Emma & Jake escrita por Almofadinhas


Capítulo 9
Capítulo 9 ❄ Emma




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Ganhar ouro nas Nacionais e no mês seguinte conseguir o bronze no 4CC me deixou muito contente. Eu estava me sentindo realizada e muito mais preparada para representar meu país no Campeonato Mundial de Patinação Artística. Eu já havia ganhado uma prata e um bronze nos mundiais enquanto competia na categoria Junior, mas agora, em meu segundo ano como Sênior, preciso competir com atletas muito mais experientes. Independentemente da classificação, já me sinto honrada por ter sido uma das escolhidas para representar o Canadá no Mundial – é uma responsabilidade e tanto. Julie e Peter também foram selecionados, o que é ótimo.

Por causa do Mundial, depois de conquistar o bronze na Coreia do Sul, voltei para o Stepanova Ice Center focada em refletir toda essa minha motivação em horas extras no gelo. Para isso, decidi trocar uma das minhas aulas de yoga na sexta-feira por um período a mais no gelo.

O rinque era ocupado pelos treinos de hockey após as 18h, mas Maggie me disse que não haveria problemas se eu quisesse mesmo vir treinar a noite. Pelo o que eu tinha conhecimento, a última turma de hockey na sexta-feira era composta de crianças até 10 anos e sua aula acabava às 22h. Sendo assim, calculei que seria melhor se eu chegasse às 21h e ficasse até as 23h - o que pra mim era ótimo, já que não precisava acordar às 04 da manhã nos finais de semana.

Minha mãe achava que eu não precisava treinar mais e que já passava muitas horas no gelo, mas eu descordava. Antes de sair de casa tive que prometer a ela que esses treinos seriam leves e que eu não iria exigir muito de mim mesma.

Chego no Centro às 20:15 e vou direto para a sala de alongamento, pois mesmo sendo um treino mais tranquilo, não quero ficar dolorida no dia seguinte. Volto para o vestiário e troco meus tênis pelos meus patins. Dando uma conferida no estado geral deles, concluo que já está na hora de trocá-los por outro assim que a temporada acabar. Amarro bem os cadarços e pego minha garrafinha de água, seguindo direto para o rinque.

Recebo alguns olhares confusos das crianças e imagino que estão se perguntando o que eu estou fazendo aqui. Maggie me disse que deixaria avisado que eu usaria uma parte do rinque durante as sextas-feiras que antecedem o Mundial, mas mesmo assim decido ir avisar o professor dessas crianças sobre a minha presença aqui.

Patino até a única pessoa que não está usando todo aquele uniforme e paro atrás dele. Eu não faço a menor ideia de qual é o seu nome, então espero ele terminar de ajudar um garoto para chamá-lo. 

Quase caio para trás quando ele se vira.

Você?!

— Não estou entendo o porquê de tanta surpresa – Jake Stepanova retruca, franzindo as sobrancelhas.

Desde quando ele ensina alguma coisa aqui?! Achei que nem tivesse tempo para isso. 

— Vim avisar que vou usar um pedaço do rinque para treinar.

— Eu sei. Pode ir pra lá – ele diz, apontando para sua esquerda e me dispensando, voltando a ficar de costas para mim. Inacreditável.

Enquanto patino no espaço deixado para mim, tento raciocinar sobre o que exatamente está acontecendo no resto desse gelo. Jake fica apitando como se fosse um importante professor de educação física e as crianças repetem vários exercícios, desviando de um monte de coisas espalhadas pelo chão e empurrando o puck de um lado para o outro. Desde que eu não seja atingida por um desses discos, tudo ficará bem.

Ignoro o som do apito e repasso minha música em minha cabeça. É um pouco difícil me lembrar da melodia com um irritante som de apito ao meu lado e as vozes de várias crianças conversando, mas dou meu jeito. Repito meu programa curto várias e várias vezes no espaço limitado que tenho.

Enquanto faço uma pausa para beber água, observo Jake demonstrar às crianças como o exercício deve ser feito. Ele patina rápido demais, alternando entre ir de frente e de costas, movendo o puck com o taco numa velocidade que eu mal consigo acompanhar. Fico confusa só de olhar.

Volto para meu espaço e me dedico ao programa longo dessa vez. Ele é bem mais cansativo, mas é o meu favorito. Dou uma enrolada em coisas básicas porque imagino que o treino de hockey já esteja no fim, assim terei mais uma hora no gelo vazio, com espaço suficiente para treinar minhas coisas decentemente. Percebo que estou certa pois, um tempo depois, os alunos começam a sair do rinque e pegam o caminho em direção ao vestiário. Ainda tem algumas coisas espalhadas pelo gelo, mas acho que já posso ir patinando pelas beiradas sem ter o risco de ser atingida por um disco voando direto na minha direção.

Dou algumas voltas pelo rinque e preparo para um Lutz. Assim que minha lâmina atinge o gelo novamente, sei que pousei errado. No segundo seguinte me vejo encarando o teto do rinque.

Enquanto recupero meu fôlego e me preparo para levantar, vejo Jake a alguns metros de mim, desviando de alguns cones e arremessando o puck no gol.

