Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 15
Capítulo 15




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A gravação na tarde anterior foi um sucesso. Dava para ver nos olhos de Julie o quanto ela estava feliz com o resultado.

Na chegada ao café, foram recebidos por Danny, uma mulher de mechas coloridas que se apresentou como a gerente e que os guiou aos “bastidores”: a sala onde estocavam caixas de decoração para o dia dos namorados e Halloween, pedestais e cadeiras. Uma cortina desbotada e desfiada servia como camarim.

“Eu separei alguns acessórios para vocês”, Julie balançou a mochila vistosa. “Diretamente da gaveta do meu pai. Peguem o que quiserem.”

Reggie se adiantou, enfiou a mão na mochila e agarrou um pote de gel brilhante.

“Legal”, ele lançou o pote trinta centímetros no ar algumas vezes até ter que pegá-lo embaixo de uma estante de metal.

Alex revistou os compartimentos em busca de algo que combinasse com o visual rasgado. Seus dedos esbarraram em um cordão dourado. Passou a peça pela cabeça e admirou-se no espelho, arrepiando um pouco os cabelos.

“Como vai, bonitão?”, ele estalou os dedos para o reflexo.

“Hum... será que Willie gostaria de ver esta foto?”, Julie usava sua melhor imitação de patricinha malvada.

“Eu não sei quem é Willie, mas tenho certeza que sim”, Flynn completou.

“O quê?”, ele se agitou, pulando atrás delas. “Apaguem agora!”

Durante a balbúrdia juvenil, que envolvia mais barulho do que movimento, Luke buscava algo para usar que não fosse uma touca – Reggie o proibira de usar qualquer tipo de coisa na cabeça. E daí que não havia uma carteira em seu bolso? As correntes ficaram maneiras mesmo assim.

“Ei!”, Reggie gritou de cima de uma cadeira. “Será que vocês podem ser profissionais pela primeira vez na vida? Comportem-se!”

“Uh... Reginald dando lição de moral? Este é mesmo um dia importante.”

O comentário de Luke arrancou risadas e dissipou o climão. Alex e Reggie se juntaram para estudar os coros. Julie se pôs a arrumar o penteado. Luke aquecia a voz e Flynn digitava sem parar, talvez uma divulgação para o café.

“Tudo pronto, pessoal!”

“Obrigada, Danny”, Flynn respondeu. “Certo, é hora de brilhar.”

Ela saiu, com o propósito de ajeitar o cenário. Alex propôs um círculo da banda e Julie se sentiu bem melhor depois de pular e gritar seu nome.

“Ei, não se preocupe”, o garoto loiro segurou o pulso de Julie antes de subirem ao palco. “Nós vamos arrasar.”

“Valeu, Alex.”

Ela se endireitou para abraçá-lo. Ele içou a garota uns quinze centímetros, um abraço de urso caprichado.

A câmera os pegaria de frente, a menos que o operador girasse o suporte, ângulo perfeito para capturar sorrisos e poses. 

Julie estava totalmente ciente que tocavam a música dela para o clipe dela e meu Deus! Como aquilo era maravilhoso. Repleto de luzes, rostos, sons e Luke.

Ele estava tão bonito com a regata folgada. Por que estava atraente daquele jeito se usava regatas todos os dias? Ainda bem que ela sabia a letra de cor, pois uma linha de raciocínio se perderia na via expressa dos músculos dele.

Foram abandonadas as cordas que deixavam marcas nos dedos macios e uma mão foi estendida a ela.

“Então, como é?”

“Como é o quê?”

“Ser uma estrela em ascensão”, Reggie soltou a mão dela e pulou para o chão. “Posso até ver os holofotes e câmeras voltados para você”, ele usou os polegares e indicadores para enquadrá-la em um retângulo. “Um estádio lotado e a multidão agitada, te chamando aos berros. Ah! Escuta só”, ela fechou os olhos. “Consegue ouvir? Julie! Julie! Julie!”, sussurrava junto ao ouvido na menina.

Ela pulou, segurando a mão dele de novo. Eles caminharam ao som de um remix especial da DJ Flynn, até a mesa ocupada pelos amigos, Danny e outro membro da equipe.

“Garota, você manda muito bem. Eu sou Jack, a propósito.”

“Julie”, trocaram um aperto de mão. “Esse lugar é muito legal.”

As paredes eram bege, a palavra “café” foi pintada em diversas línguas, os tapetinhos tinham formato de grãos de café, assim como o cardápio.

