Forget me not escrita por Lua Chan


Capítulo 9
Capítulo 08




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AQUELE ERA O MESTRE Fantasma. Luke era o Mestre Fantasma.

A frase o anestesia, tornando-o perfeitamente incapaz de se mover ou sequer respirar enquanto ainda estava embriagado com os efeitos do poder de Ossário em seu organismo. O fato de não poder abrir os olhos naquela hora parecia tornar mais viva a sensação de estar sob os comandos do homem que um dia roubara sua alma e os poucos resquícios de esperança que ainda restavam. Luke quase pode sentir cordas imaginárias torneando seus pulsos e tronco, roubando o pouco do autocontrole que costumava possuir quando não ouvia os murmurinhos do Mestre Fantasma ecoando em sua mente.

Aquilo o fazia tremer dos ossos à pele.

O sentimento é acompanhado por um silêncio agonizante do qual só conseguiu se livrar depois de ouvir uma voz feminina, entorpecida por soluços de pavor. Embora ainda estivesse com os olhos fechados, Luke nota quando um burburinho se forma tentando se opor ao choro incontrolável da garota. Ele sente a palma da mão dela sobre o rosto, o calor de sua pele contra a dele, intocável por muito tempo, e pensa em como gostaria de sentir isso mais vezes.

Será que ele morreu? — uma das pessoas se pronuncia, sendo imediatamente calada pelo que Luke identificou como um tapa — Ai!

Ele jámorto, Reggie. Você também, caso não lembre. — Alex replica, soando um pouco menos desgastado que antes. Era quase como se pudesse observar o baterista revirando os olhos naquela hora — Bem... se ele for mesmo nosso Luke, então deve estar tão morto quanto a gente.

Então eram eles. Reggie. Alex. A corpórea Julie.

Tantas vozes. Tantos nomes. Tanto tempo.

Ele só queria vomitar. Talvez por ter usado muito de sua energia com uma manobra que nunca havia tentado antes e ainda mais usando as habilidades de Ossário. Talvez fosse por sua cabeça girar cada vez que rostos do passado esbarravam em seu caminho, além de uma corpórea que havia atiçado sua curiosidade no meio do show. De qualquer forma, seu corpo ainda formigava em resposta à exaustão e agora a náusea conseguia piorar tudo.

— Já chega, Jules. — outra voz feminina, a primeira que Luke não conseguiu reconhecer, se sobrepõe diante dos outros. Em outra situação, o garoto poderia dizer que ela seria a líder do grupo — Eu assumo as coisas daqui agora.

— Flynn, o que você vai fa-

A resposta veio como um soco doloroso.

Literalmente.

Foi tão rápido e inesperado que Luke não conseguiu desviar do punho pequeno, porém firme, da garota. Se estivesse vivo, o guitarrista teria certeza que estaria sentindo a bile queimar em seu esôfago agora mesmo, prestes a ser liberada sem nenhuma dignidade. Os meninos assobiavam entre si, compartilhando da mesma surpresa que ele tinha tomado, e a garota cobria a boca em choque, como se não tivesse consciência do que fizera.

Cacete! — foi a primeira palavra que Luke conseguiu materializar em sua língua enquanto massageava a bochecha — Qual é o seu problema?!

A menina dá alguns passos para trás, acompanhada por Julie.

— E-Eu... desculpa, eu pensei que iria atravessar. Sabe, tipo... v-você é um fantasma!

— Sério, Flynn? — a garota a seu lado retribui, como se carregasse um pouco da culpa — Por que fez isso?

— Ele precisava acordar! Você quer respostas ou só vai ficar aí babando?

Luke nota quando ela abre a boca para debater, mas logo fecha. Lembra um pouco de quando a menina teria ficado sem jeito na hora em que ele subiu na mesa e atraiu dezenas de olhares para si – um momento satisfatório, além de quando ouviu o comentário sobre Julie ter confiado em seu plano mesmo sem saber qual era. Vendo de longe, não parecia uma boa expressão.

— O que foi? Vai continuar me admirando mesmo? — diz ele, não se contendo. O garoto esperava uma reação parecida como quando ele havia, impulsivamente, chamado Julie de gatinha, mas não foi o que conseguiu.

— Flynn tá certa. E você tá um completo estranho pra mim.

O sorriso do canto da boca retorna no rosto de Luke. Naquele ponto, aquilo já tinha se tornado tão natural quanto cantar.

— Diga uma coisa que eu não saiba.

— Eu posso começar com a lista, então. — Alex anuncia, estranhamente próximo de Reggie. Luke precisou de um tempo até notar que o baterista estava se apoiando no garoto enquanto ainda recompunha suas forças. Mesmo melhorando aos poucos, aquela expressão irritada que quase sempre o acompanhava quando eles ainda eram vivos agora estava presente em cada detalhe de sua cara — Você sumiu do mapa por 6 meses. Eu poderia nem ter trazido isso em questão, mas já que você parece ter se esquecido da gente e sequer se importado em dar notícias do falso-além...

— Qual é... até você?

