O Lorde das Rosas escrita por Youth


Capítulo 2
O valete: pétalas tímidas




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                Archibald Sprout era o mais jovem valete a serviço da família Evayne. De cabelos dourados encaracolados, olhos castanhos e um rosto sardento, não dispondo de grande beleza, mas com um bom coração e uma grande habilidade para o serviço. Como haviam homens apenas ocasionalmente em Gardenhall, mesmo antes da morte de Lorde Evayne, seu trabalho era quase escasso, sendo reaproveitado em serviços menores, como servindo à mesa ou fazendo pequenos favores a Lady Macbeth. 

                Com a chegada do herdeiro, todavia, a perspectiva mudou e, dada suas idades quase parecidas — já que Archie era apenas três anos mais velho que o jovem Evayne — e sua grande ânsia por finalmente trabalhar no seu ofício verdadeiro, lhe foi dada a grandiosa oportunidade de ser o valete pessoal do rapaz que chegava do continente Americano.

                Tamanha sua surpresa ao abrir as portas de Gardenhall e encontrar seus olhos com os de José Eugênio — mais a noitinha confessou a si mesmo que se surpreendeu, pois esperava algo completamente diferente (E levemente mais caricato e estereotipado, cá entre nós) —, um rapaz comum, com os cabelos mais bonitos e adoráveis que Archie já havia visto em vida. Não pôde evitar ficar meio tímido com sua presença. O brasileirinho era só sorrisos, exaltando uma magnânima e calorosa simpatia, que assustava todos os britânicos, quase sempre tão frios e cautelosos demonstrando seus sentimentos.

                Archie o deixou na sala de estar, como indicado, e correu pra sala ao lado, não evitando se esconder atrás da porta e dar uma última olhada no seu futuro senhor. Um sorriso e uma alegria consumiram seu ser: ele, finalmente, poderia se sentir um valete de verdade. Ele teria comemorado, não fosse o medo de perder a compostura. Então, voltou a cozinha e só retornou à sala quando foi chamado pela Lady.

                — Archie, leve José Eugênio pro quarto, por favor, e certifique que tudo esteja certo para ele — ela disse, com toda sua delicadeza amarga de sempre — José Eugênio, este é Archibald Sprout — ela apontou para Archie — Será seu valete pessoal... Escolhemos um com idade próxima a sua, para que possam cultivar uma amizade e envelhecerem juntos, como deve ser. Archie é filho do Sr. Sprout, o valete do conde, então ele é mais que qualificado para o cargo — ela disse por fim. José Eugênio sorriu para Archie, que pareceu meio desconcertado.

                — Senhor — Archie disse.

                — Muito prazer! — ele respondeu.

                — Bom — Lady Evayne disse, meio impaciente — Melhor descansar, José Eugênio, nos vemos para o jantar... — ela disse. José Eugênio sorriu e concordou, e quando sua tia estava prestes a lhe dar as costas, ele se aproximou e a envolveu num caloroso e amigável abraço. Lady Macbeth ficou chocada e desconcertada. Arregalou os olhos, surpresa com a carícia, e encarou Remsy, que também foi envolvido pelo mesmo carinho advindo de José Eugênio. — Isso foi estranho — ela disse mais tarde à Remsy.

                — Titia — José Eugênio chamou — Pode me chamar só de Eugênio.

                Lady Macbeth lhe encarou, não disse nada e foi embora, pisando firme. Remsy foi atrás dela. Eugênio sorriu e encarou Archie.

                — Acho que eles não são muito de abraços — ele disse, por fim. Archie manteve sua postura séria e elegante.

                — Não é muito comum esse tipo de contato aqui, senhor — ele disse por fim — Quer ver seu quarto agora?

                — Adoraria! — Eugênio respondeu, sorridente, pegou a mala do chão e impediu Archie quando ele tentou tomá-la pra carregar — Eu levo, por favor.

