As bolsas arroxeadas que se formavam abaixo dos olhos de Naruto eram uma prova explícita das noites mal dormidas que ele vinha tendo. A barba por fazer e as roupas amassadas, deixavam sua aparência ainda mais desleixada. Fazia dias que ele não aparecia no escritório. A falta de apetite logo mostrou suas consequências, ele havia emagrecido milagrosamente nos últimos dias, mas nada disso estava importando para ele.

Ele tentava se agarrar ao fio de esperança que tinha de tirar seu filho das garras de Hiashi e de ver mais uma vez os olhos perolados de Hinata abertos e conscientes, para se manter são. Mas de alguma forma Hiashi conseguira se blindar por todos os lados e seu único trunfo, Hanabi, havia ficado presa e incomunicável, pois uma nevada terrível assolara a América, local onde ela estava nas últimas semanas, fazendo com que a linha telefônica e a internet fossem cortadas e os voos cancelados durante dias.

Todos os seus esforços se resumiam a pensar e pensar em formas de reverter toda a situação, mas a sua condição emocional não permitia que alcançasse alguma solução.

Sua campainha tocou e ele se obrigou a ir até a porta.

ㅡ Que porra é essa, Naruto? Você está parecendo um zumbi!

Recebeu um empurrão do amigo que entrou sem esperar um convite e foi logo puxando as cortinas, para que o sol iluminasse o apartamento. ㅡ Há quanto tempo não está saindo daqui?

Naruto o olhou, mas não diretamente. Não respondeu nada.

ㅡ Cara, você tá caindo nessa novo. Eu te avisei que isso aconteceria e você quis cavar toda essa merda.

Naruto o olhou intensamente, os olhos brilhando. Ele sabia que seu amigo não estava o criticando, não quando existia algo muito maior por trás. Sasuke só não gostava de vê-lo assim de novo. Como há cinco anos, quando Hinata foi embora sem mais nem menos.

ㅡ O que é que eu vou fazer, Sasuke? Eu nem sou capaz de recuperar meu filho daquele maldito. Eu sou um infeliz.

Sasuke tinha seu jeito peculiar de lidar com o amigo e deu um soco no rosto de Naruto que o fez cambalear e cair no chão.

ㅡ Reaja, seu dobe!

O loiro esfregou a face que ardia e o mirou com ódio. Sem nem pensar duas vezes, partiu para cima de Sasuke e os dois começaram a trocar socos. Quem visse de fora, talvez levasse aquilo a sério, mas na verdade ambos só estavam extravasando.

Sasuke tentou derruba-lo chutando suas pernas, o que não deu certo e fez Naruto rir, preparando seu golpe. Tentou acertar um gancho de esquerda, que Sasuke desviou. Preparou o de direita com toda força, mas o moreno desviou novamente, fazendo com que ele acertasse a parede.

 ㅡ Merda! ㅡ Gritou ao sentir a torção imediata. Envolveu a mão com a outra, pressionando-a. ㅡ Acho que quebrou, tá doendo muito.

ㅡ Você é um infeliz mesmo ㅡ Sasuke disse sem ter muito o que fazer. 

Naruto o olhou com raiva querendo lhe acertar com a outra mão.

ㅡ Se não tivesse trapaceado eu teria te acertado! ㅡ reclamou.

ㅡ As regras não são essas.

ㅡ Não existem regras!

ㅡ É por isso que eu não trapaceei. 

ㅡ Teme!

ㅡ Dobe!

Ambos se encararam antes de cair na gargalhada. 

ㅡ Eu vou ligar para a Sakura. ㅡ Naruto arregalou o olhos, negando. ㅡ Tem uma ideia melhor?

…

A médica andou de um lado para o outro com as mãos no bolso do jaleco. Ela estava extremamente irritada, e se manteve assim para não bater nos dois marmanjos sentados na maca.

ㅡ Está me deixando enjoado ㅡ Naruto disse. 

Os olhos verdes o encararam semicerrado.

ㅡ Há quanto tempo não está comendo? 

Ela era rápida, sagaz. Nada passava por seus olhos ferozes.

ㅡ Eu acho que há uns dois dias ㅡ a voz grave do marido se pronunciou. ㅡ E nem toma banho também.

ㅡ Ei! ㅡ Naruto protestou. ㅡ Agora vai me jogar na fogueira?

ㅡ Inclusive ㅡ Sasuke se levantou da maca e foi até Sakura que os encarava com os braços cruzados e a abraçou por trás. ㅡ A briga começou por isso, eu juro.

Naruto o olhou incrédulo, com a boca e olhos arregalados. 

