Oblivious Secrets escrita por Ana Bela


Capítulo 1
Heaven Knows I'm Miserable Now


Notas iniciais do capítulo

Uma longfic depois de anos.
Agradecimentos à MayonakaTV com a revisão.



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A cada vez que o seu pé afundava no acelerador, a paisagem a sua volta se tornava incrivelmente mais disforme: acima, o final da tarde se aproximando virava um laranja avermelhado infernal, como se o mundo fosse iluminado por fogo; o verde perdendo o formato de folhas em vastas árvores para uma murada verdejante com algumas protuberâncias que se perdiam do olhar ao avançar do carro.

Jace respirou fundo. Sentia o nervoso em seu corpo tensionar os seus músculos de tal forma que doía, principalmente nas pernas e braços, contudo, não conseguia relaxar. O zumbido do motor era alto dentro dos ouvidos, o som causado pelo seu carro correndo pela vasta autoestrada deserta ao fim de dia, mas não era alto o suficiente para calar os seus pensamentos.

Você é o verdadeiro demônio, Jonathan Christopher. A essência suja da sua alma destruiu tudo...Você deveria morrer.

Soltou o ar em um alto suspiro. Mergulhou mais o pé no acelerador. À frente do volante, o painel tinha a sua agulha do velocímetro formando um meio círculo cada vez mais rápido, com sua ponta indicando os números: 120.. 140... 160. Mesmo a ponto de voar, parecia que nada era veloz o bastante para tirá-lo de longe da escuridão causadora de sua fuga, daquele local inóspito. 

Você deveria nem ao menos ter nascido… o meu maior arrependimento por não ter escutado os conselhos dados.

Seus olhos dourados estavam em chamas, do mesmo tom do céu acima, encharcados de ódio de si e daquele homem, no entanto, sem sequer permitir desviá-los do caminho pavimentado rasgando a floresta Brocelind, como uma faca marcando um rastro de sangue sobre a pele. 200 quilômetros por hora eram marcados agora no painel. 

ー Se eu sou o demônio, você vai ver o inferno em que transformarei a sua vida com a verdade. ー A voz saiu abafada e rouca entre os dentes trincados de ira, o espelho do interior que se despedaçava a cada metro percorrido.

Sua vida fora, se fossem excluídos o isolamento da sociedade, o desapego e frieza do pai, uma boa vida. Jonathan Herondale tinha uma mãe carinhosa, Céline, até que a mulher padeceu e morreu para uma doença desconhecida; uma casa gigantesca em um local arborizado; bons livros, os quais eram seus amigos. Porém vivia sob uma pressão densa do progenitor, Stephen, um homem sério e pai ausente. Dentro daquela sombra, escondia-se algo e Jace nunca soube o que era. Até hoje.

O revelar do segredo sujo do mais velho custou, além do nojo e raiva do rapaz, uma discussão. A dor era latente, mas a verdade curaria aquilo. Ela seria dita ao mundo e a justiça feita. Ele só precisava entregar aqueles documentos para as pessoas certas.

Por um instante, olhou para a grossa pasta cor de areia feita de papel no banco do passageiro. Ali teria a sua liberdade dos anos obscuros, a justificativa da insegurança paterna e a verdade para o mundo e para si mesmo. Ele só precisava chegar à Alicante.

O instante encarando a documentação se prolongou a segundos, pois Jace notou algumas folhas escapando da proteção, e, com a mão direita, tentou ajeitar os papéis para o seu local de origem, enquanto a esquerda mantinha-se firme no volante, com seus dedos calejados apertando o objeto circular com mais força do que deveria.

Sua atenção, em seguida, foi desviada para a mão esquerda, onde o anel da família Herondale ー um padrão de garças de asas abertas ー reluziu num brilho quase cegante. Do anel, olhou para a frente e viu dois enormes faróis vindo em sua direção. 

Em um momento, o cenário do homem loiro era de estrada, do verde da natureza e laranja solar, preenchido pelo som alto motor. No seguinte, tudo se tornou um vácuo de silêncio e escuridão profunda.

***

 

Os tênis simples brancos imaculados causavam um som abafado devido aos solados feitos de borracha sobre o piso opaco branco. Ela tentava não parar no meio do caminho, sentar-se em alguma das cadeiras da sala de espera ou, até mesmo, da cafeteria e descansar até ter energia para prosseguir. Além disso, precisava de café, o qual ficaria apenas desejando pela falta de tempo para conseguir um copo cheio do líquido retinto fumegante.