                — Senhor, é o meu trabalho — ele disse, por fim, irredutível.

                — Eu deixo você levar a mala se parar de me chamar de senhor. Eugênio está ótimo — afirmou. Archie engoliu seco.

                — Tudo bem, Eugênio — José Eugênio sorriu e entregou a mala nas mãos de Archie, que, finalmente, o convidou para segui-lo, enquanto subia as escadarias de Gardenhall.

O andar de cima era tão esplêndido quanto o de baixo, cheio de objetos bonitos e exageradamente adornados em ouro, prata e bronze, com detalhes de flores por todos os lados. Em determinado instante passaram diante de uma janela que dava para a parte de trás da casa, José Eugênio, observando os arredores, ficou de queixo caído com tamanha beleza do que vira: um enorme (lê-se aqui com uma intensidade gritante) jardim, cheio de flores admiráveis e incontáveis, rodeado por um gigantesco labirinto vivo feito de paredões de plantas. No centro havia um coreto branco como gesso, onde mesinhas haviam sido postas e onde pessoas desconhecidas se juntavam à tia para um chá.

A intensidade das flores era tão grande que seu perfume chegava onde Eugênio estava.

— Então, está aí o jardim de Gardenhall — ele disse quando Archie se aproximou, meio impaciente. Archibald não entendia porque ele sorria tanto. — É impressionante como cada minuto aqui é mais bonito que o anterior — afirmou, olhando o valete no fundo dos olhos, munido de uma animação espontânea desconhecida. Toda sua timidez de outrora havia cedido espaço para uma grande animosidade e excitação pela descoberta do desconhecido. Archie estava impaciente.

Archie deixou a mala de Eugênio próximo ao sofá. O brasileiro já estava há alguns minutos sem palavras desde que entrou, extremamente encantado e deslumbrado com o próprio quarto. A emoção foi tanta que ele precisou se sentar e conseguir processar tudo. Era uma beleza! Como o quarto de um príncipe! Em nada se comparava com o quarto que tinha no colégio interno e que dividia com outros três garotos. Era espaçoso, elegante, florido, dourado e... opulento.

— Senhor...? — Archie chamou, quando terminou o que tinha pra fazer. Eugênio continuava absorto — Eugênio?

— Esse quarto é... — afirmou, por fim, com olhos tão brilhantes que chegaram a surpreender Archie, que até se divertiu com toda alegria do patrão. Não pode evitar dar um sorrisinho de lado, meio tímido e contido. — Não tenho palavras.

— Mais tarde Úrsula ou Carolyn viram para arrumar suas roupas no closet, levar o que tiver de sujo e etc. — ele afirmou, meio impaciente — Posso fazer mais alguma coisa pelo senhor?

Eugênio encarou Archie, curioso.

— O que um valete faz, exatamente? — questionou. Archie engoliu seco e coçou a nuca, surpreso.

— Bom, basicamente, te ajudo a se vestir e se trocar... — respondeu. Eugênio encarou Archie desacreditado. Estava levemente ruborizado.

— Acho que não vou precisar desse serviço — afirmou. Archie engoliu seco — Posso me vestir sozinho.

— Por favor, senhor — ele suplicou — eu preciso muito desse emprego... E, se não posso fazer isso pelo senhor, terei de ir embora — afirmou. Havia um certo tom de desespero e súplica m suas palavras que partiram o coração de Eugênio, que decidiu que não seria certo mais se negar.

— Tudo bem — respondeu — Mas isso não muda que sou tímido quanto a isso — afirmou — E eu espero que você seja mesmo meu amigo, Archie, espero de verdade — não havia tom de ordem nisso, o que surpreendeu Archibald relativamente. Era um tom zeloso, adorável, amigável e carismático, além de extremamente sincero. Archie sorriu involuntariamente e concordou.

