Outono escrita por Americano


Capítulo 1
O cão e seu complexo de inferioridade


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Querido, você está tão quieto. No que está pensando? 

Dois jovens adolescentes. Predadores naturais do mundo que os cercavam. Um no topo da cadeia alimentar, e outro mais puxado para algo classificado como “quinta categoria”. Andavam lado a lado, sendo que o menor dentre os andava sempre de voz baixa. 

Pararam por fim de andar, ao meio de uma pequena estrada ordenada em ladrilhos simples e amarelados. Desbotados pelo tempo, ou pelos olhos acinzentados de ambos jovens ali presentes. 

Abraçaram-se então, sendo que tal ato fora iniciado pela figura de maior porte. Era frio e insosso. Abraços não deviam ser daquela forma 

O menor fechou seus olhos. Sua boca começava a tremer. Um sorriso de eterno desespero se formou em seu rosto, enquanto os sacos lacrimais de suas órbitas oculares não conseguiam por si só conter a enxurrada de sentimentos guardados. 

Sentimentos que o coração do jovem já não conseguia reprimir. Pois havia muito, e já a bastante tempo, a ser escondido. Já não tinha para onde correr, e talvez fosse mesmo a hora de encarar as coisas, afinal de contas. 

“Como poderia eu confiar em você novamente, senhor lobo mau” 

Pensou em voz alta, soltando seus múrmuros ao vento que fluía e não cessava em empurrar as folhas, enquanto encarava já com arrependimento o rosto daquele que prometeu o amar na mesma proporção de seus próprios sentimentos. 

—-- 

A temporada das folhas caídas havia por fim chegado ao colégio de Cherryton, trazendo consigo o vento ameno e contador de histórias do interior. O mundo havia ficado tão marrom quanto as asas das mariposas que, de vez em quando, se atreviam a sair mesmo a tardezinha para aproveitar o murchar do ano. 

Todos os animais se aprontavam para a temporada de provas, tanto as de fim do bimestre quanto para as mais triviais. Era uma corrida contra o tempo e não podiam deixar o senhor destino ganhar essa. 

Em algum lugar da grande biblioteca do local se encontrava um determinado grupo de animais. Amigos, para ser mais exato, parecendo serem bem próximos entre si. Dois canídeos, sendo o primeiro um lupino bastante alto, chegando quase a ser intimidador se não fosse pela expressão passiva que mantinha em seu rosto. Não parecia ser um problema. Seu colega, também canídeo, tinha a sua genética mais "formal", por assim dizer, tendo claros e amarelados pelos penteados que contrastavam com seu olhar animado. Era um cachorro, sem sombra de dúvidas. Ou outros dois que se encontravam no local, também se destacando no misturado de alunos em meio a sala era um pescoçudo pavão azul, sentado ao lado de um enorme tigre de bengala, tão alto (se não mais) quanto o lobo acompanhante. Este sim parecia ser um tanto ameaçador. 

Estavam os quatro colegas, como esperado das circunstâncias, sentados em volta de uma simples e pequena mesa redonda de madeira, com alguns livros conteudistas em mãos. Talvez, se destacando apenas por serem animais de grande porte em um local onde, aparentemente, era mais frequentado por animais de pequeno porte, tirando tais observações, fossem apenas alunos normais procurando estudar um pouco mais para irem bem nas provas que seguiriam. 

Voltando um pouco mais a atenção ao grupo de colegas, onde o cachorro tentava ajudar o seu amigo, também canídeo, com botânica, uma das ramificações da matéria que era por natureza um tanto presente demais em suas vidas: biologia. 

— Você está mesmo prestando atenção? - Perguntou o cachorro ao amigo lupino, que virou a cara em desgosto, arrancando uma expressão decepcionada daquele que tentava o ajudar, e alguns risos dos demais presentes – Francamente. Você sabe muito bem que se bombar em biologia mais uma vez poderá ser perigoso para você mais tarde. 

— Cara, eu já disse que estou de olho – Respondeu o lobo em defesa própria, abrindo um sorriso de canto logo em seguida - Você leva isso tudo muito a sério, Jack. Eu vou ficar bem, e se não conseguir passar nas provas, eu posso tentar novamente mais tarde, como você mesmo disse. 

O cachorro parou por alguns segundos com a sua expressão de incomodo, transparecendo para algo mais surpreso, por alguns segundos, e logo em seguida, puxando para um tom de decepção. Estava claro que ele havia escutado algo que não gostaria. Por fim, fechou a cara mais uma vez ainda olhando fixamente para o lobo a sua frente, que ainda mantinha um sorriso “sacana” consigo. 

A medida em que os poucos segundos se passavam, e o clima ia ficando um tanto pesado no local, os dois colegas que por acaso do destino também estava por ali começaram a se olhar, parecendo saber da bomba relógio que aparentemente estava preste a explodir. 

— Então Legoshi, eu acho que você devia escutar o seu - Começava o seu colega emplumado, virando a sua atenção ao lobo que continuava um tanto determinado em sua escolha. 

— Você não deveria se precipitar tanto - Começou o cachorro, quebrando olhares com quem era para ser o seu parceiro de estudo - Você pode não conseguir uma segunda chance. E por que passar por todo um trabalho de tentar novamente, se você pode muito bem passar de primeira? 

Agora era a vez do cachorro se demonstrar indiferente com tudo aquilo, ao passo em que o sorriso desaparecia do rosto do lobo. Criava-se um clima de tensão no local. O cachorro, aparentemente cansado de tudo aquilo, começava a recolher suas coisas jogadas pela mesa em que se encontravam, aparentando não ligar, ou de fato não dando a mínima, para os olhares incansáveis do lobo e de seus amigos sobre si, sendo que esses aparentavam estar cochichando sobre algo internamente. Tinha razão de apenas duas coisas naquele momento: de que estava farto de tudo aquilo, e de que era inútil de qualquer forma. 

Ao terminar de se aprontar, sem pressa, se levantou da cadeira que se encontrava e pegando sua mochila para a colocar sobre uma alça apoiada em suas costas. Deu de costas para o grupo, mas não sem antes soltar sua cartada final: 

— Precisa ser mais esperto, senhor Legoshi – Deu uma pequena risada quase que inaudível, porém, propositalmente carregada de sublimidade. 

Dera alguns passos, se afastando cada vez mais do grupo e partindo em direção a saída do local. Apenas para sentir quase que imediatamente dois braços peludos, e um tanto cinzentos, o abraçando e, mesmo que não de forma literal, impedindo de prosseguir com sua decisão, seja essa qual fosse. 

Sentia suas costas serem pressionadas contra o peito de alguém claramente maior. Sua expressão mudou para algo desconfortável, quase como se já soubesse sobre tudo o que estava acontecendo ali. 

Conseguia ouvir algumas gargalhadas de seus colegas logo atrás de si, carregados de comentários fúteis e um tanto maliciosos, porém que, obviamente, não o afastavam. Jack sabia bem que aquilo aconteceria, visto a situação em que se encontrava. 

— Ok, senhor sabe tudo – A voz profunda de Legoshi surgia por de trás do cachorro - Você venceu. Me desculpe. 

Passado mais alguns segundos nesta fase, Jack revirou os olhos e acabou por soltar sua bolsa no chão, aparentemente se rendendo. Virou-se para o grande lobo, se deparando com o olhar de “cachorro pidão” do jovem. Sabia que a intenção era causar uma certa piedade vinda do menor. Porém, não conseguiu evitar algumas risadas ao ver a pequena careta que o colega fazia. Essa atitude fez o maior dar algumas risadas também, porém mais audíveis. 

— Não. Você venceu - Começou Jack - Você conseguiu me tirar do sério novamente. 

— A é? Pois bem, deixe-me consertar o estrago – Disse o lobo, abrindo um pouco mais o seu sorriso - Afinal de contas, você é responsabilidade minha – Completou, em um tom malicioso. 

Sem poder refutar, Jack fora trazido para mais perto pelos braços longos do maior, sem nenhuma chance de relutância. Legoshi se inclinou para chegar mais perto do rosto do menor, juntando-se aos seus lábios e, mesmo com a resistência quase que totalmente esvaída do menor, adentrando sua boca com sua língua aparentemente faminta pela boca do colega. Jack logo cedeu, não conseguindo resistir ao fato de que o lobo lhe tirava de seu juízo perfeito apenas com um sorriso, seguido de um jogo de cabeça e um beijo no final. Era sempre assim, e, no fundo, o cachorro sabia que adorava tudo isso. 

