Arliza em quarentena One-Shot escrita por Nany Nogueira
Eliza brincava com a filha no tapete do quarto da pequena quando Arthur chegou com a expressão preocupada.
— Chegou cedo, amor! Aconteceu alguma coisa? – perguntou Eliza interessada.
— Você não viu no noticiário?
— Não. Como hoje não tive nenhum trabalho, aproveitei o dia para curtir com a Beth, nem liguei a televisão ou olhei a internet. Mais cedo fomos passear na praia e fizemos muitos castelos de areia, né Beth? – usando uma voz meiga e olhando para a filha.
— Ainda bem que aproveitaram para passear hoje, amanhã não será mais possível. A praia será fechada, bem como a Escalibur e a maior parte do comércio, com exceção de farmácias, supermercados e similares.
— Por que?
— O vírus chinês chegou ao Brasil.
— Isso eu já sabia.
— Mas, parece que agora a coisa está ficando realmente feia e hoje o governo baixou um decreto bastante restritivo.
— Eu vi que a situação na Europa está muito feia, estão todos trancados. Aqui será assim também?
— Ao que tudo indica...
Toca a campainha. Arthur pergunta:
— Cadê a Cida?
— Eu dei folga pra ela hoje, já trabalhou no domingo me ajudando com a Beth porque eu tinha aquela sessão de fotos pra fazer.
— Então, eu atendo.
Eliza ficou curiosa, pegou a filha no colo e seguiu o marido até a sala. Lá o cachorro, Hector, um bulldog inglês dormia até ser acordado pela campainha e começar a dar latidos preguiçosos.
Arthur ficou surpreso ao abrir a porta:
— Pai? Mãe? O que fazem aqui?
— Viemos fugidos dessa praga chinesa! Paris está o caos! – informou Estelinha, já entrando e espalhando as malas pela sala, seguida por Maurice.
— Eu disse pra ela que era melhor ficar trancada em Paris que no Brasil, mas não me escuta – lamentou Maurice.
— Ora, Maurice! Quando saímos de Paris ainda não havia quarentena no Brasil. Fomos informados desse absurdo no táxi.
— Eu concordo com o papai, era melhor os dois ficarem trancados em Paris, já que já estavam lá mesmo... – disse Arthur.
— Que filho ingrato, meu Deus! Não quer receber os próprios pais em meio ao fim dos tempos pela praga do Egito – dramatizou Estelinha.
— Não é da China? – perguntou Arthur.
Eliza ficou com pena:
— Tenho certeza de que o Arthur não quis dizer isso, Dona Estelinha. Sejam bem-vindos! Afinal, somos uma família. Foi uma ótima oportunidade para conhecerem a netinha dos senhores. Eu lhes apresento Beth, que já tem 1 aninho.
— Que gracinha! – elogiou Maurice, beijando a bochecha da pequena, que olhava desconfiada.
— Mais uma neta, era só o que me faltava! Cada dia me sinto mais velha! Você não para mesmo, né Arthur? Pensei que tivesse feito vasectomia – reclamou Estelinha.
— Eu fiz e desfiz. Foi a melhor decisão da minha vida. A Betinha é a luz dessa casa.
— Tudo bem, desde que não faça xixi nas minhas roupas caras, nem me suje com as mãozinhas melecadas, eu posso tolerar.
Eliza se insurgiu:
— Minha filha usa fralda e está sempre bem limpinha, viu Dona Estelinha?
— Eu não quis ofender. É que já faz muito tempo que cuidei do Arthur e não tenho muito jeito com crianças.
— A senhora não cuidou de mim, a babá cuidou – rebateu Arthur.
— Que seja. Olhando bem, até que ela é bonitinha. Lembra muito você, meu filho, quando bebê – observou Estelinha.
— Modéstia a parte, parece mesmo comigo – concordou Arthur, orgulhoso.
— Aahhhhh! – gritou Estelinha – Esse monstro levantou a pata na minha mala.
Beth se assustou e começou a chorar no colo de Eliza, que resolveu levá-la ao quarto para acalmá-la.
Arthur se irritou:
— Não precisava assustar a minha filha com esse escândalo. Eu limpo o xixi do Hector, basta um pano úmido.
O casal mais velho se acomodou no quarto de hóspedes. Eliza e Arthur perceberam que com eles ali, seria uma longa quarentena! Resolveram assistir um filme em família na suíte do casal. Logo Beth dormiu e o casal continuou assistindo abraçado. Ouviram batidas na porta, era Maurice, que logo entrou:
— Desculpe incomodar, mas... Eliza, como vai sua bela mãe?
— O senhor não tem mesmo vergonha, né Sr. Maurice? Minha mãe é casada com o Sr. Hugo e o senhor com a Dona Estelinha – respondeu Eliza.
— Enquanto eu estiver vivo, serei um admirador da beleza de sua mãe. Amanhã mesmo pretendo fazer uma visita a ela.
