Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 106
Os Cinco Estágios do Luto


Notas iniciais do capítulo

E aqui estamos com mais um capítulo!
Boa leitura!



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Com a pena de Cavendish anunciada, este julgamento acabou, porém, como Matti fora acusado de ser cúmplice na tentativa de assassinato, agora um novo ciclo começava. Iam atrás de dele, iam averiguar cada declaração e prova que encontrassem. E a principal fonte de todas estas informações era justamente o escritório.

Granger, me agradeceu pelo meu depoimento sincero e até ser solidário depois de tanta informação ruim que nos foi dita, só alertou de que agora o alvo era Matti, e era bem provável que todos nós fôssemos chamados a depor novamente.

— Manterei a família informada. – Foi a fala final.

Anuímos e fomos em direção ao carro. Do lado de fora havia jornalistas, câmeras e microfones nos esperando. De início achei que era por conta da presença de Alex, contudo, bastou que pisássemos do lado de fora e eu tive a certeza de que estava completamente enganada. Não estavam ali por Alex. Estavam ali para serem os abutres de sempre e pescarem a fofoca de primeira.

O alvo era minha avó, afinal, depois do que foi falado, o mundo sabia quem era a verdadeira força motriz da empresa. E, claro, tinha a fofoca. E foi nessa hora que eu vi vantagem em ter um segurança e um motorista, pois Sombra 1 e Sombra 2 cumpriram o seu papel direitinho, impedindo que os mais afoitos se jogassem no caminho.

Ao meu lado, Alex passou de meu noivo, para segurança em dois segundos e, ficando de costas para as câmeras, foi capaz de ajudar a proteger a minha avó, ao mesmo tempo em que disfarçava a sua presença.

Meus pais e vó Mina foram no carro com motorista, o restante da família se dividiu em seus próprios carros e seguiu o primeiro.

Ninguém comentou nada sobre a revelação. Ninguém falou um ‘a’ sobre o envolvimento mais do que comprovado de Matti na minha quase morte. E até mesmo o resultado do julgamento, mais do que favorável para nós, foi esquecido.

Estava dirigindo o carro, Alex tinha até insistido em dirigir, mas, aqui é a cidade onde morei quase metade da minha vida, então, os atalhos daqui quem conhecia era eu, assim acabou sentado do meu lado, calado, tenso. Eu sabia que alguém deveria dizer algo neste momento, contudo, nem ele ou eu, abrimos a boca.

Só fui falar algo – um palavrão – muitas quadras à frente, pois, sendo a última o comboio, acabei ficando presa no sinal que acabara de fechar. E meu xingamento tirou Alex do silêncio em que ele se fechara.

— Como você está se sentindo com tudo o que aconteceu hoje? – Questionou ao ver que eu tinha avançado um sinal e estava buzinando para o carro na minha frente.

— Sobre qual tema? Porque aconteceu muita coisa hoje, Alexander...

— Sobre a última notícia... – Respondeu cauteloso.

Eu só acelerei ainda mais o carro, enquanto todas as palavras de Cavendish repassavam por minha mente.

— Eu quero matá-lo, Alex. Quero ver a vida deixar os olhos dele. Esse é o tamanho do meu ódio. Matti não só quase arruinou a minha vida, como fez isso com a minha avó e agora com a família inteira! Não tem como NÃO ficar revoltada com uma notícia dessas. Pior que agora que Matti será preso, vão aparecer os dois papagaios bastardos e ainda pleitearão a parte de Matti e, se bobearmos, eles chegam e ainda pegam os melhores lugares da empresa. Eu te juro, Alexander, eu te juro, eu vou fazer o possível e o impossível para que eles não tenham direito algum! Pelo estatuto da empresa, os herdeiros têm direitos, mas não se fala nada em legítimos ou não... contudo, quem fundou a empresa, quem manteve-a funcionando quando ainda operava no vermelho, foi minha avó. E, mesmo que pareça absurdo, ela deverá ser a única a deter as cotas... e mais ninguém. E é para isso que eu vou lutar. Vou dar o apoio que ela precisar agora, porque ela vai, mas por trás, começarei a correr atrás dos direitos dela, e vou até as últimas instâncias para que nada tenha que ser dividido com a outra esposa e seus dois filhos. Já basta de sanguessugas nas nossas vidas! – Terminei meu discurso inflamado e já estávamos quase na casa de minha avó.

