Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 12
Capítulo 12




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“Quero te levar a um lugar”, Julie confessou, as mãos unidas na altura do peito.

            “E eu quero te seguir a um lugar.”

            As pernas seguiam no mesmo passo, as mãos reatadas. O céu ficava arroxeado. A avenida principal recebia os primeiros espectadores. A fila do Orpheum era encabeçada por garotas ansiosas para ver a próxima Sleeping with sirens.

            “Preciso entrar aí”, ela disse.

            “Só um minuto”, Luke deixou-a atrás das meninas. “Guarda o meu lugar.”

            As lâmpadas azuis da fachada foram acesas no segundo em que Julie olhou para cima. Admirou a foto recém-tirada, um plano de fundo incrível, mas ela gostava da foto de Luke.

            O pequeno sorriso que ele exibia, as mãos abertas e preparadas para um abraço quentinho... ela precisava olhar para aquilo sempre que quisesse saber as horas.

            Palmas quentes cobriram seus olhos. O cheiro de bala de menta atingiu seu nariz.

            “Adivinha quem é!”

            “Harry Styles?”

            “Não tão bonito, igualmente talentoso.”

            Na opinião de Julie, o papel cinza era um bilhete dourado. O nome da banda vinha sublinhado por “acesso aos bastidores”.

            “Que foi?”, Luke riu do olhar arregalado dela. “Você mesma disse que precisava entrar.”

            “Isso deve ter custado uma fortuna!”

            “Que nada. Foi o Alex que bancou.”

            “Lembre-me de agradecê-lo depois”, ela pulou no mesmo lugar.

            Havia uma verdadeira passeata às costas deles. O vocalista devia ser o responsável por trazer a maior parte do público com quatorze anos ou menos até ali.

            As portas abriram. A enxurrada de pré-adolescentes empurrou Julie e Luke para dentro da casa de shows. Tiveram que agarrar o encosto de uma poltrona para se apoiarem.

            Os cartazes saltavam aos olhos, um registro da passagem de pessoas que dominaram suas cenas musicais. Julie tomou a mão de Luke enquanto ele observava o pôster de um cover do Michael Jackson.

            O lugar costumava ferver com a energia dos músicos e do público, cada segundo explodia de um jeito diferente.  Com todas aquelas luzes baixas e apagadas, a sala passava por cinema ou restaurante romântico, uma vez que os instrumentos nem haviam sido conectados aos cubos e mesas e a banda ainda estava no camarim.

            Julie tinha os cotovelos sobre os joelhos, o corpo inclinado para a frente e os olhos fechados. Sua palma esquerda sobre o apoio da poltrona. Um convite ou somente uma posição boa para descansar a mão?

            A vida é feita de riscos, disse a si mesmo, encostando, com a pretensão de quem passeia pelas lojas de um shopping sem um centavo no bolso, a mão na dela. Um sorrisinho nasceu e revelou covinhas, as pálpebras ainda juntas.

            “Posso perguntar o que está fazendo?”

            “Pode”, ela girou a cabeça para a direita. Os cachos em seus cabelos caiam em cascatas perfeitas.

            “O que está fazendo?”

            “Estou mentalizando um show das Rose and the Petal Pushers,”

            “A banda da sua mãe?”, a jovem concordou com um aceno. “Elas deviam ser muito boas.

            “Elas eram”, manteve os olhos fechados. “Tocaram aqui uma vez. Eu tinha uns dez anos.”

            A cabeça de Julie achou o caminho até a escápula de Luke. Um estalo, seguido de um brilho amarelo e baquetas batendo para marcar o tempo. Julie não pôde mais manter os olhos fechados.

            O vocalista abria a noite de joelhos dobrados na beirada do palco, segurando o microfone com movimentos vigorosos. A franja marrom pulava na frente de sua testa, gerando reações perfeitamente plausíveis nas fãs. A garota ao lado de Luke estava aos prantos e berros. Julie, por outro lado, apenas murmurava a música.

            O guitarrista – que obviamente não recebia o devido reconhecimento – remexia todos os centímetros de seu corpo e guitarra, soltando os coros no momento certo e batendo os pés no compasso.

            A única coisa que Luke sabia sobre a banda era o nome, porque estava escrito no ingresso. Mas depois de duas canções, eles mereciam uma pesquisa na Internet, ao menos.

            Com a cabeça no mesmo lugar, Julie assistia calada, mastigando os versos com sua mente ávida por poesia.

            Os artistas reverenciaram a audiência, que aplaudia de pé. O grupo que teria mais o que fazer no clube tornou a sentar-se durante a debandada dos demais. Meninos e meninas aos berros tiveram que ser arrastados para fora.

            “Eles estão prontos para recebê-los”, uma segurança informou.

            Julie e Luke cediam seus lugares na fila para o camarim a toda e qualquer alma que se aproximasse. Seu objetivo eram as paredes, que abrigavam um tributo a mais artistas.

