Konoha Before The Time — Arco 1: Instinto escrita por ThaylonP, Luizcmf


Capítulo 9
CAPÍTULO 09 — Refugiados da Morte




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O barulho de lâminas sacudiu a clareira. Eram inúmeras, indo de um lado para o outro e disparando faíscas por toda a parte. As batalhas haviam se afastado e agora aconteciam simultaneamente em partes diferentes da mata.

Misashi fez outro movimento com a shuriken gigante, acertando as lâminas no chão trazendo a arma do oponente consigo. A lâmina do sujeito era maleável, então, Ecchiro aproveitou que a shuriken estava fincada na terra e puxou a sua lâmina para cima, tirando-a da prensa. Ainda com a vantagem, a fez rasgar por entre uma das aberturas da shuriken, e então a ponta raspou no ombro de Misashi. O garoto puxou o corpo junto da arma, cambaleando com a perda do sangue. Era sua primeira vez sendo ferido em batalha, e se não se cuidasse, poderia ser a última.

Merda… porque eu não tô lutando…

• • •

Kusaku abaixou-se para ver o cutelo passar por cima de sua cabeça, e no segundo giro mais diagonal que Neda tentou, conseguiu defender-se com a kunai recurvada, mas o impacto o jogou para trás. Ele comeu poeira enquanto se arrastava na terra mas se recompôs logo. Se não fosse rápido, seria engolido pelo tamanho do oponente.

Ele tem muito mais massa que eu, isso me deixa em desvantagem. Mas eu tenho recursos… deveria usar aquilo agora?

• • •

O impasse de lâminas remeteu à lembrança de Asami em seu teste de admissão.

Lembre-se Asami, não é um teste. Ela realmente é uma oponente. Não é um genjutsu. É real.

A kunoichi cedeu ao peso feito pela mulher púrpura com sua espada-kunai, fazendo uma pirueta para o lado e girando a faca no indicador, já desferindo um segundo golpe cortante na direção do rosto da oponente. Matsumi, por sua vez, ergueu a lâmina maior, defletindo o ataque da menina. O choque das faíscas as afastaram, as duas raspando as solas dos pés na grama da clareira. De longe, a mulher preparou a lâmina para o ataque seguinte. Asami, por sua vez, estava mais cansada, uma gota de suor escorria de seu nariz.

— Vai começar a arfar logo cedo? — perguntou Matsumi, deixando um sorriso compor sua postura de batalha. — Essa é a nova geração depois da guerra?

Por que eu estou com tanto medo? A garota conteve as tremedeiras nos braços e nas pernas. Ficaria estável, venceria aquele duelo e terminaria sua missão.

— Só estamos começando — Asami rosnou.

• • •

Kusaku viu o cutelo levantar a poeira do chão quando Neda tentou cortar suas pernas. O garoto saltou para trás, e deixou o corpo ir alto para se prender num galho logo acima dos dois. Por um segundo, o Genin acreditou que estaria a salvo naquela altura, entretanto, o oponente correu na direção de um tronco de árvore reto e usou de impulso para alcançar a extensão da árvore. Kusaku saltou de lá no último segundo, retornando para o chão, mas o galho foi acertado. O cutelo prendeu-se lá, deixando Neda pendurado por um instante, mas no momento seguinte, despencou com tudo sobre o chão da área de combate.

É rápido para alguém do tamanho dele, Kusaku ponderou, caçando suas ferramentas dentro da mochila sem tirar os olhos do combate. Não posso gastar aquilo ainda, preciso ser engenhoso.

• • •

Misashi sentiu a lâmina passar rente aos seus olhos. Fez a Shuriken de Vento Demoníaco defletir a lâmina para longe, e depois a dobrou, empurrando as pás para dentro de sua mão, onde um segundo ataque de espada foi contido.

— Mais depressa, garoto! — Ecchiro solicitou, e tentou estocar três vezes seguidas.

Com a shuriken completamente aberta, o garoto defendeu, passando-a por cima do ombro e a girando pela argola. Atacou uma vez, fazendo-a rotacionar à queima-roupa, e Ecchiro evitou defender com sua espada, tomando distância. Foi então que Misashi pôde respirar tranquilamente. Apoiou a arma de arremesso gigante no chão e encarou o inimigo.