— Mais tarde venho ajudar o senhor a se vestir para o jantar — ele disse, por fim, recolhendo-se numa reverência delicada e calma antes de deixar o quarto.

Por um instante Eugênio se questionou: se vestir para o jantar? O que ele quis dizer com isso?

Na cozinha não havia outro assunto que não a chegada do herdeiro. Uma dúzia de empregados, reunidos ao redor de uma enorme mesa de madeira, trabalhando continuamente e conversando pelos cotovelos, com olhares curiosos e recheados de malícia e fofoca. Quando Archie entrou na cozinha todas ficaram em silêncio e lhe encararam, como se aguardassem algo. Ele olhou de rosto a rosto, nada disse, e se sentou numa cadeira mais afastada.

                — Não é da conta de vocês — foi tudo o que ele disse, cortando o silêncio da cozinha. As senhoras e os senhores ali suspiraram em desdém, decepcionadas por ele não se juntar a fofoca.

                — Oh, vamos, Archie! — uma senhora gordinha de cabelos brancos disse, com um olhar raquítico e dentes meio tortos — Como ele é? Estamos todos curiosos.

                — Sim, Archie! Ele é mesmo negro? — uma mocinha questionou. A senhora gordinha a empurrou, como se a repreendesse pela impertinência. Archie os encarou com um sorriso forçado e debochado.

                — Deixem de ficar futicando na vida do senhor Eugênio — ele disse, por fim, pegando um jornal da mesa e começando a folear — Não tardará que o conheçam. É um sujeito muito simpático, aliás, tenho certeza que fará questão de nos conhecer... Só não fez porque acaba de chegar de viagem, só isso.

                A senhora gordinha suspirou e encarou todos na cozinha, levemente desapontada. Depois, voltou-se as panelas e continuou a preparar algo que cheirava a porco.

                — Theo e Liam, levem o chá para a Condessa — uma outra moça disse, de cabelos dourados e rosto gentil e delicado. Dois rapazes anuíram e assim o fizeram — Agora, os outros, acredito que todos tem trabalho a fazer, não é? — ela disse, por fim, num tom maternal, mas levemente agressivo. Demais empregados anuíram, suspiraram, e deixaram as fofocas de lado, saindo em busca de afazeres. Na cozinha restou pouco menos de quatro pessoas, contando com Archie.

                — Obrigado Lilya — ele disse, com um sorriso compadecido e um suspiro aliviado. A moça de cabelos loiros sorriu e se sentou diante da mesa, enquanto se servia de chá. Carregava consigo um malho de chaves prateadas. — Sim, ele é negro, Elizabeth, mas é também o seu senhor e patrão. Um dia será, inclusive, Conde de Gardenhall e Lorde das Rosas, então é melhor trata-lo como é devido.

                — Você é sempre chato e sério, Archie — ela disse, irritada, enquanto lavava louças — foi só uma pergunta inocente.

                — Imagino que suas intenções de fofocar sobre a cor de nosso senhor não sejam nada inocentes — afirmou, irritado.

                — Eu o vi rapidamente — Lilya disse, numa voz jovial e acolhedora — Enquanto caminhava pela casa com a Condessa... Tem uma ótima aparência — afirmou. Elizabeth e a senhora gordinha lhe encararam, surpresas — O que foi? Sou viúva, mas ainda sou uma mulher. Não posso achar homens atraentes?

                — Não o seu senhor — a senhora disse, em tom de deboche.

                — Ainda mais quando ele é tão jovem — Archie completou, todas lhe encararam com curiosidade — Pelo que ouvi, está próximo de completar dezessete — elas se surpreenderam.

                — Então o controle de Gardenhall ainda estará nas mãos da Condessa? Deus seja louvado! — a senhora disse. Lilya riu baixinho.

                — Só faltam três anos para ele completar vinte anos, senhora Swan, não comemore tão cedo — ela afirmou, por fim — Sem falar que, a qualquer momento, ele pode exigir o controle de seus bens... Afinal, ele é o herdeiro...