— Você pode culpá-lo, Luke? — Reggie toma a vez de Julie, que se calara antes mesmo do baixista se pronunciar. Até mesmo Alex havia se surpreendido com a indignação do garoto – não era novidade que ele e Luke pareciam ser mais próximos — Sabe... eu passei horas chorando quando a gente voltou do clube de Caleb e fiquei pensando no que fiz pra merecer isso. O que eu fiz pra perder meu irmão pra sempre que nem eu perdi meus pais. E você tava aqui. O tempo todo. Eu... eu nem sei se é bom te ver de novo, pra falar a verdade. Pelo menos eu tinha conseguido me acostumar com o vazio nesses meses.

Ai... — Luke pressiona a palma contra o peito, carregando um pouco de drama que teria feito Reggie ou até mesmo Alex e sua paciência excessiva baterem nele — Agora doeu.

— Quer parar de ser idiota e começar a falar, Luke? — a Molina avança, apontando um dedo acusador para o rosto do garoto e em seguida baixando-o — Se esse for mesmo o seu nome...

Aquilo estava começando a saturar.

Eram muitos olhares, muitos julgamentos até mesmo de quem menos esperava. A dor de cabeça, ironicamente, tinha ido embora, mas o pensamento de que ele gostaria de estar em qualquer lugar menos esse pairava na visão de Luke. Ainda assim, o garoto não havia baixado a guarda, até porque não teria ninguém para ficar do seu lado.

— Tudo bem, acho que entendi... — ele sussurra. Um pouco para si mesmo e um pouco para a cacheada que resolvera esperar suas afirmações de braços cruzados — Vocês devem ser fãs da Final Sentence, né? Olha, tem formas melhores de chamar atenção do que ficar apontando dedos pro seu ídolo, garotas. Ou talvez eu ainda esteja alucinando depois de ter salvado o Alex. De nada, a propósito. — ele vira para o loiro, que bufa em indignação — São as únicas explicações pra essa loucura.

— Não finja de sonso! — a garota prossegue, como se estivesse expelindo veneno — Você me deve explicações. Nada que Alex falou foi exagero. A gente tinha acreditado que nesse tempo inteiro você tivesse encontrado a paz quando fez a passagem. Que tivesse ido pra um lugar bom. E no fim de tudo, só se escondeu feito um... feito um covarde!

— Escute bem, Jules

— Só Flynn pode usar esse apelido comigo.

Ele claramente a ignora.

— Você não faz ideia de tudo o que eu passei até chegar aqui. — a visão periférica do garoto fisgava seus dois amigos, decepcionados — Não sabem do tormento que eu passei com Ossário enquanto lutava pra me libertar desse cretino.

— Ossário? — Flynn repete, trocando olhares entre o único fantasma visível para ela e sua melhor amiga — Eu perdi alguma coisa?

— Ele é meu chefe. Um fantasma também. — o guitarrista murmura sem a mínima vontade de lembrar da figura sombria que o comandava — As coisas não são tão agradáveis do Outro Lado, se querem mesmo saber. Ah, e eu fiz a passagem, mas fui... sugado pro limbo dele enquanto tudo acontecia. Desde então eu estive preso lá, completamente perdido, possuído ou só controlado por Ossário. Agora tenho que obedecê-lo até conseguir minha liberdade.

Possuído? Quê? — Julie quase tropeça quando se aproxima dele com um olhar de tamanha indignação — Qual é, você tá me dizendo que ficou possuído por 6 meses por um sociopata?

— Eu não diria possuído por 6 meses, mas ele totalmente consegue me controlar. O resto... você não tá tão errada.

— E o que ele quer em troca? — Flynn interrompe, um pouco mais perdida que Julie — Quanto vale sua liberdade?

A resposta forma um nó perfeitamente atado em sua garganta, quase sufocando-o. Ele sabia que a qualquer momento, Ossário poderia consultar seus pensamentos e perceber que havia mostrado seus planos para outra pessoa. O garoto estaria ferrado, mais do que o normal. Não poderia arriscar mais nada.

— Não queira saber. — Luke continua, instigando um olhar raivoso da Molina — Ele é poderoso o suficiente até mesmo pra roubar suas memórias.

O silêncio em seguida provocou algo muito parecido com um calafrio nas costas do guitarrista. Será que era informação demais para seus amigos e duas corpóreas lidarem? Será que teria revelado demais? E por que Jules parecia levar o maior peso de suas palavras do que qualquer outro? A curiosidade fazia pequenos furos em seu estômago vazio.

Ele só não esperava que Julie fosse piorar tão cedo suas perturbações com toda aquela situação.

— Suas memórias... — a Molina pausa, relutando em suas próprias palavras — Elas se foram?

— Não todas. — Luke retorna o olhar para seus meninos, menos desapontados agora. A nostalgia preenche os pulmões de forma aprazível — Eu ainda me lembro desses otários e de como a gente morreu com um cachorro-quente. E... me lembro um pouco da sala escura. Sinto muito pelos 25 anos chorando, Alex.

O baterista dá um safanão para o ar, constrangido. Ele pensa em como não deveria ter falado aquilo em voz alta quando conheceram Julie.