Por que eu escolhi essa arma… é muito pesada para usar por muito tempo.

— Já tá cansado não é, moleque? — Ecchiro ergueu a espada e apontou na direção de Misashi. — Sabia que isso aí é arma de adulto? Não é pra pirralho ficar desperdiçando, não…

Merda...

Misashi dobrou-a e guardou na mochila. O oponente achou divertido que ele estivesse disposto a ouvi-lo.

— Ora, ora, é uma folhinha educada…

O garoto olhou para suas mãos sujas da graxa da shuriken. Não era ao adversário que ele obedecia. O punho se fechou com força assim que a voz falou: “é uma arma muito respeitada pela Aldeia da Folha e só grandes ninjas podem carregá-la”. Não, recusou. Não carrego a shuriken por isso. Eu carrego porque é prática, porque funciona. Nada do que eu levo é por algo além disso.

— Você vai ficar aí parado!? — Ecchiro questionou.

E esses pergaminhos?”, ouviu a voz de Kusaku perguntar. A mão se fechou ainda mais, os pés se fincaram na terra. Não são da sua conta, não tem nada para você saber aqui…

— Um ninja que não sabe o que fazer no campo de batalha acaba morrendo, garoto. Se quer proteger o que quer que for precisa ser mais esperto, não pode facilitar assim pra mim. Porque se você não tomar as decisões, as pessoas vão tomar por você.

Misashi parou por um momento, as memórias martelando em sua cabeça. “Você é um ninja”, ouviu a voz. Ele não conteve a mão se fechando, os nós dos dedos esbranquiçaram.

— Eu tomo minhas próprias decisões — ele rebateu.

— Toma mesmo? — retrucou Ecchiro. — Se essa folha está na sua testa, significa que você não toma decisão nenhuma.

O garoto engoliu em seco.

— Significa que você escolheu servir, em vez de decidir. Servir o que quer que for, qualquer comando que vier de cima. Significa que você é mais um soldado disposto a matar e morrer pela sua Aldeia…

É só pelo dinheiro, pensou Misashi, mas o pensamento não pareceu fazer sentido.

— Você não é mais alguém que decide por conta própria, você é uma ferramenta. Você é um ninja.

Misashi estremeceu de uma vez só. A voz do sujeito à sua frente assemelhava-se muito à voz do seu passado. Merda, merda, merda…

Do outro lado, Ecchiro ajeitou a postura e brandiu a espada. Parecia ter pego o shinobi em sua armadilha, e usaria cada brecha ali para feri-lo. O garoto, por outro lado, manteve-se de cabeça baixa, alheio aos movimentos de seu adversário. Sem vê-lo, o oponente disparou em sua direção.

Eu… tô aqui. Já sou um deles, eu… não tenho mais decisão? Essa bandana na minha testa significa isso? Pelo quê eu tô lutando?

O adversário se aproximou com a espada em punho. Esticou o braço para o lado para pegar o Genin em cheio, mas antes de acertá-lo, o garoto disparou:

— Ei, você quer o pergaminho?

O magricela tomou um susto com a pergunta, interrompendo a investida. Os olhos arregalaram, a boca abriu, deixando-o com uma aparência tensa, mas que foi perdendo a postura a medida que ele entendeu que havia algo a ganhar com o que o garoto propunha, mesmo que fosse traiçoeiro.

— O que cê tá tramando?

— Não tô tramando nada — Misashi respondeu, bate-pronto. "É um Tratado que pode selar a paz entre os dois países."— Se quer o pergaminho, pode ficar sabendo que está comigo. Cê não vai ganhar nada indo atrás do resto da minha equipe.

Ecchiro estava desconfiado. Baixou a espada, examinou o jeito que o garoto dizia as coisas e depois fez um pedido:

— Prova pra mim — gritou de longe, abrindo os braços. — Prova que não é mentiroso.

