Cupido escrita por Sulpícia


Capítulo 1
One-shot


Notas iniciais do capítulo

Oi oi oi oi, se estiver lendo isso, obrigada por clicar, e boa leitura! ♥



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A imagem que humanos normais têm de um cupido geralmente é de um anjinho de fraldas que atira flechas para as pessoas se apaixonarem. A maioria das pessoas pensam que cupidos não existem. 

Bem, elas estão quase certas. 

Existem alguns motivos para elas não estarem. Primeiro, só existe uma Cupido. Segundo, ela não atira flechas (não mais, depois de alguns acidentes. Ela tem as flechas, por questões estéticas, mas elas não fazem muito, honestamente). E terceiro, a Cupido não escolhe os casais que se apaixonarão. 

Na verdade, o trabalho da Cupido é muito menos emocionante do que se imagina. Apesar de não influenciar diretamente nos sentimentos dos humanos, ela sabe exatamente quem deve e quem não deve ficar junto. Os anjos não sabem disso, mas a Cupido trabalha diretamente com Deus, então sua precisão é exata. O problema é a execução não, o problema são os humanos. O trabalho da Cupido é a interferência: incentivar os casais certos, separar os errados. Mas nem sempre funciona. Livre arbítrio e tudo mais. 

Trabalhar diretamente com Deus, entretanto, não significa saber tudo sobre o Plano, como muitos anjos e demônios provavelmente deduziriam se soubessem que Cupido trabalha diretamente com Deus. O que significa que ela não sabe exatamente a influência dos casais que junta ou separa em relação ao Plano Inefável. Deus nunca comentou sobre sua eficiência ou ineficiência, e ela nunca perguntou. 

Não sabendo de nada disso, os humanos provavelmente não sabem que a Cupido também trabalha com anjos e demônios. Bom, um anjo e um demônio, para ser mais exato. 

Cupido olhou para eles pela primeira vez no Jardim de Éden, enquanto Adão e Eva encontravam seu caminho após serem expulsos, e a primeira chuva acontecia. E ela soube, mesmo achando estranho: 

— Mas demônios não podem amar — ela disse, olhando para Deus. 

Deus não respondeu verbalmente — ou o que consideramos verbal, já que essa conversa não é próxima de nenhuma língua que conhecemos hoje —; em vez disso, olhou para Cupido com uma expressão — ou o aproximado do que humanos consideram uma expressão facial — de ironia. Afinal, Cupido sabia perfeitamente o que estava vendo, e o que devia fazer. 

Foi ali que tudo começou. 

* * * 

A questão é, Aziraphale sabia que Cupido era um anjo, e sabia exatamente o seu trabalho. Isso o tornaria um pouco mais complicado, foi o que ela pensou, no primeiro encontro deles com aquele propósito. Mas Aziraphale não desconfiou de nada. 

Crowley (Crawly naquela época), soube. Mesmo sendo um demônio, foi muito menos hostil com um anjo do que Cupido pensou que seria — é claro que ele certamente não era hostil com Aziraphale, o oposto, mas Aziraphale era um caso especial, soubesse disso ou não. Para aquele tipo de criatura que Cupido pensou não ser capaz de amar, Crawly sentia coisas demais. 

— Você está perdendo seu tempo — dissera então, com a voz de quem repassava aquela questão em sua própria cabeça há muito tempo, apesar de ainda estarem no Princípio. — Por que um anjo amaria um demônio, ainda mais Aziraphale, ainda mais este demônio? — ele riu como se realmente achasse aquilo engraçado. Cupido logo descobriu que era só o seu jeito de disfarçar seus verdadeiros sentimentos (não que ela tenha dito isso em voz alta uma segunda vez, já que a primeira resultou em umas boas centenas de anos sem vê-lo). 

Cupido, é claro, não deu ouvidos ao pessimismo de Crawly. Naquela época, estava confiante após o sucesso do primeiro casal de toda a humanidade (problemas de expulsão do Jardim à parte), e o fato de que precisaria trabalhar para convencer apenas um dos lados do que sentia (Crawly não precisava de nenhum empurrão, ele já tinha passado por toda a Queda, do Céu e por Aziraphale) fazia-a pensar que seria fácil. 

* * *

Cupido logo descobriu que não era nada fácil. 

Naquela situação improvável, era lógico pensar que o demônio seria a parte difícil de convencer, e o anjo a parte fácil. Bom, Aziraphale e Crowley nunca foram muito próximos dos seus semelhantes. Seria possível argumentar que isso também poderia ser influência de um ao outro, à medida que se aproximavam pelos milhares de anos, mas mesmo no Princípio, eles eram diferentes. 

Era tudo inefável, e Deus os amava do jeito que eram, mas ela não podia exatamente dizer isso. Ela esperava que eles — ou melhor, que Aziraphale soubesse. 