— Você acredita que os... filhos de Matti vão vir atrás da fortuna da família?

— Mas é claro, a fonte primária secou, acha que vão querer perder a boa vida que com certeza Matti dava para eles? – Olhei para Alex até questionando a sua sanidade. Parecia tão óbvio para mim. E ele ia iria me responder, contudo, meu pai nos ligou.

— Sim, papai? – Atendi.

— Parem no fim do quarteirão e venham a pé até perto da casa.

— O que aconteceu? Ele está lá dentro? Porque se estiver, pode deixar que eu vou pegar o meu taco de hóquei...

— A casa está aberta e não sabemos quem está lá dentro. Já chamamos a polícia... e nada de pegar nenhum taco de hóquei. – Papai falou sério e desligou a chamada.

— Pelo visto não é hoje que vou bater em alguém. – Murmurei enquanto estacionava.

Estava um frio de rachar, a neblina era intensa, já quase se transformando em uma densa fog... um típico cenário de filme de terror, onde, em poucos minutos um palhaço surgiria na nossa frente. Abri um sorriso ao imaginar Matti de palhaço e isso chamou a atenção de Alexander que caminhava do meu lado, segurando a minha mão.

— E o que foi agora?

— Só pensando no livro It: A coisa de Stephen King... de vez em quando o palhaço surge no meio da fog e, se você sabe quem surgir do nada, sabe que a roupa de palhaço lhe cairia muito bem?

— Não acho que ele ainda esteja na casa. – Alex falou olhando adiante. – Na verdade, e me perdoe a sinceridade, acho que seu avô vai demonstrar quão covarde é, e vai fugir. Se a casa está aberta, é porque ele saiu às pressas, sabendo que aqui seria o primeiro local onde passariam. Por acaso ele tinha dinheiro guardado em algum cofre?

A teoria de Alex fazia tanto sentido que comecei a pensar na probabilidade de Matti fugir de vez e nunca ser processado por ter feito parte na tentativa de me matar.

— Concorda ou não comigo?

— Ele estava no tribunal. – Comentei. – Estava lá enquanto eu testemunhava, sentado na última fila. E quando Cavendish jogou tudo no ventilador, logo que eu levantei para ver a minha avó... ele não estava mais lá. Se ele fugiu, e eu estou levando esta teoria muito à sério, já tem uma vantagem enorme.

Como estávamos chegando perto de meus pais, Alex não comentou nada, apenas apertou a minha mão mais forte. E eu estava tão atônita com esta ideia, que quase perco a pergunta de minha avó:

— Essa sua cara de assustada é sobre tudo o que ficou sabendo?

Tive que olhá-la por mais tempo do que normalmente eu levo para respondê-la, pensando em como iria expressar em palavras os meus sentimentos.

— Sabe, vovó, com ele, estou revoltada. Porém, pensando nos últimos acontecimentos, no que ele teve a coragem de fazer comigo, com Tuomas e Liv, não era para me surpreender. O que me assombra é como nunca desconfiamos disso. Como nunca ninguém percebeu! Ele deve ter dado sinais, deve até mesmo ter trazido alguém para Londres e nós nunca suspeitamos.

O olhar de minha avó dizia o contrário.

— A senhora sabia e ficou ao lado dele por todo esse tempo?

— Eu não tinha a certeza. Tive as minhas razões para desconfiar alguns anos atrás, quando ele se propôs a fazer aquela viagem de inspeção nas docas dos portos e ficou quase quatro meses sem vir para casa. Na época, ofereci-me para ir junto, ele deu as mais variadas desculpas para que eu ficasse, uma delas era a de que Elena ainda era um bebê...

— A senhora acha que os filhos dele são mais novos do que Elena?

— Não sei... mais novos que ela não... talvez da sua idade, quem sabe?

Esse assunto estava me enojando.