Misashi olhou-o por um momento para rever o que estava fazendo, mas demorou poucos segundos para perceber que não havia nada a perder. Então, puxou a mochila para sua frente, abriu-a de uma vez, arrancou um pergaminho de dentro e deixou a mochila cair no chão. Percebendo que o sujeito ainda fitava o pergaminho com desconfiança, Misashi colocou-o virado para baixo, ergueu dois dedos e disse:

— Henge! (Técnica de Transformação)

O pergaminho que abrigava o Tratado de Aliança entre Iwagakure e Konohagakure tomou sua forma original, quase da mesma altura do Genin que dava luz a ele.

— Satisfeito? — ele perguntou.

— Muito — Ecchiro respondeu, dando um passo à frente.

— Ei — Misashi foi em seu bolso e puxou um fuda (papel) explosivo. Colou-o no pergaminho num movimento rápido e levantou dois dedos. — Mais um passo e eu explodo ele.

Ecchiro refreou a felicidade, estranhando tudo aquilo.

— O que você quer, garoto?

Misashi concordou com a cabeça vendo a possibilidade de fazer um trato.

— Se você cumprir minhas exigências, sai daqui com o pergaminho. Se não, nada feito.

— E quais são elas?

— Número um — ergueu um dedo. — Você não vai atrás do restante da minha equipe, sairá daqui, reunirá seu pessoal e fará o que tiver que ser feito com o pergaminho.

Ecchiro olhou para o garoto como se ele estivesse fazendo uma piada. Era um trato onde apenas ele era beneficiado, enquanto o pequeno ninja ficava a ver navios.

— Certo, isso é m…

— A segunda e última exigência é simples — ele fez uma pausa, ponderando o que ia sugerir. — Você vai me contar exatamente o que aconteceu. Como se tornaram refugiados, porque vieram parar aqui e principalmente… o quê os ninjas fizeram com vocês.

• • •

Asami sacou uma segunda kunai e a lançou contra a oponente, no entanto, durante a trajetória, a mesma fez um segundo arremesso com a outra ferramenta que tinha em mãos. A kunai recurvada acertou o cabo da primeira faca ninja e com um empurrão, deu potência a kunai.

Agora, preciso conduzir chackra para meus pés e aumentar minha velocidade, pensou a garota enquanto acelerava na mesma direção de seu arremesso.

Do outro lado, a mulher abaixou-se no susto, sem esperar a velocidade da faca. A kunai passou raspando por cima de sua cabeça e enfiou-se bem fundo num tronco graças à força do arremesso. Então, a mulher viu Asami aproximar-se brandindo a arma que ainda ricocheteava no ar após ter acertado a outra e tentou erguer a sua, porém, devido a rapidez do ataque, não pôde defender-se corretamente e o gancho na ponta da lâmina da menina abriu um rasgo em seu rosto. Matsumi nem teve tempo de se ver sangrar e reagiu, girando a faca para uma posição de estocada e indo contra a barriga de Asami, mas a menina conseguiu baixar a mão com a faca, a tempo de aparar o golpe.

A mulher púrpura saltou assim que as armas clicaram juntas, e seu giro veio com uma perna que acertou a Genin no peito, lançou-a para trás. Asami bateu no chão e se ergueu de uma vez, sentindo os pés deslizarem, mas a mulher ainda estava alucinada. Pela primeira vez, a garota encarava a fúria de um oponente estranho, e o susto a paralisou por um milésimo de segundo. Assim que piscou, a mulher brandia a faca de cima para baixo, mirando a ponta para o pescoço de Asami.

Preciso desviar, pensou, deixando que seu corpo agisse por ela. A dança guiou-a sozinha, e a garota baixou o tronco inteiro para ver a mulher passar. O braço estendeu-se para além dela, abrindo uma brecha, e então, Asami engatou-a no pescoço e na axila, pôs seu corpo debaixo da mulher e a fez dar de encontro com o chão num movimento de alavanca. A mulher largou a faca para o lado, e rapidamente, Asami usou a sua para ameaçá-la no chão.

Eu… eu… conseg…

— Não se mexe! — pediu, alta demais devido a euforia.

Eu consegui, pensou, quando a mulher apenas obedeceu, zonza pelo ataque.

• • •

— Vai atacar finalmente? — Neda ganiu, posicionando o cutelo na frente do corpo com o fio apontando para Kusaku.

Vou!

