Onde crescem as rosas selvagens escrita por themuggleriddle


Capítulo 6
1.5




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Hermione acordou com um pulo, quase se desequilibrando e caindo sentada no chão. Em uma tentativa de se manter no parapeito onde estava, a garota agarrou-se nas beiradas de pedra ao redor da janela e acabou por bater a testa no vidro. Ela gemeu fraquinho, abaixando um pé e apoiando-o no chão enquanto levava uma mão à testa e esfregava a pele ali. Pelo menos, pensou, não havia mais ninguém além dela naquela sala de aula em desuso.

A garota sempre soube que Hogwarts tinha uma vasta coleção de salas vazias. Ela se perguntava se alguma vez, em toda a história do colégio, todas elas foram utilizadas ao mesmo tempo.

Ainda com a mão na testa, a bruxa se encostou outra vez no batente da janela e respirou fundo, observando os terrenos lá embaixo. Poucos alunos estavam no gramado e estes só estavam lá para aproveitar a neve, brincando de batalhas de bolas de neve e fazendo bonecos. Ela fechou os olhos por um momento e aproveitou o silêncio.

Graças à Harry e ao Mapa do Maroto, Hermione conhecia uma porção considerável de Hogwarts e aquilo estava se provando muito útil desde que havia chegado em 1944. Sempre que o barulho da sala comunal da Sonserina ou do dormitório se tornava demais, ela se esgueirava pelos corredores e passagens secretas em busca de alguma sala de aula vazia. Se estivesse no seu tempo, provavelmente aproveitaria esses momentos para estudar ou colocar a tarefa em dia, mas tudo o que conseguia fazer agora era apreciar o silêncio e o espaço vazio.

Foi em uma dessas salas que Hermione decidiu que continuaria em Hogwarts. Voltar para o seu tempo também parecia fora de cogitação e foi só quando o seu objetivo foi por água abaixo com o episódio da banheira que ela percebeu que aquela missão era ridícula e impossível: nunca tivera chances de voltar. Por que Dumbledore a havia mandado em uma missão suicida? A garota tentava não pensar sobre a resposta, principalmente porque o professor continuava em sua vida, todas as terças e quintas feiras nas aulas de Transfiguração, mesmo não tendo a menor ideia de que era sua culpa ela estar ali.

Com o seu objetivo e esperança de voltar para um mundo sem Voldemort inexistentes, Hogwarts se mostrava a melhor opção. Ali ela teria comida, cama e tempo para se recuperar. O que aconteceria depois que os anos de colégio acabassem era outra história, uma que Hermione não estava pronta para escutar ou sequer antecipar.

A bruxa esticou a perna que pendia do parapeito e chutou de leve a própria bolsa, vendo alguns livros escorregarem para fora desta. Seu exemplar atual de História da Magia era completamente diferente do seu antigo, não apenas na capa da edição, mas nas páginas com laterais vazias, sem nenhuma anotação. Seus livros e cadernos quase em branco eram quase uma metáfora para a própria Hermione e, sempre que pensava nisso, ela tinha vontade de rir. Durante as aulas, ela não conseguia forçar a si mesma a anotar os comentários dos professores, mesmo sabendo que aquela seria uma ótima oportunidade para revisar e melhorar os seus conhecimento sem todas as matérias, afinal, ela já havia passado pelo sexto ano, mesmo este sendo conturbado com a iminente ameaça da volta de Voldemort.

“Oh!”

Hermione sobressaltou-se ao ouvir a porta da sala de aula sendo aberta abruptamente. Por instinto, a garota se encolheu contra o vidro da janela enquanto olhava quem entrava.

Uma jovem estava parada na porta, com cabelos escuros presos por uma fita verde, grandes olhos cinzentos que a encaravam e os lábios avermelhados entreabertos. Walburga Black estava longe de ser a senhora rabugenta que Hermione havia conhecido no Largo Grimmauld n˚12, mas havia algo em seu olhar que remetia ao seu futuro retrato, talvez a condescendência mal disfarçada com a qual ela sempre olhava Hermione. Logo atrás dela, segurando a sua mão, havia um rapaz que Granger não conhecia. Alto, com olhos e cabelos castanhos desbotados e longos o suficiente para serem presos em um pequeno rabo-de-cavalo na nuca, ele a olhou dos pés a cabeça, curioso.