Minha avó parecia até calma demais, ainda mais que ela já desconfiava de tudo. É eu nem sabia dizer como ela conseguia manter toda essa elegância quando o mundo inteiro tinha ouvido a história. Não sei, por mim, ela deveria ter feito algo, chorado, gritado, xingado, excomungado Matti, porém, ela continuava lá, quieta, calma e simplesmente dona de si.

Outra que permanecia tranquila, ou pelo menos por fora transparecia tranquilidade, era minha mãe. Dona Diana mantinha-se ao lado de meu pai, ora segurando a mão dele, ora o braço, não sei se dando forças a ele ou simplesmente buscando paz na presença calada e séria de meu pai, muito semelhante com o que eu estava fazendo com Alex. Meu noivo estava sendo a minha âncora, a única razão pela qual eu ainda não tinha entrado correndo dentro daquela casa e arrancado Matti à força, talvez pelo pescoço, talvez pela gravata.

Minha paciência tinha se esgotado de vez e eu ia anunciar que entraria na casa, quando a polícia metropolitana chegou.

A primeira questão levantada foi sobre quem tinha sido a última pessoa de nosso grupo a entrará e sair da casa. Fora a minha avó, que confirmou que havia fechado tudo e ainda acionado o alarme.

— Quantas pessoas sabem o código do alarme?

— Todos que estão aqui e meu ex-marido, que não aparecia nesta casa desde dezembro. - Explicou.

— E onde todos estavam?

— No tribunal. Em um julgamento.

— Todos vocês? – Tornou a questionar o policial, um tanto em dúvida com a resposta.

Sim. - Dissemos em uníssono.

— Bem, vamos averiguar o que é, como a empresa de segurança não nos deu o alerta, ou o alarme foi desarmado, ou conseguiram desativá-lo.

Os policiais entraram na casa, armas em punho e logo começamos a ouvir os gritos de “limpo”, “ninguém aqui”. Quando demorava um pouco mais para que ouvíssemos a resposta, logo alguém de nosso grupo começava a bater o pé no chão.

Por fim, eles saíram, e a notícia era ao mesmo tempo boa e ruim.

— Não há ninguém lá dentro, mas alguns cômodos estão revirados, gavetas abertas, inclusive um cofre. A senhora terá que passar um pente fino em tudo para desvendar se algo foi ou não levado. Pedimos que sejam cautelosos nesta averiguação e, se sentirem falta de algo, nos chamem imediatamente e tentem não tocar em muitas coisas para que a perícia possa fazer o seu trabalho. Estão liberados para entrarem.

Dois policiais ainda estavam parados na porta, como seguranças, na hora em que entramos na casa.

No hall de entrada e sala de visitas e estar, tudo estava na mais perfeita ordem, eu andava tentando me lembrar o que ficava em cada lugar, apesar de ter quase certeza de que, quem quer que tivesse entrado aqui, não levaria a decoração. Mas outros bens.

Minha avó deveria saber disso também, pois foi direto para o escritório que pertencia à Matti. Segui seus passos, enquanto os homens vasculhavam o restante da casa e, pela primeira vez em muito tempo, vi minha avó xingar de verdade.

— Desgraçado! Então foi aqui que você escondeu o dinheiro! – Ela disse assim que parou na frente da estante. Na parte de baixo, mais ou menos onde ficava o arquivo morto de documentos, as portas estavam abertas, todas as pastas estavam jogadas no chão e quando cheguei perto da minha avó para ver sobre o que ela falava, vi que o fundo desta parte da estante era falso e ali tinha um cofre, que estava aberto e completamente vazio.

Não era um cofre pequeno, deveria ter uns trinta centímetros de largura, por quarenta de cumprimento e uns cinquenta de profundidade. Ou seja, cabia muito dinheiro ali e, conhecendo Matti, não deveria ter só dinheiro. Aposto que tinha também pedras preciosas, principalmente as pequenas, tipo diamantes.

— Ele já sabia que um dia seria desmascarado, por isso fez uma pequena poupança. – Comentei ao ver o tamanho do cofre.

Minha avó se levantou do chão com a minha ajuda e depois de se sentar na cadeira atrás da mesa que o marido usou por anos para controlar a empresa, a família e ela, desabafou.