— Ah! Vão se pegar em outro lugar! - Disse o tigre logo na mesa atrás aos dois caninos, em voz alta e dando algumas risadas logo em seguida. Aquilo atraiu a atenção de alguns alunos do local, até mais atenção do que o próprio beijo que se seguia. 

— Xiu, Bill! - Respondeu o pavão ao seu lado, enquanto olhava para seu casal de amigos com um pequeno sorriso de canto no rosto 

Separaram-se por fim, após alguns curtos segundos. Com os olhos famintos de Legoshi sobre si e os comentários brincalhões que seus amigos logo atrás faziam sem o mínimo de pudor, Jack desviou o olhar, com certeza bastante envergonhado com a situação. Logo recompôs sua postura, se soltando dos braços do maior, sendo que esse nem mesmo fez resistência, parecendo já saber do ataque que viria a seguir. 

— O que está pensando? - Perguntou o cachorro, aparentemente fazendo o possível para se parecer mais ameaçador, coisa que arrancou algumas risadas do lobo a sua frente - Você sabe muito bem que não podemos fazer isso em uma biblioteca. É uma das normas do colégio! 

— Normas? - Perguntou Legoshi, com sua fala embebia em desinteresse – Nunca tratar o seu namorado da maneira como você me tratou agora pouco. Isso sim devia ser uma norma do colégio - Terminou sua fala com o mesmo sorriso de desinteresse esboçara mais cedo. Aquilo conseguia deixar Jack louco. 

Porém, em qual exato sentido de loucura? 

Tudo aquilo era inútil, e Jack sabia muito bem disso. Veja bem, mas que cliché, um aluno nota dez como ele, que sempre fora apaixonado pelo maldito sorriso do melhor amigo. Aquele que apenas por adentrar na sala já arrancava olhares de todos no ambiente, independentemente da espécie ou circunstâncias. E é claro, o labrador era o mais afetado de todos eles. Será que o seu namorado não poderia levar os sentimentos que o redeava um pouco mais a sério? Poxa vida, o que custava? 

— Hey, Jack – A voz de Legoshi se fez presente, dessa vez com o lobo já sentado novamente na mesa de estudos junto de seus colegas - Não vamos mais estudar? 

O cão saiu de sua súbita epifania, se dirigindo em direção ao maior, com um sorriso inexpressívo no rosto. As coisas fluiriam bem dali. É claro, estava um pouco chateado, mas fazia parte da aventura. 

E que aventura.

—-- 

A semana de provas por fim chegou, dando espaço aos sermões intermináveis que Jack já tomara a liberdade de dar em cima de Legoshi, sendo que segundo o mesmo, não faltava muito para tapar a boca no menor com um pequeno mordedor. Seus amigos e colegas de quarto apenas davam risada, ao passo em que diziam a Jack que o mesmo não deveria se preocupar tanto. Afinal de contas, o labrador havia feito de tudo por Legoshi, e que se ele por um acaso acabasse ficando encabulado em alguma matéria seria um problema puro e exclusivamente dele, pois o menor havia feito tudo o que podia. 

Mas por algum motivo aquilo não conseguia entrar na cabeça de Jack. Ora bolas! Eram namorados. Ou seja, amantes, e deviam se importar um com o outro. Talvez fosse apenas um pequeno teste o destino. Pois bem, o lobo estava de fato testando a paciência do menor. Chegava a ser engraçado de tão estressante. Então haviam chegado à mediocridade dos relacionamentos. Poxa vida. Jack nunca pensara em se casar, e fazer isso tão cedo ainda. Oh céus! Antes fosse casado com o lobo. Aí sim teria desculpas o suficiente para estar nessa lamúria interna. 

Se encontrava agora arrumado, perfumado e um tanto entediado sobre sua cama, com sua bolsa ao seu lado e os materiais escolares perfeitamente organizados dentro dela. Esperava quase que ansiosamente o sinal tocar para assim poder ir em direção a sala de aula realizar suas provas. Havia por fim terminado o que metodicamente gostava de chamar de “cinco minutos de estudo antes do fim do mundo”, e agora, era só esperar. 

Seus colegas de quarto haviam saído para “pegar um ar” antes das provas. Dois deles estavam ficando bastante próximos. Era uma maneira bonitinha de dizerem que estavam se conhecendo melhor. Jack ficava bastante feliz pelos dois, tanto que um sorriso sincero ressurgia em seu rosto sempre que por acaso acabava pensando nisso. 

Enquanto que Legoshi havia se afastado de seu parceiro também. Talvez para a prevenção de uma possível guerra mundial ali naquele pequeno quarto de internato. 

— Onde está esse lobo? - Perguntava para si mesmo, enquanto olhava o horário em seu celular, o colocando delicadamente a cabeceira ao lado do beliche em que se encontrava deitado. Não poderia levar o aparelho eletrônico a sala de aula nem se quisesse, não que fosse o caso. 

Provavelmente havia ido no banheiro da escola. Já que levara consigo o material, partiria de lá para a sala de aula de uma vez só. Não o veria até o final dos exames, embora esse não fosse o maior desejo de Jack no momento. Uma briga antecipadamente ocorreu no local onde moravam, sendo que, mais uma vez, consistia em Legoshi negligenciando a preocupação do namorado. Nada de novo sobre os tetos em suas cabeças. 

Mesmo assim, aquela manha se mostrava ser desafiadora para o canino menor. Estava literalmente sozinho, e nota máxima de teste nenhum poderia lhe suprir a falta de seu parceiro. 

Talvez eu tenha sido muito duro. Eu realmente não gostaria de estar sozinho em uma hora dessas. 

Os pensamentos do labrador foram interrompidos pelo estridente sinal da escola. Era agora a sua deixa. Levantou-se da cama e deu uma última ajeitada nos humildes pelos ao alto da cabeça, ao passo em que pegava sua bolsa. Havia mais um exame bem executado esperando para ser feito, e Jack estava pronto para ser mais uma vez condecorado como aluno destaque e quem sabe até mesmo um “modelo”. 

É claro não que aquilo significasse muito. Pois todos os olhos estavam virados para os chamados Beastars. Alunos inteligentes, belos e, é claro, bastante populares. Na visão de Jack, Legoshi daria um ótimo Beastar, embora o mesmo não ligasse tanto para isso. Porém os dados não mentiam. Mesmo sendo relativamente calado com quem não conhecida, o lobo atraia olhares por onde quer que passava, era simpático, carismático e uma lista de outras coisas que Jack, mesmo não admitindo, preferiria listar ao invés de ter que ir fazer uma outra prova chata e monótona de anatomia. 

Talvez se estudasse mais um pouco. Mas quem eu quero enganar, não é o feitio do Legoshi servir de inspiração aos outros. 

Um sorriso surgiu no rosto do cachorro, enquanto o mesmo fechava a porta de seu dormitório e partia em direção a um dos corredores principais de Cherryton. Se sentia um idiota por pensar em seu namorado até mesmo quando estava bravo com ele. Sabia que eram assim que as coisas funcionavam e que até mesmo era um bom sinal. Mas não fazia ideia de como era humilhante o sentimento de se importar tanto com um perfeito idiota. Sim, ele era perfeito, e era humilhante sorrir quase que inconscientemente apenas ao pensar naquilo. 

Em meio a empurrões e breves contatos visuais, sendo alguns não tão amistosos, Jack finalmente conseguiu chegar à sala de aula. Deu um breve bom dia aos seus colegas e se sentou em uma cadeira qualquer, nem tão perto e nem não longe da do professor. Embora fosse um aluno exemplar, não gostava de bajulação e muito menos ser protegido. Mais do que isso, os professores não iam muito com a cara do canino. Não conseguia imaginar por que. 

Após retirar seus lápis e canetas de sua bolsa e organiza-las sobre sua mesa, sentiu-se estranho. Mais do que isso, um aperto encobriu seu coração. Sentia que estava se esquecendo de alguma coisa. Uma coisa de exímia importância. 