“Achei que estivesse vazia,” disse Walburga. Hermione nunca havia falado abertamente sobre ser nascida trouxa naquele tempo, mas tinha certeza, a julgar pelo modo que era observada, que Black conseguia farejar o sangue trouxa em suas veias.

“Quem é?” o garoto perguntou, indicando Hermione com a cabeça.

“Hermione Sergeant. Slughorn deve ter falado dela para vocês… Entrou no sexto ano agora,” Black explicou e franziu o cenho quando o colega soltou a sua mão e foi na direção da outra garota. “Nicholas.”

“Vai indo, Walbie,” ele falou, virando-se para sorrir para Walburga, que crispou os lábios. “Já te encontro.”

“Nicholas, pelo amor de Morgana-”

“Será que pode parar de me importunar por um segundo?” o rapaz falou e a postura altiva de Black murchou. Sem falar nada, a sonserina deu meia volta e saiu da sala, esbarrando a porta atrás de si. “Merlin, eu não tenho a menor inveja de quem casar com essa louca.”

Hermione mordeu o interior das bochechas para se impedir de comentar que talvez aquilo não fosse algo muito educado de se falar da bruxa com a qual ele estava trocando beijos até poucos minutos.

“Então você é a garota nova. O que te trouxe até aqui?” o rapaz perguntou, parando ao seu lado.

“Guerra,” ela respondeu.

“Ah, meus sentimentos.” A voz dele não demonstrava empatia alguma, apesar de sua expressão tentar emular pena. “Nicholas Yaxley. Capitão do time de Quadribol da Sonserina. Sétimo ano.”

“Prazer,” a bruxa falou e desviou o olhar para os terrenos outra vez.

“Deve ser difícil para você,” o rapaz continuou, aproximando-se até estar encostado no parapeito oposto ao dela. “Conviver com as garotas daqui.”

Hermione arqueou uma sobrancelha enquanto encarava o colega. Ela tinha mil e um motivos para ter dificuldades de se adaptar àquela Hogwarts, mas nenhum deles devia ser conhecido de Nicholas Yaxley.

“Por que diz isso?”

“Uma moça como você viu muita coisa lá fora. Deve ser complicado ficar na companhia de meninas que não tem noção de como o mundo é do lado de fora do castelo ou da casa dos pais,” ele explicou, encolhendo os ombros e suspirando. “Deve ser… frustrante.”

A garota engoliu em seco e trancou os dentes. Apesar de não ter intimidade alguma com suas colegas sonserinas, as invejava pela plenitude com que levavam a vida escolar, da mesma forma que havia invejado Parvati e Lavander. Era emocionante descobrir segredos e ajudar pessoas junto com Harry, mas uma pequena parte de si tinha curiosidade de saber como era ter um ano letivo normal, se preocupar apenas com notas, roupas e perfumes.

“Hermione?”

Os ombros de Yaxley enrijeceram e o garoto levou um ou dois segundos para se virar para a porta. Thomasin estava parada com a mão na maçaneta, a cabeça inclinada para um lado como uma criança curiosa enquanto observava os dois. Hermione prendeu a respiração por alguns segundos, pressionando-se mais contra a parede ao ver a colega empurrar a porta e dar alguns passos para dentro da sala.

“Boa tarde, Nicholas,” ela falou, sorrindo e colocando as mãos para trás das costas. “Acho que Walburga te perdeu. Encontrei ela no fim do corredor. Parecia meio chateada.”

O rapaz mantinha a posta rígida quando assentiu, olhando para a porta rapidamente.

“Acho melhor ir atrás dela… você sabe como Walburga pode ser… quando fica chateada.”

“Sim, de vez em quando conseguimos escutar os chiliques dela do nosso dormitório,” disse Riddle, fazendo uma careta. Mais alguns passos até estar parada ao lado de Hermione, de frente para Yaxley.

“Sim… Bom, vou lá ver como ela está,” o bruxo falou e, antes de deixar a sala, acenou rapidamente com a cabeça para Hermione. “Foi um prazer conhecê-la, senhorita.”

A forma como Nicholas caminhou com passos rápidos e curtos até a porta chegava a ser engraçada. Hermione sentiu seus ombros relaxarem minimamente.

“Temos sorte de Walburga estar no quinto ano,” disse Thomasin, cruzando os braços na frente do peito e voltando a olhar a garota. “Aposto que as colegas dela vão ter que ouvir muito sobre Yaxley hoje à noite.”

“Se eles estão saindo, elas já devem estar acostumadas.”