— Sim, KitKat, é muito dinheiro. Talvez daria para você viver bem por praticamente o resto da sua vida, contudo, eu conheço, ou pelo menos eu acho que conheço o homem com quem convivi por mais de sessenta anos, e isso é pouco. Matti tem mania de grandeza, não gosta de lugares simples e muito menos tolera coisas que a grande maioria tem. Todo esse dinheiro que ele levou, que ele roubou de nós, não vai durar muito. Logo, logo irá acabar, e vai ser nesse momento que Matti Nieminen descobrirá que fez a pior das escolhas da vida dele. – Terminou com um suspiro, se levantou e arrumando a postura me pediu um favor. – Não comentaremos sobre este cofre com os policiais. Vou ver o restante da casa, mas seu avô não seria idiota de levar algo que é efetivamente meu. Este roubo fica entre as pessoas da família.

— Sim, senhora. – Concordei e sai atrás dela, mais a escoltando do que ajudando-a com a ingrata tarefa de procurar por algo que faltava.

A vistoria no imóvel foi feita, confirmamos que nada fora levado e os polícias foram embora depois de fazerem o Boletim de Ocorrência, definiram tudo como invasão de domicílio, porém, como nada fora levado, ficaria só como ocorrência mesmo.

Foi meu pai quem fechou a porta da casa, minha avó estava no sofá da sala, tinha finalmente abandonado a fachada de pessoa calma e agora respirava com dificuldade enquanto pensava no ex-marido. Minha mãe ficou do lado dela, com medo de que toda essa ira reprimida pudesse fazer algum mal em sua saúde e enxotou os demais dali, tudo para dar espaço para que a matriarca pudesse se acalmar.

Ian, Tanya, Alex e eu acabamos na cozinha, meu irmão ainda mais revoltado do que eu, soltava impropérios a cada segundo, Tanya tentava acalmá-lo, contudo, ela estava tão alterada quanto o marido e, no fim, começou a fazer coro com xingamentos que eu jamais pensei que iria vê-la usando.

Alex estava estranhamente calado e eu queria saber a opinião dele sobre tudo, principalmente quanto ao fato de que sua teoria virou realidade.

Sem ter o que fazer e doida para ocupar minhas mãos, comecei a mexer na geladeira, pensando se não seria uma boa ideia preparar algo para comer.

— Como você pode estar com fome agora? – Ian comentou mal-humorado.

— Não estou. – Respondi. – Mas ninguém aqui almoçou. Ninguém comeu nada e eu preciso fazer algo, porque ficar sentada nestes bancos, só pensando no que queria fazer com o seu avô, não me fazer bem.

— E fazer o jantar vai?

— Ian... eu preciso ocupar a minha cabeça com outras coisas e tenho a certeza de que vai ser o cheiro da comida começar a se espalhar no ar, que até você vai ver que está com fome.

E não deu outra, menos de vinte minutos depois, minha avó apareceu na cozinha, com a expressão um pouco mais calma, olhou espantada para todos.

— Quem teve a ideia de fazer o jantar?

Tanya, Ian e Alex apontaram para mim, como se fossem crianças que estão entregando o coleguinha bagunceiro.

— Bem... pelo menos algo de qualidade no dia de hoje. Ian ou Tanya, vão buscar meus bisnetos, quero todos aqui, vai ser bom, até porque me abomina a ideia de que eles estão até agora com a babá, a pobre mulher não deve estar aguentando mais a falação de Elena. E, por favor, nada de comentar sobre a fuga de seu avô.

E o casal saiu, prometendo voltar rápido. Minha avó veio, procurou na adega um vinho, que cairia muito bem com a massa que eu fazia, e falou sarcasticamente:

— Pelo menos os vinhos ele esqueceu. E, depois de tudo, creio que é motivo para comemorar. Estamos livres, enfim. Assim, não quero saber de expressões fechadas, de raiva ou sentimentos negativos. Vamos comemorar o segundo estágio de nossas vidas. E KitKat, você vai ser a minha cozinheira nessa nova fase. – Passou atrás de mim e me deu um beijo na bochecha. – Afinal, nós duas sofremos muito nas mãos dele.

