Uma chuva pesada cai lá fora, raios iluminando a janela do meu quarto. É difícil chover em dezembro, mas acho que hoje é um daqueles dias fora do comum.

Paro em frente ao espelho do meu quarto e analiso meu visual. 

Meu cabelo está penteado e no devido lugar, o rosto livre da barba que estava por fazer nesses últimos dias, a camisa branca, a gravata, o terno preto e a calça bem ajustados no meu corpo, me deixando elegante… pelo menos até os tornozelos. Meus pés ainda estão calçando uma meia cinza qualquer e chinelos.

Escuto uma batida na porta e vejo o rosto de minha mãe aparecer. Ela abre a porta um pouco mais e para na entrada, me observando.

— Quase pronto, querido? – ela pergunta.

— Sim.

— Ah, que bom. Precisamos chegar cedo, lembra?

— Sim, senhora – provoco.

Minha mãe balança a cabeça e sorri, seu olhar se detendo nos meus pés.

— Gostei do chinelo – ela comenta, apontando para eles – Deu um toque especial ao figurino.

— Ficou bom, né?

— Ótimo!

Eu rio.

— Só preciso achar meu sapato, passar um perfume e já estou pronto – aviso.

— Tudo bem. Eu vou te esperar lá na sala com seu pai.

— Ok.

— Não demore, Jake.

Minha mãe sai do quarto e eu vou atrás de meias decentes e um sapato social para colocar no pé.

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Neste ano, o jantar de final de ano do Stepanova Ice Center é no salão de festas de um antigo e importante hotel da cidade. É uma pena estar chovendo, pois o salão fica na cobertura, onde há um terraço com uma vista incrível de Edmonton. 

Como filho de Megan e Vladmir Stepanova, eu cresci participando de eventos e precisando conversar com inúmeras pessoas diferentes. Nos jantares do Centro, nunca foi diferente. Estar acostumado com eventos sociais, entretanto, não significa que eu goste de ficar de conversa fiada com as pessoas. 

Já cansei de cumprimentar e jogar conversa fora com os convidados que já chegaram, por isso me afasto discretamente das pessoas e paro em frente a uma das portas de vidro que levam à varanda do salão de festas. Por causa da chuva e do frio congelante que faz lá fora, as portas estão fechadas. 

Dou uns goles na bebida que peguei com o garçom há poucos minutos e observo a noite chuvosa à minha frente. Pelo reflexo do vidro, vejo o Sr. e a Sra. Wright entrarem no salão, distribuindo alguns sorrisos e acenos para seus conhecidos. 

Eu me viro, fingindo interesse na minha bebida, enquanto observo Emma Wright e sua irmã caminharem atrás dos pais. As duas parecem conversar animadamente, trocando sorrisos e acenos de cabeça entre si.

A família para em uma mesa para conversar com alguns convidados e meus olhos se detém em Emma, que está sorrindo e falando alguma coisa para as pessoas que estão na mesa.

Ela está ficando parecida com sua mãe; as duas compartilham o mesmo tom de castanho escuro no cabelo, formato do rosto, nariz e um sorriso afetuoso – sorriso este que nunca foi direcionado para mim. Seus olhos, por outro lado, são claros como os do Sr. Wright; só que ao invés de serem azuis, as íris de Emma são coloridas com um verde intrigante. 

Ainda me lembro do dia em que a conheci. Eu estava doente, então minha mãe deixou eu faltar na escola e me levou com ela para o Centro. A maior parte do tempo eu fiquei no escritório, mas teve um momento durante a tarde em que eu cansei de fazer minhas tarefas de casa e desci até o rinque, sentando na arquibancada para observar o pessoal treinar. Não demorei muito tempo para localizar minha mãe, que estava treinando sua nova aluna – uma garota de 9 anos. Lembro de ficar admirado com sua determinação; cada vez que ela caía, levantava ainda mais decidida a acertar.

Depois desse dia, não tenho muitas memórias específicas de Emma. Tudo o que sei é que ela foi ficando cada vez melhor na patinação e então bum, se tornou a queridinha da minha mãe. As duas pareciam (e ainda parecem) mãe e filha, o que me deixava enciumado. Eu nunca tive irmãos e não gostava de ver meus pais dando tanta atenção à outras crianças.