“Ah, não. Walburga e Nicholas não são namorados.” Riddle riu. “Nicholas provavelmente já tem uma noiva, assim como Walburga já deve ter um noivo, porém eles gostam de se divertir. Na verdade, ele gosta de se divertir e ela gosta de imaginar que está vivendo alguma aventura de colégio.”

Hermione observou garota arrumar a alça da bolsa no próprio ombro e desamassar o tecido da gola do uniforme. As roupas de Thomasin eram grosseiras e desgastadas, porém sempre bem arrumadas. A coisa que mais brilhava em todo o seu uniforme era o broche de Monitora, um pequeno brasão de metal prateado e verde com um “M” no centro. A própria Hermione já havia usado um brasão daqueles e não se lembrava do seu ser tão bem polido; talvez a única pessoa que pudesse competir com Riddle no quesito cuidados de broches de Monitores fosse Percy Weasley.

“Espero conseguir o posto de Monitora-Chefe ano que vem.”

Granger piscou e só então notou que estava olhando fixamente o broche no peito da colega. Thoimasin a observava com uma pequena curva no canto dos lábios.

“O que... Qual a diferença?” a garota perguntou, franzindo as sobrancelhas em uma tentativa de fingir ignorância.

“O Monitor e Monitora-Chefes são os representantes dos alunos perante os professores e diretores, e, caso aconteça algum evento envolvendo outras autoridades, são eles quem vão servir de fachada para o restante da escola. Eles também são responsáveis por organizar os Monitores e repassar qualquer informação deles para os professores,” Thomasin explicou, dando as costas para Hermione e andando pela sala, virando a cabeça de um lado para o outro enquanto observava os móveis empoeirados. “Monitores coordenam cada casa e são a comunicação dos alunos com o diretor da casa. Tanto os monitores quanto os monitores-chefes podem aplicar castigos e tirar pontos de outros alunos. Além disso, sempre tem uma ou outra tarefa que devemos fazer: ajudar professores a organizar salas de provas, informar sobre eventos ou regras, conter balbúrdias, fazer rondas no castelo ou no trem...”

Thomasin parou em frente a um armário, dentro do qual alguns instrumentos de metal mal refletiam a luz que entrava pelas janelas devido à poeira. A garota abriu uma das portas de vidro e apanhou o que parecia ser um astrolábio pequeno, virando-o em suas mãos.

“Parece cansativo,” disse Hermione.

“E é. Não é divertido quando você tem várias redações para fazer e ainda tem que rondar o castelo para ter certeza de que nenhum aluno está tentando roubar comida da cozinha de madrugada,” a sonserina explicou, rindo, porém sem olhar a outra. “Mas é algo bom de se ter no currículo. Mostra que você é proativo e consegue liderar. Os chefes do Ministério gostam disso, de acordo com o pai de Arantxa.”

“Conhece os pais dela?” Granger perguntou, se surpreendendo consigo mesma. Aquela talvez fosse uma das maiores conversar que tivera desde que havia chegado naquele ano.

“Sim. São boa gente, muito ricos. O Sr. Malfoy tem um lugar na Casa dos Nobres no Ministério e na Suprema Corte. A Sra. Malfoy é... bom, a Sra. Malfoy.” Thomasin encolheu os ombros e enfiou o astrolábio no bolso, antes de se virar para a colega. “Arantxa puxou mais o pai.”

Hermione cruzou os braços e mordeu o interior das bochechas, desviando o olhar para os gramados outra vez. Conseguia ouvir os passos de Thomasin enquanto a menina continuava andando pela sala e também a ouvia mexendo em algo dentro da própria bolsa.

“Como está indo com as matérias?”

A garota se sobressaltou ao ouvir a voz da sonserina tão próxima e se escorou mais contra o parapeito quando se virou e viu a mão da outra próxima de si, segurando um pacote de papel e lhe oferecendo algo.

“Bem... Quero dizer, acho que estou conseguindo entender as matérias,” Hermione respondeu, esticando o pescoço e vendo alguns bolinhos dentro do pacote.

“Arantxa comentou que você comeu apenas uma torrada no café da manhã. Pegue.” Riddle largou o pacote no colo da outra. “Você parece boa em Poções, apesar de um pouco distraída, mas entendo estar assim na sua situação. Ah, e Transfiguração. Dumbledore parece ter ficado satisfeito com as margaridas que você conjurou semana passada.”