Não me diga que... 

Olhou de um lado para o outro avistando tudo e todos na sala, até mesmo se levantando da cadeira para assim visualizar melhor. Não o encontrava. Tinha certeza disso, pois ele sempre estava entre os mais altos, não importava o quanto as salas se misturassem. Olhou quase que instintivamente para seu amigo Dom, que estava sentado a poucas cadeiras de distância, sendo que o pavão simplesmente sinalizou com os ombros que de nada sabia. 

Aquilo era preocupante. A mente ligeiramente paranoica de Jack já começava a criar teorias sobre o que havia acontecido. Legoshi poderia ter esquecido do exame, ou simplesmente não estava afim de ficar na mesma sala que o canino menor pela briga que tiveram mais cedo. Estava estressado ao ponto de não considerar o mais provável: que algum professor ou autoridade do colégio havia convocado Legoshi a ficar em uma sala diferente da de Jack. No fundo o labrador sabia que era exatamente aquilo que havia acontecido. 

Que assim fosse. Não o veria na sala e devia ter uma boa razão para isso. Pelo menos teriam assunto para a próxima vez que se encontrassem. Embora em sua cabeça a situação soasse tanto “oportunista”. 

Muito bem, senhor Legoshi. Onde quer que esteja, trate de se concentrar na prova! 

Terminou o seu sermão imaginário, se culpando logo depois por conta de toda a monotonia. Se ambos parceiros estivessem na mesma sala e o lobo conseguisse ler os pensamentos de Jack, muito provavelmente levantaria naquela hora mesmo e sairia da sala de aula. 

—-- 

O sinal por fim tocou mais uma vez. Agora a tarde já começara dando então ares a um sol alaranjado no céu. Barulhos de passos se eram escutados de todos os lados, junto de alguns choros originados dos alunos que haviam por fim concluído os testes, sendo alguns lamentos mais sinceros do que outros. 

Jack, porém, saiu confiante da sala, seguido de Dom e sua amiga Haru, uma coelha um tanto baixinha, mas de grande coração. O labrador estava de bom humor, tendo plena noção de que conseguira pelo menos interpretar todas as questões que lhe foram propostas, atraindo alguns olhares confusos de seus amigos. Logo o canino começou: 

— Sinceramente, não sei porque vocês estavam fazendo tanto drama. Não caiu nada que já não tivéssemos visto – Jack cantava “vitória”, enquanto só faltava pular de alegria corredores afora. 

— Falar deve ser fácil. Você é uma enciclopédia humana e só fica falando sobre estudar – O emplumado respondeu, mostrando certo desinteresse no assunto – Francamente, se estudar garantisse o status de Beastar, você já não estaria mais estudando nem nesse país, Jack. 

— Que isso – O canino respondeu soltando uma pequena risada ao final – Mas é engraçado, estava pensando sobre isso ainda mais cedo. Quem vocês acham que será o próximo aqui da escola? - Perguntou, procurando mudar um pouco de assunto ao perceber o desconforto de seus colegas. 

— Isso depende, pois tem bastante gente de olho nesse negócio - Respondeu Dom - Porém, se quer mesmo o meu palpite, acho que seria o nosso líder. Louis do clube de teatro. As garotas só falam sobre ele, e alguns garotos também - Terminou sua fala em tom brincalhão, o que fez Haru também dar algumas risadas. 

— Eu não sou tão ligada nesse negócio de celebridades de escola – Haru finalmente se pronunciou, tentando parecer a par do assunto - Mas Louis é de fato um peso e tanto nessa competição - Finalizou complementando o argumento do colega. 

Por algum motivo, aquilo fez Jack refletir por alguns instantes. Não ligava de fato para toda a competição para quem iria ser Beastar, mas o fato de que Louis fora mencionado o intrigou um pouco. Nunca havia parado para pensar nisso. O concorrente era um grande veado vermelho, olhos penetrantes e uma postura inabalável. Jack poderia até mesmo dizer que ele sim era o perfeito equilíbrio entre as qualidades necessárias para ser uma grande estrela entre os alunos. Suas pontuações estavam sempre dentro das melhores. 

Porém, algo não o agradava em tudo aquilo. Louis era bastante quieto. Quem o visse diria até que era arrogante, e isso combinado com sua posição de ator no clube de teatro o colocaria como um exato exemplo masculino de “diva”. Apesar disso, nunca conversou com ele ou até mesmo trocou uma palavra. Poderia estar sendo um tanto presunçoso em relação ao carisma do cervo, afinal de contas. 

Além do mais, se bem lembrava, Legoshi era um dos amigos do ator. Se o lobo, que era uma pessoa totalmente contra a exclusão ou antipatia, conseguia simpatizar com o “chifrudo”, então talvez o mesmo não devesse de fato ser uma pessoa desagradável. 

Legoshi. Havia me esquecido totalmente dele. 

O canino parou com seus passos, olhando fixamente para o chão. Era isso mesmo? Havia se esquecido de seu parceiro? 

Dom e Haru olharam confusos para o amigo, visto que o mesmo havia aparentemente do nada parado de andar. A coelha tentou prestar atenção mais atentamente em Jack. Aqueles olhos murchos e a ponto de desabar em lágrimas ou causar um grande apocalipse ali mesmo no corredor. Era muito obvio adivinhar no que estava pensando, e era inútil fingir não perceber o que estava para acontecer. 

Haru soltou um longo suspiro. Aparentemente, mesmo quando tentava ao máximo disfarçar, Jack era bastante difícil de se lidar. 

— Antes que você comece, eu não sei dizer ao certo onde ele está. Mas o Dom me disse que muito provavelmente ele deve ter ido camarim do clube de teatro – A coelha falou sem rodeios, colocando uma de suas mãos sobre seu pescoço logo em seguida. 

— Vocês têm certeza? - Jack fazia o possível para esconder o quando estava nervoso. Porém, sua voz entregava um pouco esse fator. 

— O que acabei de dizer? - A voz da amiga se demonstrava mais incomoda, recebendo um sorriso mais deprimido do amigo. De fato, Jack não conseguira disfarçar. 

— Me desculpe. É apenas a preocupação. Eu não falei muito com ele hoje – Disse o labrador já um tanto cabisbaixo. 

— E a última vez que se falaram, deixe-me adivinhar, acabaram brigando mais uma vez – Haru respondeu em um tom de sermão - E o que acha que vai fazer quando o achar? 

Aquilo atingia Jack como uma flecha. De fato, não sabia o que falar para Legoshi quando o encontrasse. Pedir desculpa era coisa demais para seu orgulho, e ao mesmo tempo, sentia que já bastava de brigas para ele. Para os dois, muito provavelmente. Apenas queria conversar sobre a prova que fizeram, ou sobre alunos populares, ou Beastars. Qualquer coisa que não envolvessem sentimentos, embora o labrador os transbordasse sem limites quando estava perto de seu namorado. 

Apenas precisava de Legoshi naquele momento. Decidiria o que dizer ao mesmo na hora em que se encontrassem. Ele iria entender. 

Ele precisava entender. 

Percebendo o clima “deprê” em que se encontrava seu amigo, e a reprovação de Haru em relação a tudo o que Jack exigia, Dom resolveu quebrar o gelo do local, colocando uma de suas asas na cabeça do colega. Era algo parecido com um gesto carinhoso, o que deixou Jack um tanto surpreso. 

— Hey, não pense muito sobre isso – Falou em um tom amistoso – Mas Haru tem um pouco de razão. Vocês vivem brigando de cima para baixo por aí - Completou parando então com o gesto reconfortante e olhando mais seriamente para seu colega. 

— Bem, eu achava que isso era meio que normal em um relacionamento – O labrador respondeu, desviando o olhar logo em seguida. 

Haru suspirou novamente. Era visível para a coelha estava incomodada com tudo aquilo, porém, nada se foi falado a respeito. Dom continuou: 

— Eu falei com o Legoshi hoje mais cedo e ele provavelmente deve estar com o nosso pessoal do clube de teatro preparando fantasia ou praticando alguma cena. Se bem que é bem estranho imaginar o Legoshi atuando – O emplumado não conseguiu conter uma risada logo após sua última fala. 

