Catarina caminha lentamente até sua fatídica sina, sabia que estava fadada a morte desde o primeiro assassinato. Ela sediou o baile, consequentemente, a principal suspeita. Solaria não era bem vista entre os reinos próximos há muito tempo, o período que Eros se manteve neutro não compensou os que permaneceu como tirano.    

O próximo rei, Apollo, consagrou o nome em cima do golpe no anterior, mortes e ameaças. Catarina compreendeu desde a coroação que suas chances eram mínimas e ainda assim não perdeu a esperança, o baile deveria ser o começo de uma nova era para Solaria. Ao invés, foi sua sentença de morte.   

O céu encoberto pelas nuvens, a garoa fraca que aumenta gradativamente, o vento gelado que sentia cortar seu corpo... O clima apenas acentuava o estado mórbido que aquela situação desencadeava nos telespectadores da sua execução pública. Chegou na guilhotina, respirou profundamente três vezes, encaixou a cabeça, e no último minuto virou para seus súditos e fez uma promessa:   

— Vocês vão se arrepender disso – rosna entredentes, indignada. Foi necessário apenas um erro entre os acertos para ser condenada.   

A ordem é dada, o barulho da lâmina ecoa, a cabeça separa do corpo, o povo grita com a cena macabra. 

 ⚔ Três meses atrás ⚔   

— O que achas de um baile? - pergunta ao seu conselheiro real, Azriel Arcane.    

— Arriscado, minha rainha. Não pensas desta forma? Podem esnobar seu convite, Solaria ainda não conquistou a confiança dos reinos vizinhos – responde pesaroso.   

Azriel passa as mãos pelo cabelo ruivo, os olhos verdes com olheiras profundas. Característica que adquiriu nos governos anteriores, não era fácil aconselhar tiranos. Foi conselheiro de Eros e Apollo por obrigação, com Catarina era por prazer. Reconhecia a boa índole da rainha, mas as vezes era cansativo aconselhar alguém sem preparo algum para governar. Olhou para a figura imponente de sua monarca no trono, as sobrancelhas arqueadas, os vincos na testa, pensava em alguma solução para o problema.  

— E nunca vamos conquistá-la se não verem com os próprios olhos que o reino mudou. Minha fama de guerreira terá de bastar por enquanto, converse diretamente com os governantes. Lembre-os de tudo que conquistei em seus nomes enquanto guerreira, fui tão heroína quanto Apollo. Bom, pelo menos antes do ordinário mudar de lado...  - Catarina divaga enquanto tenta se acomodar melhor no trono, recusava-se a pensar que também era culpada na troca de personalidade do antigo amante. Mas alguma hora teria de admitir que seu término precoce e a falta de sensibilidade no momento, serviram de gatilho para a pessoa que Apollo se tornou.   

Catarina não conseguiu sentir empatia na época, muito menos arrependimento. Ficou eufórica por finalmente estar livre do relacionamento, como se tivesse tirado um peso das costas, ou uma obrigação. Não era real seu amor por Apollo, parecia apenas conveniente, a constatação foi precedida pelo corte do cordão umbilical imaginário que jurava ter sentido em sua alma. Agora ela entende o porquê de ter se sentido assim...  

Apollo ainda é um assunto que a assombra, não queria começar o governo com uma morte em suas mãos, tentava se afastar o máximo da fama dos monarcas anteriores. Entretanto, também não podia mostrar piedade, Apollo é muito ardiloso para andar livre pelo reino. Preferiu apenas prendê-lo na masmorra até encontrar um destino melhor.  

— Será uma viagem longa entre os reinos vizinhos... – ressalta o conselheiro, tentando chamar sua atenção.  

— Então é melhor sair o quanto antes, Azriel – aconselha com os olhos semicerrados – Eu só confio em você para esta tarefa, seu nome é bem visto entre os governantes. Sabem do seu envolvimento ao tentar conter os reis anteriores, sedentos por guerras e conquistas. Seu desejo pela paz é tão antigo quanto o meu.   

— Irei com prazer, minha rainha. Finalmente Solaria tem a governante que merece, seus súditos já a aceitaram, está perto de conquistar a todos pela sua simpatia e bravura. Com sua licença, majestade – Azriel se curva e espera a resposta da rainha para liberá-lo de sua presença. Assim que recebe o aceno, seguido do desejo de boa sorte, parte em sua jornada. Esperava em seu âmago que a sorte realmente estivesse ao seu lado. 

De fato, não poderia estar mais orgulhosa de si mesma, pensou Catarina. A súbita coroação a pegou de surpresa, mas chocou muito mais ao povo. Já governava Solaria há um ano e não havia do que reclamar. No começo ficaram desconfiados, por fim, tudo que conquistou como guerreira falou mais alto e aos poucos caiu nas graças do povo. O reino prospera e o acordo de paz entre as nações é a única pendência para finalmente sentir-se completa em seu posto.   

Só aceitou este fardo devido o que Eros lhe confidenciou, toda a trama envolvendo a sua criadora, Camila. No fundo, Catarina refletia se Eros apenas havia perdido o juízo ao desistir do trono de um dia para noite. Mas a falta de sanidade era mais do feitio de Apollo...  

O antigo monarca realmente mudou, posteriormente, entendeu que o trono já havia deixado de ser atrativo para Eros muito antes de Camila aparecer, a criadora foi apenas mais um motivo para abandoná-lo. Não podia culpá-lo, jamais imaginou que admitiria isso, mas Eros merecia viver plenamente depois de tudo que viveu e sua milagrosa redenção.   

A antiga guerreira ficou receosa com a possibilidade de o reino enfrentar um governante tirano pela terceira vez e fez do Juramente Real sua promessa, servir Solaria seria a propósito da sua vida.   

Após dois meses, Azriel retornou com as respostas aos convites. Sensação de eutimia a preencheu. Foi difícil, mas deram a Catarina o benefício da dúvida. Sabia que Azriel era a pessoa mais indicada para a tarefa, a confirmação unânime de presença de cada governante apenas ressaltou isto. Catarina admirava a capacidade que o conselheiro possuía de influenciar as pessoas a sua volta, foi desta forma que evitou várias guerras em nome de Solaria. 

O baile foi marcado para o próximo Solstício de Primavera, a rainha comemorará seu segundo ano no trono e, se a noite for propícia, a paz entre os reinos.