Hermione assentiu, apesar de não se lembrar de ter conjurado margaridas na semana anterior. Na verdade, mal se lembrava do rosto do professor Dumbledore mais novo, o qual havia conhecido naquele ano. Ele, assim como os outros professores e a maioria dos alunos, havia se tornado apenas mais uma pincelada no meio do borrão de rostos e vozes pelo qual ela transitava todos os dias.

“Quem sabe ano que vem você não consegue chamar a atenção de Slughorn o suficiente para entrar no Clube do Slug?” perguntou Thomasin, sorrindo. Hermione notou os olhos da garota olhando rapidamente para as suas mãos, ainda segurando o pacote sem pegar nenhum bolinho.

“Clube do Slug?”

“Um pequeno grupo de alunos nos quais Slughorn vê potencial,” ela explicou. “Ele faz jantares e festas com comida boa, de vez em quando convida alguém importante do Ministério ou de algum meio de pesquisa. Prometi para Arxa que vou levar ela quando ele convidar Newt Scamander.”

“Arantxa não faz parte?”

“Ah, não. A própria Arxa não vai pensar duas vezes antes de admitir que não tem nada que a faça se destacar em Hogwarts... Não me entenda errado!” ela falou, erguendo as mãos em defesa. “Ela é boa com magia e não poderia existir ninguém mais leal do que ela, mas Slughorn quer gente fora da curva.”

“Yaxley faz parte?”

“Sim.”

“E ele é fora da curva?”

“Pelo contrário, não poderia existir alguém mais medíocre,” Riddle falou, torcendo o nariz. “Não, minto. Atlas é mais medíocre que ele. Yaxley pelo menos sabe mentir bem.”

“Então...” Hermione começou a falar, um tanto hesitante, enquanto enfiava a mão no pacote e pegava um bolinho. “Se Arantxa fosse, digamos, Abraxas Malfoy, ela teria chances de estar no clube?”

Thomasin deixou a cabeça pender para o lado e um sorriso pequeno, porém satisfeito, esticou os seus lábios. Hermione deu uma mordida no doce e tentou se concentrar no gosto de canela ao invés de no olhar intenso da colega.

***

Ver Thomasin Riddle havia se tornado menos surpreendente, porém não menos desconcertante a medida que o tempo havia passado. Dois meses depois de chegar à 1944, uma pequena parte de Hermione ainda buscava um rapaz quando o nome “Riddle” era chamado no meio do corredor. Quem respondia, no entanto, era sempre Thomasin, relativamente pequena e educada, visivelmente vinda de um lugar diferente que todos os seus colegas da Sonserina. Ela se perguntava se Tom seria assim também, um tanto deslocado em meio aos sonserinos com seus sotaques elegantes e joias brilhantes.

Chegava a ser engraçado como uma única pessoa conseguia tirar todo o mundo do eixo. Não fosse por Thomasin, tudo estaria normal. Slughorn e Dumbledore eram o que ela esperava, até mesmo Grindelwald, que ela havia visto apenas em caricaturas nos jornais. Os outros alunos eram as pessoas que ela talvez visse nas fotos na Sala dos Troféus, seus nomes gravados nas placas de formandos e nas medalhas de melhores alunos. Porém havia Thomasin, chutando para longe toda e qualquer ilusão de controle sobre o destino que Hermione talvez houvesse sentido enquanto virara as argolas do vira-tempo a mando do Professor Dumbledore.

Havia também Arantxa, mas Arantxa Malfoy parecia um detalhe curioso quando colocada lado a lado com Thomasin. O que mais desconcertava Hermione não era o fato de ela ser uma garota, mas ser tão diferente de Draco e Lucius. Talvez a peça fora do lugar não fosse o gênero invertido, no caso de Malfoy, mas a gentileza.

“Sabe, não é muito saudável ficar muito tempo sem ver o sol.”

Não era a primeira vez que Hermione tinha seus devaneios interrompidos pela voz que havia se tornado conhecida ao longo dos últimos meses. Arantxa talvez tivesse os “tês” mais bem pronunciados de toda a Hogwarts.

“Estamos no inverno,”a garota falou, sem desviar o olhar das janelas do salão comunal e encolhendo-se um pouco mais em sua poltrona. Do outro lado do vidro, as águas escuras do lago deixavam a vista apenas alguns chumaços de algas. Hermione estava determinada a ver um sereiano, mas até agora só havia visto a silhueta desfocada de um a distância. “Não faz muita diferença ficar aqui dentro ou lá fora.”

