Um Amor Desperdiçado (Cebônica) escrita por Linesahh


Capítulo 1
Cebônica I One-Shot


Notas iniciais do capítulo

SAHH NA ÁREA!!

Olá, fãs de TMJ! Como vão nessa “véspera da véspera de Natal”?

Bem, hoje trago para vocês, como forma de um carinhoso presente, minha primeira one-shot do universo de TMJ! Confesso que estou muito ansiosa e gostei bastante de escrevê-la!

Obs. Lembrando novamente que essa fanfic é baseada totalmente na Edição 48, “A Invasão dos Robôs-Zumbis”.

É isso, tenham uma boa leitura ♥️



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Um Amor Desperdiçado

Por Sahh

 

O ambiente se encontrava parcialmente escuro, refrescado pela brisa própria de outubro. O pequeno e, de certa forma, sagrado laboratório do eterno “Cientista-da-Turma” continuava intacto; ao menos, em questão da parte física do interior e exterior do local.

O recinto agora carregava o dobro de peças, equipamentos, gráficos, invenções finalizadas e não-finalizadas, ferramentas e parafernálias que se comparado há alguns anos. Tal cenário revelava que seu dono, definitivamente, havia entrado na vida prática de um verdadeiro inventor.

Um rapaz loiro e de feições simetricamente atraentes jazia debruçado acima de uma mesa. Seus olhos, a centímetros de distância de duas lentes pertencentes à um microscópio que fora comprado há pouco, analisavam, sem piscar, uma espécie de bactéria. Ele revezava entre focar, olhar e anotar informações em um caderninho ao lado. Ao fim de cada estudo, substituía a amostra por outro fungo ou microrganismo.

O estômago roncava sem som aparentemente audível, o que denunciava que ele havia dispensado o almoço naquele dia. Era mais que certo que tal atitude ativaria, mais uma vez, a irritação da esposa.

Franja simplesmente não conseguia evitar. Era impossível para todos que o conheciam desde pequeno não notarem a tremenda paixão que ele carregava pela ciência. Agora, como um verídico inventor, sentia-se totalmente realizado e pronto para trabalhar com o máximo de afinco possível.

Prestes a dar continuidade à pesquisa daquele dia, sua atenção foi chamada ao escutar a porta sendo aberta. Virou-se, pronto para dar a mais convincente desculpa para Marina acerca de sua ignorância quanto à própria alimentação; contudo, intrigou-se deveras ao contemplar a pessoa atrás de si.

Era ninguém mais que a eterna “Líder-da-Turma”, com seus recém 25 anos completados.

Mônica.

Ela estava sozinha. Em seus braços, repousava um bebê de quase três anos, que, apesar de acordado, permanecia quietinho e comportado. Seus olhos grandes e escuros olhavam para tudo com bastante curiosidade, a boca ocupada com um de seus objetos preferidos: a chupeta em formato de coelhinho.

O lindo filhinho da Mônica.

Franja logo recuperou-se da surpresa, porém, manteve as sobrancelhas meio arqueadas.

— Mônica? Há quanto tempo — cumprimentou, intrigado. — O que faz aqui?

A jovem que, atualmente, era caracterizada pela maioria das pessoas como possuidora de uma beleza singular e magnífica, naquele dia, não carregava uma expressão alegre sobre seus refinados traços. Seus cabelos, que há muito abandonaram o típico corte “capacete”, caíam em formosas camadas por seu rosto, emoldurando-o lindamente. Como de costume, eles continuavam sem alcançar seus ombros.

Mônica ajeitou o garotinho em seus braços e direcionou seus destacados olhos castanhos para Franja. Ela nitidamente transpassava uma mistura de firmeza e incômodo. As palavras que saíram de seus lábios desabrocharam, de imediato, a atenção do amigo:

— Franja, preciso da sua ajuda.

▪️▪️▪️

O mundo, definitivamente, estava agitado naqueles últimos dois meses. Não era à toa tanta animação apresentada por cada habitante do Planeta Terra; o Projeto Nanita havia dado os frutos prometidos — ainda mais. Desde que as vacinas-nanitas foram testadas e liberadas pelo mundo, cada doença existente, uma por uma, foi sendo dizimada.

Agora, já não existia mais quaisquer tipos de enfermidades, tanto as mais graves — câncer, tuberculose, meningite, leucemia etc. — quanto as mais levianas e, também, frequentes — febre, gripe, enxaquecas. Parecia que aqueles nano-robôs minúsculos haviam surgido como uma tecnologia milagrosa. Algo perfeito e maravilhoso.

No Bairro do Limoeiro, então. Tudo o que se ouvia era o inacreditável fato de que, após uma única dose da vacina, Luca e Dorinha terem se recuperado de suas deficiências físicas como se elas nunca tivessem os acompanhados a vida inteira.

— A Dorinha tá enxergando melhor que nunca, e olha que nem com sequelas ela ficou — Maria Cascuda, que empurrava um carrinho que continha seu bebê recém-nascido, comentava a novidade com sua amiga, Isadora. — É de assombrar!

Isa concordou, enfática.

— Nem me diga — ela jogou um punhado de biscoitos recheados na boca. — Ao que parece, a Bulbus Tech acertou em cheio. Vai mudar o mundo completamente. Já tá mudando, na verdade.

Um pouco longe dali, em uma agradável e muitíssimo limpa moradia, havia três amigos conversando. Um dos rapazes se tratava do dono da casa arrumada, e isso seria de se estranhar muito caso um detalhe não fosse levantado: sua esposa, rígida e assustadora, Maria Cascuda.