                — Está usurpando o lugar de Lorde Callum — Elizabeth disse, com certa amargura.

                — Lorde Callum? — Archie repetiu, em tom de deboche — Elizabeth, ele sequer é um lorde. É um primo, de uma prima, de uma prima da Condessa... Um parasita interesseiro. Nunca esteve cogitado como sucessor de Lorde Evayne.

                Elizabeth revirou os olhos.

                — Depois desse tal brasileiro, Lorde Callum seria o herdeiro principal de Gardenhall. Ele mesmo nos disse — ela afirmou, numa fé cega deprimente que revelava certos delineados de interesse. Lilya riu.

                — E a Condessa mesmo repetiu que preferia entregar Gardenhall para um esquilo que para qualquer um que tivesse Callum como sobrenome — Lilya suspirou e bebricou um pouco de chá. Elizabeth ficou contrariada.

                — E, novamente, ele não é um Lorde. Não sei porque insiste em ficar chamando-o assim — Archie afirmou, levemente irritado, com uma pontada de ciúme nas palavras. Elizabeth deu de ombros e continuou seu trabalho — Stephan Callum é uma das pessoas mais desprezíveis de Devon.

                — Mas, agora que estamos a sós, Archie, diga-nos, como é o tal senhorzinho? — a senhora disse, tentando mudar de assunto. Archie revirou os olhos, sabendo que não haveria como escapar daquela inquisição continua se não contribuindo para sanar a curiosidade das senhoras. Ele suspirou.

                — É estranho, muito estranho. As roupas... Muito abertas... O inglês... Muito marcado, datado — Archie suspirou e alisou as sobrancelhas — Caloroso também, de fato, de muitos toques inconvenientes. Abraçou a Condessa e Remsy como velhos amigos — Lilya e a sra. Swan não puderam segurar o riso.

                — E como a Condessa agiu? — Lilya questionou.

                — Acho que ficou tão estupefata que perdeu as palavras — respondeu — Mas parece ser uma boa pessoa, Lilya. Disse com muita sinceridade que prezava por uma amizade comigo — afirmou, com um grandioso tom de orgulho e satisfação. Lilya sorriu pelo amigo e tocou seu ombro.

                — Eu disse que era questão de tempo, Archie, até você se encontrar seu lugar aqui — ela afirmou, extremamente compadecida. Archie sorriu em agradecimento — Vai se tornar um grande amigo e confidente para o futuro Lorde das Rosas, como seu pai foi com o antigo Lorde.

                O olhar de Archie não podia denotar mais agradecimento pela compaixão da adorável governanta. Lilya deu mais alguns tapinhas no ombro do amigo, bebericou mais um pouco de chá e deixou a cozinha. Elizabeth e sra. Swan continuaram seu trabalho quando Archie já havia saído.

                Como combinado outrora, Archie bateu à porta de Eugênio no começo da noitinha, quando o sol começava a se por no horizonte.

                — Senhor, vim ajudar a se trocar para o jantar — ele disse do lado de fora.

                José Eugênio mal havia acordado, num estado catatônico, entre o sonho e a realidade, quando deixou a cama e se arrastou até a porta, desanimado, permitindo que Archie entrasse.

                — Não é muito cedo para o jantar? — ele questionou. Archie adentrou segurando um casaco de linho vermelho em uma das mãos e um frasco de perfume na outra, os colocando sobre a penteadeira diante de um espelho de corpo inteiro. — Good night, aliás.

                — Good Evening — ele corrigiu, mais focado do trabalho de observar as gavetas do quarto, agora ajeitadas e perfeitamente organizadas — Good night é o que dizemos quando vamos dormir — ele suspirou e observou o quarto — Vejo que a Úrsula passou por aqui... Já sabe o que pretende vestir, senhor?

                José Eugênio continuava mais para o mundo dos sonhos que para a realidade.