“Pelo menos lá fora tem um pouco de ar fresco,” disse Malfoy, sentando-se na poltrona ao seu lado e tirando os sapatos antes de puxar os pés para cima do assento. “Vai acabar mofando aqui embaixo. E já é quase primavera.”

“Thomasin não parece mofada,” disse Hermione, olhando rapidamente para a outra garota. Arantxa soltou uma risada fraca e sacudiu a cabeça.

“Thomasin preza o ar puro das Terras Altas,” a sonserina falou, puxando os cabelos loiros para a frente dos ombros e enrolando uma mecha no dedo indicador. “Ela mora em Londres. O ar lá é cheio de fumaça. Thomasin disse que se alguém fosse examinar os seus pulmões depois que ela morresse, eles iriam estar pretos.” Arantxa franziu as sobrancelhas e crispou os lábios, soltando a mecha de cabelo. “Me pergunto quem seria o doente que faria isso.”

“Examinar os pulmões dela? Médicos.”

“Bárbaros.” Malfoy riu e voltou a olhar a colega. Um meio sorriso agora repuxava os seus lábios. “Faz dois meses que está aqui e nunca sabemos o que está acontecendo com você. Na verdade, não sabemos nada sobre você. Está tudo bem?”

Hermione se forçou a manter os olhos fixos nas algas. Confiar em Arantxa estava longe de ser aconselhável, mas era impossível não sentir uma onda de conforto ao ouvir alguém perguntando sobre como ela estava e, talvez, até se interessando pela sua vida. Aquela sensação não era nova e a primeira vez que Hermione a havia sentido fora quando Malfoy lhe dera duas tortinhas de abóbora ao notar que ela tinha pulado o café da manhã.

“Estou cansada,” ela falou. “Só isso.”

“Sabe, o professor Slughorn conversou com Thomasin… Já deve ter percebido que ela é uma das favoritas dele, não? Ele conversou com ela sobre você. Está preocupado,” disse Arantxa, ajeitando-se melhor na poltrona. “Todos sabem que a sua situação é delicada. Nem tento imaginar como deve ser estar em outro país depois de fugir do continente, com os únicos familiares internados-”

“Slughorn falou tudo isso?” a garota perguntou, arqueando uma sobrancelha.

“Ah, ele comentou com Thomasin.” A sonserina pressionou os lábios um contra o outro. “Estão preocupados, Hermione.”

“Só estou cansada,” ela repetiu.

O crepitar do fogo pareceu mais audível uma vez que ambas não continuaram a conversa. Ao longe, era possível ouvir as vozes de alguns rapazes, risadas e piadas sendo contadas no dormitório. Hermione viu, pelo reflexo nas vidraças, Malfoy erguer a mão até a boca e parecer mordiscar algo no canto do dedo anelar enquanto a encarava.

“Quem é você, Hermione Sergeant?”

A bruxa virou o rosto rapidamente. O tom de voz no qual a pergunta havia sido proferida não era ameaçador ou desconfiado, mas a pergunta em si a fazia gelar. Nada na postura de Arantxa demonstrava suspeita. Na verdade, a garota parecia relaxada e genuinamente curiosa, empoleirada sobre a poltrona e com os cotovelos apoiados no braço desta.

“Como é?”

“Quem é você? O que pretende fazer da vida? Qual o seu doce favorito? E sua cor favorita? O que você gosta de fazer?” Malfoy gesticulava de um jeito quase cômico enquanto disparava as suas perguntas. “Quem é você além da garota que não arruma a cama e fica vagando por aí feito uma assombração? Daqui a pouco vai poder pedir aulas para a Dama Cinzenta. Aliás, acho que Thomasin teve mais facilidade de tirar informações triviais da Dama Cinzenta do que de você.”

Hermione piscou, boquiaberta. Todas aquelas perguntas pareciam tão ordinárias e ela não se sentia no direito de se preocupar com coisas tão bobas. Será que Harry e Ron sabiam qual era a sua cor favorita? Provavelmente não, ela não se lembrava de sentir necessidade de falar isso para os amigos alguma vez na vida.

“Eu… não sei o que pretendo fazer da vida,” ela murmurou, engolindo o nó que havia se formado em sua garganta ao lembrar-se dos NOMs que havia prestado e que agora eram inúteis. “Gosto de ler. Aprendi a tricotar há um tempo e era bom, ocupava o meu tempo. Também gosto de assistir Quadribol, mas não sei voar e não tenho muita vontade de aprender.” O rosto de Arantxa se contorceu com indignação. “Eu gosto de lilás e de tortinhas de abóbora. E não sei se seria uma boa assombração, acho que a Dama Cinzenta é melhor nisso do que eu.”