Ainda agachado, o garoto flexionou as coxas para lhe dar mais base e disparou uma dupla de shurikens na direção de Neda. As duas fizeram uma curva ampla antes de atingir o cutelo que ele usou para se defender. Porém, quando chicotearam, se mexeram o bastante para revelar os fios de metal ligados a elas.

— Linhas? — Neda perguntou-se, abobalhado. — Acha que vou cair nesse truque barato!?

Kusaku não respondeu, apenas arremessou duas kunais. Uma delas ricocheteou no cutelo, porém a outra passou ao largo do corpo do brutamonte.

— Sua mira está piorando, folhinha!

O ataque o alcançou mais uma vez, e o cutelo desceu poderosíssimo. Kusaku apenas recuou num salto curto e depois, disparou mais duas kunais à queima-roupa. Ambas passaram rente a cabeça de Neda e zuniram na floresta. Sem tirar o cutelo do chão, Neda lançou-se para uma ombrada que levantou Kusaku do chão. O garoto caiu, rolou para próximo de um tronco de árvore e correu por ali mesmo, escalando na vertical. No meio do trajeto pleo tronco, virou-se para o oponente uma outra vez, disparando mais um trio de kunai.

Neda retirou o cutelo do chão para defender-se das armas, e nesse movimento, viu que Kusaku estava realizando selos de mão para uma técnica ninja.

— Ah não — gritou, e no mesmo puxão para arrancá-lo do chão, Neda disparou o cutelo na direção do garoto.

A lâmina veio girando velozmente e acertou Kusaku no corpo inteiro, pegando cabeça, peito e estômago.

— Te peguei! — comemorou o grandalhão.

A boca do rapaz abriu para reclamar de dor, mas, de repente, seu corpo virou uma porção de folhas.

— Kawarimi (Ténica de Substituição)?

Uma kunai veio do alto e Neda levantou os braços para tentar defender-se, entretanto, ela caiu do lado de seu corpo. Uma outra também caiu mais à distância, ele viu, próximo de onde as primeiras shurikens haviam caído. Lá em cima, Kusaku estava apoiado num galho, observando tudo. Neda, que perdera seu cutelo, gritou um insulto:

— Ei, é assim que funciona na vila de vocês? Fogem antes de que tudo comece?! — ele fez menção de levantar o punho, mas a mão travou junto do braço. De repente, as pernas também estavam dificultadas.

Kusaku desceu de lá, pousando perto. Funcionou.

— O quê… você…

— É uma armadilha simples — ele aproximou-se e tocou nos fios que prendiam o homem. — Eu só precisei colocar as kunais e shurikens no lugar certo — disse.

— Seu maldito! — Neda reclamou.

Foi por pouco, eu teria desperdiçado um bom jutsu se o usasse agora. Kusaku olhou em volta e sentiu falta dos sons de batalha dos seus companheiros. Será que estão bem?

• • •

— Quer mesmo saber? — Ecchiro falou, como se desafiasse o rapaz.

— Você sabe a resposta — Misashi entregou, apertando a dupla de dedos erguidos em riste.

— Está bem — o sujeito tossiu um pouco, o corpo reagiu com espasmos. — Vou contar.

Misashi olhou-o sem piscar, curioso sobre o que ouviria, mas sem conter uma preocupação pulsando de sua barriga. O quê ele diria? Quão ruim tudo havia sido para que ele chegasse até ali? E quão ruim tudo teria que ser para que ele entendesse o que estava fazendo?

— Não posso falar por todos nós, até porque só encontrei a maioria a pouco tempo — começou, ajeitando a espada para o lado do corpo. — Mas posso falar por mim — a voz começou a perder o tom gritado, passando a um timbre duro porém não exaltado. — Meu pai queria ser voluntário na guerra. Não sei se sabe, mas os voluntários tinham de cumprir uma porção de etapas até entrarem num dos exércitos. E… bom, o meu tentou bastante, dos dois lados do fronte. No País da Chuva, achavam-no muito velho pra sobreviver a escassez de alimento, morreria rápido. No País do Fogo, achavam-no muito velho para pegar em armas, e sem energia para lutar, morreria ainda mais rápido.

O homem parou para fitar o chão.