Logo que ela saiu, pedindo para meu pai abrir a garrafa de vinho, Alex parou do meu lado e apenas comentou:

— Ela realmente já superou tudo?

Olhei por sobre o ombro dele, só para conferir que não tinha ninguém por perto.

— Superar, ainda não. Eles já estavam separados desde dezembro, ela já desconfiava de algo, acho que minha avó está aliviada. Aliviada de não se ver na obrigação de conviver com uma pessoa que não gostava mais dela, mas que só estava ao seu lado por dinheiro... e pensando sobre isso, fica até fácil perceber os motivos de terem arranjado um casamento para mim. Matti nunca soube amar ninguém, tudo para ele sempre foi dinheiro e poder, assim, sentimentos são apenas figurativos, não existem e tudo o que os demais veem é puro fingimento.

Alex suspirou e, parando ao meu lado, apenas comentou:

— Que fique entre nós, mas pelo menos sabemos quem é a verdadeira herdeira de Matti.

Olhei para meu noivo.

— É, eu já tinha pensado nisso há muito tempo... e deve ser por isso que os dois nunca se deram bem... seria bem interessante ver como eles se sairiam em uma situação assim.

— Nenhum dos dois ficaria vivo.

— Essa é uma boa possibilidade. Afinal, dois interesseiros e narcisistas não se bicam, não é mesmo?

Terminei o jantar no momento em que Ian, Tanya e os filhos passavam pelas portas. A primeira pessoa que escutamos foi Elena que, ainda alheia a toda a história que cercava a família, vinha correndo e gritando pela bivó, já querendo saber se ela poderia comer chocolate depois do jantar.

Estava arrumando a mesa, fazendo aquela mesa bonita que só se usa em ocasiões especiais, quando fui cercada por Tuomas e Olivia.

— É verdade que ele se foi para sempre? – Perguntou meu sobrinho, sua expressão séria. Liv estava parada ao lado do irmão e olhava tanto para mim quanto para Alex, prestando bastante atenção, para não perder nenhum sinal de que tínhamos combinado a resposta.

— Ao que tudo indica sim. – Respondi. – Não temos certeza se ele ainda está por aqui ou se sumiu no mundo, mas nesta casa não entra mais.

Olivia abriu um sorriso, Tuomas relaxou a postura, contudo, meus sobrinhos são espertos e logo questionaram:

— E de que ele vai viver agora?

Meu pai entrou na sala neste exato momento e apenas falou:

— Não nos interessa mais. Matti fez uma escolha, assim, terá que viver com ela. A única coisa que nos assemelha a ele é o sobrenome, pois não quero que nenhum dos dois tirem algum exemplo da atitude que ele tomou.

Meus sobrinhos concordaram com a cabeça e ficaram calados, mas eu sabia, uma hora eles iriam tentar me encurralar novamente para fazerem as perguntas que eles ainda tinham e que eu sabia, ainda eram muitas.

O jantar ocorreu sem maiores problemas e minha avó ainda fez um brinde. Um brinde à família que sempre esteve ao lado dela, nos bons e nos maus momentos.

Mesmo com a falação de minha avó, ainda arrumei a cozinha e foi bem tarde que fui para casa, dirigindo devagar pelas ruas de Londres, morrendo de saudades de poder andar em um dos muitos parques.

Ao meu lado, Alex, que tinha tido conversas bem inofensivas com todos, me tirou da minha contemplação quando perguntou:

— Pelo visto a sua avó vai conseguir virar a página até bem rápido, e você?

Dei uma última olhada para o final da The Mall, vendo as luzes do Palácio de Buckingham e depois para o Saint James Park, que fica à esquerda, até que respondi a um impaciente Alexander.

— Andei pensando nisso nesta noite, durante o jantar, observando a minha família e, cheguei à mesma conclusão que minha avó. Estou livre. Ele se foi, é estranho pensar nisso, que eu estou aliviada com a forma que ele saiu de nossas vidas, contudo essa é a verdade. Passei pela negação, pela raiva, pela barganha, pela depressão e agora estou no estágio da aceitação... eu aceito de bom grado que ele suma para sempre, que não volte a nos incomodar. E eu estou feliz com isso. Chega a ser indescritível a forma como eu estou me sentido, porque pela primeira vez em nove meses, em longos nove meses, eu agora não tenho que ficar com medo dele, não tenho que me preocupar com o que ele vai me falar ou me acusar dessa vez. Acabou de verdade.