Os lábios de Malfoy se esticaram em um sorriso enorme enquanto ela apoiava o queixo nas mãos.

“E seus pais?”

“Eram dentistas,” disse Hermione, antes de sentir um arrepio atravessar a sua coluna ao perceber o que havia falado.

O sorriso de Arantxa se desfez em uma expressão surpresa, logo antes de reaparecer, mais discreto.

“Sangue trouxa daqui a pouco vai dominar a Sonserina,” a bruxa falou, dando uma piscadela. “Thomasin me falou algo sobre dentistas, mas nunca entendi exatamente como eles cuidam dos dentes.”

“Ahm, depende?” murmurou Hermione enquanto tentava imaginar Riddle explicando para uma puro-sangue sobre tratamentos dentários trouxas. “Do dentista e do problema. Às vezes é preciso arrancar o dente, outras só colocar eles no lugar.”

“Lembro quando Canopus, o rapaz moreno do nosso ano, teve dor de dente no quarto ano. Foi correndo para a enfermaria com o rosto inchado,” Arantxa falou, franzindo o cenho. “Meu pai trabalha no Ministério e minha mãe cuida da casa. Ela fica irritada quando digo que preferia viajar pelo mundo a ficar em casa, diz que eu não sei o quão difícil é manter uma casa organizada ou planejar visitas e jantares.” A garota encolheu os ombros, antes de se inclinar na direção da outra e sussurrar: “Espero nunca saber, para ser sincera.”

“Você estava falando sobre animais mágicos outro dia…”

“Ah, sim, adoro! Se for dar atenção para as fofocas, vai descobrir que todo Malfoy tem uma obsessão esquisita. Meu pai, por exemplo, ama arte trouxa e coleciona quadros de artistas trouxas. Nenhum deles se mexe, acredita?!” Malfoy riu. “E minha prima, Delphine, entende tudo sobre perfumes. Tenho um tio é obcecado por tecidos e pode ficar uma hora ou mais falando sobre o forro de um colete. Eu…” Ela encolheu os ombros. “Gosto de animais mágicos e literatura trouxa.”

“Literatura trouxa?”

“Incrível como isso sempre chama mais a atenção que a parte das bestas mágicas.” Arantxa riu. “Tenho uma coleção de livros trouxas e estou tentando conseguir mais animais para cuidar, afinal, tenho que colocar os jardins da nossa casa em uso. Por enquanto tenho um jarvey malcriado e um oraqui-oralá que na verdade não é meu, mas está sempre andando pelos nossos terrenos. Ah, e Perseus, a minha coruja.”

“Eu tinha um gato,” disse Hermione, sentindo os olhos arderem. “O moço que me vendeu ele disse que ele era parte amasso. O nome dele era Bichento.”

“Ah, eu adoraria ter um amasso. O que aconteceu com o Bichento?”

“Ele… fugiu,” a bruxa falou e voltou a olhar o lago. “De certo já encontrou outra casa.”

“Já ouvi histórias de gatos que ficam anos longe dos donos até encontrar o caminho de volta. Quem sabe vocês se encontrem outra vez.”

“Acho difícil.” Hermione limpou a garganta e se ajeitou na poltrona. “Como é o nome do seu jarvey?”

“Flamel,” disse Malfoy. “Eu o trazia para Hogwarts até o ano passado, até ele fugir para o dormitório masculino e destruir um par de sapatos do Canopus e algumas meias do Atlas.”

A garota riu, surpreendendo-se ao notar que a cena de destruição causada por uma doninha falante a havia levado ao riso. Quando notou que Arantxa a observava com o rosto ainda apoiado na mão, Hermione engoliu a risada e sentiu o rosto esquentar.

“E Thomasin?”

“Thomasin está longe de ser um dos meus bichinhos,” disse Malfoy.

”Não, quero dizer-“ Hermione se interrompeu, respirando fundo e soltando o ar devagar pela boca. “Você quis saber mais sobre mim. Quero saber mais sobre ela.”

Malfoy ficou em silêncio, piscando devagar enquanto a encarava. O canto dos lábios da sonserina se esticaram em um sorriso, pouco antes de uma risada fraca escapar por entre os seus dentes. O corpo dela relaxou na poltrona e ela apoiou a cabeça no encosto, desviando o olhar para o lago e suspirando.