— Nossa, mas eu pensava que vocês não tivessem o visto hoje – Jack disse, erguendo brevemente uma de suas sobrancelhas 

— Opa! Eu nunca disse isso – Dom respondeu voltando a sua feição mais séria - Nos falamos um pouco antes do exame. Logo após ele ter saído do banheiro. Eu e a Haru apenas ficamos surpreso com o fato dele ter resolvido fazer a prova em outro lugar – Completou, seguido de uma aprovação com a cabeça vinda da coelha. 

Agora era a vez de Jack relaxar um pouco. Dom imitava um falso sorriso enquanto que Haru procurava não olhar diretamente para os amigos. Sua feição era visivelmente de uma pessoa irritada. O labrador sabia que tinha coisa ali, mas não importava muito agora. Ou melhor, já não tinha mais tempo para aquilo. Tinha de ver uma certa pessoa, e rezava consigo mesmo para que seu amado quisesse o ver também. 

Francamente. Implorar ao destino para que seu namorado o queira ver bem. Desde quando você ficou tão patético, senhor Jack?” 

Deixando suas epifanias de lado, bem como as expressões confusas de e por vezes incomodas de seus colegas, em passos rápidos pôs a se colocar em direção a sala de teatro. Esse local, por sinal, era muito bem conhecido por aquelas bandas. Não apenas no território de Cherryton, mas toda a cidade conhecia a boa reputação que os alunos representantes desse clube obtinham ao atuar. É claro, o mais popular era Louis, embora outros atores também passassem por se tornar carinhas conhecidas. Bill mesmo, o amigo tigre de Jack e Legoshi, após fazer um simples papel como figurante em uma pequena peça, começou até mesmo chegar a ser paparicado por algumas garotas dos arredores, o que por vezes deixava sua namorada bastante chateada, para não dizer maluca. 

Um sorriso brincalhão surgia no rosto de Jack. Por um momento se imaginou sentindo ciúmes de Legoshi caso o mesmo fosse um ator famoso. O lobo ara atraente e um tanto sedutor. Disso não tinha dúvidas. Mas era tão tímido e por vezes ingênuo. Como conseguiria enxergar um pingo de malícia naquilo tudo? Culpou-se pelo ato de se que imaginar tal cenário. Era ridículo, senhor Jack. 

A medida em que o canino virava a primeira curva dentre os corredores, seus amigos o observavam seguir o seu rumo, ainda um tanto desnorteados. Haru, em silêncio, deu meia volta e começou a andar, sendo seguida apressadamente por Dom que passava a mão por seu pescoço longo em um claro movimento de nervosismo. Era no mínimo bastante raro ver a coelha assim, e algo bastante feio aconteceu para que a menor estivesse neste pequeno pé de guerra. 

Ou será que algo ainda estava para acontecer. 

— Beleza – Dom se pronunciou, tentando não gaguejar em suas falar – Quer falar alguma coisa pra mim, Haruzinha? - Completou sua frase com um pouco mais de ânimo, talvez na esperança de contagiar a colega. 

A coelha suspirou. Um gesto claramente cansado, porém, ao mesmo tempo inquieto. Dava para se ver que Haru estava irritada. Mas, ao julgar sua atitude corporal, a mesma parecia estar procurando dentro de si uma mínima razão para tudo aquilo. Era necessário, certo? Ninguém fica bravo com um de seus melhores amigos do nada, especialmente se o mesmo fora atrás do namorado para enfim ficarem juntos. Que vivam feliz os dois. 

Parou de andar por alguns instantes, seguida por Dom que encarava a menor com uma expressão de dúvida já fixada em seu rosto. A maioria dos animais já haviam ido de encontro aos seus quartos, enquanto que outros seguiram para as diversas salas de aula. Era praticamente a coelha e o pavão no extenso corredor. Era agora a hora. 

— É besteira minha. Mas Jack ficou de me ajudar no jardim ainda hoje – Disse em tom baixo – O outono está chegando e as folhas logo mais começarão a cair. As coisas vão ficar uma bagunça por lá. 

Sua feição se tornava mais branda e a decepção em seus olhos era evidente. Não tinha o direito de ficar brava com o canino, embora outra parte sua gritasse que a mesma deveria se no mínimo se sentir incomodada. Afinal de contras, Jack havia quebrado uma promessa, certo? Era por isso que estava tão triste. Mas espera, não estava brava com ele?  

Encostou-se na parede ao seu lado e se sentou logo em seguida ao seu pé. Estava de cabeça baixa, enquanto que Dom conseguia jurar que escutava alguns choramingados. Haru estava realmente mal. Poxa vida. Recolher as folhas de outono era tão trabalhoso assim? 

Dom analisou a situação. Não era necessário ser um gênio para saber que Haru não estava chorando por causa das folhas, pelo outono ou mesmo o jardim que tanto amava. Mas, sabia muito bem que, acima de tudo, a coelha não cederia por nada a contar a verdade. 

Pois bem. Participaria do jogo da amiga, se isso o ajudasse a compreende-la. 

— Realmente, ainda tem aqueles vasos em pontos mais altos cheinhos de arbustos prontos para “descabelarem” de vez - Mais uma vez terminou sua frase em tom brincalhão, enquanto se sentava ao lado da coelha em paralelo a parede. 

Um silêncio estranho se formou entre os dois. Haru já havia engolido o choro. Estava se repreendendo, isso era fato. Talvez nem mesmo ela soubesse o porquê de tudo aquilo. Logo, não faria sentido para Dom perguntar para amiga sobre o que a incomodava. Então, precisaria ajudá-la a descobrir. 

— Mas acho que Jack não seria alto o bastante para alcançar a grande maioria dos vasos – Comentou de modo descontraído, encaixando seu pescoço sobre suas asas a parede – Mas eu tenho uma ideia. Caso você conhece-se uma certa pessoa que seja alta o bastante para te ajudar nisso. Alguém mais alto do que eu ou o Jack – Completou seu pensamento com um pouco de cinismo, olhando de canto para a figura da amiga sentada logo ao seu lado. 

Haru permanecia de cabeça abaixada entre suas pernas. Porém, suas orelhas logo se levantaram. Haviam capitado algo que por fim chamou sua atenção. Era algo instintivo dentre os coelhos. Poderia sinalizar qualquer coisa: desejo, perigo, um possível alerta a quase todo o tipo de situação. No momento a garota ainda interpretava a frase em sua cabeça. Estava disposta e desconsiderar algumas coisas para, por fim, conseguir ser honesta em seu todo. No final das contas, era perigosamente delicioso saber que tinha a possibilidade de fazer uma escolha da qual tinha quase total certeza de que se arrependeria mais tarde. 

Dom revirou os olhos. A coelha, embora passasse a pose de misteriosa, e por vezes de fato se mostrasse assim, conseguia ser um tanto previsível na maior parte do tempo. Talvez fosse por isso que evitasse demonstrar quando está abalada. 

Um sorriso travesso surgiu no rosto do pavão. 

— Mas é claro, só evite chamar o Bill para te ajudar nessa – Disse fingindo um tom entediado – Ele já tem namorada, você sabe disso. 

—-- 

Finalmente parou com o seu projeto de correria ao entrar no corredor dos camarins. É claro, Jack saberia que não haveria ninguém por ali, pois, geralmente, os alunos dramaturgos tomavam a liberdade de não comparecer aos ensaios em dias de prova. Enquanto que a maioria dos atores e atrizes, para não dizer todos, aproveitavam para ficar de bobeira e tirar um dia de folga. Não tirava suas razões, até porque não sabia quase nada do ramo, e talvez, mesmo o simples ato de fazer caras e bocas para uma plateia fosse lá algo cansativo. 

Culpou-se mais uma vez por seus pensamentos auto avaliados como tóxicos. Não era de seu feitio pensar menos de outras pessoas. Considerava tal ato como mesquinho, e não suportava destratar as pessoas com o mínimo de respeito que exigia para si mesmo, ainda que fosse em pensamento. 

