Wanda Maximoff bufou quando sentou na banqueta em frente à bancada que servia como mesa improvisada, fazendo com que Visão arqueasse o cenho, ainda virado para o fogão.

— Irritabilidade. – Ele pôs a ponta de um dedo no leite quente, para depois colocar sobre a língua e testar a temperatura. Parecia de acordo para ela tomar. – Esse sintoma é comum a partir do terceiro trimestre, mas você ainda não ingressou nele...

— Bom, desculpa se a minha gravidez não é igual nos livros, Vizh.

Natasha adentrou a cozinha e abraçou Wanda pelas costas enquanto dava um beijo estralado em sua bochecha.

— Não precisa ficar braba com o Vis, Wandinha. Ele também é pai de primeira viagem, ainda se acostumando com essas coisas.

O sintozóide pôs, na frente de sua amada, um copo com leite quente e uma fatia de pão e um ovo frito por cima. Apesar de encontrar-se sem fome, ela mordeu a ponta da torrada com os dentes da frente, mastigando devagar com o nariz franzido. Natasha fez um sinal e saiu do cômodo. Visão engoliu em seco.

— Eu já volto, querida.

Na sala de estar, ainda repleta de poeira e tecido por cima dos móveis, Natasha olhou para ele de maneira ameaçadora.

— O que você disse para ela ontem de noite?

Visão segurou as mangas do suéter cor de mel com losangos a qual vestia, com a certeza que sua resposta poderia ser a última coisa que diria na vida.

 – Que eu a amava.

 – Certo, e o que mais?

Silêncio.

— Vis, ela não estaria tão irritada assim à toa. Você disse mais alguma coisa que pode ter despertado esses sentimentos ruins?

O tom de voz emanado por ele na resposta não foi mais alto que um sussurro:

— Disse que ela parecia um barril.

Natasha arregalou os olhos e puxou o androide pela gola da roupa. Apesar de ter o poder de se tornar intangível e escapar das garras hostis da Viúva Negra, Visão estava tão assustado que mal podia se mexer, sendo que os olhos verdes da mulher estavam fixos no dele como uma verdadeira sentença de morte.

— Você disse o que, lata velha? – Indagou Natasha enquanto inclinava sua cabeça para o lado, tornando-se ainda mais assustadora, se é que aquilo era possível.

— Não foi nada demais, ela perguntou se eu ainda iria querer ela quando estivesse parecendo um barril e com estrias, mas eu disse que a amava e que ela parecia um barril de doces carregando meu maior presente e...

As palavras saiam da boca de Visão tão rapidamente que Natasha mal conseguia compreender, contudo se manteve atenta para não deixar passar qualquer informação que tivesse o condão de ser usada contra ele. Antes que pudesse finalizar, ela chacoalhou sua carcaça sintética algumas vezes enquanto dizia:

— Escuta aqui, seu pedaço de lata, é bom você remendar o que disse para a Wanda o mais rápido possível, antes que eu chute seu traseiro robótico para longe daqui. – Ela pôs ênfase no final da frase, e Visão somente assentia com os olhos fechados em terror.

— Eu disse ontem que não havia nada mais bonito que a minha mulher grávida, antes dela dormir e eu entrar em modo de repouso. Wanda não parecia irritada como está hoje...

— Pessoal! – Uma voz impaciente ecoou da cozinha. – Vocês ainda demoram?

— Já vamos... – Responderam duas vozes em uníssono.

— ... Wanda! – Gritou Natasha, se desvencilhando do sintozóide.

— ... Meu amor! – Visão respondeu igualmente alto, e a colega de equipe em sua frente suavizou o olhar.

— Deve ser muito difícil entender, mas o humor das grávidas sobe e desce muito rápido. – Natasha deu um tapinha em seu ombro ao tempo que se preparava para sair do cômodo. – Boa sorte no terceiro trimestre. E... Tenta conversar com ela.