— Eu tinha idade para me alistar mas não queria. Meu pai não tentou me obrigar. Na verdade, ele não conseguiu tentar quase nada depois de ser rejeitado. Passou um tempo se lamentando pelos cantos, enchendo a cara de bebida e se fazendo de coitado. O problema é que isso encurtou o dinheiro lá em casa, e como éramos só nós dois, arrumei outros trabalhos para compensar, enquanto ele ficava em casa. Ele mal deixava o quarto, só saía pra comer e beber, mas deu pra conviver com ele nesse meio tempo. E enquanto ia e vinha das obras — Ecchiro permitiu-se um sorriso. — Eu acabei conhecendo uma garota do País da Chuva. Ficamos juntos pelo tempo que ela estava aqui, mas antes que conseguisse pedi-la em casamento, sua caravana precisou partir e eu só pude ter contato através de cartas. Tentei pedi-la mesmo assim, mas seu pai nos impedia, pois eu não era um dos homens lutando na guerra.

Ecchiro cerrou os punhos, tanto o livre quanto o que segurava o cabo da espada.

— Então, precisei me alistar. Fui aceito no quinto batalhão do fronte do País da Chuva. Quando voltei para casa admitido, meu pai riu com desgosto da minha decisão e pediu que eu saísse de sua casa — ele tossiu. — Eu saí, morei nos acampamentos de soldados rasos, fiquei uns bons anos lutando. A guerra começou a piorar, e a cada ano conquistávamos e perdíamos territórios. Até que chegou um ponto que eu não reconheci mais em que lugar do mundo eu estava lutando. Era tudo morto, e o que ainda estava vivo, precisava morrer.

Misashi sentiu um tremor atingi-lo nas pernas. Do outro lado, o homem tinha dificuldades pra prosseguir. Agora, tossia bastante entre cada fala.

— Numa dessas batalhas, meu esquadrão adentrou os campos do País da Grama, o que nos fez ter que travar uma batalha acirrada numa cidade pequena. Não sabia o que esperar de um conflito como aquele, mas — ele engoliu em seco — houve um momento no meio das explosões e ataques, que percebi por onde havíamos passado. Tentei verificar se eu estava certo quando a batalha acabou mais tarde naquele dia, e acabou que eu estava. Passamos por cima destruindo tudo do meu antigo bairro, do meu antigo bar preferido, da minha antiga casa. — Ecchiro levantou o peito para gritar aquilo. — Meu batalhão matou meu pai, garoto. Eu matei meu pai.

Misashi vitrificou os olhos, paralisado com aquela história. Ele…

— Anos mais tarde — o homem fungou —, quando a guerra terminou, finalmente podia montar minha família com minha esposa. Havia esperado por aquilo por todo aquele tempo, tudo aquilo seria recompensado. Minhas lágrimas valeriam a pena. Mas eu… eu…

Mais um ataque de tosse acometeu o homem. Misashi olhou preocupado. Ele não havia tossido antes no acampamento, e nem durante a batalha. Ele estava doente?

— Ainda haviam rebarbas dos conflitos antigos, e num desses ataques ao País da Chuva, o País do Fogo incendiou a minha casa. Minha mulher estava lá dentro. Não pude fazer nada para evitar.

O garoto baixou os dois dedos que sustentavam sua ameaça. Os ombros desceram vagarosamente. O pai… a esposa… tudo por…

— Fiquei vagando por muito tempo, indo nos países vizinhos procurar refúgio. Mesmo dizendo que já estive a frente de um batalhão, nada me fazia ter uma casa de volta. Às vezes, nem comida. — a voz voltou a ganhar peso. — Eu encontrei esse grupo de agora, e me assusta que tenhamos nos dado tão bem apesar de sermos tão diferentes. Acredito que isso acontece porque as nossas histórias são iguais — a agitação de antes começava a retornar. — Matsumi teve seu filho assassinado quando o garoto resolveu roubar um pão. Neda era um morador do País do Fogo que teve os avós mortos quando tentavam fugir dos locais de batalha. São todas as mesmas histórias, moleque — gritou. Depois, duas mãos gesticularam, fazendo-o balançar a espada. — Somos inimigos da mesma coisa.

Misashi engoliu em seco.