Deu mais alguns passos lentos, na esperança de que nenhuma alma penada o sentisse por ali. Estava certo sobre seu pensamento anterior, e todos estavam descansando ou ainda em aula naquele resto de tarde. Não havia o porquê de alguém ficar ali apenas vadiando. Não seria o melhor lugar para se dar uns amassos, embora apenas tal ideia tivesse feito o cachorro rir consigo mesmo. Conhecendo Legoshi em seu íntimo sabia muito bem que o canino não recusaria ficar com o seu namorado por ali mesmo e quem sabe até poderiam ir até além. O maior, sendo um veterano no ramo da organização teatral de Cherryton, sabia de cor e salteado até mesmo a quantidade de passos que cada ator dava para sair do set, e é claro, a hora que voltariam para os palcos. Arranjar um horário perfeito para ficar com alguém ali seria no mínimo muito fácil com os arranjos de Legoshi. 

De fato, não era o melhor lugar para namorar. Mas, se tratando de Legoshi, quase todo o lugar se tornava um pequeno ninho de amor. E um grande local para a tomada de más decisões 

Riu consigo mesmo mais uma vez, se culpando apenas por considerar tais possibilidades. Estava começando a chegar perto da sala de fantasias, sendo que algo dizia para o canino que provavelmente seu namorado estaria por ali. Tais suposições foram confirmadas, ao escutar vozes e ruídos vindos do cômodo. Algumas também risadas podiam ser ouvidas, o que atiçou ainda a curiosidade de Jack, e, desproporcionalmente, fez com que o mesmo caminhasse mais lentamente com o principal intuito de não ser percebido. Era Legoshi, com certeza. Reconheceria seu timbre de longe, e o mesmo aparentemente parecia ter ficado bem na ausência de Jack. 

Ou estaria bem criando sua própria ausência? 

Suspirou fundo e por fim, virou a esquina da grande abertura que dava ao cômodo de apetrechos. Era Legoshi. Radiante e imponente, parecendo não ter mudado nunca naquelas horas que mais pareciam dias para o menor. O lobo permanecia com um sorriso no rosto, derivado provavelmente dos risos que Jack ouvida mais cedo. Estaria tudo maravilhoso, onde o labrador correria até seu namorado e o abraçaria com força perguntando o porquê da felicidade. Porém, provavelmente seria ignorado, visto que o menor não era o foco dos olhos ou do sorriso de Legoshi. 

Lá estava ele, logo ao seu lado, o veado vermelho. Esbelto, quase igualmente imponente se comparado e Legoshi e, diga-se de passagem, um pouco mais elegante. Era Louis, o grande candidato a Beastar. Incomumente, o herbívoro havia deixado de lado toda a sua pose séria e de extrema formalidade. Estava compartilhando da graça de Legoshi, ao disfarçar as risadas que compartilhava com o mesmo. Certamente estavam tendo um bom tempo por ali. 

Demorou uns poucos segundos para perceberem Jack na sala, sendo que o labrador estava com uma feição confusa e um pouco deprimida. Legoshi engoliu sua alegria, criando forças para um novo e quase igualmente espontâneo sorriso. Era diferente do que tinha compartilhado com Louis, que abaixou a cabeça para não ter que olhar diretamente para o canino menor. 

— Jack! O que está fazendo por aqui? - Perguntou Legoshi, andando em direção ao namorado. 

O menor questionou com seu olhar. Será que o lobo estava realmente tentando ignorar o fato de terem ficado todo um dia sem se ver? E isso logo após uma briga? 

— Eu não vi você na sala de provas – Respondeu sem muito ânimo inicial, mas logo mudando para algo mais determinado. Não queria parecer decepcionado com a situação. Pelo menos não na frente do namorado, pois finalmente havia o encontrado – Me contaram que estaria aqui. 

— Quem te contou? O Bill? - Disse Legoshi olhando para cima em pose de questionamento – Não me lembro de ter contado isso a ele. Por acaso lhe contaram que eu estaria aqui na sala de fantasias? 

— Ora, deixe disso – Louis interveio, se aproximando da dupla de caninos e olhando fixamente para Legoshi. Sua feição era séria, e o lobo pegaria fogo apenas por ser fitado daquela forma, se não fosse o pequeno e descontraído sorriso do veado vermelho – Embora seja uma hora atuar em Cherryton, as salas do clube de teatro daqui são uma bagunça. E seu amigo pode muito bem ter confundido este cômodo com a iluminação. 

Ambas figuras maiores sorriram do comentário de Louis. Porém, Jack se encolheu um pouco. Embora não tenha visto boa parte do palco enquanto rondeava pela área do clube de teatro, poderia jurar ver Legoshi no alto, muito provavelmente arrumando algum holofote ou o mudando de lugar. Na verdade, o lobo quem teria uma visão maior do local, e avistaria o namorado primeiro. 

Mas ao invés disso, lá estavam os dois colegas de clube. Sozinhos e cuidando de seus afazeres. Poderiam haver mil razões para o lobo estar fazendo um bico na sala de fantasias. 

— Estava necessitando de certos ajustes no chapéu e na capa com que farei Adler. Mas para tirar suas dúvidas a limpo, isso é, se você as tiver, chamei Legoshi para cá porque infelizmente boa parte da equipe de fantasias está realizando atividades extracurriculares. Isso sem mencionar aqueles que estão cumprindo dívidas com questões acadêmicas - Completou a frase cruzando seus braços e por fim olhando para Jack 

— Ele quer dizer que algumas pessoas do clube estão no mesmo barco que eu – Disse Legoshi passando a mão em sua própria cabeça em razão da vergonha – Mas não se preocupe. Fiz a prova tranquilamente e logo depois vim para cá - Terminou com um sorriso em seu rosto. 

Mas como não se preocupar? Seu namorado não o havia contatado de nada. Nem que iria fazer as provas em outra sala e muito menos aonde iria após os exames. O labrador tinha consigo que poderia compreender tal distanciamento caso seu namorado se demonstrasse ainda amargurado pelo o que havia acontecido mais cedo. Porém, tudo o que havia recebido eram respostas meia boca e alguns sorrisos falsos. 

Porém, algo dentro de si lhe dizia que talvez estivesse sendo um pouco exigente demais. Ou melhor, a expressão “talvez” fosse um grande eufemismo. Lá ia Jack ser um pouco “demais da conta”, então já se citando um novo termo totalmente eufemizado. Legoshi estava lá, de corpo, mente e alma. E embora estivesse acompanhado de alguém que não fosse Jack, isso era totalmente culpa do labrador. Não devia se exigir tanto. Mas acima de tudo: Não deveria exigir tanto dos outros. Simplesmente não tinha moral própria para isso. 

Me pergunto se o sufoco tanto em meus pensamentos quanto o faço comigo mesmo. 

O sorriso mais falso daquela tarde se formou no rosto de Jack, arrancando uma expressão confusa de Legoshi que questionou com um minimamente sonoro “hm”. Louis apenas observava ao casal, aparentando ter pouco interesse nos assuntos mais particulares, e nem mesmo ligando quando o labrador virou para ele. 

— Bem, então muito obrigado por ter cuidado do meu namorado para que ele não saísse por aí assustando herbívoras - Disse Jack em tom brincalhão para Louis, o que arrancou um olhar curioso do mesmo, embora não tivesse tirado o sorriso de seu rosto – Já sei onde vir procurá-lo da próxima vez. 

— Hey, sabe que eu não gosto desse tipo de brincadeira – Falou Legoshi de orelhas baixas e fingindo uma falsa sensação de tristeza, apenas para logo em seguida ir de encontro com o namorado e lhe dar um abraço super apertado e seguido de um beijo no rosto. Tal ato fez o menor corar de imediato, enquanto dava altas risadas com o carinho do lupino. 

De repente, se escuta Louis soltando algumas poucas risadas. Quase que lembrava uma criança que acabara de ganhar em uma brincadeira. O herbívoro não fazia questão de esconder seu contentamento, coisa que deixava Legoshi e Jack intrigados, esse último, a propósito, achava um tanto macabro até. Parecia que a felicidade momentânea havia deixado seu corpo peludo amarelado, para se juntar aos tufos amarronzados de Louis, sendo que este estava rindo por último. 

Quando percebeu que estava sendo observado pelo casal a sua frente, fez o possível para recobrar sua compostura. Se pôs a permanecer com um sorriso de contentamento rosto, fazendo com que Legoshi quase que involuntariamente respondesse em um gosto semelhante, ao passo em que as orelhas de Jack por algum motivo misterioso se abaixassem. 