                — Eu não sei, qualquer coisa mais simples... É só um jantar, não é? — o mero som dessas palavras fez Archie estremecer e encarar Eugênio com uma indignação e uma surpresa ímpares. Ele não podia acreditar no que havia ouvido.

                — Nunca é só um jantar, senhor — respondeu, por fim — Jantares são o ápice das relações sociais inglesas. Num bom jantar são feitos negócios, casamentos... Amizades começam e amizades terminam.

                José Eugênio riu.

                — Bom, no Brasil, uma boa amizade não começa enquanto não se divide uma boa dose de aguardente — respondeu, num tom irônico. Archie lhe encarou com um olhar confuso.

                — E o que seria isso, senhor?

                Eugênio riu novamente e preferiu deixar o assunto pra lá.

                — E essa camisa que você trouxe? — questionou. Archie a ergueu e apresentou. Era de puro cetim, do mais delicado e elegante.

                — Lady Evayne pediu que experimentasse — afirmou — Ela disse que não sabia se você teria algo apresentável, ou pelo menos decente, para vestir no jantar de hoje — ele estendeu a camisa para Eugênio, que a envolveu em suas mãos sentindo cada toque delicado do tecido macio — Posso te ajudar a se trocar?

                Eugênio realmente sabia que não precisava de tal ajuda — mas não queria decepcionar o jovem valete, que parecia tão obstinado a cumprir seu destino e vocação. Então, anuiu, para a alegria de Archie, que sorriu e indicou para o rapaz um pequeno “palanque” no centro, onde poderia subir e ficar levemente mais alto, e assim facilitar a troca de vestimentas.

                — Pode tirar suas vestes, senhor, fique apenas com as roupas debaixo, por favor — Archie disse, sorridente. Depois, deu-lhe as costas e começou a vasculhar nas gavetas combinações de roupas que poderiam contrastar com a camisa de cetim. Eugênio obedeceu ao pedido do valete, ficando apenas de roupas debaixo. Uma brisa fria correu pelo quarto e arrepiou os pelos de sua espinha. — Acho que essa calça combinará perfeitamente com o seu... — Archie começou a dizer, enquanto virava-se novamente para o senhor, mas por um motivo desconhecido ficou sem palavras, extremamente catatônico e estupefato, com a imagem de Eugênio.

                — Que foi?

                — O senhor está nu — ele não estava exatamente nu, estava de roupa de baixo... Mas roupas debaixo comuns num país extremamente quente e com uma enorme variação de temperaturas: cuecas, unicamente, que se modelavam perfeitamente ao corpo de Eugênio. Archie engoliu seco, desconcertado, e desviou o olhar — Senhor, por favor, isto é... Embaraçoso.

                Eugênio não conseguia compreender.

                — Archie? Mas você me pediu para ficar com roupas de baixo! — afirmou, num tom irônico e confuso — Essas são as minhas... — e então, por um momento, considerou o fato de que ali, do outro lado do oceano, o significado de “roupa de baixo” era completamente diferente daquele que ele havia se acostumado — Ah. Eu sinto muito, me desculpe — ele afirmou, por fim, se cobrindo com a primeira coisa que encontrou no caminho — É que no Brasil... Bom, essas são roupas de baixo!

                Archie recobrou sua compostura e engoliu sua vergonha.

                — Me desculpe, senhor, foi só a surpresa do momento — afirmou, se aproximando de Eugênio e ignorando sua seminudez para lhe ajudar a vestir as roupas que havia separado — É que em muitas coisas somos diferentes, senhor, já devia imaginar que as roupas debaixo seriam tão... bem, incomuns, já que as suas de cima já eram estranhas o suficiente — e riu de nervoso, enquanto enfiava a mão de Eugênio na manga da blusa.

