucos minutos em que fiquei às sós.

Impossível, meu cérebro trabalhava a mil por hora, às vezes pensando no que tinha acontecido hoje e em tudo que precisava ser melhorado tanto aqui no Equador, quanto no Peru, e às vezes ia mais longe, em um futuro sem data, quando eu pudesse, enfim, instituir a minha fundação.

Alex entrou no quarto e eu estava um tanto aérea, o que, dado os recentes acontecimentos, alarmou meu noivo.

— Kat, boa noite, está tudo bem? – Ele perguntou um tanto preocupado.

— Sim. Eu só estou pensando no dia de hoje.

— Complicado?

— Hoje foi. Diria o mais difícil até aqui...

— E foi difícil por conta da reunião ou por outros motivos?

— A reunião. Foi complicada e eu me vi em uma encruzilhada quando não pude dar a resposta que todos esperavam. Tenho pensado muito no fato de que eu estou igual a um político em época de campanha... prometendo muito, mas sem saber se vai poder cumprir tudo o que diz.

— Analogia estranha... – Foi o que Alex respondeu.

— Nem tanto... políticos governam uma população... eu tenho que tomar conta de um escritório que tem subsedes em vários países, e cada um precisa de algo, de uma atenção diferente... e eu me pergunto se poderei fazer isso.

— Duvidando da sua capacidade de administrar o escritório?

— Disso não. Duvidando que me darão carta branca para resolver cada um desses problemas... quando se trata de dinheiro, é complicado de prever onde a cabeça de cada um está. – Foi a minha resposta.

— Acha que o Conselho vai ficar contra você?

— Contra não, mas podem segurar um tanto do dinheiro que preciso... vai ser uma reunião interessante essa do fim do mês... – Suspirei já pensando no trabalho que eu teria para convencer cada um dos conselheiros.

Alex foi trocar de roupa, sem deixar de me interrogar sobre tudo o que aconteceu, curioso em como eu iria lidar com toda essa situação.

A minha resposta:

— Eu não faço ideia.

E essa fala assustou meu noivo, não na mesma proporção que me assustava.

Deixamos Guayaquil no mesmo dia, agora com destino à Colômbia. Cartagena era a nossa próxima parada. Seriam quatro horas de voo até aterrissarmos, o que mais uma vez seria no meio da madrugada.

A única parte boa, era que eu tinha reservado o final de semana como nossa folga de meio de viagem. Já conhecendo as belezas da cidade caribenha, e sendo apaixonada pelo centro histórico, me permiti fazer esse agrado não só a mim, mas também a Alex, que não conhecia absolutamente nada da América do Sul e, também merecia curtir um pouco as belezas do lugar. Só que essa era uma surpresa que ele ainda não sabia.

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O avião aterrissou com um pouco de atraso em Cartagena, nada demais, era alta madrugada quando fizemos o check in e entramos para nosso quarto de hotel.

Como passaríamos mais dias aqui, resolvi por desfazer a mala, Alex que acabara de sair do banho, me olhou desconfiado. Assim, resolvi falar para ele a pequena surpresa:    

— Tenho uma boa notícia para você, Vou trabalhar na quinta e na sexta, e teremos o final de semana de folga! O que acha de explorar um pouquinho de Cartagena?

Seu rosto se animou com a notícia e ele veio para perto de mim e me abraçou:

— Será que vai dar para ir à praia?

— Não sei...você escolhe, podemos turistar ou só ficarmos deitados na areia da praia vendo o Mar do Caribe batendo na orla. Algo bem relaxante...

Alex me balançou no lugar enquanto pensava no que queria.

— O que você prefere? – Indagou me olhando.

— Amo essa cidade. Adoro as cores, queria ir ao centro histórico e me perder por algumas das ruas por um tempo... mas acho que podemos ir cedo para a praia e depois andar... lembre-se, estamos no verão por aqui e o sol se põe tarde....

— Então os dois! – Ele falou alegre.

— Os dois então, só que teremos que nos levantar cedo...

— Como se esse não fosse o nosso costume desde que nos conhecemos, não é? – Ele completou o meu raciocínio.

Tive que rir de seu raciocínio doido, mas era a mais pura das verdades. Estávamos fadados a acordar cedo desde sempre.

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Diferentemente de Guayaquil, minhas reuniões em Cartagena correram tão bem que eu até estranhei. Claro que tinha problemas para serem resolvidos, mas não eram tantos ou tão complicados. Assim, na sexta-feira à tarde, eu já estava enviando para Londres os relatórios das últimas visitas.

Problemas e soluções, poderia ter sido o título do e-mail, mas acabei deixando tudo o mais profissional que fosse possível.