— Não façam barulho, hein? Finalmente consegui botar a torresminha pra dormir — Cascão alertou o casal de amigos que haviam lhe feito uma visita.

Uma ruiva de maria-chiquinha revirou seus brilhantes olhos esmeraldas, desgostosa.

— Jesus-Maria-José. Pode apostar que se tem algo que assombraria minha vida seria receber um apelido péssimo como esse — Denise, como sempre, não perdeu tempo em expressar sua indignação quanto ao nome carinhoso que Cascão ofertou a sua filhinha.

— Desencana um pouco, Denise — Xaveco, seu bonito esposo, balançou seu ombro, censurador e amigável. Ele voltou-se para Cascão, e percebia-se que, naquele dia, mostrava uma aura contente. — Mas sabe, ainda não consigo acreditar que ontem mesmo vi o Luca jogando uma pelada com a galera do bairro — ele comentou, desacreditado. — É surreal vê-lo andando, não acham?

— Sem contar que, se antes já chovia mulher na horta dele, agora vai trans-bor-dar — Denise foi cutucando-o com o cotovelo à cada sílaba proferida. No fim, gargalhou e foi acompanhada pelos rapazes.

Cascão, após se recuperar, abriu um leve e — por algum motivo — melancólico sorriso.

— É. Estou muito feliz por ele — falou; contudo, soou mais como se reafirmasse tal coisa para si mesmo. Então, o sorriso desapareceu. — Bem... pelo menos algo de bom aquela empresa tinha que fazer, né?

O tom irônico e amargurado não passou despercebido ao casal. Denise e Xaveco se olharam em cumplicidade.

— Não era como se não soubéssemos que ele ia conseguir — Denise foi a primeira a se pronunciar, sincera. — Que dizer, ele sempre foi um tipo de gênio-único.

— É verdade. Ele pode ter se afastado, mas pelo menos tá usando sua inteligência para ajudar o mundo — Xaveco olhou para Cascão como se para reforçar seu ponto de vista. — Possuindo defeitos ou não, o Cebola realmente está conseguindo mudar o mundo. E pra melhor.

Cascão suspirou. Sim, sabia bem de tudo aquilo. Até demais. Só que... jamais conseguiu evitar a tremenda frustração que lhe preenchia toda vez que o assunto se direcionava ao seu melhor amigo.

Correção: antigo melhor amigo.

No sofá, remexeu-se desconfortavelmente.

— Eu sei, mas... quando foi a última vez que a gente o viu pessoalmente? — expôs sua frustração. — Eu sei que sempre soubemos das ambições dele, mas...

— Parecia que ele sempre estaria junto da turma, né? — agora, foi Xaveco quem mostrou certa melancolia. Ele balançou a cabeça, forçando-se a afastar o desânimo. — Bem, mas as coisas são assim. Sempre soubemos que seria. E, além do mais, não era apenas a presença do Cebola algo que achamos que sempre estaria presente. Depois de tudo que rolou, e ainda considerando o que houve entre ele e a Mônica...

— Acorda, Cascão — Denise interrompeu o esposo, mas apoiou-o sem titubear: — Tudo o que o Xaveco tá dizendo tá certo. Jamais que o Cebola aguentaria ficar em contato com a gente, afinal, a Mônica está entre nós — ela baixou o tom. Falou, com mais seriedade: — Gente, ele era completamente apaixonado por ela. Se bobear, continua a ser até hoje.

Cascão soltou um suspiro derrotado. Apoiou o braço no encosto do sofá.

— Mas como imaginar que por causa dessa loucura um afastamento desse nível ia acontecer? Quer dizer, até a Mônica tá levando a vida normalmente...

— Rá, mas isso é o que seus olhinhos nada atentos enxergam, meu querido — Denise estalou a língua. — Mesmo com a vida estabelecida, pode apostar: a Mônica, nem de longe, casou com o amor da vida dela.

— E por causa disso, cê acha que ela devia ter casado com o Cebola? — Xaveco replicou, um pouco indignado.

A moça balançou a cabeça.

— Opa, lógico que não — se defendeu. — Eu disse que ela não casou com o amor da vida dela. Não significa que ele tenha que ser justamente o Cebola. Mas... quer saber? Mesmo que fosse ele esse “grande amor”, nem em mil vidas, mil vidas, eu torceria pra eles ficarem juntos — suspirou. Seus olhos verdes apresentaram, surpreendentemente, grande carga de taciturnidade. — Ao menos, nessa vida, acho que o Cebola jamais conseguiria fazer ela feliz.

▪️▪️▪️

É... acho que jamais mesmo.

Magali que, coincidentemente, divagava sobre o mesmo tópico de Denise, soltou um longo suspiro.

Estava claro que a antiga comilona do bairro havia conversado com a melhor amiga mais cedo. Só isso explicava o porquê de todos aqueles pensamentos tristes e, infelizmente, sem futuro para serem esquecidos, estarem a atormentando.

Daquela vez, porém, havia algo a mais: preocupação. Aquilo que Mônica havia lhe contado era algo sério, com potencial para causar um caos irreversível no mundo. Bem quis acompanhá-la até o laboratório de Franja, mas a amiga impediu-a, alegando ser melhor não chamarem atenção. Além disso, Magali ainda tinha alguns pacientes para atender no período da tarde; o trabalho de nutricionista, apesar de sua verdadeira paixão, tinha seus momentos puxados.