— Ninjas, moleque. São eles que geram esses conflitos, são eles que fazem a força que dá a arrogância para cada País sair apontando o dedo para onde quer destruir — a tosse tentou vir, mas ele a conteve dentro do peito com mais um grito. — Eles são o problema, garoto. Você é o problema!

Por um momento, Misashi achou que despencaria sobre seus joelhos, mas algo além de sua conta o manteve de pé.

— Mas e… eu não… — ele balbuciou.

— Não? — Ecchiro voltou a debochar. — Então o quê é isso na sua testa? Não é o sinal da sua lealdade?

O Genin deixou as mãos caírem do lado do corpo, mas só pôde responder quando quase se engasgou nas primeiras palavras.

— É… só pelo dinheiro — explicou, as mãos abertas. — Como você… quando teve que trabalhar…

— Só pelo dinheiro? — o rosto do sujeito afunilou de desgosto. — É uma desculpa tão boa quanto você pensa que é? De verdade?

Não, não é, você sabe que não.

— Porque no fim — ele continuou —, quem te vê, te vê igual a todos os outros. Não importa porque você faz o que faz. Você continua sendo o que é. Um garotinho com uma folha na testa — concluiu.

Você costumava marcar sua testa mesmo sem a bandana de verdade, se lembra? Misashi ouviu a voz da mãe sussurrar em sua mente. E ainda guarda tudo que seu pai te deu. Os pergaminhos, as armas... As lágrimas da mãe estavam palpáveis agora. Nada o impedirá de se tornar um ninja, Misashi. Você já é um. Sempre foi. Está dentro de você.

Agora era Misashi quem chorava. As gotas escorriam pesadas e se espatifavam na grama.

— Não importam suas razões — Ecchiro ainda prosseguiu, e Misashi mal notou que ele andava em sua direção. — Você ainda é motivo de tudo isso.

Misashi ouviu mais uma tosse. O sujeito estava bem próximo agora, um braço de distância. A ponta da espada encarava o chão.

Você é um ninja, não importa o que você faça.

— Agora, cumprida minha parte do acordo — Ecchiro estendeu a mão —, eu posso pegar o pergaminho?

É um ninja, a voz da mãe repetiu.

Misashi arrancou o papel-bomba do pergaminho e guardou no bolso, ainda sem pensar bem em suas ações. Estava desfocado. O sujeito esticou a mão esquerda em direção ao pergaminho, e quando encostou no papel, tentando puxá-lo para si, a outra mão levantou igualmente, mas dessa vez, para perfurar Misashi com a espada.

Um ninja, ouviu.

— Morra! — Ecchiro gritou.

• • •

Kusaku puxou seu caderninho para anotar o que havia acontecido. Fez questão de desenhar o trajeto de suas armas, e a consequência da armadilha. Balançava a cabeça negativamente, desaprovando sua velocidade de ação e tomada de decisão.

Poderia ter ido mais rápido… e um das linhas está frouxa.

— Ei — o homem preso chamou. — Esse é o seu relatório de missão?

Kusaku não respondeu.

— Anota isso aqui então — Neda preparou um pigarro e disparou na direção do garoto.

Kusaku se desviou, mas sentiu umas gotículas lhe atingirem na testa protegida pela bandana. Olhou para o homem, e ele parecia satisfeito de ter acertado ali. Entretanto, enquanto debochava, movia o rosto de uma forma estranha, contorcendo cada membro do seu rosto, como se mastigasse um chiclete muito duro.

— O que está fazendo? — Kusaku perguntou.

O sujeito continuou fazendo aquilo, até que o menino percebeu o que estava havendo. Neda estava mexendo no gorro que circundava sua cabeça, fazendo-o ir de um lado para o outro, para cima e para baixo. Contudo, antes que pudesse repreendê-lo, viu algumas bolinhas escuras escorrendo do gorro e indo direto para a boca aberta de Neda. O homem engoliu e abriu um sorriso.

Aquilo eram...

De repente, o rosto do sujeito começou a mudar, ganhando uma cor vermelha. Apareceu suor em diversas partes do corpo, ele estava transbordando e pingando excessivamente. O corpo parecia quente pois o ar em volta tremulava como se observado por cima de uma fogueira. E num movimento único, Neda deu um puxão nas linhas de metal e elas se partiram.

O quê!?