Clary não parou. Inspirou e expirou o ar à sua volta de forma profunda, servindo para tomar mais impulso. Acelerou o passo, enquanto conferia com a mão direita se o coque alto e alinhado ainda prendia devidamente o seu cabelo ruivo, a esquerda tateava dentro do bolso do jaleco ー tão imaculadamente branco quanto seus sapatos e calças ー à procura de seu celular. De fato, não poderia sequer estar ali com ele, mas havia chegado atrasada para o seu turno de vinte e quatro horas e mal teve tempo de jogar sua mochila no armário e se vestir, quanto mais remarcar todos os compromissos do dia. Precisava apenas de cinco minutos para responder algumas mensagens e depois daria um jeito de guardar o objeto em um lugar seguro, como sempre fizera.

Tirou o longo e fino aparelho do bolso. Deparou-se com mais mensagens do que gostaria no visor vívido e colorido. Desviou de uma dupla de enfermeiras que vinham tagarelando na direção oposta, enquanto abria uma das conversas no aplicativo de bate-papo. "Izzy está ocupada e pediu para perguntar se vem hoje mais tarde". A ruiva suspirou profundamente ao ler o curto questionamento, enquanto parava em frente às portas de metal maciço,ao mesmo tempo em que a atual mão livre (o cabelo estava alinhadíssimo) apertava o botão que indicava que desejava ir aos andares superiores do hospital por meio do elevador.

Soltando o ar em alívio por ter parado, alternou o peso de uma perna a outra. A jovem começou a digitar uma resposta, contudo parou, apagou e escreveu uma nova, justa e sincera: "Houve um acidente na fronteira de Alicante, ficarei presa aqui. Peça mil desculpas para Izzy e diga que vou recompensá-la, Si". Suspirou mais uma vez, desta vez de desânimo e pesar. Isabelle iria matá-la com total razão e nem poderia pedir proteção ao melhor amigo, Simon.

Um som leve indicou a chegada do compartimento movediço à sua frente, e a jovem médica em residência se direcionou para uma das laterais do transporte, enquanto as portas se abriam e alguns médicos, enfermeiros e até um paciente em uma cadeira de rodas eram despejados para o corredor claro com cheiro de mil produtos de limpeza. Assim que conseguiu, entrou naquele espaço claustrofóbico, milagrosamente vazio apesar de sua presença e tentou não chorar de decepção. 

Era um dia importante para aqueles que amava. Uma das suas amigas mais antigas e queridas, Isabelle Lightwood, teria sua primeira estreia como designer de moda durante a semana de moda de Alicante em um dos locais mais importantes da cidade, o Salão dos Acordos. A jovem ambiciosa de cabelos e olhos negros precisava de todo incentivo que o universo pudesse oferecer. Além de ser uma pessoa com o forte laço com Clary, ela era de importância de prioridade total para Simon Lovelace, seu melhor e único amigo de infância, e Alec Lightwood, irmão mais velho de Izzy e um amigo com os melhores conselhos, e, por consequência, fazia com que a pressão de estar lá aumentasse mil vezes. Todos estariam presentes para apoiar e vibrar pela iniciante designer que sofrera em anos de graduação, seguido pelo estágio porcaria para uma empresa de marca de luxo, sendo a empregada (mais para escrava) de um megero frio. Hoje seria seu momento de brilhar… E Clary não estaria lá.

Encarou-se no espelho ao fundo do compartimento, o qual subia quase imperceptivelmente. A pele mais pálida que o normal, as olheiras púrpuras e profundas ao redor dos seus olhos verdes dificilmente ajudavam a disfarçar seu desânimo e cansaço. Não era sua culpa, sem dúvidas, dizia a si em sua mente. Talvez em parte era, por ter escolhido a profissão passada a gerações pela linhagem paterna; seus amigos entenderiam como sempre o fizeram através dos longos anos de sua ausência em festas e comemorações para que ela virasse a madrugada em claro com grossos livros recheados de complexos conteúdos e, agora, dos dias a fio que ela passava no Basilias, o maior hospital da cidade. No entanto, Clarissa Morgernstern não se sentia muito mais que uma escória do universo por ser uma companheira falha em momentos cruciais.