— Pai, é quarentena! Não tem que fazer visita pra ninguém, tem que ficar quieto em casa. É até falta de educação visitar alguém agora – repreendeu Arthur.
— Mas, ela tem whatsapp, né?
— Tem Sr. Maurice, mas não estou autorizada a dar – respondeu Eliza.
— Você era mais legal antigamente, Eliza. Meu filho está te transformando numa chata igual a ele.
Ele saiu e o casal riu.
Na manhã seguinte, Cida já havia preparado a mesa quando se surpreendeu com Estelinha já de pé:
— Cida, não se esqueça do meu café da manhã especial sem glúten, sem lactose e sem açúcar.
— Mais fácil a senhora comer os guardanapos então, Dona Estelinha. Aliás, que maus ventos te trazem?
— Ora, a doença chinesa. Já se espalhou por Paris. Pensei que aqui estivesse a salvo, mas já percebi que não!
Eliza e Arthur entraram na sala abraçados e ela falou:
— Cida, pode tirar o uniforme e voltar para a sua casa. Tem um decreto do governo mandando todo mundo ficar em casa.
— Eu preciso desse emprego, Dona Eliza.
— Já falei que é só Eliza. Nós iremos te pagar os dias que você passar em casa e em segurança.
— Sua mulher enlouqueceu, Arthur! – insurgiu-se Estelinha – Como vamos sobreviver nesse apartamento com 4 adultos, um bebê e um cachorro? Sendo que esses dois últimos fazem bastante sujeira.
— Eu já conversei com a Eliza, mãe. Concordamos em liberar a Cida, é o mais certo a se fazer no momento.
— Bom, se é assim! Partiu, Curicica!
— Você ainda mora em Muriçoca? – perguntou Estelinha.
— É Curicica! E não saío de lá de jeito nenhum. Adoro o meu lugar.
Maurice apareceu e viu Cida sair apressada:
— Aonde a Cida vai com tanta pressa? Nem me cumprimentou! – sentando à mesa – Ainda se esqueceu do meu cappuccino com duas gotas e meia de adoçante.
— Estamos de quarentena, pai. O certo é cada um na sua casa – explicou Arthur.
— Então, Eliza, por favor, faça meu cappuccino – pediu Maurice.
— Pai, minha mulher não é a sua empregada. Quando a Cida está de folga eu e a Eliza fazemos as nossas coisas, vocês também podem fazer. Quem melhor que o senhor para saber como gosta do seu cappuccino?
Maurice resmungou, mas foi fazer o próprio cappuccino.
Estelinha falou:
— Eu tenho intolerâncias alimentares. Alguém vai ter que ir ao mercado comprar produtos especiais para mim. Eu não posso ir, sou do grupo de risco.
— Eu sei que a senhora não tem intolerância alguma, apenas mania de dieta. Mas, eu vou buscar! – disse Arthur, saindo.
Eliza ouviu o choro de Beth e levantou rapidamente da mesa. Voltou com a filha no colo e pediu à sogra:
— Segura um pouco a sua neta que eu preciso fazer a papinha dela da manhã – depositando-a no colo de Estelinha, que ficou estática.
— Eu não sei segurar um bebê – reclamou Estelinha.
— Sabe sim, a senhora é mãe e essa não é a sua primeira neta.
— Eu nunca peguei a Jojô no colo.
— Grande erro! Mas, não precisa se preocupar, a vida está te dando outra chance. É rápido!
Eliza foi para a cozinha deixando Estelinha sem saber como segurar Beth que olhava para ela com olhinhos sonolentos e sorria. Admirou a pequena. Ela era realmente bonita e muito parecida com seu filho. Sorriu de volta para ela. Mas, assim que viu Eliza voltar com a papinha fechou o semblante e disse:
— Pega logo esse bebê, antes que faça xixi em mim.
Eliza pegou a filha, sentou-a na cadeirinha de alimentação e passou a dar a papinha, ignorando os queixumes da sogra.
Maurice aproximou-se e começou a fazer palhaçadas, arrancando risadas da menina. Eliza explicou:
— Sr. Maurice, eu fico contente que queira brincar com a sua neta, mas espere ela se alimentar primeiro. Mais tarde vocês brincam, pode ser?
— Quando foi que você deixou de ser aquela garota marrenta, porém, jovial, para se tornar essa senhora cheia de regras?
— A responsabilidade nasceu junto com a Beth. Agora sou uma mãe e uma senhora casada. Mas, ainda sei ser jovem sim, só que na hora certa.
Elizabeth comeu, Eliza a ajudou a arrotar, depois a entregou no colo de Maurice para que brincassem. O avô rolava com a neta no chão, junto com o cachorro, que também entrou na brincadeira.
O celular de Eliza vibrou quando ela ia começar a lavar a louça:
— Oi, mãe! – atendeu ela, em chamada de vídeo.
Maurice ouviu e se levantou correndo, acomodando-se atrás de Eliza:
— Olá, bela Gilda! Quanta saudade! Como vai?