Kusaku tentou ir para trás, mas no mesmo movimento, percebeu a aproximação do joelho de Neda na altura de seu rosto. Ergueu os braços mas o ataque alcançou-o mesmo assim, fazendo-o quicar com as costas no tronco atrás de si. O baque o fez perder uma porção do ar, e assim que foi rebatido pela madeira, veio parar novamente no raio de ação do brutamonte, que martelou o punho nas costelas de Kusaku.

O garoto gritou, indo parar longe, arrastando o corpo na terra. Tentou se recompor, mas as dores o sacudiam.

Não tem dúvidas... eram pílulas de comida. Mas... como ele…

— Com essa costela quebrada, duvido me prender outra vez — anunciou ele.

• • •

A mulher púrpura encarou o chão por um momento, enquanto a faca em seu pescoço pedia imobilidade. Não parecia disposta à rendição apesar da péssima condição em que se encontrava.

— Por que não me mata logo? — Matsumi perguntou.

Asami ficou sem reação por um momento. Era um jogo? Ela estava tentando brincar com ela?

— Do quê está falando?

— Eu não fui clara? — a mulher foi retórica. — Por que não me mata de uma vez?

Matar ela? Por quê? Ela está rendida… ela está tramando alguma coisa.

— Digo porque seria mais simples do que me render aqui, talvez me amarrar, e me levar para a prisão de sua Aldeia. Por que ainda estou viva?

A kunai apertou mais no pescoço.

— Ninjas… vocês são máquinas de espionar, roubar, matar e conquistar. E ainda assim, quando tem a chance na mão de fazer algo, hesitam. Você hesita em me matar, garotinha — Matsumi disse, engolindo um nó na garganta. — Mas eu nunca hesitaria se tivesse a oportunidade. E você deveria fazer o mesmo.

A mulher ficou mais leve de repente, mais fácil de encaixar a lâmina. Asami se aproveitou disso, pois deixou ainda mais encostada ao pescoço de Matsumi.

— O quê estou dizendo? — a mulher surpreendeu-se consigo mesma. — Há anos que peço pela misericórdia de pessoas como vocês… — ela balbuciou. — Uma misericórdia que vocês nunca tiveram, e quando finalmente chega o momento, eu não imploro pela minha vida. Eu peço para que seja rápido. Mas... ainda é misericordioso. Ainda é justo… não acha? — Asami não respondeu. — Pois eu acho.

Houve uma pausa curta, Asami sentiu a tensão aumentar.

— O suficiente para eu fazer por mim mesma.

A mulher foi em direção a faca em seu pescoço de uma vez, riscando uma abertura que começou a jorrar. Asami arregalou os olhos, arrepiou o corpo e deu dois passos para trás, vendo a mulher se inclinar para frente. Entretanto, em vez de cair morta, a mulher aproveitou a soltura, segurou a ferida com uma das mãos e se levantou. Asami mal pôde reagir, e a mulher deu um soco cruzado no rosto da garota, depois girou o corpo inteiro para lhe dar uma pesada com o pé direito.

A Genin foi arremessada para trás, sentindo a dor dos dois golpes do rosto. Na grama, tentou se levantar para verificar o estado da mulher, que apertava o pescoço para conter o sangramento.

Ela vai... desse jeito ela vai morrer, Asami pensou.

Entretanto, Matsumi continuou, sempre respirando pesado para manter-se viva, segurando o rasgo que jorrava sangue enquanto sua outra mão procurava uma solução. A mão adentrou o top e saiu de lá em forma de concha, uma que segurava algo pequeno. Eram três pílulas roxas.

Asami reconheceu o que era e assustou-se. Primeiro, com a quantidade de pílulas que ela pretendia tomar, e segundo pelo fato dela tê-las sem ser uma ninja. A mulher não hesitou, jogou as três dentro da boca e engoliu.

Tudo de uma vez? Ela é louca!

— Você reconhece, não é? — a mulher estendeu a mão. — Há coisas que servem para todos. E vão servir para agora.

A mulher fez uma pausa, como se sentisse uma nova energia fluir de si.