— Espero que nada aconteça... — pegou-se desejando fervorosamente. Seu nervosismo havia, como sempre, desencadeado sua fome, o que lhe levou a comprar uma casquinha de baunilha. — Espero, de coração, que seus medos estejam errados, Mônica...

Mas... talvez não devessem se preocupar tanto. Apesar de não se verem mais, todos ainda podiam contar com Cebola, não? Ele havia mudado muito desde a adolescência, é verdade, mas ele certamente preveria algum perigo que seus projetos poderiam trazer. E, se as vacinas estavam circulando há dois meses, queria dizer que estava tudo bem, certo?

Não era exagero. Via, todos dias, o quanto elas estavam sendo benéficas ao mundo inteiro. Toda vez que assistia ao jornal ou navegava pelas redes-sociais, observava os feitos incríveis da nova cura. Doenças incuráveis haviam se tornado curáveis, e jamais esqueceria a emoção que sentiu ao ver Luca caminhando e Dorinha enxergando.

Todavia... sabia bem que Cebola era alguém que se deixava levar pelas próprias ambições. Afinal, foi dessa forma que ele chegou aonde chegou — abrindo mão de tudo durante o processo.

Até hoje, ainda se entristecia imensamente com isso. Mesmo que na adolescência tivesse parado de apoiar um futuro em que Mônica e Cebola ficariam juntos, Magali não conseguia perdoar o amigo por ter sido tão... egoísta. A felicidade dele sempre esteve há palmos de distâncias durante toda a vida, mas, para Cebola, isso jamais chegou a ser suficiente.

Era inacreditável. Tudo o que era necessário para ele passar uma vida maravilhosa ao lado da pessoa que ele mais amava foi desperdiçado por sua ambição, orgulho e ideais distorcidos. Sabia que, embora ele levasse uma vida de rei, o amigo não estava nem perto de encontrar a felicidade.

Pois sempre foi Mônica a verdadeira fonte de tal sentimento. Magali sentia, de alguma maneira, que Cebola se tratava da pessoa que mais e, ao mesmo tempo, menos possuía conhecimento disso.

Mas agora é tarde demais pra você, não é? O pensamento causou um doloroso aperto no coração da belíssima mulher e mãe que Magali havia se tornado. Sabia que não havia mais volta para aquela trágica história entre os dois amigos. Poderia sim ter dado muito certo, mas infelizmente Cebola nunca colaborou para que isso.

Tomou, então, seu caminho. Era inacreditável pensar que o destino que Cebola tomou havia afetado não só a vida do pessoal do bairro, mas de todo o mundo. Talvez, ele realmente fosse alguém especial... mas, uma coisa era certa:

Todo o sucesso que ele expunha hoje não chegava nem perto de ser tão legal quanto os laços de amizade que ele carregava em sua antiga realidade no simples Bairro do Limoeiro.

E isso era algo bem triste.

▪️▪️▪️

— É. Parece que tudo está indo como planejado...

A frase proferida com distraída contemplação foi solta no ar. Na sala, um rapaz acomodado numa grande poltrona, para muitos, se assemelharia a um megalomaníaco. Sua mania de grandeza, afinal, era expressada continuamente para todos.

Os olhos castanhos perspicazes desviaram-se, estressados, da vista a qual miravam. O amplo escritório situado no último andar de uma das empresas mais ricas do mundo constava com inúmeros vidros que iam do chão até o teto. A gloriosa paisagem da cidade era exibida com todo seu esplendor, juntamente com um céu extensamente azul.

A sede principal da empresa Bulbus Tech.

Cebola, dono daquele prestigiado império, por algum motivo, não se sentia nada disposto. Há anos não passava um dia inteiramente feliz ou, ao menos, satisfeito. Possuidor de uma aparência extremamente agradável, soltou o ar, irritado.

Poxa, tudo estava dando certo, não estava? Depois do sucesso do Projeto Nanita, achava que finalmente se sentiria completo.

Mas não. Por alguma razão, não estava.

Nem um pouco.

As pessoas, por outro lado, pareciam muitíssimo satisfeitas. Adoecidos de anos afins voltavam a ter suas saúdes restauradas; famílias inteiras davam festas de comemoração e agradeciam, com louvor, Cebola e sua empresa. O antigo “trocador-de-letras-do-Bairro” não conseguia acreditar. Havia conquistado tudo o que mais queria, ganhou o reconhecimento e respeito todos. Era para aquele estar sendo o momento mais feliz de sua vida!

Mas não estava. Apesar de bastante severo perante a perfeição de seus projetos, toda vez que analisava os resultados e afirmava, para si mesmo, que tudo estava impecável, ainda assim, nunca se sentiu totalmente preenchido.

O que faltava, afinal? O que, de fato, teria que fazer para simplesmente ser feliz?

Assim, era em momentos como aquele que a respostas aparecia; mais especificamente quando levantou-se e seguiu em direção sua mesa.

Então, avistou-a; bela e totalmente plena. Sempre assim. Estava ali a razão para Cebola levar uma vida que, ao passo que era tão rica materialmente, era totalmente pobre em sentimentos.

O lindíssimo retrato dela. Perfeito e grandioso.