Segundo Jack, a proposta da cafeteria era aproveitar o espaço amplo e pouca decoração fixa para que os artistas pudessem trazer e fazer o que quisessem.

“Em breve, nós seremos o próximo Orpheum.

“Os artistas da Double Trouble ficarão honrados em prestigiar o Artists’ nest”, Flynn declarou com uma piscadela. “Não me olhe assim, Jules. Você sempre disse que não gostava do nome.”

A careta de Julie não tinha nada a ver com a mudança da marca Double Trouble. Luke prestava muita atenção à baboseira que Danny tagarelava. Não dava para ter certeza de qual era o assunto, seus palpites transitavam entre o último Vingadores e termodinâmica.

Além das mechas coloridas, as unhas de Danny também chamavam atenção. Julie nunca vira um esmalte amarelo com tanto glitter. De suas orelhas, pendiam pequenas estrelas douradas. Os cílios não eram postiços, mas quase alcançavam as sobrancelhas – um patrocínio: um frasco inteiro de rímel.

E caso esteja pensando que Danny se veste como uma perua, você está errado. Uma jaqueta preta cobria a camiseta baby look cinza com a torre Eiffel estampada e o jeans azul-escuro. Um par de All Star sujo nas laterais acomodava os pés.

“O que acha, Julie?”

Todos os olhares focaram nela. À essa altura, já deveria ter se acostumado com a sensação quente e pesada em suas bochechas e pescoço.

“Ela não ouviu nada. Nós somos meros mortais comparados a ela”, Luke soltou uma risadinha. “Vamos jantar e comemorar. Está a fim?”

“Willie acabou de confirmar que nos encontra lá.”

“O que estamos esperando, então?”

Sunset Curve pediu um Uber e sumiu de vista. Os demais tiveram que se amontoar em outro carro. A primeira parada foi o apartamento de Danny, depois a casa de Jack e finalmente, o QG não-oficial da Double Trouble.

Flynn escancarou as portas dos armários e roupas atingiram toda e qualquer superfície ao alcance. Quando Julie voltou do banho, além do apocalipse têxtil, encontrou Flynn dançando em frente ao espelho, avaliando a blusa de estrelas e mangas três quartos.

“Posso usar?”

“Claro que sim”, ela se abaixou para recolher sua midi favorita. “Viu o cardigã vinho?”

“Embaixo da pantacourt xadrez”, Flynn trocou a calça por uma legging. “Vamos logo, eu quero conhecer Willie.”

Os meninos as aguardavam na sala de estar dos Molina. Luke e Reggie assistiam abraçadinhos enquanto Carlos se aventurava na criação de seu canal sobre jogos da Twitch.

“Cadê o Alex?”, Julie espiou a tela do computador.

“Trocando de camisa pela décima vez.”

“Ou de pochete. Nunca se sabe”, Luke completou, abrindo espaço.

Espremidos no sofá como na noite da festa do pijama, Luke e Julie ficaram de mãos dadas até os gritos de Alex atingirem suas orelhas.

Julie preparou o discurso para implorar para o motorista deixar os cinco viajarem, mas não pôde usá-lo antes de Flynn enfiar Reggie e Alex no carro, dizendo que o endereço seria enviado por mensagem em um segundo.

“Senti saudade daqui”, a garota comentou, o nariz colado no vidro. “Não pensei que voltaria tão cedo.”

Hollywood e suas luzes acolheram a dupla depois de uma longa semana. Ar escapou pelo nariz de Luke quando passaram pelo Orpheum e a esquina do cachorro-quente. Por instinto, seus dedos buscaram a mão de Julie. Ela sorriu para ele ao apontar o sofá cenário de seu primeiro beijo.

O destino era um clube noturno temático, famoso entre a elite de meia-idade de toda a Califórnia. Puderam reconhecer o grupo eufórico na porta.

“Pode nos deixar aqui”, Julie abriu a porta.

Danny penteara a cabeleira colorida em uma trança complexa e substituíra as roupas discretas por um vestido vermelho com paetês e os tênis por sandálias creme. Jack também vestia um traje digno de premiação.

Julie deu um passo para trás. Luke aumentou o aperto em sua mão. Ela se sentiu menos tensa.

Willie chegou e dava para notar um brilho especial em seus olhos, extraído diretamente da lua. Esse brilho era todo para Alex.

“Oi, Willie”, eles se abraçaram. “Estes são Flynn, Reggie, Danny, Jack, Luke e Julie.”

“Olá, pessoal. Ouvi muito sobre vocês e estava ansioso para conhecê-los.”