Um sorriso sincero, como a conversa a qual tiveram na noite anterior, preencheu seu sorriso e, por conseguinte, tranquilizou Visão, que relaxou os ombros e soltou o tecido do suéter preso firmemente entre os dedos. Caminhou lentamente pela sala até chegar na porta da cozinha, e observou Natasha abraçar Wanda pelas costas:

— Como você está, meu caramelo lindo? – Ela afagou Wanda, que riu da situação. – Você parece um caramelinho com esse cabelo bicolor. Está enjoada? A mini Nat está fazendo uma festa dentro do pacotinho dela?

— O bebê está calmo hoje. – Wanda mordiscou o final de sua torrada e bebeu um gole do leite ainda morno. – Eu só... Me sinto incomodada.

Natasha se afastou, e Visão percebeu que era sua deixa. Sentou em uma banqueta ao lado de sua amada, segurou uma mão entre seus dedos e beijou-a carinhosamente, para depois puxar sua cabeça em direção ao seu peito enquanto acariciava seus fios de cabelo.

 – Algo que eu disse ontem deixou você chateada?

Ele sussurrou e pôs a mão sobre a barriga de Wanda, tentando estabelecer aquele contato diário com o bebê. Usando a ponta dos dedos, e os poderes atribuídos a ele pela joia da mente, conseguiu sentir os batimentos cardíacos, bem como que ele estava cada vez maior dentro do útero. Ainda, percebeu o aconchego, que tomou conta de seu corpo pela sensação maravilhosa que era ser pai de primeira viagem.

— Não... – Ela estava tão envolta nos braços dele, e vivenciando tanto amor, que nem se lembrava mais porque estava irritada.

— Você comeu os doces ao mesmo tempo ontem e agora quer mais um?

Wanda balançou a cabeça afirmativamente, e Visão deu uma sonora gargalhada.

— Eu busco um doce para você na cidade, tudo bem? – Ele apertou o abraço. – Algo mais incomoda você?

Ela permaneceu alguns segundos em silêncio antes de grunhir:

— Eu não consigo meditar.

— Perdão?

— Não consigo meditar! – Ela repetiu entre dentes, se soltando do abraço para apoiar os cotovelos na mesa. – Tentei me concentrar com a natureza, mas não deu certo. Não senti a magia, o aconchego de sempre. E eu estava tão perto...

— Ei. Ei, ei. – Visão pôs uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. – Não precisa ficar triste. Você vai conseguir se conectar com a magia de novo.

— Estou com medo... Medo de não sentir nosso bebê.

Ela o encarou com os olhos marejados, e o sintozóide beijou o topo de sua cabeça afetuosamente.

— Você ainda tem muito tempo para senti-lo, querida. Tenho certeza que ele está ansioso para conhecer a linda mamãe dele.

Wanda riu, e aproveitou a ausência de Natasha para sorrateiramente beijar seus lábios sintéticos, deixando Visão surpreso. Ele não podia negar que adorava esses rápidos beijos roubados, e constantemente queria beijá-la em momentos inapropriados, como no meio das missões e treinamentos; todavia, se segurava para não a deixar em uma situação de desconforto.

— Quer que eu vá meditar com você das próximas vezes? – Questionou ele, com as duas mãos envolvendo as suas bochechas.

Ela assentiu antes de tomar o final de seu leite, manchando a parte superior dos lábios. Visão sorriu com carinho e buscou um guardanapo para limpá-la, ao tempo que pensava o quanto amava a mulher em sua frente, e faria de tudo para protegê-la, a qualquer custo. Lembrou da cerca que jogara no rio, na sensação de ódio experimentada, no medo que possuía de machucar seu bem mais precioso. Afastou esses pensamentos novamente beijando Wanda, seus lábios doces como mel trazendo a paz interior que ele necessitava naquele instante.

Porém, a sensação de tranquilidade foi abruptamente interrompida por Natasha, acompanhada de Sam e Steve, os quais voltavam de sua patrulha diária com os olhares consternados. Visão percebeu a insegurança no ar ao cumprimentá-los:

— Sam. Capitão Rogers. Algo errado?