Estreitou os olhos. Era como se fosse feito de idiota. Por que raios nunca foi capaz de esquecer dela? Recriminava-se duramente por ter pendurado aquela imagem tão perfeita em seu local de trabalho... quando a empresa ficou pronta, alguns funcionários haviam questionado sobre a garota bonita no quadro que foi colocado na sala do presidente. Cebola respondeu que não se tratava de ninguém e, se lhe fizessem o obséquio de não perguntar mais nada, ficaria muito satisfeito.

Mas... estava satisfeito em tê-la continuamente em sua visão? Várias vezes, havia tentado se convencer de jogar aquele troço fora, mas simplesmente não conseguia. Ao mesmo tempo que o retrato se assemelhava a uma espécie de autopunição, era, também, algo a mais:

Simplesmente gostava de olhar para ela. Ver Mônica em sua fase adolescente lhe fazia recordar, com melancolia, àquela época tão leve e alegre. Os momentos que passou em companhia daquela que, desde o começo, foi sua grande amiga e, posteriormente, seu eterno amor, ficariam marcados para sempre em sua memória. À medida que sentia uma profunda raiva dela e de si mesmo, não conseguia se livrar das emoções que, durante todos aqueles anos, jamais haviam desaparecido.

— Mônica mas por que, Mônica?... — trincou os dentes, mãos fechadas em emoção. — Por que desistiu tão fácil? Era pra você estar comigo agora. Não consigo me conformar... o certo era termos ficado juntos. Desde o início era pra ser assim!...

Deu às costas para o quadro e desabou na poltrona estofada. Afundou os olhos nas palmas, cotovelos sob a mesa.

Não... era ridículo se lamentar assim por alguém que nem se deu ao trabalho de tentar. Mônica havia agido com impulso — e quando não agia? — e tomou uma decisão descabida. Aquela infantilidade custou o futuro dos dois, e para sempre!

Ela não podia ter esperado mais um pouco? Cebola estava quase alcançando seus objetivos naquela época, faltava um pouquinho para que eles finalmente ficassem juntos.

Depois que se formou no colégio, havia partido atrás de seus sonhos. Naqueles últimos anos, o mundo havia se industrializado mais do que já estava, e tirou disso a oportunidade perfeita para transformar seu futuro num império magnífico. Após muito estudo e trabalho duro, finalmente conseguiu construir sua empresa — essa que, mais tarde, se tornou a maior corporação de tecnologia do mundo; amais avançada em ciência médica e robótica.

Nem tudo foram flores, porém. Visando realizar seu sonho, Cebola já não dava a devida atenção aos amigos e até mesmo à família. Dedicava seu tempo livre somente à Mônica, que, embora desanimada com sua demora em finalmente tornar a paixão deles oficial, ainda se importava e oferecia afeto a ele.

Remoeu-se internamente ante àquelas lembranças. Os momentos junto de Mônica haviam sido mágicos. Únicos. Era neles que esquecia completamente suas ambições e se entregava, cem por cento, ao amor que sentia por ela.

As idas ao cinema; passeios; jantares... quando se focava em sua paixão, era como se a felicidade do mundo lhe preenchesse. Cada beijo que trocaram valeu mais que qualquer outra coisa. O amor transbordava. Completamente. Estar na presença dela já era uma sensação única para carregar.

Mônica nem de longe era a garota mais delicada e compressiva do mundo, mas seu gênio-forte e sua vontade esmagadora de ajudar todos o conquistaram por completo. Aquela era a Mônica que amava — a garota repleta de personalidade e que nunca, nunca, dava o braço a torcer.

Uma pena que, em grande parte, havia sido rejeitado justamente por conta dessas qualidades/desvirtudes.

Mônica sempre foi resoluta em suas decisões e, apesar do relacionamento entre os dois oscilar com frequência, Cebola lembrava o quanto ela havia se esforçado para fazer aquilo dar certo.

Era estressante. Quando se tratava de Mônica, sentia que vivia se contrariando. Por exemplo: a condenava por eles não terem um futuro juntos, mas pensamentos repletos de remorso sempre lhe atingiam de repente — pensamentos que repetiam que, se houvesse feito ou deixado de fazer certas coisas, talvez, tudo tivesse sido diferente.

Mas não tinha mais o que fazer. Tudo deu errado. Hoje, sabia que Mônica estava casada e que tinha um filho. Na época que soube, quase teve um treco. Custou muito se conformar. Talvez, no fundo do coração, ainda tivesse uma mínima esperança de um futuro divórcio no casamento dela; por incrível que pareça, Cebola nunca havia mexido alguns pauzinhos para azedar a relação dela e do marido, mas isso não vinha ao caso.

Quer dizer... estragar um relacionamento de Mônica sempre foi algo esperado dele, mas, ainda assim, isso nunca aconteceu. Era frustrante, porém... sabia, no fundo, que sempre se impediu de fazer qualquer coisa por causa de sua consciência. Reconhecia que havia cometido mancadas até demais com ela. Sua parte egoísta poderia até culpar Mônica por tudo, mas sua parte racional sempre o lembraria que, no fim, fora ele o verdadeiro culpado.

... E era justamente essa parte a que menos escutava. Talvez, não fazer nada contra o casamento dela era a única condição que aceitava.

De toda forma, a esperança cultivada não deu em nada; depois que ela deu à luz ao bebê, foi só aí que finalmente soube, por definitivo, que eles jamais teriam um futuro juntos.

Era sufocante. Completamente sufocante. Como era possível o destino não ter os unido no fim? Várias vezes, a revolta perante a situação o preenchia totalmente, e passava o dia se remoendo com um futuro que não aconteceu.