ㅡ Você que me bateu primeiro, teme! Ele está se fazendo porque você está aqui, Sakura. Mas você conhece essa personalidade péssima e mal humorada que ele tem.

ㅡ Ei!

ㅡ Chega! ㅡ Sakura disse, ríspida, desvencilhando-se de Sasuke. ㅡ Não quero saber qual dos dois é mais estúpido! Naruto, você está realmente deplorável. A qualquer momento a situação pode se reverter e você não pode aparecer assim diante de um juiz. ㅡ Usou um argumento válido para persuadi-lo.

Sasuke riu sem emitir som, pelas costas de Sakura, apenas para irritá-lo. O loiro mostrou a língua em uma careta como protesto.

ㅡ E você… ㅡ Sakura se virou para o marido. ㅡ Eu sei que você deve ter começado mesmo. ㅡ Naruto riu satisfeito, deixando Sasuke mortificado. ㅡ Sua mão não quebrou, Naruto, foi só uma torção. Só precisa tomar um antiinflamatório de oito em oito horas. De agora em diante, sem idiotices, certo?

Os dois assentiram como duas crianças arrependidas de suas travessuras.

Uma batida leve soou na porta do consultório, que foi aberta em seguida.

ㅡ Sakura… ㅡ Ethan colocou a cabeça para dentro. ㅡ Desculpe atrapalhar a conversa com seus amigos... Mas está acontecendo uma pequena confusão com os familiares da paciente do 201, estão te solicitando.

Sakura assentiu e sorriu para ele, agradecendo. 

ㅡ Como assim amigos? ㅡ Sasuke resmungou, assim que o homem fechou a porta novamente.

ㅡ Não começa ㅡ falou para o marido. ㅡ Sasuke fechou a cara, contrariado. Naruto gargalhou com prazer. ㅡ Naruto, a paciente do 201 é a Hinata. Qual a chance de algum familiar ser a Hanabi?

Ele pulou da maca e se apressou para fora da sala. Suas reações eram sempre imprevisíveis. Cruzaram o corredor e pegaram o elevador até o andar de internamentos.

Era possível escutar uma discussão, e ele confirmou que era a voz de Hanabi sem nem mesmo vê-la. Mas a surpresa veio ao avistar Konohamaru ao seu lado.

ㅡ Me solta! ㅡ Ela ralhou puxando seu braço de volta. ㅡ Não me peça calma! Minha irmã quase morreu e você não pretendia me avisar?

ㅡ Pare de escândalos e comporte-se como uma mulher séria. ㅡ O olhar frio de Hiashi era de embrulhar o estômago, ele não ficava abalado com nada. Mas a filha sustentava seu olhar com uma intensidade cortante.

ㅡ Já chega! Eu assumo daqui para frente.

ㅡ Não tem autoridade para isso. É só uma pirralha que mal consegue gerir o que lhe foi confiado.ㅡ O pai cuspiu as palavras como se tivessem engasgadas há tempos, segurando-a pelos dois braços.

ㅡ É só isso que te interessa, não é? Dinheiro, poder, esse maldito sobrenome.

Hiashi empurrou a filha com brutalidade, que foi amparada por Konohamaru.

ㅡ Acho que o senhor foi longe demais ㅡ Konohamaru interveio, colocando-se entre os dois.

ㅡ Ela é minha filha ㅡ ele gritou.

ㅡ É sua filha, não um saco de pancadas. ㅡ Ainda que ditas em meia voz, as palavras não perderam a intensidade. 

Hanabi sentia seu sangue ferver, mas sabia que não ia adiantar discutir com ele.

ㅡ A Hinata se antecedeu a você. ㅡ decidiu esclarecer de uma vez. Seu pai sempre foi um homem seco de sentimentos, tristemente concluíram que dificilmente ele mudaria e que deveriam se proteger. ㅡ Tenho uma procuração em seu nome. Seus bens, suas ações e seu filho agora estão sob a minha tutela. ㅡ Ela chegou mais perto do pai para sussurrar. ㅡ Sua empresa também fica comigo.

Antes que pudesse alcançá-la Konohamaru segurou Hiashi.

ㅡ Sua desgraçada! 

Hanabi deu um sorriso cheio de escárnio.

ㅡ Está no sangue ser desprezível ㅡ debochou dando tapinhas no antebraço.

ㅡ Isso não vai ficar assim ㅡ ameaçou apontando o dedo em riste e saiu a passos duros.

Assim que o pai sumiu de vista com seus seguranças, ela se sentou na cadeira mais próxima com o rosto nas mãos. Estava esgotada. Vestia o mesmo terninho há mais de 24h e a sua ansiedade atacou diversas vezes, fazendo-a ter medo do que encontraria. Aparentava equilíbrio, mas estava destroçada.