“Isso, minha cara, você vai ter que descobrir sozinha,” ela falou e mordeu o lábio inferior, antes de olhar a colega novamente. “O mais divertido dos enigmas é desvendá-los, não é?”

***

O corpo de Hermione saltou na cadeira ao sentir alguém tocando o seu ombro e uma dor aguda irradiou pela sua perna direita ao bater o joelho contra o tampo da mesa. Quando ergueu o rosto, o coração ainda batendo em seus ouvidos, viu um par de olhos azuis a encarando, levemente magnificados por detrás das lentes em meia-lua na armação dourada que descansava sobre o nariz torto do futuro diretor de Hogwarts.

“Srta. Sergeant.” Ela piscou rapidamente, olhando em volta e vendo as carteiras vazias ao seu redor. “Você perdeu o fim da aula.”

Sobre as mesas, taças cheias de vinho haviam sido deixadas pelos colegas. Na sua frente, a taça continha apenas água. Sem olhar o rosto do professor outra vez, a garota xingou baixinho e puxou a varinha do bolso, acenando para o copo:

Vinumverto,” ela murmurou e viu o líquido ser tingido por uma discreta coloração avermelhada. A garota sentiu o rosto arder e murmurou um pedido de desculpas sem graça, antes de começar outro movimento com a varinha.

“Srta. Sargeant.” Os dedos longos do professor encostaram na ponta da varinha e a abaixaram.

Com o rosto ainda quente, a bruxa se virou para olhar o homem. Dumbledore havia puxado a cadeira do lado e agora estava sentado, observando-a com cuidado. Era estranho ver aquele Dumbledore, sem tantas rugas e de cabelos ruivos. E era estranho estar sob o olhar dele quando não estava usando as cores da Grifinória, mas sim o verde e prata da Sonserina.

“Está tudo bem?”

Hermione sentiu vontade de dizer que não aguentava mais aquela pergunta, mas apenas assentiu, deixando a varinha sobre a mesa.

“Parece cansada,” o professor falou, cruzando um tornozelo sobre o outro joelho e se inclinando na direção dela, olhando-a por cima dos óculos de meia-lua.

“Tenho um pouco de dificuldade pra dormir,” ela respondeu, desviando o olhar para a mesa. Havia uma pessoa de palito desenhava no tampo da carteira, feita com arranhões sobre a madeira.

“Como está se adaptando à Hogwarts, senhorita?” Dumbledore continuou, inclinando a cabeça para o lado enquanto a olhava. “Seus colegas de casa a estão tratando bem?”

Hermione o olhou novamente, tentando encontrar ali o professor Dumbledore que havia feito o discurso de início do ano quando ela tinha onze anos. Naquela época, Hogwarts era uma novidade atrás da outra, uma onda de informações que só a deixou perceber o quão sozinha estava se sentindo quando ouviu Ron falando que ela não tinha amigos. Hogwarts já não era mais uma novidade para ela, mas dessa vez não havia trasgo montanhês para incitar uma amizade que duraria pelo resto da vida. Suas colegas de casa podiam lhe tratar bem, mas ela sentia falta de Harry e Ron e do vínculo que eles haviam criado naquela noite de Halloween.

“Todos são muito gentis,” ela respondeu enquanto prendia a atenção nos bordados das vestes do professor. Pássaros delicados alçavam voo contra o tecido roxo e deixavam para trás traços ondulados de linha prateada. “E a escola não deixa a desejar.”

“Entendo que não sou diretor da sua casa e sei que Horace está trabalhando duro para deixá-la confortável, mas queria dizer que não precisa ficar acanhada. Caso precise, fique a vontade para falar comigo ou com qualquer outro professor, Srta. Sergeant,” o bruxo continuou, sorrindo de forma gentil para ela. “Não consigo imaginar o que você passou antes de chegar aqui, mas sei do que Gellert é capaz.” Hermione franziu as sobrancelhas, encarando os olhos azuis do homem. Era incrível como o azul continuaria o mesmo em cinquenta anos. “Também sei que ele não ousaria chegar perto de Hogwarts. Pode ter certeza de que está segura aqui.”