Lembrava bem de quando Mônica havia se afastado definitivamente e partido para outra. Sua expressão frustrada não parava de alegar o quanto ela já não suportava mais nada daquilo; que Cebola não era mais o homem que ela conhecia; que já estava farta daquela espera interminável.

Depois de seu último desabafo, Mônica anunciou que finalmente seguiria com a vida. Embora super contrariado, Cebola sabia que aquela era só mais uma birra típica e, no fundo, tinha certeza de que Mônica também sabia. Separada de Cebola, ela finalmente deu uma chance para um membro da turma que, como todos sabiam, sempre foi apaixonado por ela.

Do Contra.

Para a má sorte de Cebola — que, durante boa parte do namoro de Mônica e DC, zombou impiedosamente da relação fajuta —, aquele relacionamento acabou por não ser tão simples. Quer dizer, tinha certeza de que logo logo teria Mônica aos seus pés, no entanto, quanto mais o tempo passava, mais o casal parecia estar às mil maravilhas.

E foi aí que a turma começou a dar uns toques em Cebola.

— Cara, larga logo esse orgulho e vai falar com ela, tô te avisando — Cascão o alertava toda vez que se encontravam. — A coisa entre ela e o Do Contra pode acabar ficando séria e aí não vai ter o que cê possa fazer...

— Você devia ter dado mais valor à Mônica, Cebola  Magali, como sempre, jogava as duras verdades em sua cara. — Não fique achando que estou do seu lado nessa história, porque não estou. Apoiarei aquele que fizer bem a Mônica, e isso é exatamente o que o Do Contra tá fazendo no momento.

— Mas é de mim que a Mônica gosta, caramba! — exclamou, cheio de raiva. — Ah, quer saber? Se ela quer jogar fora um futuro maravilhoso comigo pra ficar com aquele idiota, azar o dela; ela que não me venha rastejando depois, como ela sempre faz!

Magali suspirou, o que só o irritou ainda mais. Antes que pudesse mandá-la engolir tijolo, a amiga deu um jeito de proferir a palavra final:

— Não importa o que aconteça, esse seu pensamento teimoso nunca muda… — seus bonitos olhos miravam Cebola em cansaço. — Sabe de uma coisa, Cebola? Lá no futuro, quando você for um homem bem rico e sozinho no amor, se lembrará do motivo de ter perdido a Mônica para sempre.

Bem... parando para refletir, hoje ele realmente era alguém rico e sozinho no amor. A praga que Magali havia lançado devia ter dado certo...

De toda forma, continuava sem se conformar definitivamente. Com frequência, era atingido pelas lembranças de seu último encontro com Mônica — e isso lhe torturava demais.

Na época, já ia completar dois anos que ela e Do Contra estavam juntos. Em uma ocasião que se esbarraram por acaso, Mônica, que mostrou uma aura hesitante, mas decidida, atirou uma bomba em sua cabeça sem mais nem menos:

— Eu vou me casar, Cebola — seus olhos não se desviaram nem por um segundo dos dele. — Do Contra me fez o pedido e agora estamos noivos — deu de ombros. — Achei que devia saber.

Cebola só fez arregalar os olhos e franzir as sobrancelhas em descrença. Há alguns segundos estava contemplando a beleza de Mônica e, de repente, era esfaqueado daquela forma?

Foi demais. Sentiu a cabeça entrar em pane.

— Ei, ei, espera um pouco aí, Mônica! — mandou, indignado. Cada poro de seu corpo ficou tenso. — M-Mas... como assim casar? Tá ficando louca?!

O olhar da moça não se alterou.

— Louca? Eu não. Na verdade, acho que nunca agi como tanta sanidade na minha vida. Do Contra me faz feliz, e tenho certeza que esse casamento será ótimo.

Ela não podia ter feito sentença mais mortal.

— Pera, pera, calma aí um pouquinho... — massageou a têmpora que parecia querer explodir. Simplesmente não estava conseguindo manter a calma. — Você tá dizendo que tá desistindo definitivamente de nós, é isso? É isso, Mônica?

Ela não pareceu nada feliz com seu tom cobrador. Cruzou os braços.

— Pra sua informação, eu já desisti há bastante tempo — expôs, agora irritada. — Está achando o quê? Que dei uma chance ilusória para o DC? Que estou com ele por puro comodismo? É isso o que pensa de mim, Cebola?

— Ai meu Deus... é claro que nós dois sabemos que você pensa exatamente assim, Mônica! Entenda, você não tá agindo racionalmente — decretou, levando a mão ao próprio peito. — É a mim que você ama, não ele!

Foi o fim.

Num segundo, Mônica avançou e o pegou pelo colarinho. Seus pés flutuaram alguns centímetros quando foi erguido.

Ela estava irada.

— Eu custo acreditar que você me ama, Cebola, custo! Já quase não acredito nisso! — o soltou bruscamente. Surpreso, Cebola cambaleou para trás ao passo que Mônica respirou fundo. — Eu fiz de tudo pra dar certo entre nós, tudo! Só você não enxergou isso, nunca enxergou — seus olhos, agora, encontravam-se completamente doloridos.