Steve respirou fundo antes de responder:

— A vila foi assaltada ontem à noite. Nos esgueiramos para escutar a população conversando com a polícia, e felizmente não fomos reconhecidos. Isso levanta algumas suspeitas. Ou realmente são vândalos, já que acontece com relativa frequência nas vilas próximas...

— ... Ou querem chamar a nossa atenção. – Completou Visão, segurando firme a mão de Wanda. – Talvez os dois juntos?

— É provável. Não levaram muitas coisas de valor, apenas fizeram arruaça. Mas, de qualquer forma, nós somos Vingadores. Precisamos proteger as pessoas.

— Partimos no final da tarde. – Disse Sam. – Visão pode escanear a cidade por cima junto com o Asa, Natasha, Steve e eu ficamos atrás dos prédios esperando sinais de vandalismo.

— E eu?

A pergunta fora proferida por Wanda, e ninguém ousou responder por um longo minuto, até Visão arriscar:

— É inseguro para você participar da missão, Wanda.

— Vocês não podem me impedir de participar.

— Se alguém reconhecer você, imediatamente vai notar a barriga. Principalmente quando suspeitamos de pessoas nos espionando.

Wanda procurou apoio em Natasha, que somente deu de ombros.

— Eu concordo com o Visão, Wanda. – Ela pôs a mão sobre o ombro dele. – Mas sei que você não vai desistir, e vai acabar nos ganhando no cansaço.

— A questão não é ganhar no cansaço! – Disse ela enquanto se levantava, o tom de voz notadamente irritado. – Eu estou grávida, não doente. Eu tenho poderes, e consigo cuidar de mim mesma.

— Só que não podemos garantir sua segurança se você for reconhecida, querida. – Visão se aproximou e novamente segurou suas bochechas com as duas mãos, buscando ser razoável para que ela entendesse a gravidade da missão, entretanto, Wanda sacudiu a cabeça, negando o gesto. Era algo que ele não estava acostumado a ver.

— E existem ainda mais riscos se eu me manter aqui sozinha! – Ela choramingou, e Steve interveio:

— A Wanda está certa. Ficar sozinha nessa casa enorme pode ser ainda pior para ela.

Os dois mais preocupados com Wanda no cômodo, o sintozóide sentimental e a assassina mais amorosa do mundo, arregalaram os olhos em espanto.

— Steve... Você está chamando a Wanda para o combate?

— Cruzes, não. – Ele meneou com a cabeça. – Acho que a Wanda deve ir conosco, mas ficar longe do combate direto. Visão, você cuida dele o tempo todo. E Wanda, você usa suas barreiras de energia para evitar que civis se machuquem. Combinados?

O casal concordou com a cabeça.

— Nat, quero que você faça um treinamento de resistência com a Wanda. É bom, também, que você durma durante a tarde, Wanda, para evitar ficar cansada de noite. Pode ser assim?

— Sono eu tenho de sobra. – Ela deu de ombros. – Eu e Nat já vamos começar a treinar.

— Calma, vaqueira. – Natasha riu. – Também não é para exagerar. Sei que você quer voltar à ativa depois de tanto tempo, mas precisamos respeitar as limitações, suas e da vida que está dentro de você.

— Precisamos proteger uns aos outros. – Disse Steve enquanto olhava nos olhos de cada um dos seus colegas. – Sabemos das complicações que teremos se formos pegos, seja pelo governo ou uma organização particular. Por isso, cuidem-se, e peçam ajuda ao primeiro sinal de necessidade. Estamos aqui para isso.

Wanda virou seu rosto e deu um meio sorriso para Visão, antes de sumir pelo corredor e seguir para os fundos da casa, sendo seguida por Natasha. Sam parou ao lado de seu colega sintozóide e disse:

— Dia difícil para o casal? Precisa ter paciência em dias assim.

— É a Wanda quem eu amo – Visão sorriu suavemente –, não importa o quão irritável ela esteja recentemente.