Hermione abriu a boca para falar, mas forçou as palavras garganta abaixo. Ela queria dizer que o seu maior problema não era Gellert Grindelwald e sua onda de terror na Europa, mas a garota com a qual dividia o dormitório. Queria dizer que não dormia durante a noite, amaldiçoada pelas dúvidas e pelo medo de Thomasin Riddle, por conta do próprio Dumbledore e sua missão sem pé nem cabeça.

“Eu sei,” ela falou, forçando um sorriso. “Hogwarts não seria a minha primeira opção caso não soubesse disso.”

O bruxo sorriu e finalmente se levantou. Com um aceno da varinha, o homem fez todos os copos que estavam em cima da mesa desaparecerem, antes de soltar uma exclamação baixa ao olhar na direção da porta.

“Acho que sua amiga está te esperando,” disse Dumbledore e Hermione franziu o cenho. A garota sentiu o ar faltar ao ver Thomasin Riddle parada do outro lado da porta, alternando entre olhar o corredor e lançar olhares ansiosos na sua direção. “Realmente espero que tudo se ajeite aqui em Hogwarts. Só…” A mão do professor tocou o ombro de Hermione outra vez, fazendo-a o olhar novamente. “Hogwarts tem muitos alunos brilhantes, Srta. Sergeant. Tente não se deixar levar por tudo que brilha aqui dentro.”

Hermione franziu as sobrancelhas. O Dumbledore de seu tempo nunca havia perdido tempo para lhe alertar de certas companhias. Na verdade, ela percebia agora, o bruxo nunca havia falado com ela a não ser para lhe dar missões um tanto duvidosas que poderiam ajudar Harry.

“Acho que consigo distinguir entre coisas brilhantes, professor,” a bruxa falou em voz baixa. “E ela não é minha amiga.”

Dumbledore afastou a mão de seu ombro e cruzou os braços nas costas, observando-a enquanto Hermione se apressava para sair da sala.

Do lado de fora, Thomasin a olhou novamente, parando de fingir interesse em um grupo de primeiroanistas que cruzava o corredor. A garota sorriu e apoiou uma mão em seu cotovelo, fazendo Hermione sentiu um arrepio atravessar-lhe o corpo.

“Não conseguiu escapar do Dumbledore, não é?” a sonserina perguntou, ainda sorrindo, e continuou a guia-la para longe da sala de aula. Quando finalmente pararam de andar, já estavam em outro corredor, paradas de frente para uma das janelas que dava par ao jardim de inverno do castelo. “Quis te acordar quando vi que havia pegado no sono, mas Arantxa não deixou. Disse que você está precisando dormir e que Dumbledore não iria se importar com… bom, alguém como você cochilando na aula dele.”

“Alguém como eu?”

“Refugiada, nova no castelo, provavelmente cheia de traumas.” Thomasin encolheu os ombros, não parecendo notar os olhos arregalados de Hermione. “O professor Dumbledore gosta de gente que ele pode ajudar,” ela continuou e o sorriso em seu rosto pareceu mudar, como se tivesse estragado. “Mas gosta ainda mais quando essas pessoas se deixam ser ajudadas.”

“Ainda assim não era razão para eu dormir na aula,” disse Hermione, olhando o jardim lá embaixo. Apesar do frio do início de Março, as flores começavam a aparecer nos arbustos, pequenas e escassas, como um prelúdio da primavera.

“Arantxa tem razão.” A voz de Riddle a fez erguer o rosto a tempo de vê-la levar uma mão ao seu ombro para ajeitar as vestes amassadas. Hermione sentiu o corpo tensionar por completo. “Você parece cansada o tempo todo. Se quiser, posso fazer uma poção calmante.”

Hermione não conteve a risada, a qual se intensificou ao ver como a bruxa a encarava, curiosa.

“Acho que vou dispensar qualquer coisa preparada por você,” a garota falou. “Nunca se sabe quais podem ser as suas intenções depois de-”

“Depois de quase ter sido afogada por você na banheira?” Thomasin completou, sorrindo. “Eu entendo que você estava em um momento complicado. Que ainda está, na verdade.” A bruxa suspirou e se sentou no parapeito da janela, olhando para o jardim de um jeito quase sonhador. “Acha mesmo que eu arriscaria matar uma colega dentro do castelo?”


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Esse capítulo acabou sendo um monstro do Frankenstein de dois ou três capítulos que tinha escrito antes. Por favor, digam aí o que estão achando... estou meio ruim pra responder review, mas saibam que todos eles são lidos e apreciados com muito carinho por este bárbaro que examina os órgãos dos outros (como diria a Arantxa) (((:



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