ㅡ Por que ele torna tudo tão difícil? ㅡ falou para si, mas todos escutaram.

ㅡ Hanabi… ㅡ Sakura tentou.

ㅡ Sinto muito por essa cena lamentável, doutora. 

ㅡ Se serve de algo...Eu entendo. Vamos para um lugar mais reservado.

Hanabi finalmente levantou o rosto e as mechas de seus cabelos lisos escorreram para o lado, revelando sua expressão desolada. Apesar de ser apenas 3 anos mais nova que Hinata, ela parecia ser bem mais jovem. Suas feições delicadas faziam-na parecer uma boneca de porcelana. Mas era possível ver todo o desgaste em sua expressão.

ㅡ Tudo bem ㅡ levantou-se. Sentia o peso de toda a responsabilidade que tomara para si. Abraçou a si mesma, temendo o que encontraria ao ver Hinata.

Sakura a segurou pelos ombros e lançou um olhar para Naruto. Ela estava cuidando de Hanabi para dar tempo a Konohamaru explicar toda a história para Naruto. 

O loiro esfregou as mãos no rosto como forma de trazê-lo à realidade. Ele já conhecia Hiashi e sabia o tipo de pessoa que ele era, mas era sempre chocante ver toda a arrogância e indiferença com as próprias filhas. 

Ele tinha uma ótima relação com seus próprios pais e não imaginava como seria difícil se não tivesse toda a assistência deles. Várias vezes presenciara Hinata cair no choro por conta da pressão e hostilidade do pai, mas nunca de fato tinha visto trata-la de forma tão pejorativa e nojenta. 

Engoliu em seco, empurrando o bolo na garganta. Ele havia implorado por uma solução e não imaginava que ela viria realmente, mas não conseguia se sentir completamente satisfeito, vendo que Hanabi levaria a pior.

ㅡ Então ele perde todos os direitos? ㅡ perguntou ao amigo.

ㅡ Sim ㅡ Konohamaru esboçou um meio sorriso triste. ㅡ De alguma forma aquelas duas imaginaram que algo assim poderia acontecer e se preveniram.

ㅡ Não imagino o que passaram para chegar a essa conclusão ㅡ comentou Sasuke.

ㅡ Nem eu. Já notifiquei o juiz do caso e logo deve chegar a autorização para buscar Boruto, esteja preparado. Hanabi deve querer algum tempo com o sobrinho também.

ㅡ Claro, claro. Não sei como ser grato por isso. Por ela e Hinata terem pensado nisso.

Konohamaru apertou o ombro de Naruto.

ㅡ Mas devem se preparar. Pelo que conheço do Hiashi, ele não costuma jogar limpo, ainda mais em situações que ele saia perdendo de alguma forma.

Konohamaru e Naruto se entreolharam e concordaram com a fala de Sasuke. 

Sasuke conviveu muito mais com Hiashi que eles, pois seu pai fazia negócios com os Hyuugas e costumavam frequentar os mesmos círculos sociais. Seu pai, Fugaku, até insistiu para que ele tentasse algo com Hinata, pois faria bem aos negócios. Porém nunca houve uma aproximação ou interesse de nenhum dos dois lados. Sasuke só conseguia ver Sakura, e Hinata já era perdidamente apaixonada por Naruto. O pai dele também tinha uma personalidade fria, mas nunca tratou nem a ele e nem ao irmão de forma tão hostil, como fazia Hiashi. E o que ouvira do pai era suficiente para temer uma retaliação.

…

Encostou a cabeça na mesa com os braços ao redor para estabilizar a sensação de vertigem, sentia seu coração acelerado e uma falta de ar repentina além de uma forte náusea. Ela sabia que era um ataque de pânico. Vinha tentando conter novamente a crise emocional que tinha sempre quando se deparava com esse sentimento: o de impotência.

Ninguém além de seu psicólogo sabia. Preferiu esconder de todos, até de sua irmã. A ela, não queria preocupar, aos demais, não queria expor uma fraqueza que pudesse ser atacada. Ela se tratava constantemente e até tomava o controle na maioria das vezes, mas a instabilidade emocional estava derrubando-a.

Agora, sua irmã não estava lá para ampará-la, mesmo que de longe. Sua irmã estava em um estado semimorto e sabe-se lá se iria acordar. Ter essa incerteza tirou tudo dela. A coragem para enfrentar qualquer coisa. Mesmo que houvesse prometido, que seguiria, custe o que custar.

Ficou durante alguns minutos tentando acalmar seus batimentos cardíacos e normalizar a respiração. Era sempre uma agonia passar por aquilo, o terror ficava estampado em sua face. Podia sentir o suor frio pelo rosto.