“Eu sempre me senti humilhada, sabia? Humilhada com essa crença ridícula de todo mundo achar que ficaríamos juntos pra sempre. Ainda que todos vissem o quanto você me fazia sofrer, o quanto me fazia enlouquecer, mesmo assim, a coisa certa era permanecermos juntos. Até quando comecei a namorar o Do Contra, tive de escutar: “Ah, mas é passageiro, não é? Afinal, é com o Cebola que você vai ficar no final, o universo inteiro sabe disso” — ela trincou os dentes, injuriada. — Não. Eu cansei disso.”

“No entanto, eu nunca pude culpá-los por dizerem e pensarem essas coisas, não é mesmo? E sabe por quê? Porque eu sempre acreditei nisso, também. E, pra qualquer um, a idiota que sempre perdoa, que sempre volta com babacas como você, acaba dando a entender que essa garota e esse babaca, no fim, terminarão juntos.”

Ela finalmente fez uma pausa para respirar. Cebola já se encontrava mais que perplexo e assombrado, no entanto, ela ainda não havia terminado.

Olhou-o com rancor.

— É por isso que não quero mais ser essa coitada. Eu sempre mereci ser tratada de uma forma digna — sorriu, amarga. — Uma pena não ter percebido isso antes, mas, felizmente, vejo muito bem agora.

Com seu silêncio mortificado, Mônica viu que aquela conversa já tinha dado o que tinha que dar e, carregando uma expressão fria, deu-lhe as costas.

— Adeus, Cebola. É aqui que essa história termina.

Tudo passou em câmera lenta. Escolhas, possibilidades... tudo o atingiu como raios agressivos. Pressionavam, mandavam, exigiam que ele tomasse uma atitude. Imediatamente.

E, num impulso, tomou.

— Mônica… não, por favor, espere, Mônica!... — ultrapassou-a e pôs-se à sua frente. A moça pareceu negativamente surpresa, especialmente quando Cebola a segurou pelo ombros.

Então, ela se espantou.

Pois o semblante dele, pela primeira vez, estava repleto de medo.

— O que você quer, hein? Diga pra mim, o que quer? — ia sacudindo-a. — Quer que eu me ajoelhe aos seus pés? Que me humilhe na frente de todos? Seja lá o que for, é isso o que quer?

— Cebola, pára com isso!...

— Eu faço então, juro que faço qualquer coisa! — ajoelhou-se ao passo que as mãos escorregaram e agarraram as dela. — Se for pra ficarmos juntos, Mônica, eu faço o que quiser, e-eu juro pra você! Por favor, me dê uma chance, por favor!... eu prometo, eu juro que faço tudo, eu juro...

Monica estava assombrada. Pela primeira vez, Cebola está implorando. Implorando.

Não suportava mais nada daquilo.

— Já chega, CHEGA!

— Mônica, eu amo tanto você! — o desespero no olhar do rapaz era tão forte, tão intenso, que Mônica achou que iria enlouquecer. — Por favor, não há pessoa mais importante pra mim! Nós… nós fomos feitos um para o outro, eu tenho certeza disso!...

Mônica deu um longo suspiro. A dor no gesto foi palpável.

Mas aquilo já havia ido longe demais.

— Cebola — sua voz, de repente mais calma, calou-o de imediato. Os olhos lacrimejantes a encararam em surpresa e esperança. Buscavam um ponto de luz no meio de toda aquela treva.

Mônica manteve uma estatura controlada. Suspirou e, exausta, olhou para ele.

— Olha. Talvez... houvesse um tempo que eu realmente desejei que você fizesse um monte dessas coisas. Mas essa não é a realidade agora. Na verdade, nada do que você fizer mudará minha decisão. Eu não ficarei com você, Cebola. Estou mais que certa disso — finalmente, uma expressão abalada tomou conta do rosto belo. — Mas, sabe? Eu só... só queria que você tivesse se arrependido antes. Isso era tudo o que eu sempre quis. Fico triste de ver que você só acordou pra a vida no momento que encaminhei a minha. E, por causa disso... acho...

Mônica deu uma pausa. Abraçando o próprio corpo, olhos cerrados, virou-se de costas.

— Acho que o seu amor por mim jamais foi capaz de alcançar o meu por você. Aquele que sempre senti.

Assim, ela partiu.

Aquela foi a última vez que Mônica e Cebola se viram pessoalmente.

Era isso. No fim, aquela que sempre seguia em frente, que jamais desistia perante algum desafio, a mais forte dentre todos os outros… ela não havia aguentado.

Mônica não havia aguentado.

Muito mais do que as aventuras que haviam passado, o drama vivido naquele relacionamento seria, para sempre, um destino que, por mais que desejaram ardentemente que tivesse dado certo, não fora capaz de ser concretizado.

E tudo por culpa dele.

▪️▪️▪️

Enquanto Cebola se lamuriava em dolorosas lembranças que não podiam ser resolvidas, o clima no laboratório de Franja parecia ter caído de temperatura.

Pois o assunto debatido carregava previsões nada calorosas sobre o futuro da humanidade.

— Você vai se vacinar, Mônica?

Naquele momento, conversavam sobre a base das angústias de Mônica: as vacinas-nanitas.

Ela negou.

— Não. Não vou — Mônica ajeitou a criança em seu colo. Franja havia puxado uma cadeira para ela não ficar de pé, no que ela aceitou de bom grado.

Abriu a boca para falar, mas hesitou. Originalmente, seu dever, como cientista, era incentivar Mônica a mudar de ideia e se vacinar, bem como seu filhinho. Afinal, as vacinas já haviam se provado livres de riscos. Mas... a verdade, é que havia algo naquela história que, assim como provavelmente ocorria com ela, também o incomodava bastante.