— Não se preocupe — a mulher começou a falar. A cabeça estava baixa, e da testa brotava uma veia enorme. O pescoço ficou inteiro vascularizado. De repente, ela arrancou a mão, e o ferimento não sangrava mais, fechado. — Levarei seu corpo de volta à vila.

As bochechas da mulher secaram, os olhos se estreitaram e perderam a vermelhidão. Ela partiu na direção de Asami de uma vez só e a garota ergueu os braços para se defender, porém, a ferocidade da investida a confundiu, fazendo-a escolher cobrir a cabeça em vez da barriga, onde o chute a acertou. A garota bateu no chão, capotou e se recompôs na última cambalhota por pouco. Sentia a dor escalar até em cima, uma queimação. O golpe fora poderosíssimo.

O que há com ela... a velocidade, a força... ela...

• • •

A cena retornou de uma vez, o impacto da lâmina havia sido definitivo. Entretanto, o resultado do embate era Misashi bem afastado de Ecchiro, empunhando uma kunai recurvada e segurando um pergaminho num dos braços. Do outro lado, o magricela acabara de dar um golpe de espada em algo resistente, e então, a lâmina começou a rachar até quebrar. Surpreso com os cacos abaixo de seus pés, Ecchiro anunciou:

— Reflexos impressionantes, folhinha.

Misashi ainda estava fora de si, reconhecendo aos poucos o que havia acontecido.

Meu corpo... reagiu sozinho.

Lembrou-se dos lapsos da cena, dando um passo à frente para puxar o pergaminho enquanto erguia a kunai para defender-se.

Eu…

Ele olhou para a mão. Ela estava arranhada e quente, sinal de uso de chackra.

... direcionei meu chackra para a kunai, por isso a lâmina quebrou... mas eu não estava querendo fazer. Eu...

"Um ninja."

— Não — o garoto respondeu pra si mesmo, mas acabou guiando a resposta para o sujeito. — Por que... nós tínhamos um trato.

— Desculpe, folhinha — Ecchiro respondeu. — Não posso desperdiçar essa chance — tossiu. — Você, junto desse pergaminho, é nossa passagem de saída das ruas…

— Mas... eu n...

Eu não quero lutar.

O sujeito continuou tossindo mais, disparando inúmeras rajadas pela boca. Até que, num movimento meio desajeitado, ele pegou algo dentro do bolso da calça. Eram duas pílulas roxas.

— Pílulas de Comida? — Misashi observou.

Ele vai usar... mas há quanto tempo ele não come?

As tosses do sujeito pararam, e assim que ele ficou estável, largou a arma no chão. O pescoço ficou avermelhado, as orelhas também. O peito parecia ter sido esmurrado por tapas.

— Agora podemos ficar de igual para a igual — Ecchiro abaixou o corpo, as mãos se prepararam. — Dois ninjas inexperientes.

Não! Eu não quero lutar.

— Vamos lá, folhinha, seja a nossa liberdade — o sujeito preparou uma posição de mão, realizando um jutsu.

Um jutsu!? Não, eu não...

Ele parou no selo de Tigre.

Não quero lutar por isso!

• • •

As costelas… Ele pode não ser médico, mas talvez o diagnóstico esteja certo, Kusaku pensou, tentando se colocar de pé. Não consigo apoiar meu peso no lado direito, e minha boca tem gosto de sangue. Ficou de pé com dificuldade.

Neda olhou e riu do outro lado do espaço gramado.

Pílulas de Comida repõem o chackra e o vigor do usuário. Também podem agir em ferimentos superficiais se forem tomadas imediatamente. Mas são vendidas exclusivamente em bases e em comércios cadastrados pela Aldeia Oculta correspondente. Como ele tem isso?

O homem não atacou, apenas uniu as duas mãos e começou a fazer selos de mão vagarosos.

Uma técnica ninja? É impossível!

Kusaku pensou melhor.

O chackra das pílulas... será que...

• • •

Antes que a garota terminasse de entender o que estava havendo, a mulher levantou as duas mãos e a pôs num formato que Asami conhecia.

Selo de carneiro!?

Mais algumas posições vieram até ela terminar na mesma que havia começado.

— De igual para igual, não? — a mulher gritou, terminando o jutsu.

Uma técnica dessas?!

Os três refugiados dispararam ao mesmo tempo.


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