            “Obrigada”, ela soluçou, erguendo a mão para tocar um pôster emoldurado. “Obrigada por vir comigo e por ter comprado os ingressos.”

            “Disponha.”

            Naquela data, sete anos antes, Rose and the Petal Pushers apresentaram-se no Orpheum e gravaram o segundo disco um mês depois, de acordo com a primeira página encontrada por Luke no Google.

            “Oi”, Julie sussurrou. “Finalmente consegui vir. Um amigo me ajudou. Eu queria...”, ela engasgou. Luke afagou suas costas com um respeitoso passo de distância. “Ele é uma pessoa maravilhosa e um músico inacreditável. Tem uma banda com uns amigos e quando eles tocam... Não dá para descrever a energia que eles passam, ou a forma como se conectam com a música e as pessoas. Estou até escrevendo sobre ele. Ainda não sei se é uma canção ou só um poema. Eu gosto dele, mãe. De verdade. Ele me faz sentir uma estrela de verdade. Com ele ao meu lado, eu não me importaria se as pessoas me dissessem que eu canto mal ou que não sei tocar piano”, o ar alcançou seus pulmões. “É melhor eu ir. Obrigada por me ouvir, mamãe.”

            Ela respirou fundo seis vezes antes de voltar-se. Ele a abraçou pelos ombros. Não disseram nada até chegarem à calçada. Pela visão periférica, Luke percebeu um restaurante de fama local considerável. Valeu a pena dispensar uma refeição com mais de um prato para dar a Julie um momento com sua mãe.

            “Faz tempo que eu não como cachorro-quente”, ela comentou. Luke sentiu um ronco no estômago. “Tem um carrinho logo ali.”

            Tiveram que contar as moedas para poderem rachar um cachorro-quente cheio de mostarda e o degustaram em um sofá pior que o do kitnet.

            “Sabe”, ele esfregou o guardanapo na boca. “Isto poderia muito bem nos matar, mas... sem arrependimentos.”

            “Sem arrependimentos.”

            “Tem uma sujeirinha aqui.”

            Luke correu o polegar pela bochecha macia da garota, removendo o vestígio de maionese.

            “Você também está sujo”, Julie assinalou.

            “Onde?”, ele usou a tela do celular como espelho.

            “Bem aqui”, ela tocou um ponto acima de seus lábios. “Deixa que eu limpo para você.”

            No momento em que Luke se virou, Julie roubou-lhe um beijo. A sensação do encontro dos lábios, no primeiro momento, foi úmida até demais. As faces se encaixaram um segundo antes de se separarem. Com um sorriso, Luke estendeu-lhe a mão.

            Apostaram corrida até o próximo clube, um café-poesia inspirado no Café ABC, de Les Miserábles. Em vez de jovens sonhadores prontos para derrubar um regime opressor, hipsters que fingiam que leram o livro ou assistiram a peça, mas na verdade, só conheciam versões cover da música da Anne Hathaway se debruçavam nas mesas de pernas altas, discutindo ações de marcas de café ou start-ups genéricas.

Embora os assuntos não tivessem muito a ver com a vibe da decoração ou com a poesia anticapitalista declamada no palco improvisado, não dava para acusá-los de desobediência à placa que dizia: “Não temos wifi. Conversem entre vocês”

            “Ainda que aquele garoto não tenha ouvido musical nenhum, eu gostei daqui. Dá para ouvir meus pensamentos”, Luke comentou, segurando a porta aberta. “E você me deve duas pratas.”

            Julie abriu caminho até uma mesa enfiada entre a janela e um porta-revistas. A adrenalina diminuía e devagarinho, seu cérebro recapitulava os últimos acontecimentos. O show, o monólogo para Rose, o beijo.

            Ela beijara Luke Patterson.

            Ela beijara seu vizinho, seu amigo, sua alma gêmea musical.

            Um único beijo, roubado em um sofá caindo aos pedaços, numa esquina qualquer de Hollywood seria um segredo emocionante, se ela fosse capaz de guardar. Flynn ficaria sabendo no primeiro minuto da aula de Inglês.

            Quando os meninos saberiam, se é que tal fato chegaria a seus ouvidos? Ela deveria contar a Reggie ou Luke o faria?

            Como abordar o assunto com Luke? E se eles não sentissem a mesma coisa? Por último, mas não menos importante ou preocupante: como manteriam a amizade se fosse apenas uma constrangedora quedinha platônica da qual o alvo tinha conhecimento?

            “Acabei de lembrar que não temos dinheiro nem para um café. Vamos nessa.”

            Correram por mais cinco clubes. Julie avisou Deus e o mundo de que não aguentava dar mais um passo. Murmurando algo que soou como “não seja por isso”, Luke colocou-a nas costas como na coreografia de Careless whisper e percorreu duas quadras até o minúsculo apartamento.

            “Boa noite”, disse Julie, rolando para um canto da cama.

            Luke preferiu desejar uma boa noite de sono colando a boca na dela mais uma vez.


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