Com seu silêncio, Mônica soltou o ar.

— Essa é de longe uma das melhores ideias que já tive, Franja. Cebola me contou sobre esse projeto muito antes dele sequer ser colocado em prática. Nunca esqueci quando ele falou que existia, nesse plano, um grande risco; mas, se viesse a dar certo, ele garantiu que o mundo ficaria mil vezes melhor na área da saúde.

— Mas que tipo de risco esse projeto poderia sofrer? — questionou. Tentava compreender, com exatidão, o núcleo de tudo que ela dizia. — Confesso que possuo algumas teorias, mas se o Cebola te contou mais alguma coisa, seria importante escutar.

Mônica tocou o queixo com a ponta do indicador, pensativa.

— Lembro de ele dizer que os nanitas, em hipótese alguma, poderiam ficar independentes. Ou seja: se eles, de alguma maneira, começassem a agir por conta própria, isso seria o fim.

— Bem como imaginei... — Franja suspirou. — Mas... e sobre seu plano? O que seria exatamente?

Franja estaria mentindo se dissesse que não estava impressionado. Considerando tudo o que lembrava da “turma-clássica” do bairro, era Cebola quem sempre inventava todos os planos, enquanto os outros três — Mônica, Magali e Cascão — executavam. Portanto, saber que Mônica possuía uma ideia que, talvez, impediria algum problema que as vacinas poderiam vir a apresentar, era algo bastante... impressionante.

— Eu pensei uma coisa — Mônica começou a falar. — Se o Projeto Nanita der errado e o mundo todo sofrer as consequências, bolei uma forma que, talvez, possa reverter todo esse desastre.

Arqueou as sobrancelhas, surpreso.

— Você está falando sobre...

— Sim. Estou falando sobre viagem no tempo.

Silêncio.

Intrigou com tal decreto. Viagens no tempo sempre foram opções incertas, mas, se bem executadas, poderiam surtir o efeito desejado...

— Você está falando sobre nós voltarmos no tempo para impedir que esse projeto seja realizado? — arriscou a opção mais lógica. — Ou...

— Não. Estou falando em trazermos alguém especificamente do passado para o futuro.

Não mentiu que foi pego de surpresa. Mas... Franja achou que estava começando a compreender.

— Trazer alguém pra resolver todo esse problema? — repetiu, concentrado. — E o que te faz pensar que trazer alguém do passado para o futuro surtiria efeitos melhores do que voltarmos nós mesmos ao passado?

Felizmente para si, Mônica parecia ter todas as respostas na ponta da língua.

— Viajar para o passado e impedir esse projeto de ser feito caso ele, de fato, dê errado, é a ideia mais lógica — ela admitiu. — Mas não podemos esquecer uma coisa: nem nós somos capazes de saber o que acontecerá se os nanitas fugirem do controle. Talvez, as consequências sejam tão catastróficas que pode acontecer algo terrível conosco e com todos os outros, fazendo, assim, com que nós fiquemos impossibilitados de arrumarmos toda essa situação. Agora, se trazermos alguém do passado...

— Entendi. Você está falando em programarmos a máquina do tempo pra que ela traga alguém específico do passado direto para o futuro catastrófico e, assim, esperar que essa pessoa possa resolver toda a situação — resumiu, cruzando os braços e olhando o teto, meditativo. As hipóteses dela eram totalmente consideráveis. Elogiou-a por isso. — Mas, agora: quem seria o escolhido para essa missão?

Mônica não hesitou em dar a resposta:

— Só há uma pessoa que poderia consertar qualquer desastre que venha a ocorrer; e essa pessoa, por acaso, viria a ser o criador de toda essa situação: Cebola.

— Você tem razão... — refletiu. — Mas, para isso, precisaríamos programar a máquina para que ela trouxesse especificamente ele... imagino que o período em que o traríamos seria quando ele fosse adolescente, não? — procurou a confirmação nos olhos dela, que acenou sem titubear. — É, imaginei isso. Realmente não seria uma boa ideia pegar o Cebola quando ele já estivesse em ascensão e com o Projeto Nanita na cabeça. Mas, como eu estava dizendo, para fazermos isso, teríamos de ter, algo dele e... bem — baixou os ombros. — Isso é quase impossível agora, visto que ele mal põe os pés pra fora da empresa. Sem contar que seria difícil termos acesso a seus objetos e vestimentas....

Mônica desviou o olhar. Estranhamente, os pés batucaram o chão. Era como se ela juntasse coragem, e não teve que esperar muito para saber o porquê; observou-a abrir a mochila que ela carregava e tirar dela um embrulho.

Sem dizer nada, ela o entregou em suas mãos curiosas. Não fez cerimonias em o abrir.

... E se espantou com o que viu.

— O Sansão?

Mônica assentiu.

— Cebola vivia pegando nele quando criança, como você e todos bem sabe. Bem... — ela pareceu meio incerta. — Eu sei que nele há também minhas digitais, então acho que você teria que ter algo pra comparar, né?

Franja concordou.

— Sim. Mais especificamente o DNA de alguém da família dele, já que no momento não temos nada que tenha sido tocado apenas por ele. Isso ajudaria muito.

— Então, use isso.

Provando mais uma vez que havia vindo preparada, Mônica estendeu-lhe outro embrulho. Dessa vez, dava-se para saber que era um tecido apenas através do tato.

Desembrulhou-o. Tratava-se de um lindo e caprichado tecido bordado com linho e algodão. Parecia novinho em folha...