“Nós também estávamos”, Reggie acenou. “Luke e eu escutamos Alex falar sobre você desde que se conheceram.”

“Eu também!”, Julie completou, aproximando-se com vontade. “Machuque este garoto e eu machuco vocêcapische?”

“Vamos entrar, pessoal?”, propôs o baterista, as mãos cruzadas.

Jack tomou a frente. Para o segurança, seu nome era John Kelly Terceiro e era amigo pessoal do proprietário. Ao cruzar a imensa porta dupla, o respeitável senhor Kelly foi avisado que a mesa habitual estava pronta para ele e seus convidados. Danny enlaçou o braço ao dele para atravessar o salão.

“Meu velho costumava vir aqui. Praticamente toda semana”, Jack puxou a cadeira para Danny sentar.

“Não foi surpresa para ninguém quando o terceiro John Kelly tomou o lugar do segundo”, Danny desdobrou o guardanapo.

Julie sentou entre Flynn e Reggie, os olhos focados em Luke, que escolhera ficar entre Jack e Alex.

O garçom não demorou para atendê-los, Jack os incentivou a pedir o que quisessem.

“Tudo para os meus novos prediletos”, o homem sorriu.

“Onde achou esse cara?”, Julie sussurrou após pedir ao garçom que lhe trouxesse um prato de nome exótico que lembrava poção.

Instagram”, Flynn pediu a mesma coisa.

Com pratos fumegantes à frente, brindaram ao sucesso de todos na mesa. As palavras de Jack eram atraentes como a melhor das melodias.

Luke fechou os olhos. Seja lá o que fosse que Jack estivesse falando, não superava o som de Julie entregando as estrofes de Finally free com cada uma de suas emoções, pelo menos na cabeça dele. Ainda bem que aprendera a tocar sem olhar. Assim, podia trocar olhares com a vocalista com mais segurança. As exclamações e aclamações enfim superaram a música e Luke voltou à realidade.

“Ao melhor baixista que o country e o rock ‘n’ roll já viram!”, Alex saudou Reggie com tapinhas nas costas.

“Por último, mas não menos importante, um drinque para a segunda melhor vocalista aqui presente. O primeiro sou eu, é claro”, disse alguém. “Por conta da casa.”

“Obrigada”, as bochechas de Julie... coraram?

“Se me permite dizer, seu gancho não é tão potente quanto parece.”

“Gostaria de mais um?”, ela sorriu. Era um sorriso esquisito. Tinha algo de mau. “Só para ter certeza?”

“O que andou aprontando, garoto?”

Jack ria na cara de Bobby, que aliás, estava perfeita. Bobby explicou o “desentendimento” causado pelo álcool.

Julie bebeu o drinque num gole só e pediu licença para ir ao banheiro, dizendo que estava tudo bem quando Flynn se ofereceu para acompanhá-la.

“A conversa está boa, mas eu preciso voltar ao trabalho.”

Após uma corridinha sem vergonha, Bobby trocou a bandeja pela guitarra e subiu ao palco, dando início a um rock anos 60. Willie tirou Alex para dançar, Danny se jogou sozinha na pista e Jack levou Flynn para apresenta-la a figurões da indústria áudio visual.

“Que história foi aquela? A Julie bateu no Bobby?”

Reggie pulou para o colo de Luke e ganhou a versão do diretor da noite no The Crystal, incluindo comentários sobre suas emoções.

“Eu...”, seus dedos chegaram muito perto de penetrar o couro cabeludo. “Nunca imaginei uma coisa dessas.”

“O soco?”

“E a cara de pau”, Luke fez que sim com a cabeça. “Achei que ele explodiria.”

“No bom ou mau sentido?”

Luke pressionou o rosto contra a coluna do garoto, enlaçando mais os braços em sua cintura. Talvez Reggie não fosse o mais inteligente da banda, mas sabia como fazer alguém rir em meio à desgraça.

“Vai falar com ela.”

E ele foi.

Na pista de dança, Willie e Alex balançavam os braços e tudo mais que pudessem mover em uma coreografia jamais vista. Os outros dançarinos preferiam manter um ritmo lento e até riam dos agitados, mas e daí?

A música se tornou uma valsa e as mãos se alcançaram. Pouco a pouco, pesos de academia invisíveis foram amarrados a suas canelas, obrigando-os a dançar como pessoas normais até a festa acabar.

“Obrigado pela noite, eu me diverti muito.”

O momento antes de entrar, com chaves nas mãos e respiração falhando.

“Eu sei que é o nosso segundo encontro e tal, mas... você quer entrar?”