Conforme eu cresci, meu ciúmes infantil passou. Apesar disso, minha relação com Emma já estava arruinada. Ela não me suporta. Tudo o que nós sabemos fazer quando nos encontramos é trocar alguns insultos gratuitos. E eu não vou negar, gosto de irritá-la. Ela é sempre tão séria e focada… é divertido vê-la saindo do sério.

Lembro que até gostei dela por um período, mas superei logo. Emma provavelmente me mataria se eu tentasse demonstrar qualquer tipo de sentimento afetivo por ela. 

— E aí, Stepanova? – uma voz me pergunta, me tirando dos meus devaneios.

Viro o rosto para o lado e encontro uma ruiva sorrindo para mim. É Lily, a irmã de Emma. Dos irmãos Wright, ela foi a única que herdou os cabelos ruivos do pai.

— Oi, Lily. 

Ela desvia o olhar na direção da sua família e solta um suspiro.

— É muito mal educado eu ter vindo aqui para não precisar conversar com cada ser humano que conhece minha irmã?

Eu rio.

— Talvez. Mas precisamos levar em consideração que todos aqui conhecem sua irmã. 

Lily sorri, balançando a cabeça em concordância e mudando de assunto.

— Meus parabéns pelo último jogo. Vocês mandaram muito bem! 

— Obrigado – agradeço, me lembrando da vitória do nosso time dias atrás – Foi um bom jogo, não foi?

— Foi incrível. Aquele gol do Carter no segundo tempo foi simplesmente perfeito.

Eu concordo. Nós continuamos conversando por alguns minutos, a maior parte do tempo sobre assuntos relacionados aos jogos de hockey e a universidade. 

Lily e eu estamos discutindo o último jogo do Maple Leafs contra os Senators quando Emma se aproxima, parando ao lado da irmã e me lançando um olhar irritado.

— Julie acabou de chegar – ela avisa à irmã – Vamos lá falar com a família dela.

Lily assente e olha para mim, se despedindo.

— Até depois, Jake.

— Até.

Lily começa a andar, mas para quando percebe que Emma não a acompanha.

— Você não vem?

— Já vou. Só preciso trocar uma palavrinha com ele – ela responde, apontando com a cabeça na minha direção.

Tenho certeza que Lily já está familiarizada com a nossa relação. Ela balança a cabeça e revira os olhos, caminhando para longe e nos deixando sozinhos em frente às portas de vidro.

Desvio o olhar de Lily para Emma, percorrendo os olhos pelo seu corpo rapidamente. Seu vestido longo parece o céu noturno, cheio de brilhos salpicados por todo o tecido preto. Alças extremamente finas seguram o vestido no lugar, terminando num decote em V que deixa seu colo em evidência. 

Uma coisa é certa: Emma está deslumbrante esta noite e eu estaria mentindo se dissesse que não. Não que ela seja feia em dias normais, é só que eu estou acostumado a vê-la em roupas de treino, com o cabelo preso e o rosto vermelho devido ao esforço físico.  

— O que foi essa conversinha com a minha irmã, Stepanova? – Emma me pergunta assim que Lily nos deixa, retomando minha atenção para o seu rosto.

Eu dou um gole demorado na minha bebida, enrolando ela de propósito. Mantenho meu olhar fixo em seus olhos verdes, que me encaram de volta num brilho feroz. 

— Exatamente isso que você disse, uma conversa — respondo depois do que parece ser um tempo extremamente longo.

— Eu conheço a sua fama, Stepanova. Fique longe da minha irmã, ok? – Emma diz num tom gélido, apontando o dedo para mim como se fosse uma grande ameaça – Ela é legal demais para alguém como você.

— Fico emocionado em saber que você se preocupa em descobrir detalhes da minha vida, Wright – eu a provoco, levantando uma sobrancelha – E você terá que ser mais específica quanto a minha fama, eu sou conhecido por muitas coisas.

Ela faz uma careta de desprezo.

— Você sabe do que eu estou falando. E, de qualquer maneira, Lily está ficando com outro cara, então cai fora.

— Vou tentar.

Emma bufa e se vira, indo embora para sua mesa à passos irritados e me deixando sozinho. Me divirto com o fato de Emma estar brava por achar que eu estava flertando com a sua irmã. Por mais encantadora que Lily seja, eu não tenho o menor interesse nela.

Termino minha bebida e saio de perto das portas de vidro, voltando para a mesa reservada à minha família.