— Assim é fácil jogar, não? Nem goleiro tem – comento.

Ele continua prestando atenção no que está fazendo quando me responde, acertando outro puck no gol.

— E eu tinha a impressão de que a patinação artística se praticava de pé, Emma.

Levanto do chão e tento tirar o gelo que grudou nas minhas roupas, deixando o tecido preto todo salpicado de branco. Jake me encara enquanto faço isso e estica um dos braços, estendendo o cabo do seu taco de hockey na minha direção.

— Mostre aí como se joga, já que é tão fácil – ele me desafia.

Sério? Eu não deveria ter aberto minha boca. Sei que agora ele vai me encher o saco por isso. Eu nunca joguei hockey na vida, nunca tive o menor interesse. Não tenho nem ideia de como segurar o taco e fazer ele controlar o puck que desliza no gelo, mas imagino que não seja assim tão complicado. Crianças fazem isso o tempo todo.

— Não estou afim – respondo.

— Está com medinho?

Respiro fundo, um tanto quanto irritada, e patino até onde ele está parado, me olhando com um sorrisinho idiota no rosto. Arranco o taco de sua mão e ajeito um dos discos no chão, entre mim e o gol.

— Você não está esquecendo de nada? – Jake pergunta.

— Não.

— Eu acho que sim, olhe os cones atrás de você.

— Não vou passar por eles – respondo.

— Crianças de cinco anos passam por eles.

— Bom para elas. 

Ele sorri. Idiota. Não deveria fazer nada do que ele me diz, mas também não gosto de fugir de nenhum desafio. Tiro o puck do gelo com raiva e patino até o fim da fileira de quatro cones espalhados atrás de mim, onde volto a colocá-lo no gelo. Ok, isso não pode ser assim tão difícil. 

Correção: eu estava muito enganada. Não estou nem um pouco acostumada a patinar segurando algo em minhas mãos e muito menos patinar tentando controlar algo muito pequeno e escorregadio que vive fugindo de mim.

— Mas que merda – resmungo.

— Achei que você tivesse dito que era fácil.

— Calado – falo para Jake.

Depois do que parece uma eternidade, consigo passar no meio do último cone e empurrar o puck na direção do gol. Eu jurava que pelo menos isso eu fosse acertar, mas o pequeno desgraçado bate na trave e desliza de volta na minha direção.

— Impressionante – Jake comenta.

Reviro os olhos, me negando a responder suas provocações e estendo o taco para ele. Jake nem se move para pegá-lo de volta.

— Tente mais uma vez – ele me diz.

O que? Não.

— Hockey é o esporte mais importante do seu país, Emma. Você precisa saber o básico.

— Pra que? Eu não pretendo jogar.

— Primeiro porque assistir você perder o puck várias vezes me deu vontade de arrancar os olhos. E em segundo lugar, conhecimento nunca é demais. Quando você estiver nas Olimpíadas, o time de hockey também estará lá, é bom saber alguma coisa para não passar vergonha.

— Já te disseram o quanto você é irritante e insistente hoje? – pergunto.

— Não na minha cara – ele responde e começa a patinar em círculos ao meu redor – Eis a primeira coisa que você precisa saber sobre o hockey: velocidade. É um esporte muito rápido, todas as jogadas são feitas em questões de segundos, o que me lembra de uma coisa.

Ele para de falar e patina para fora do rinque, voltando com um capacete debaixo do braço. Eu não consigo acreditar que estou parada aqui, ouvindo ele me dar lições de hockey. De verdade, por que eu estou aqui prestando atenção nele?! Eu deveria estar treinando. Maldita hora em que fui abrir minha boca para falar que era fácil demais jogar sem goleiro. Jake enfia o capacete na minha cabeça sem o menor cuidado e ajeita as tiras no meu queixo.

— Pronto. Se você caísse sem capacete minha mãe iria me matar – ele comenta – Já apostou corrida no gelo?

— Talvez. Há uns bons anos atrás – afirmo.

Conforme eu fui envelhecendo, a patinação deixou de ser apenas um hobby e virou uma parte fundamental da minha vida. Eu não tinha mais espaço para fazer “gracinhas” no gelo, usava todo meu tempo para melhorar minhas técnicas e me tornar uma patinadora melhor.

— Então já passou da hora de tentar de novo.

Ele patina para uma das bordas do rinque e faz um sinal para eu ir também. Nós estamos no sentido longitudinal da pista, o que significa que na nossa frente há, no mínimo, 50 metros de gelo.

— Pronta?

— Acho que sim – respondo, ainda sem acreditar que estou fazendo isso.

— Um, dois, três! – Jake conta.

Dou impulso com meu pé direito e começo a correr. Fazia anos que eu não patinava essa distância toda nessa velocidade. Nós patinamos rápido na patinação artística, mas nunca tão rápido. A sensação do vento gelado batendo no meu rosto é libertadora. 

Já estou quase chegando do outro lado do rinque quando sinto meu pé escorregar para trás. Perco o equilíbrio e caio de costas, escorregando pelo gelo.