Ao longo dos anos, Cupido encontrava-se com certa regularidade com Aziraphale e com Crowley. Foi assim que, da mesma forma que eles, apaixonou-se pelos humanos e pelo que eles ofereciam: comida, música, livros! Cultura! Era tudo fascinante, e ela frequentemente satisfazia-se dos prazeres humanos, fosse na companhia de um dos dois (nunca juntos, Aziraphale não sabia que ela também encontrava-se com Crowley) ou mesmo sozinha. Sem contar as novas e criativas maneiras de juntar os humanos que sempre descobria! Ela amava especialmente quando eles as descobriam antes dela, unindo-se sem sua ajuda. 

Aziraphale nunca tinha mudado muito de sua forma física ou o fato de predominantemente se apresentar como homem, e Crowley mantinha os cortes de cabelo de acordo com a moda, vez ou outra se explorando na forma feminina. É claro, anjos e demônios não têm gênero, então era tudo de acordo com os olhos humanos. Cupido gostava mais das formas femininas, mas experimentava de tudo, sempre em busca do que agradaria mais os humanos que pretendia se aproximar, quando tentava uma abordagem mais direta, às vezes até fingindo ser uma pessoa conhecida. Também usava pequenos milagres neles, que não por isso eram menos divertidos. 

Talvez os humanos não saibam disso, mas Cupido também sofre de coração partido. Fica orgulhosa e feliz dos seus sucessos, porém casais que não terminam bem ou simplesmente nunca conseguem ficar juntos a deixam devastada. Não é necessário dizer que, pelos milhares de anos que habitou a Terra, experimentou inúmeros corações partidos. 

Aziraphale e Crowley começaram como um coração partido: Aziraphale tinha tanto medo de ir contra tudo o que acreditava — como se amar alguém, mesmo um demônio, fosse contra o que significava ser um anjo. A verdade é que os outros anjos não eram seres muito bons, e ele frequentemente era intimidado ou até ameaçado por aquela imagem — como por exemplo seu superior, Gabriel. Se seu medo era Cair ou ser castigado, não tinha certeza. Para Cupido, doía vê-lo assim, e ela sempre tentava convencê-lo do contrário, da forma mais sutil possível. Crowley, bem, ele não tinha nada a perder (ou ele fingia não ter), e ficar ao lado de Aziraphale da maneira que fosse era o suficiente para ele, então nunca arriscava-se demais. Ela via que ele também sofria. 

Depois de muito tempo, o coração partido se tornou uma verdadeira dor de cabeça.

Cupido abandonou a sutileza algum tempo depois do Acordo começar. Ainda não tinha aparecido em um encontro dos dois, mas falava e dava direções mais diretas (que geralmente não davam resultado, ou pelo menos não tanto quanto queria). Era inegável que algo acontecia, mas ela queria acelerar o processo, ou temia que nunca chegassem a lugar nenhum. E, quando parecia que chegaria, sempre tinha uma parede invisível, impossível de ser quebrada. 

Em 1862, London, Crowley pediu por água benta como um recurso caso as coisas dessem errado para ele. Aziraphale se recusou não falou com ele durante décadas, e Cupido passou todo esse tempo tendo longas conversas com o anjo sobre o assunto — conversas que, no caso, consistiam em grande parte por Aziraphale falando muito e Cupido ouvindo, vez ou outra fazendo uma pergunta que o deixava pensativo, para depois falar por mais trinta minutos. Ela percebeu que o que fazia era muito semelhante a uma terapia humana. 

Foi então que, em 1941, Crowley entrou em uma igreja, pés queimando, para resgatá-lo de nazistas. Cupido, que estava observando de perto, escondida, viu o momento em que Crowley entregou os livros de Aziraphale em suas mãos, lembrando antes mesmo dele de usar um milagre para preservá-los em meio à explosão do lugar. Ali, em meio aos escombros, observando o demônio saindo com o que só poderia ser descrito como uma expressão completamente apaixonada, Cupido soube que era o momento de um último incentivo. 

(Aqui precisamos destacar que, sendo um anjo e um demônio, eles não se apaixonam da mesma forma que humanos. Entretanto, Aziraphale e Crowley tinham passado tempo suficiente entre eles para se apaixonarem daquele jeito, e de todos os outros.)

— E se eles descobrirem? — Aziraphale sussurrou, quando Cupido permitiu que sentisse sua presença. 

— Não seria muito diferente de esconder o Acordo que vocês já têm — respondeu. 

Aziraphale virou de uma vez. 

— Não é que eu não o ame…

— Eu sei — Cupido interrompeu, sorrindo. — Talvez ele também saiba, depois de passar todos esses anos esperando por você. Mas acho melhor você mesmo ir contar. 

Tornou a virar, vendo onde Crowley ainda o aguardava a alguns metros de distância, sem apressá-lo. Nunca.  

Aziraphale foi.


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