— Foi um prazer, senhor Jack – Disse Louis, dando logo em seguida uma meia volta e seguindo pelo escuro e silencioso corredor de camarins. 

—-- 

Dias se passaram após a temporada de exames avaliativos que tanto causaram pesadelos em boa parte da população de alunos em Cherryton. Era para ser um final de semana monótono e um lindo dia de sábado, onde animais de todas as espécies enfim sairiam do internato e aproveitariam um pouco de sua liberdade. Porém, todos estavam preocupados com os resultados das provas aplicadas anteriormente. Tendo alguns a ciência de que seria necessária a reposição de algumas notas, a maioria dos estudantes são se atreveram a botar um pé para fora do portão principal. Pois errados não estavam. 

 Jack, confiante de si mesmo, levantou mais cedo do que de costume, e, consequentemente, acordando Legoshi no processo. O ânimo de ambos era o epítome de divergência, sendo que o menor se encontrava super animado para o toque do primeiro sinal e o vazamento dos resultados. 

Arrumou-se depressa, quase como se estivesse apostando uma corrida contra o tempo. Diferentemente do canino maior, que não encontrava forças nem para sair da cama. Porém, em cerca de trinta minutos, lá estavam os dois: dispostos, jovens e animados. 

Ou talvez não 

— Sério que precisamos mesmo fazer isso hoje? - Perguntou Legoshi vestindo uma calça social qualquer. Como não era bem um dia de aula, uniformes não eram requeridos, mesmo que estivessem dentro dos limites de Cherryton. 

— E por que não seria hoje? - Jack devolveu a pergunta quase que com estrelas nos olhos. Quem o visse diria que só faltava explodir de ansiedade, mas assim era o canino: impaciente por resultados. 

— Eu sei lá. Segunda nós poderíamos perguntar para um professor qualquer se nós fomos bem ou não fomos - Respondeu Legoshi, caindo em sua cama novamente - Não sei, cara. Só sinto que não estou com muita cabeça para isso. 

O labrador deu uma pequena risada. Aquilo era característico de Legoshi, pois o mesmo estava com medo de ver os resultados, e como já era comum do maior, inventaria um motivo bobo para adiar a visualização dos resultados. Porém, Jack tinha consigo de que aquilo seria bom para os dois. Além de ter a plena consciência dos resultados de Legoshi, saberia então se os estudos com o namorado estavam rendendo frutos. E é claro, se os resultados demonstrassem que era necessário mais auxílio externo por parte do menor, o mesmo não reclamaria em ter que passar mais tempo ao lado do lupino. 

Sem aviso prévio, Jack pulou sobre Legoshi e o abraçou intensamente, arrancando um suspiro dolorido do maior em razão do impacto causado. Tentava transmitir por meio deste ato que estava lá para o maior, e que iriam passar por essa juntos. 

Ou pelo menos tentava se conectar desta forma com o lobo que passou repentinamente a odiar a matéria de biologia. 

Ao sair no corredor no toque do primeiro sinal, Jack que literalmente puxava Legoshi pelo braço, tentou avistar seus colegas dentre o mar de estudantes. Não obtivera sucesso, embora não fosse sua intenção deixar que aquilo o desanimasse. Tinha certeza de que havia tirado uma pontuação de se dar inveja, e de que Legoshi havia se superado também, embora o lobo só faltasse dormir em pé ao lado do namorado. 

Jack revirou os olhos. Ainda puxando o lobo pelo braço, entrou na sala mais próxima e se pos na primeira fila de alunos, sendo que estes estavam a frente de um professor representante de cada classe. Era assim que tinha que ser. Estavam todos ansiosos pelos resultados que seriam então apresentados. Todos menos um certo alguém que Jack conhecia muito bem. 

— Sinceramente, não consegue pelo menos fingir que está interessado em saber um pouco mais sobre sua situação? - Jack perguntou a figura maior ao seu lado, que revirou os olhos em reprovação. 

— Para ser sincero? Não mesmo – Respondeu Legoshi secamente. Colocou suas mãos nos bolsos de sua calça e desviou o olhar, aparentemente não podendo suportar encarar os olhos fulminantes do labrador sobre si. 

— Serei sincero novamente mais uma vez então - Disse quase que em um resmungo – Eu já deveria esperar isso de você. 

Um silêncio intimidador se formou entre os dois. O ambiente em si, escolar e movimentado, não estava nada quieto, sendo que alunos falavam por todos os lados e não apenas sobre as notas que receberam ou receberiam. Porém, para Jack, ele e Legoshi estavam ali sozinhos e separados. Não havia interligação. Devia reconhecer, estava o forçando novamente e exigindo demais dos dois ali. Não era saudável. Mas não sabia se estava se referindo a sua relação ou a si mesmo como um todo. 

Muito provavelmente a segunda alternativa, pois Legoshi estava sendo praticamente forçado a permanecer ali. Bem, então não deveria ser obrigado a ficar com um sorriso em seu rosto o tempo todo. Embora parecesse ser bem o que Jack queria. 

Estavam chegando a um limite. Ou melhor, Jack estava a ponto de cruzar uma linha que já se mostrava longe demais da costa. 

Era hora de dar alguns passos para trás. 

— Eu sinto muito – Disse o labrador em um tom ainda mais baixo do que o anterior, pois afinal de contas, havia um pouco do seu orgulho ali também. 

Não obteve resposta. Odiava isso. Não apenas o fato de ser ignorado por seu namorado, como acontecera várias vezes nos dias mais recentes. Mas odiava a situação como um todo. Apenas queria que Legoshi se importasse mais consigo mesmo. Se amasse o tanto que o menor o amava. Isso era incondicional. Mas seria pedir demais? O amor não fora feito ser para isso, pedir para se fazer uma coisa impossível e multiplicar por setenta vezes sete? 

Apenas não acreditava estar se desculpando por amar demais. Era isso que havia colocado em sua cabeça. 

Um golpe de misericordia 

— Podemos voltar segunda feira se assim preferir – Jack disse, se forçando em uma atuação que valeria por todos os atos de Adler já realizados naquela instituição. Abriu um singelo sorriso e estava crente de que tudo se resolveria ali mesmo. 

O silêncio perpetuava entre os dois. As vozes adjacentes passavam agora a dizer coisas ofensivas para Jack, mesmo que ninguém tivesse nem mesmo notado a presença do labrador por ali. Na cabeça do menor, tudo o que fazia era de gosto duvidoso. Era assim que deveria ser. Pediu desculpas. Agora as coisas se concertariam, certo? 

Legoshi olhou de canto para Jack, sendo que este permanecia com sorriso em rosto, e talvez se segurando para não se desfazer em algum outro sentimento senão a falsa alegria. O maior se encontrava longe. 

— Depois que acabar por aqui, por favor, venha me encontrar lá fora – Falou o lupino, agindo como um espelho do menor. Com um sorriso em rosto e uma voz falha, respondeu – Vamos aproveitar esse outono juntos, certo? 

Não houve tempo para uma resposta direta, pois logo em seguida o lobo se curvou apenas para beijar a testa de seu namorado, o que atraiu alguns poucos olhares e cochichos alheios. Não havia importância. Estava tudo bem, e era assim que devia permanecer. Jack fechou os olhos, e, pela primeira vez naquele dia, deu um sorriso verdadeiramente sincero. 

Legoshi então se afastou do menor e fora em direção a porta, por onde passou sem grandes rodeios. Jack, voltando para seu juízo perfeito, percebeu que estava novamente sozinho. Porém, já não havia a melancolia de mais cedo. Ainda poderia ver as notas da qual tinha certeza que só lhe dariam orgulho. 

—-- 

Ao início da tarde, após comemorar sua primeira vitória naquele dia estressante de sábado, Jack seguiu em passos rápidos e animados para o refeitório de Cherryton, onde muito provavelmente todo mundo estaria reunido, visto que naquela altura do dia muitos poucos alunos haviam se atrevido a sair da escola. 

Ao chegar pediu uma refeição simples. Embora não tenha nem mesmo tomado café por conta do entusiasmo, seu corpo não exigia muita comida. Havia se alimentado de suas expectativas. 