— Tenho memórias bem quebradas do meu passado, mas me lembro dos meus pais, nossas brigas e como descobri que eles eram meu assunto inacabado... — ele prossegue — mas não lembro como fiz pra resolver as pontas soltas com eles.

Os olhos da garota cacheada se enchiam em lágrimas, embora ela não tivesse permitido derramar nem uma delas. A amiga-boxeadora parecia compartilhar de sua dor, porque logo se aproximou mais dela para um abraço acolhedor que não durou muito tempo.

Eu te ajudei. — ela diz, ressentida — Eu levei Unsaid Emily até seus pais e vi quando estavam lendo e chorando por você. Não se lembra?

Os furos aumentam de volume, pinicando agora. Luke nota a visão embaçar por breves segundos, mas retorna ao normal quando espreme os olhos para avaliar a garota. Mesmo forçando o cérebro ao máximo, a imagem dela não estava em sua memória.

— Luke, você... não se lembra de mim?

Ele continuaria com a mesma resposta, mas a voz sutil de Ophelia atravessa seus pensamentos num súbito que o havia assustado. Preciso te contar algo com urgência. Ela dizia, um pouco calma demais para falar algo provavelmente importante, mas ele não ligou. Tudo o que pensava agora era em como ele poderia ter esquecido alguém como a tal Jules, sendo ela mesma a responsável por ajudá-lo com o problema dos pais. Luke nunca teria tanta raiva de Ossário como agora.

— Eu... sinto muito. — sussurrou ele, sentindo o desconforto aumentar — Eu-

Luke, onde você tá?, Ophelia insiste, agora com uma ansiedade que não deixou de preocupar o garoto. Por favor, eu preciso de você!

— Me desculpem, eu preciso ir...

— Não pode tá falando sério, né? — Reggie se posiciona na frente de Alex, dessa vez. Eram tantos sentimentos que invadiam seu peito que mal pôde processá-los — O que vai ser agora? Vai evitar a gente por mais 6 meses ou...

— Eu não posso ficar mais aqui, Reggie. — Luke anuncia, a voz brandindo como uma trovoada — É ele me chamando. Ossário me quer agora.

As sobrancelhas do baixista formam um ângulo tristonho o qual Luke menos gostaria de ver naquela hora, antes de partir. Ele pensa seriamente em abraçar Alex e Reggie, mas reconhece que a situação seria constrangedora por culpa de Ossário e os 6 meses idiotas em seu limbo. A incapacidade de fazer isso o aperta, mas o torna focado em encarar a tal Julie por uma última vez antes que pudesse ir embora.

Sua salvadora. Sua âncora.

Luke desconfiava que havia algo de muito interessante nela, mas não imaginava que ele mesmo tivesse alguma relação. Teriam sido melhores amigos depois de ele e os meninos terem saído da sala escura? Talvez namorados? Ele sequer conseguia escolher. Mas sente que segurar as mãos dela contra as suas é o certo e que traria paz. A sensação é revigorante assim como quando esteve nos braços da garota depois de ter desmaiado salvando Alex. Era extremamente bom.

— Julie... — ele diz, experimentando pronunciar o verdadeiro nome dela em seus lábios. Também parecia certo e extremamente bom, só não tanto quanto vê-la admirá-lo quase com a mesma intensidade que ele a fitava. Mas com certeza era melhor do que vê-la chorando daquele jeito por sua culpa — Eu vou voltar pra você. Ainda temos muito a falar, mas não posso agora. — ele olha para todos agora, incluindo Flynn. Teria a garota-boxeadora sido uma outra melhor amiga dele? — Sinto muito decepcionar vocês todos de novo. Prometo voltar e explicar tudo melhor, mas eu tenho que ir.

— Luke...

Ele não quer deixá-los, mas mesmo com o coração apertado, sente que necessita. Não quer olhar uma última vez para Reggie e Alex por pura vergonha, mas sente que também necessitava fazer isso. Eles têm o mesmo olhar perdido de Flynn e a mesma aura derrotada que Julie. Por que Ophelia precisava chamá-lo agora?

— A gente se vê na próxima, vai ser rápido. Eu prometo. — repete, como se pudesse tornar a sentença mais real.

Com rápidos movimentos, Julie, Flynn e os dois fantasmas observam o guitarrista da Final Sentence desaparecer no ar com um teleporte, sugando um pouco da atmosfera perto de si. A jovem Molina força a manter-se firme, como na promessa que fizera a si mesma, mas as mãos trêmulas e o coração palpitando descompassadamente contra o esterno são pequenos fatores que a impedem de cumpri-la.

Ele iria voltar, reverbera a vozinha nem tão irritante em sua mente, ele tem que fazer isso por nós.

Mal imaginava ela que o garoto demoraria até cumprir sua própria promessa.


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Notas finais do capítulo

Então... acabei publicando mesmo um cap com mais de 2k de palavras. Mas fiz isso pra compensar o fato que eu só devo postar o próximo capítulo na quinta (no mínimo), porque tenho umas 2 provas nessa semana. Mas espero que tenham gostado rsrs

O próximo cap vai ter uma pequena quebra de tempo, só pra avisar. Então... até loguinho :) ♡



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