E, como se fosse para afirmar as minhas palavras, puxei o ar pelo nariz e respirei fundo, como se fosse a primeira vez em meses.

— Pode parecer estranho para você. – Recomecei a falar, depois ter visto a cara de espanto de Alex. – Mas é a verdade. Sei que deveria ser diferente, a minha revolta deveria ser maior, pois depois de tudo, ele merecia pagar, contudo, ele vai pagar, não vai preso ou qualquer coisa do gênero, Matti é bem esperto e vai se esconder em algum lugar que ele sabe que não tem tratado de extradição com a Grã Bretanha, mas na cadeia, ele ainda iria nos assombrar, pois daria um jeito dos advogados nos infernizarem por qualquer coisa, mas como um fugitivo? A quem ele vai recorrer da família? Ele sabe, se chegar perto de um de nós, estará preso em minutos... e como minha avó bem disse, por mais dinheiro que se tinha dentro daquele cofre, não vai satisfazer os luxos de Matti por muito tempo. Antes que ele possa imaginar, o maior castigo vai chegar. Nós não vamos ver, e eu nem quero, mas ele vai saber o motivo daquilo. E isso, para mim, é o que basta. Cada um pagando no que mais lhe afeta.

Olhei para o lado e vi que Alex sorria.

— Posso saber o motivo do sorriso? Até onde eu me entendo, você deveria estar correndo apavorado dessa família completamente problemática! – Comentei.

Alex abriu um sorriso ainda maior.

— Sua família não é problemática, e eu já te falei isso meses atrás. As pessoas que fazem parte da sua família são muito unidas. Os que são defeituosos são sua irmã e Matti, que praticamente não fazem parte desse círculo que sãos os Nieminen e os Spencer. Contudo, esse não é o motivo do meu sorriso.

— Será que pode cortar o suspense, estou dirigindo e não posso ficar olhando para você para tentar ler nas suas expressões o que você quer falar!

— Eu não te disse, naquela semana em que você descobriu tudo, que um dia você iria superar essa fase?

— Pelo que me lembro, você me disse que eu perdoaria Matti, e eu não fiz isso. Eu não perdoei ninguém.

— Mas já está a um passo de perdoá-lo. Não pelo que te fez, mas somente para ter a consciência limpa de que você não quer o mal que ele te fez voltando para ele.

Mordi o lábio. No fundo, no fundo, eu não queria isso.

— Mas eu não quero o mal dele, na verdade, não me interessa o que ele vai fazer da vida dele! Eu só não me importo mais com ele.

— E o que você quer para ele?

— Por que esse papo de psicólogo a essa hora da noite? – Perguntei intrigada.

— Para nada. Sá estou testando as suas emoções...

— O que eu quero para ele? Não sei... que ele caia no esquecimento, talvez. Não parei para pensar nisso.

— É... – Alex tornou a falar, assim que chegamos em casa. – Você ainda não o perdoou. Mas creio que um dia irá fazer isso.

— Ainda duvido das suas palavras... – Respondi. – E posso te pedir uma coisa?

— Qualquer coisa?

— Vamos trocar de assunto? Acho que esse mais do que já se esgotou.

Alex só me abraçou apertado e me guiou para o quarto. E mesmo depois de ter tomado um banho demorado, de ter deitado e da minha companhia já estar dormindo profundamente, ainda fiquei pensando em tudo o que ocorrera nos últimos dias, em cada reviravolta. Em cada revelação. E quando me perguntei internamente como me sentia com relação a tudo isso, eu só encontrei a mesma resposta de antes.

Eu estava aliviada. Tudo tinha acabado. Claro, não era o final que todos esperavam, mas já era um ótimo motivo para se querer virar a página e recomeçar.


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Nova faze começando a partir daqui. Prometo que as tragédias param por um tempo, e que Matti não sairá assim livre.
Muito obrigada a quem leu e está acompanhando!
Até o próximo capítulo.
xoxo



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