— Tudo bem aí?

Ouço as lâminas de Jake se aproximando e em seguida vejo seu rosto acima do meu, me encarando enquanto estou jogada no chão. Algo em minha queda e o jeito em que estou deitada no gelo, com o filho da minha treinadora me encarando com um ar preocupado faz com que eu tenha um ataque de riso. Não há absolutamente nada de engraçado nisso, mas eu não consigo parar de rir. Ao perceber que estou bem e rindo, a expressão de Jake se suaviza e ele sorri. 

— Vamos, levante daí – ele me fala, estendendo sua mão para mim.

Eu hesito um pouco mas acabo esticando meu braço e apertando sua mão, que me puxa para cima.

— Foi divertido – eu falo assim que consigo parar de rir e respiro fundo, regulando minha respiração – Mas foi injusto, você só ganhou porque eu caí. Quero uma revanche.

— Por mim tudo bem, leve o tempo que precisar para se recuperar.

Antes que ele possa se preparar, eu começo a correr em direção ao outro lado do rinque.

EI! – escuto ele gritar atrás de mim – Isso é trapaça!

Obviamente eu não sou rápida o bastante, pois no terço final da pista, Jake me alcança e passa na minha frente. Começo a frear antes de chegar na borda do rinque, mas por causa da alta velocidade acabo colidindo com Jake e caindo em cima dele.

— Sabia que existem outros jeitos de parar que não terminam com você dando de cara no chão? – ele resmunga embaixo de mim.

— Eu tentei frear, eu juro – argumento – E você não deveria estar acostumado com pessoas batendo em você o tempo todo?

— Sim, mas geralmente eu estou ciente de que vou levar um encontrão – ele responde.

Observo seu cabelo desarrumado e espero que ele não tenha batido a cabeça quando o derrubei, porque ao contrário de mim, ele não tem capacete algum.

— Eu sei que é difícil ficar longe da minha beleza magnífica, mas você pretende ficar jogada em cima de mim até quando?

— Você não é tão magnífico assim – eu respondo, rolando o corpo para o lado e saindo de cima dele.

Enquanto patinamos de volta para onde as coisas do treino das crianças estão espalhadas no chão, ele comenta:

— Sabe, outra coisa importante é o equilíbrio. É fundamental se equilibrar enquanto joga, tanto para se manter em pé, quanto para dominar o taco e o puck. E esse é o seu ponto fraco, se quer saber minha opinião.

— Você vai falar de equilíbrio para uma patinadora artística? Tem certeza?

— Não fui eu que caí duas vezes.

— Foi um problema técnico – eu digo – E se quiser discutir sobre equilíbrio, sugiro que faça algumas coisas que eu preciso fazer em meus programas, assim será justo.

— Por mim tudo bem.

Jake me mostra alguns exercícios que eles treinam no hockey, para melhorar suas habilidades como jogadores. Eu não sou boa na maioria deles, é tudo o oposto do que estou acostumada na patinação artística. Eles são rápidos demais, brutos demais e precisa de mais coordenação motora do que eu tenho, já que sempre treinei sozinha, sem nada em minhas mãos que não fossem luvas. Sem contar aquele uniforme que eles usam – nunca vesti um, mas tenho certeza de que prefiro a leveza dos tecidos da patinação artística.

Nunca passou pela minha cabeça praticar outro esporte. Estou desde os quatro anos na patinação artística e, sinceramente, nem me lembro direito de como foi aprender a patinar e começar a fazer os saltos ou giros. Estar aprendendo o básico de hockey nessa etapa da vida faz com que eu me sinta como uma criança despreparada de novo. É mais complicado do que eu imaginava que fosse, mas para minha surpresa é divertido.

Se algum dia alguém tivesse me contado que Jake seria um bom professor de hockey eu teria rido. Já se tivessem me contado que eu estaria no rinque com ele numa sexta-feira a noite, aprendendo a controlar um puck, eu teria achado que, no mínimo, a pessoa fez uso de drogas ilícitas. Eu mesma não consigo processar toda essa informação, é como se a minha ficha ainda não tivesse caído. 

— Ah, mas não é possível! Essa coisa tem um motor? – exclamo quando o puck foge de mim mais uma vez. Já deve ser a 600º vez que ele faz isso.

Jake ri da minha cara enquanto eu tento trazer o disco de volta para perto de mim.

— Não que eu saiba – ele responde.

— Ele fica fugindo de mim! Tenho certeza de que não deveria ser assim.

— Acontece.

— Tenho certeza de que não acontece com tamanha frequência.

Finalmente consigo passar o puck pelo último obstáculo e acerto o gol. Imagino que foi uma jogada ridícula e humilhante, mas quase me sinto uma jogadora profissional.

— HÁ! Você viu isso? Eu acertei!

— E só demorou sete horas! Aposto que o time feminino do país te contrataria para jogar nas Olimpíadas depois dessa – Jake comenta.

— Eu até recebi a proposta, mas tive que recusar. Sabe como é, não queria que meu talento ofuscasse as demais jogadoras.

— Eu imagino.


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