A confusão foi evidente, mas Mônica logo tratou de explicar:

— Eu nunca toquei nesse tecido... a mãe do Cebola me deu de presente na época que ela tinha certeza que seria minha sogra, assim como... bem, eu também achava. De qualquer forma, eu jamais o tirei desse embrulho, e a boa notícia é que foi a própria Dona Cebola quem o costurou pra mim. Isso deve dar, né?...

Franja assentiu, para o alívio dela.

— Com certeza. Acho que isso é tudo o que precisamos. Posso começar a resolver tudo ainda nessa semana mesmo.

A moça acenou, imensamente satisfeita.

— Isso é muito bom. Obrigada, Franja.

O silencio que se estendeu foi claramente... amargo. O sorriso de despedida da amiga se tornou melancólico — e não era difícil desenterrar o motivo.

Felizmente, não teve que perguntar; Mônica desabafou de todo jeito.

— É duro pensar nisso, sabe? — seus olhos baixaram para o filhinho, que brincava inocentemente com seu cabelo. — Sobre o quanto ele se afastou de todo mundo...

— É mesmo — não pode deixar de concordar. Em sua mente, de repente, estalou uma ideia: — Mas vem cá. Se está tão preocupada com o Projeto Nanita e as vacinas, por que não fala pessoalmente com ele? Ele com certeza não daria ouvidos a ninguém senão você.

Mônica negou. Seu rosto, novamente, foi preenchido por um sorriso desanimado enquanto observava a criança agarrar suas mechas.

— Nem pensar. A última coisa que ele precisa é me encontrar. Além disso, a raiva dele em cima de mim deve ter aumentado durante todo esse tempo...

— Pior que isso é verdade. Mas, Mônica — Franja olhou-a com seriedade. — Confesso que sempre me perguntei isso, mas... você, ainda hoje, ama o Cebola?

Os olhos se encontraram.

— Eu... realmente não sei. Talvez sim, talvez não... é complicado — ela desviou. — Mas... há sim uma coisa que sei — olhou-o e, em suas palavras, foi expressa uma convicção infinitamente saudosa: —Amando, ou não, o Cebola, sentimento algum no mundo faria com que eu me juntasse a quem ele é hoje — seus olhos assumiram grande carga de cansaço. — Afinal, eu não sou assim.

▪️▪️▪️

Após deixar o laboratório de Franja, Mônica pegou-se refletindo sobre sua vida enquanto caminhava por uma avenida movimentada.

Suspirou. Não importava o que fizesse, não conseguia deixar de pensar naquilo.

E sua curta, triste e amarga história com Cebola.

Todos sempre acharam que eles ficariam juntos. Tratava-se de algo esperado ansiosamente por tudo e por todos.

Como a mais predestinada certeza.

Pensou em seu plano. Se toda aquela história das vacinas desse errado e o Cebola mais novo fosse requisitado ao futuro para resolver toda aquela situação, ele certamente veria e saberia onde todas suas atitudes e escolhas o levaram. Será que, se isso acontecesse, ele mudaria o destino dos dois lá atrás?

Estaria realmente desejando que tal coisa acontecesse?

Interceptou o passo. Respirando fundo, forçou-se a encarar a grandiosa empresa situada do outro lado da avenida; local onde ele provavelmente estava.

— Se ele mudasse... — pegou-se refletindo, olhos presos no edifício, como se tentasse localizá-lo através do cimento e tijolos que o compunha. Apertou a criança em seus braços. — Talvez, e só talvez...

Ou até mesmo com certeza...

Balançou a cabeça. A realidade que vivia agora não permitia que pensasse ou sequer cogitasse tais coisas.

Não mais.

••

Planeta Terra, Ano 2112 — muitos e muitos anos mais tarde.

Tudo estava quieto. Muito quieto. As ruas continuavam semelhantes, assim como os prédios e edifícios, mas havia, em tudo, uma diferença notável — e preocupante.

Destruído. Tudo destruído. Não havia sinal de uma alma-viva por ali, como se aquele fosse, de fato, um mundofantasma.

Um garoto, entre seus quinze e dezesseis anos, observava a tudo com o mais intrigante assombro. Sua mente, que se orgulhava por raciocinar com rapidez, diante daquele cenário, entrou no mais completo pane.

E em seus pensamentos, só havia uma pergunta:

Onde raios estou? Foi o questionamento do ainda imaturo e despreocupado Cebola da década de 2010.


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Notas finais do capítulo

... E nos encontramos novamente aqui embaixo, hehe.

Bem, confesso que essa one adquiriu uma vibe mais “melancólica”, mas não é a toa: seguindo a linha cronológica dos acontecimentos futurísticos dessa edição, creio que tanto a mente da Mônica quanto a do Cebola estariam bem abaladas.

Ah, e citando rapidamente uma curiosidade: enquanto relia essa edição, vi a descendente do Franja falando pro Cebola que a máquina do tempo do seu tataravô estava programada, inexplicavelmente, pra trazer especificamente ELE ao futuro, então gostei de imaginar a Mônica e o Franja como sendo os responsáveis por planejar todo esse plano juntos. Acho que fez bastante sentido, até

Bem, agradeço aos céus por hoje nosso casal ter se acertado. Graças que esse menino tomou juízo na vida e amadureceu por completo

É isso, pessoal, espero que tenham gostado, escrevi com muito carinho. Até a próxima



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