Começou então a procurar por seus colegas que, muito provavelmente, estariam por ali. Logo conseguiu ver a silhueta alta e um tanto esbelta de seu amigo Bill, e junto dele, seu colega Dom e a namorada do felino. Esta última era uma cabra de coloração esbranquiçada e pelo que aparentava ser bastante fofinho. 

Fora então de encontro ao grupo de animais em passos animados e com seu jeito típido de cachorro bem humorado, o que arrancou algumas risadas de seus colegas assim que chegou mais perto. Todos ali já sabiam pela expressão do labrador: havia concluído os testes com sucesso. Não era de se esperar menos do melhor aluno do internato. Começaram então a interagir, em meios as lamúrias e os sucessos de cada um presente ali. 

— Ah cara! Nunca mais durmo na aula daquela professora pernas de pau – Disse Bill, passando a mão sobre seu pescoço em desaponto. 

— Está falando da professora nova, a garça? - Perguntou a namorada de Bill com sua fina voz – Acho que também me esqueci do nome dela – Terminou em tom brincalhão, mas levemente envergonhada. 

— Não se preocupe, Els. É tanto nome que logo mais eu esquecerei até o meu! - Falou Dom, arrancando algumas risadas de seus colegas. 

— Esse aí não esqueceria nem se nascesse de novo – Brincou Bill, apontando para Jack que balançou a cabeça em desaprovação. 

— O nome não é importante, desde que passemos na materia dela e fiquemos livres disso tudo – Respondeu o labrador em um tom convencido. 

— Heh. Fale por você, nerd - Disse Tom fingindo um tom depressivo. 

— Chame do que quiser. Por aqui só os nerds sobrevivem – Respondeu o canino de prontidão - Mas por falar nisso, cadê a Haru? Ela não visualizou os resultados com vocês? 

Os três amigos do labrador se olharam por um momento. A coelha, embora bastante querida pelo pequeno grupo, aparentemente não se encontrava ali. Nem mesmo em nenhum lugar do refeitório. Dom deu uma leve suspirada e soltou a bomba. 

— Haru me disse que como o outono chegou, as coisas começaram a ficar uma bagunça lá no jardim do clube “dela” - Disse o pavão fazendo questão de citar a última palavra enquanto fazia aspas com as mãos. 

Um raio teria caído sobre a cabeça de Jack se este já não se sentisse tão culpado. Havia prometido a tempos que ajudaria a amiga a organizar suas coisas no jardim. Nem era uma entrada oficinal no ramo da jardinagem. Apenas a ajudaria por alguns dias. Porém, aparentemente, ficara cego por alguns problemas pessoas. Exames, sentimentos, Legoshi, tudo isso estava em primeiro lugar. Deixava sempre para depois aquilo que não o agregava, mesmo que tivesse feito uma promessa. 

A ave azulada suspirou mais uma vez. Assim como Haru, Jack era um tanto previsível. Mas com ele era diferente, pois se colocava assim na maior parte do tempo. 

— Nem adianta começar com esses olhos de peixe morto – Disse o pavão de prontidão - Você é muito pequeno para alcançar os vasos mais altos, e é justamente para isso que ela chama o pessoal para dar uma força a ela. Nunca vou entender. Ela precisa de ajuda por ser baixinha, mas pensou em convidar logo você que não fica muito atrás - Terminou com uma risada. 

— Verdade, hahá! – Dessa vez foi Bill quem se pronunciou, o que atraiu alguns olhares curiosos de seus colegas e sua namorada – Ela bem que veio para mim me perguntar se eu conhecia alguém mais ou menos alto como eu. 

— Poxa vida, querido – Disse Els se encostando em seu namorado com um sorriso no rosto – Estou curiosa. Quem você recomendou? 

— Eu não me lembro direito. Faz alguns dias, e na hora eu e você tínhamos acabado de sair da sala de aula daquela “pernas de graveto”. Então eu estava com bastante coisa na cabeça - Disse sua última frase em tom desinteressado e levemente brincalhão. 

Algo estranho crescia dentro de Jack. Uma sensação sufocante. Já havia sentido isso, há alguns dias atrás. E é claro, havia reprimido, mais uma vez. Porém, agora era sério. Não deveria ser assim, mas estava chegando ao ponto de ficar histérico. 

Reuniu algumas forças, as mesmas que utilizava para não se debulhar em lágrimas. Por fim perguntou: 

— O nome Bill – Sua voz era trêmula e quase que totalmente instável - Apenas diga o nome, por favor. 

O tigre, que estava pensativo e por sua vez não havia reparado no estado do amigo, respondeu alegremente: 

— Ah! Mas é claro. Ele estava com a gente, não é querida? - Disse abraçando intensamente Els e a trazendo para se sentar sobre seu ombro direito, ato que fez com que a mesma corasse intensamente enquanto se desfazia em risadas de baixa emissão. Parecia uma criancinha apoiada ao lado da cabeça de seu irmão mais velho - Se lembra de quando ele tentou fazer isso com você, Jack? Foi engraçado para um caralho! Você é baixinho, mas não tanto assim – Terminou se referindo ao que acabara de fazer com Els, recebendo um pequeno cascudo dá cabra muito provavelmente por conta do palavreado chulo. 

Não houve muito tempo para respostas vindas por meio do canino. Esse, por sinal, sem pensar duas vezes se pôs a correr desesperadamente em direção a saída do refeitório, sendo observado por seus colegas que se encontravam mais do que perdidos em meio a tudo aquilo, com exceção de Dom, que apenas balançava sua cabeça em reprovação. Afinal de contas, era algo que Bill havia dito? 

— Mais alguém aí tão perdido quanto eu? - Perguntou o tigre virando o olhar para sua namorada, que deu de ombros demonstrando saber tanto quanto o maior. 

— Talvez o Jack – Respondeu o colega emplumado – Ele pode estar mais perdido do que qualquer um de nós. 

—-- 

O labrador subia as escadas quase que em desespero. Qualquer um que passava por Jack não conseguia de evitar o observar praticamente correndo pela escola. Parecia até mesmo estar atrasado para uma aula em pleno sábado. Imagine só, logo o aluno mais esperto de Cherryton e justo em seu dia favorito do ano. Que coisa mais patética. 

Abria os seus olhos para algumas coisas, a medida em que alguns sentimentos se permitiam desprender-se de sua mente confusa em formato de lacrimas já tão coagidas por um orgulho fragmentado. Não estava lá para Haru e não estava lá para Legoshi. Era insuficiente para ambos, mas suficientemente não tão insuficiente para não conseguir enxergar tal fato. Atravessava as esquinas de cada corredor enquanto tentava não tropeçar em suas próprias lamúrias. Porque era tão ciumento? 

Chegou pôr fim a última escadaria, enxergando a porta que daria ao jardim logo a sua frente. Seus pés gelaram. Já conhecia essa parte: começaria a andar lentamente para não ser notado por ninguém, ao passo em que começava a escutar o seu amado rindo com uma outra pessoa. Era idiota. Mais do que isso. Era medíocre. Por que simplesmente não arrombava a entrada com um grande chute como se fazia nos filmes? E logo em seguida, faria uma espécie de escândalo, ou começaria com uma grande lição de moral dizendo o quanto não precisava daquilo tudo. De Legoshi ou de seu amor juvenil adolescente. 

Mentira. O senhor lobo era penetrante. E Jack, mesmo não sendo sua presa no momento, sempre estaria abaixo do lupino na cadeia alimentar. Porém, é claro, todos os animais possuem certos gostos e certas preferências por assim dizer. Sabia disso. Não reclamava pois já não adiantava. 

Mais alguns passos foram dados, ainda de forma silenciosa. De fato, Jack não chegaria com uma entrada triunfal. Não fazia o seu gênio ser um super herói. Talvez um personagem coadjuvante, ou um mero figurante. Mas com certeza não ficaria no centro. Nunca seria o foco, seja lá qual foste esse. 

Respirou fundo consigo mesmo. Deu deus próximos movimentos quase que de supetão, pois havia cansado de esperar. Precisava daquilo. Ver seu amado mais uma vez, pois jurava com todas suas quase que escassas forças que Legoshi estaria por de trás daquela porta. Seus dedos foram de encontro a maçaneta. Apertou fundo e a girou, sentindo a brisa forte de outono bater seu rosto. 