 O sol ainda não tinha se posto quando fechei o notebook e decidi iniciar o meu final de semana. Alex estava ainda mais animado do que eu, querendo explorar a cidade e tentar aprender um pouco que fosse da cultura, mesmo que ele não soubesse falar espanhol.

Acabamos por andar perto do hotel e, jantamos no restaurante que nos indicaram na recepção.

Era um restaurante com música ao vivo, música colombiana e caribenha...

Durante todo o jantar meus pés não pararam de bater no ritmo da música e, não foi nem uma ou duas vezes que me vi invejando os casais que se arriscavam na pista de dança.

Eu sabia dançar esse ritmo? Não. Mas queria. Muito.

Alex percebeu a minha ansiedade e tentou parar minha perna ao colocar a mão na minha coxa. Segurei a sua mão ali e olhei-o nos olhos.

— Kat... – Ele falou ao ler o que eu queria em meus próprios olhos.

— Que mal faz se não sabemos dançar? – Encarei-o. – Essas pessoas nunca mais vão nos ver! – Levantei-me e puxei as suas mãos, logo estava levando meu noivo para o centro da pista de dança e, depois de observar por poucos segundos os demais casais, praticamente comecei a conduzir Alex.

— Creio que estamos fazendo as coisas um tanto invertidas por aqui, não? – Meu noivo perguntou ao tomar o controle da dança e começar a me guiar, surpreendendo-me que ele sim, sabia dançar o ritmo caribenho.

— Desde quando? – Questionei quando rodopiamos.

— Você pode não acreditar, mas tive que fazer aulas de dança para um papel no teatro uma vez...

Arregalei meus olhos, realmente pega de surpresa por esta revelação.

— Então você sabe dançar tango! – Dei um tapa em seu ombro.

Ele deu uma gargalhada gostosa.

— Sim, eu sei... mas não queria te contar assim, queria te surpreender ao te chamar para dançar um dia...

— Eu já estou surpresa com o que você acabou de me contar... – Murmurei.

— Você pode falar sei lá quantos idiomas, se virar em sei lá quantos países, mas fica surpresa com o fato de que eu sei dançar tango, sendo que você também sabe dançar?

— Não é isso... é só... – Abaixei o olhar tentando colocar meus pensamentos em ordem.

Ele colocou o dedão debaixo do meu queixo para que eu o olhasse.

— Eu não esperava isso vindo de você, nunca nem passou pela minha cabeça que você pudesse de fato, dançar assim!

Alex não me respondeu mais nada, só me guiou pela pista, ao ritmo dos demais casais.

E, como que inebriada pelo ritmo da música, finalmente pude relaxar nos braços de meu noivo, dançando e esquecendo, nem que fosse por algumas horas os problemas que cercavam a minha vida.

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Voltamos tarde para o hotel, para falar bem a verdade, tivemos que vir a pé, pois nem mais táxis tinham quando fomos enxotados do lugar, junto com outros três casais...

Simplesmente eu e Alex dançamos a noite inteira e, ainda murmurávamos o ritmo das músicas enquanto caminhávamos de mãos dadas até o nosso hotel, Alex fazendo questão de tempos em tempos, me girar e depois me abraçar por trás para, então, continuarmos nosso caminho. Se alguém nos visse de longe era bem provável que pensasse que estávamos altos de tanto álcool, o que não era o nosso caso, só estávamos felizes mesmo.

Ao entramos no quarto do hotel, foi que me dei conta que, se eu quisesse ver algo de Cartagena nos próximos dois dias, teria que acordar bem cedo.

— Acho melhor dormimos com as cortinas abertas. – Falei.

— Você não é a maior fã disso... – Alex respondeu de dentro do banheiro.

— Eu sei, mas é por uma boa causa. Já está tarde e se fechar o blackout, não vamos acordar antes do meio-dia, e eu acho que alguém quer ir para a praia... Assim, prometo acordar de bom humor. – Falei ao passar por Alex que me encarava confuso.

— Se está dizendo...

— O que? O californiano tem algo contra a acordar com a luz do sol nascendo? – Provoquei-o.

— O californiano não, mas acho que a finlandesa tem...

— Veremos... – Foi a minha resposta.

— Você vai acordar de mau-humor, Kat... mas é claro que vai.

 

[1] Vamos começar.

[2] Você não quer aprender a falar finlandês? Vamos começar agora!


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Muito obrigada pela paciência e por não desistirem da história.
Desejo um ótimo 2023 para vocês, repleto de coisas boas e sonhos realizados.
Até o próximo capítulo!
xoxo



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