“Seus pais não se incomodam?”

“Eles não estão.”

Willie seguiu seus pés e Alex seguiu o sorriso de Willie até o quarto com paredes azuis e bagunça. Bolotas de roupas amarrotadas serviam de colcha para a cama. A escrivaninha tinha um tipo único de forro: fotografias tremidas.

As boas estavam presas no quadro de camurça ao lado de anotações confusas sobre tarefas incompletas.

“Curte fotografia? Legal!”

As fotos ótimas estavam penduradas em varais de nylon. Willie passeava pelos fios como se estivesse numa exposição de arte contemporânea em qualquer museu descolado por aí.

“A minha nova favorita.”

Alex pegou a foto. Mostrava uma esquina movimentada à noite. O foco era um sofá imundo onde duas pessoas dividiam um cachorro-quente.

“Não é grande coisa, mas eu tinha que registrar. Ela nunca poderá sair deste quarto, uma pena.”

“Por que não?”

Alex conhecia alguém que tinha uma camiseta manchada exatamente igual àquela, não conhecia?

“Preciso da permissão dessas pessoas para fazer qualquer coisa com a imagem e não as conheço.”

“Para a sua sorte, eu as conheço muito bem”, Willie o encarou com a sobrancelha erguida. “Este é Luke e esta com certeza é Julie.”

O baterista puxou os braços do skatista, fazendo-o girar pelo quarto e acabar na cama.

♫♫♫

Julie abriu os olhos. Tudo continuava como antes. Cadeiras no teto, roupas espalhadas, portas abertas, sol por todos os lados, Luke dormindo no chão?!

De fato, ele roncava sobre almofadas ao lado da cama. Ele realmente ficara.

Depois que Bobby lhe dera o drinque, Julie decidiu espairecer. O banheiro parecia um refúgio adequado. Um pouco de água no rosto faz milagres, uma pérola de sabedoria adquirida de Ray. Ela fez o ar descer até o diafragma e expirou. Desenhou círculos com os ombros, vocalizando de boca fechada. As mãos agarrando com força as bordas da pia.

Bobby a vira duas vezes na vida e não pôde evitar a babaquice. Que tipo de coisa os meninos ouviram dele antes? Só de imaginar Bobby tratando-os daquela forma o tempo todo, teve vontade de socá-lo novamente.

“Achei que ia afundar a cara dele na mesa”, ela ouviu a voz de Luke e viu seu rosto pelo espelho.

“Seria merecido.”

“Definitivamente.”

O rapaz massageou suas omoplatas e plantou um beijinho na base do pescoço. Ela girou de uma vez e lançou os braços ao redor dele.

“Vamos dar uma volta?”

“Vou avisar Reggie e te encontro na porta.”

Pessoas faziam fila para entrar enquanto os dois tentavam se enfiar por qualquer espacinho. Julie segurou o pulso dele como seus pais seguravam o dela antes de atravessar a rua. Seguiram em fila indiana até o próximo quarteirão, onde passaram a caminhar lado a lado e balançando os braços unidos.

“Qual o destino, chefia?”, ela perguntou, os olhos prontos para acompanhar todas as movimentações.

“Não faço ideia.”

Perambularam a passos soltos. Seguindo a trilha bifurcada dos postes de luz. A cidade não teve tempo para mudar muito desde a última visita. Alguns outdoors anunciavam as mesmas bandas que na semana anterior. Com um pouco de atenção, poderiam enxergar grande parte do público do The Crystal.

“Eu não entendi muito bem”, Julie começou a frase ao dobrar a esquina. “Por que aceitou sair?”

“Eu prometi que não iria embora, então enquanto você quiser que eu fique, eu vou ficar.”

Julie empurrou Luke contra uma dúzia de rostos desaparecidos multicoloridos, subiu nos tênis dele – tomando o cuidado de não pisar com força – e o beijou.

A pele dele tinha cheiro de sabonete e o hálito lembrava chocolates afanados de uma bandeja deixada sem supervisão.

“Obrigada.”

Luke abraçou Julie como um bichinho de pelúcia ao mesmo tempo em que ela se encolhia. Com o calor das lágrimas no ombro, era impossível não chorar. Ainda mais quando a mera ideia de Julie triste abria um buraco em seu coração.

Escorregaram pelo muro, tal qual protagonistas de novela mexicana. A garota se aninhou no garoto que murmurava Finally free contra os cabelos dela.

Ainda que estivesse a quilômetros de onde morava, Julie Molina estava em casa.


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