Respirou fundo. 

Cruzou os braços no peito, fazendo o abraço borboleta e deu leve tapinhas nos próprios ombros, já estava mais calma.

Levantou-se e foi até a porta, tinha que chamar a médica. Precisa ver Hinata, ainda que aquilo levasse todas as suas forças.

Sakura estava encostada ao lado da porta, aguardando ser chamada. 

ㅡ Doutora…

ㅡ Hanabi… ㅡ Sakura falou assim que viu a face lívida. ㅡ Quer uma água? Você não parece bem.

ㅡ Não! ㅡ negou rapidamente.

Sakura percebeu as pupilas dilatadas e o suor repentino. O coração de Hanabi batia tão forte que ela não podia escutar nem os próprios pensamentos. Sakura quebrou o protocolo médico de se manter imparcial e a abraçou.

Hanabi queria falar algo, mas o que saiu de sua boca foram palavras incompreensíveis e soluços.

ㅡ Pode confiar em mim, querida. Coloque tudo para fora. Vocês não estão mais sozinhas. 

…

Fazia mais de meia hora que Hanabi entrara no quarto em que Hinata estava internada. Naruto aguardava aflito na sala de espera para conversar com ela. Não sabia o quanto da história deles ela tinha conhecimento e imaginava que ela ainda poderia ter a mesma imagem que Hinata tinha.

Sakura pediu que fosse chamada assim que ela saísse, mas precisava atender a outros pacientes. Sasuke já havia ido embora e só restaram ele e Konohamaru na sala. Konohamaru parecia mais aflito que ele e algo lhe dizia que não compartilhavam a mesma preocupação. Ele parecia especificamente preocupado com Hanabi. 

Obviamente ele precisava prestar apoio a sua cliente, ainda mais em um momento tão delicado, mas ele estava indo além daquilo. Naruto nunca viu Konohamaru esperar ninguém na sala de espera de um hospital, ele se limitava à parte jurídica.

ㅡ Como conseguiu contato com ela? ㅡ perguntou uma coisa que não tinha lhe ocorrido antes.

Konohamaru retesou e o encarou.

ㅡ Eu havia me encontrado com elas antes, Naruto. Eu te falei.

ㅡ Não sei, parece que tem algo mais ㅡ Naruto analisou o amigo por alguns segundos.

ㅡ Diga o que quer dizer.

ㅡ Hanabi está enfrentando uma barra. Ela não é garota de se envolver com caras aleatoriamente. Ela é uma pessoa séria e precisa de apoio no momento, não de uma aventura. Não pode se envolver com ela.

Konohamaru o encarou, surpreso. Abriu a boca várias vezes para falar algo, mas não conseguiu formular uma frase. Era realmente surpreendente que seu amigo mais desatento tivesse notado alguma coisa. Por menor que fosse.

ㅡ Eu não sei que ideia você tem de mim, mas eu jamais faria isso com ela.

ㅡ Humm ㅡ murmurou. ㅡ Tá bem apaixonadinho. ㅡ zombou, quebrando o clima tenso que havia se formado.

Konohamaru suspirou aliviado e antes que pudesse falar algo mais, percebeu que Hanabi havia entrado na sala. Seu rosto ficou vermelho como um pimentão.

Sua expressão vazia indicava que seus pensamentos estavam longe e ela não havia escutado nada. A cara inchada e o semblante mais abatido do que quando chegou.

Ela olhou na direção de Naruto. Precisava descansar a mente e o corpo e assimilar tudo, mas não podia ir embora sem falar com ele.

ㅡ Minha irmã nunca superou a história de vocês. ㅡ ela disse e ele a encarou. ㅡ Eu não quero saber de explicações, porque isso você deve a ela. Mas eu sei que você estar aqui significa alguma coisa, então obrigada.

ㅡ Eu a vi, antes do acidente. ㅡ Hanabi o fitou com intensidade. ㅡ Bom, não foi uma conversa muito boa. Eu fiquei com muita raiva por ela ter escondido o Boruto de mim. Mas agora eu consigo entender melhor ela, consigo entender o motivo, mesmo desejando que ela não tivesse feito isso. Nós fomos vítimas de uma situação que não existiu e ela teve que ser mãe solteira e eu viver um inferno. Mas isso não me importa, não mais. Eu só quero vê-la bem novamente.

Uma lágrima escapou de Hanabi. Naruto a abraçou num impulso.

ㅡ Não se preocupa, pestinha ㅡ ele disse o antigo apelido e a fez rir. ㅡ Eu estou com vocês agora.