Ela iria compensar Isabelle, iria sim. Porém, não hoje ou naquela semana. Tentou controlar a avalanche de emoções, virou-se para a porta quando o elevador parou em seu andar e limpou a mente. Agora era o momento de ser a Doutora Clarissa, ou Doutora Clary àqueles em que desenvolveu laços mais sólidos, e sua missão era ajudar a manter a vida de seus pacientes da forma mais saudável possível; não era momento de ser uma jovem adulta choramingando pelos cantos por não poder ir a eventos sociais. Era o seu dever dar 100% de si em sua profissão que carregava tantas vidas em suas mãos pequenas.

Pulou para fora da caixa metálica, dando, no máximo, uns dez passos em direção à Unidade de Tratamento Intensivo do prédio, quando foi parada por uma pessoa que praticamente corria em sua difereção, encarando-a com os olhos cinzas carregados de preocupação. 

ー Ah, graças ao Anjo, Clary! ーGritou a mulher poucos anos mais velha que a outra, com sua voz exasperada e rouca. ー Estava à sua procura, precisamos descer agora.

ー O quê? ー A médica parou num solavanco, encarando a colega e amiga de trabalho, Tessa Gray. ー Mas eu corri para cá porque disseram do acidente de ônibus na fronteira e precisavam de todos da equipe para vários procedimentos…

ー Todos já foram devidamente atendidos, a maioria já designada a quartos e o resto se encontra na UTI. ー Explicou Tessa, passando a mão na testa, os dedos firmes apesar do estresse graças aos longos anos como agente de saúde, brilhante com o leve suor que grudava os pequenos fios castanhos frontais à sua pele. ー Tivemos outro acidente, desta vez no cruzamento da estrada que liga Brocelind ao município e me pediram para te encontrar.

O corpo de Clary se retesou e ela se obrigou a não sair correndo aos andares inferiores sem terminar de ouvir mais informações da enfermeira chefe. Foi um breve momento de segundos em que seu coração se acalmou ao saber que o acidente do ônibus de turismo, o qual fazia curso entre Alemanha e Idris, foi devidamente atendido para a ansiedade de uma nova catástrofe.

ー Certo. ー Respondeu a garota, virando-se e acompanhando o passo da mais velha, em direção aos elevadores. ー Já temos alguma informação dos pacientes?

ー É somente um. Batida de carro com um caminhão. O motorista do caminhão está bem, tirando algumas contusões, inckusive ele que ligou pedindo ajuda. O motorista do outro carro sofreu todos os danos. ー A mulher explicava enquanto adentravam ao elevador junto a outros funcionários ー O Doutor Whitelaw vai iniciar a cirurgia agora no paciente, parece que ele tem graves lesões nas pernas e no peito.

ー Pelo Anjo… ー Expressou Clary baixinho para não chamar a atenção dos outros ali presentes. Seu estômago apertou, não apenas pela pressão da descida feita naquele momento, mas também e principalmente pela situação relatada. ー Como isso aconteceu?

ー O motorista do carro dirigia a toda velocidade, o do caminhão tinha desviado para pista oposta para não atingir num animal na estrada… O resto você já deve imaginar.

ー Droga, deve ter sido horrível. Eu… ー Clary começou a gaguejar enquanto saía para o corredor que levava às salas de cirurgia. ー Eu não sei se consigo, Tessa. Todo este tempo de residência apenas ajudei em casos leves e observei de longe cirurgias complexas. Não sei se dou conta de auxiliar algo tão…

ー Clary. ー A enfermeira chefe parou abruptamente, obrigando a colega a fazer o mesmo. Ela abriu um sorriso doce que fez seus olhos cinzentos cintilarem. ー Você se preparou a vida inteira para isso e tenho certeza que a sua ajuda será primordial e um aprendizado único.

A garota deixou os lábios formarem um sorriso leve e impedir o nervoso fazer com o estômago desse tantas cambalhotas. Pensou na sua infância recheada de curiosidade acerca da profissão do pai, na adolescência cheia de pesquisa, nos anos acadêmicos com mais estudos. Pensou também que seus amigos entendiam a sua ausência por confiarem em seu empenho e em seu trabalho. Faria isso por eles, por si e, principalmente, pela vida que auxiliaria a manter e se recuperar do trauma sofrido.


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Notas finais do capítulo

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