                — Vocês têm um complexo com a nudez, não é? Ou algo do tipo... — afirmou — Todos acham que brasileiros andam pelados o tempo todo... — e riu — Bem, agora acho que você tem munição o suficiente para acreditar nessas tolices. Nós não estamos nus todo o tempo, Archie, não pense isso, por favor... Mas leve em conta que um dia calorento aqui em Devon é um dia frio em Salvador.  Lá é muito quente... Então temos roupas mais leves... e mais “abertas” como vocês sempre dizem.

                Archie riu baixinho.

                — Você faz observações muito inteligentes para um rapaz de dezesseis anos — afirmou — eu nessa idade mal sabia soletrar meu próprio nome.

                — Dezessete, Archie, e não me trate como se você fosse um ancião — respondeu, terminando de vestir a calça e os sapatos — Como as pessoas reagiram?

                Archie havia entendido a pergunta, mas preferiu fingir que não, levemente relutante.

                — Como assim?

                — Com a perspectiva de um novo lorde — Eugênio completou, enquanto Archie terminava de abotoar sua camiseta — Sabe, especialmente quando esse novo Lorde não é exatamente o que esperavam. Talvez não seja a melhor opção para eles.

                — Garanto que a opção ao Senhor é bem menos adequada — afirmou, referindo-se à Stephan Callum, enquanto tratava de enrolar uma gravata ao redor do colarinho de Eugênio. — As pessoas o temem e tecem desconfianças por razões estéticas, por estranheza e hostilidade ao novo e incomum. Isso com o tempo se adapta — afirmou. Eugênio sorriu diabolicamente.

                — É, e o que não se adapta acaba se tornando obsoleto. Felizmente não existe espaço para coisas obsoletas no novo século — afirmou exageradamente confiante. Archie percebeu certo tom de amargura naquelas palavras, além de uma passivo-agressividade única, mas nada comentou. Eugênio sorriu para si mesmo diante do espelho. — É realmente estranho ter alguém me vestindo. Já tive pessoas tirando minhas roupas... Agora, as colocando — ele riu, deixando Archie levemente desconcertado e ruborizado — acho que a última vez foi quando era criança.

                — Lady Evayne vai receber os Kieran de Windfall hoje — ele afirmou, tentando mudar o assunto, enquanto terminava os últimos retoques na vestimenta de Eugênio. — Lorde Kieran e Lady Christine. São amigos antigos da família.

                Eugênio riu baixinho.

                — Windall é próximo daqui?

                — Umas duas horas de automóvel — afirmou — Está mais para Sallet que Collins. Próximo das terras dos antigos Evayne.

                — E o que seria isso? — questionou.

                — Não tenho tempo para explicar agora. Outro dia, tudo bem, senhor? — suplicou. Eugênio anuiu. — Acho que está tudo pronto — Archie se afastou e indicou a porta — Pode ir, senhor. Sua tia e seus convidados o aguardam.

                Eugênio ficou atônito, com milhares de pensamentos consumindo sua mente ao mesmo tempo. Engoliu seco e não saiu do lugar.

                — Sabe, talvez minha etiqueta à mesa não seja tão... inglesa — Archie engoliu seco, levemente preocupado. Coçou a nuca, suspirou e fechou a porta.

                — Comece de dentro para fora — disse. O olhar de Eugênio revelava que ele não havia entendido — Os talheres.

                — Talheres? Tem mais de um?

                Archie alisou o rosto, irritado, com uma gota de suor de preocupação escorrendo pela testa. Ao ver o medo do valete, Eugênio soltou uma gargalhada prazerosa e deu um tapinha nas costas do rapaz, caminhando para o corredor.

                — Estava brincando. Eu sei o básico da etiqueta — afirmou, sorridente, caminhando em direção as escadarias, mas, próximo a deixar a presença de Archie, deu meia volta e o olhou do fim do corredor, dizendo — Brasileira, é claro... mas não deve ser muito diferente, não?

                E continuou seu caminho.


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