Seus olhos marejados foram de encontro a toda a imensidão do jardim. Estava tudo muito bem tratado. Alguns poucos montinhos de folhas amarronzadas de encontravam sobre o chão abaixo das copas das baixas copas de árvores pequenas. Jack, embora já tenha entrado no local com certa frequência por conta da amiga, nunca parava de se impressionar com tamanha organização. Na cabeça do labrador, Haru não era uma simples aluna do clube de botânica. Poderia se passar por uma profissional da área e tiraria de letra uma formação na área caso seguisse carreira no ramo. 

Sorriu consigo mesmo. Era impressionante o que a coelha podia fazer, com ou sem ajuda. Aparentemente não havia ninguém no local, embora não tenha se colocado a analisar profundamente a pequena casa que se encontrava aos arredores do clube, onde geralmente Haru ficava. Seu sorriso então abriu mais um pouco. É claro, teria que se desculpar com sua amiga o quanto antes. Porém, agora teria de encontrar o seu namorado fora dos campos da escola. 

Ou ele o encontraria por ali 

Recuperando sua compostura, o labrador já se preparava para dar meia volta e seguir pelo caminho de onde veio. Até se escutar os risos vindo pelo corredor com a porta aberta atrás de si. Seu corpo paralisou mais uma vez, sendo que nenhum músculo se quer chegava ao atrevimento de o obedecer. Conhecia aquelas vozes. Conhecia muito bem. Quem dera Deus o tivesse feito invisível para assim observar as coisas que aconteceriam dali em diante. 

Alguns passos se eram escutados. Leves e ágeis. Haru, sua grande amiga. Agora teria a chance de se desculpar. Isso se a presença maligna que se encontrava com a pequena, entregada também pelo som de passos pesados e obstinados, o permitisse fazê-lo. 

No final das contas, teria de dizer desculpa aos dois. 

— Jack? - A voz coelha se fez presente, logo após seus passos cessarem. 

Deixando de lado seus muitos escrúpulos, Jack tornou-se a virar para a coelha que se encontrava, se é que era possível, tão assustava quanto labrador. Olhavam-se nos olhos. Ambos marejados e prestes a desabar através de seus cansados sacos lacrimais. Ao lado da figura menor, é claro, existia uma força maior para sua proteção. Poxa vida senhor Legoshi, você por aqui novamente? 

— Jack. O que está fazendo aqui? - Dessa vez foi o lobo quem se pronunciou, aparentando estar um tanto preocupado.  

Engoliu em seco. Chega de hesitação. Tinha a sua última desculpa como a perfeita. 

— Vim ajudar Haru com as coisas do jardim. Você tinha que ter visto como isso aqui estava lá para o início da tarde, haha! - Disse o lobo em um tom animado. 

Jack ficou estático. Já não fazia mais tanta importância. Sabia o que tinha que fazer, aprontando um novo sorriso já de antemão. Não um bastante radiante ou chamativo. Mas o necessário para concordar com Legoshi e o que quer que estivesse lhe contando. 

Olhou então para a coelha, na esperança de que a mesma estivesse cumprindo o seu papel. Grande engano. A menor olhava para baixo, sendo que de seu rosto as únicas coisas visíveis eram as lágrimas que refratavam a luz do sol naquele horário. Estava trêmula, fragilizada, inconsistente e, para alguém como ela, um tanto confusa também. Era verdade. Jack já conseguia a ler como um livro. Era a parte positiva de tudo aquilo. Só se sabe a profundidade do buraco quem já caiu nele. 

Ambos caninos olharam preocupados para a amiga, sendo que Legoshi se encontrava muito mais complacente do que Jack que ainda mantinha uma espécie de sorriso piedoso. O labrador se aproximou mais dos dois amigos que permaneciam lado a lado, ao passo em que Haru tentava conter as lágrimas e enxugar seu rosto, ainda procurando não levantar seu rosto. 

Ao chegar perto o suficiente da amiga, encurvou-se um pouco para ficar à altura de seu rosto, sendo que Legoshi fizera o mesmo. Jack não se atreveu a tocá-la. Geralmente não tocavam o labrador naqueles momentos, o que o levou a crer que era correto não o fazê-lo. 

— Haru, por que está chorando? - Perguntou Jack em um tom calmo e amistoso. 

As lágrimas de Haru não paravam de cair. Pelo contrário, após o questionamento do amigo as coisas pareciam apenas ter piorado mais. Passou a abrir uma espécie de berreiro por ali mesmo, começando a soltar pequenos soluços ao rolas de suas lágrimas. Legoshi tentou a abraçar, sendo impedido por uma de suas delicadas mãos. Jack apenas observava a tudo. Ainda não a tocaria. Agora tinha a certeza de que estava certo em não o fazer. 

Após mais meio minuto, finalmente conseguindo manter sua compostura, Haru olhou para Jack. O labrador, que até então mantinha seu clássico sorriso, o desfez ao observar a angustia de sua amiga. Era sério. Promessas eram dívidas. 

— Jack, sinto tanto – Haru tentava pronunciar algumas palavras. Sem muito sucesso, recomeçou - Eu sinto muito. 

Os olhos do labrador de arregalaram por alguns segundos. Haru estava se desculpando? Pelo o que exatamente? Não era o canídeo que havia quebrado promessas e destruído corações? Não conseguia entender, como também não entendia o silencioso nervosismo de Legoshi ao seu lado. O lobo disfarçava bem. Mas Jack já havia aberto seus olhos. E se tratando de disfarces, depois daqueles dias exaustivos, ninguém estava acima do labrador. 

— Sente muito? Pelo o que, Haru? - Perguntou Jack, ficando então de coluna reta e procurando assim passar uma pose mais estável. 

As últimas lágrimas de Haru caíram ao chão, tendo suas trilhas sobre o rosto da coelha logo enxugadas por suas delicadas mãos. Permaneceram em silêncio. Legoshi estava um tanto emotivo também. Não porque estava triste ou arrependido de algo. Jack sabia que não era por isso. Mas o lobo tinha um forte senso de empatia, além do fato de odiar não saber o que fazer nessas horas, a não ser permanecer em silêncio. 

Jack suspirou fundo. Era mais um teste de atuação. Poxa vida, poderia seguir em uma carreira de ator no próximo ano. O simples pensamento fez com o que o mesmo desse uma pequena risada, quase que ignorando totalmente a situação em que se encontrava. 

Se ouvira então o som da palma direita de Haru se encontrando com o rosto peludo de Jack. Um forte impacto, com direito as marcas avermelhadas por pequenos dedos impressos. A coelha havia dado um tapa na cara do labrador. 

— Seu idiota! Você me prometeu ajudar hoje! - A coelha disse em tom alto e choroso, mas tentando parecer a mais firme possível - Você deveria sentir muito! Ainda não se desculpou. 

Tornou então a chorar. Jack permanecia estático observando a cena. Demorou um pouco para processar. Ah sim, isso era sobre Haru e a demanda da amizade, não se sabendo exatamente de quais lados. Sorriu ao escutar a risada contagiante de Legoshi, que em uma abraçada só, conseguiu pegar os dois menores e os apertar contra si mesmo. Era um tanto desconfortável, visto que Jack ainda estava com dor em seu rosto e Haru lutava para sair dos braços do lobo. 

Por fim se separaram. O labrador sabia o que tinha que fazer. 

— Você está certa. Eu realmente me esqueci do que havia prometido, e também de me desculpar. Sinto muitíssimo por isso – Disse Jack, um tanto envergonhado e ainda acariciando seu rosto – Mas poxa vida, Haruzinha. Precisava ter me acertado dessa forma? - Finalizou com um sorriso de canto. 

Não houve resposta. A coelha, aparentemente ignorando o pedido de desculpas, ou a tentativa dos dois canídeos de a animarem, fora de encontro a um pequeno banco, onde se pôs a sentar e enxugar as lágrimas que haviam sido recém criadas. Havia acabado, e a coelha, muito provavelmente, nunca mais faria algo do tipo.

 

 

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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela sua atenção.
Até a próxima!



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