Estelinha pegou o leque e acertou várias vezes em Maurice, que se afastou.
Eliza pegou Beth no colo para mostrar a avó, que era apaixonada pela primeira neta.
Arthur retornou e foi para a suíte, precisava arquitetar uma forma de manter, ao menos a parte administrativa da Escalibur, funcionando à distância.
Nos dias subsequentes, Arthur trabalhava. Eliza dava conta do serviço da casa e cuidava de Beth. Estelinha vivia se queixando da nora por não fazer melhor o trabalho doméstico. Arthur não dava bola e Eliza também aprendeu a ignorar. Maurice gostava dos jogos de cartas em família, das séries na televisão, dos contatos na internet e de brincar com Beth.
Certo dia, Estelinha foi colocada à prova. Arthur e Eliza resolveram ir juntos ao supermercado, confiando que os avós já estavam bem familiarizados com Beth e poderiam ficar um tempinho a sós com ela.
Maurice assistia a uma corrida de cavalos na TV com a neta no colo, dizendo:
— Está vendo, Betinha? É uma corrida de cavalos. O vovô já foi bom nisso. Quando você crescer, vou te ensinar todos os truques e você vai ganhar muito dinheiro.
— Não comece a colocar minhocas na cabeça da menina. Perdeu muito dinheiro, isso sim!
De repente Maurice se assustou:
— A neném está vazando!
Estelinha foi verificar:
— É a fralda! Vazou! Isso é xixi! Sempre falei pra ruiva tomar cuidado, porque eu sabia que isso podia acontecer!
Maurice se assustou e entregou a menina para a avó.
— O que quer que eu faça com ela? Nunca troquei fraldas nem do Arthur!
— Você é mulher, mãe e avó. Se vira! Vou tomar um banho!
— Seu avô é um machista! Nunca se case com um homem como ele! Ouviu, Betinha? Ouça sua avó para não se incomodar depois.
Elizabeth começou a chorar e Estelinha se viu obrigada a levá-la ao trocador, deitando-a, abriu a fralda:
— Pelo menos você não é um menino e não vai fazer xixi na cara da vovó.
Jogou a fralda suja na lixeira próxima. Pegou os lenços umedecidos e limpou a pequena. Parou para pensar se estava se esquecendo de algo. Lembrou-se do talco. Quando foi abrir, acabou espirrando na sua própria cara. Tossiu e pegou uma fralda de pano para se limpar. Colocou no bumbum da neta, pegou uma fralda limpa e vestiu nela, fechando-a. A menina já não chorava, estava limpa e satisfeita.
Estelinha ouviu a porta da sala se abrir. Pegou a neta no colo e foi rapidamente para lá. Queria colocá-la no colo da mãe, mas Eliza protestou:
— Não, Dona Estelinha! Vim da rua, tenho que me desinfetar antes de pegar a minha filha.
— Eu também – expôs Arthur.
Os dois lavaram bem as mãos, passaram álcool gel, depois passaram spray de álcool nas compras para guardá-las.
— Podem ficar com a menina agora? Não sou babá!
— Vou tomar um banho rápido e já pego ela, Dona Estelinha – disse Eliza.
Eliza já estava no chuveiro quando Arthur entrou:
— Tem espaço para mais um nesse banho?
— Sempre tem – respondeu ela sorrindo.
Ele se despiu e entrou com ela. Começaram os beijos, as carícias e o amor.
Quando voltaram à sala, encontraram Estelinha com Beth adormecida em seus braços:
— Que bom que apareceram, pensei que tinham se afogado no chuveiro! Demoraram tanto que a menina dormiu!
Eliza pegou a pequena dos braços da sogra e agradeceu:
— Muito obrigada, Dona Estelinha, por ter feito ela dormir.
— Ela dormiu de tédio, de esperar pela mãe que nunca aparecia!
— Que seja. Boa noite!
Arthur começou a rir e se sentou ao lado da mãe, que perguntou:
— Do que está rindo? Não sou palhaça!
— Para quem nunca gostou de criança, a senhora gosta bastante da Beth. A minha pequena te conquistou. Ela puxou isso da mãe dela, é cativante!
— Vocês saem e deixam esse pacotinho que só sabe fazer xixi, cocô, comer e dormir nos meus braços e querem que eu faça o quê? Coloque na lixeira? Poupe-me! Vou dormir.
— Boa noite, mãe!
Alguns dias depois, a família toda fez vídeo-chamada com Jojô, que ainda namorava André e se queixava por não poder vê-lo na quarentena.
Os dias foram passando e o que parecia ser apenas uma fase foi se prolongando por prazo indeterminado. Arthur e Eliza faziam as poucas saídas necessárias com todo o cuidado e proteção aos vulneráveis que ficavam em casa.
Tinha dias que parecia um hospício, com Estelinha de mau-humor, reclamando, Maurice fazendo suas piadas sem graça, deixando-a ainda mais nervosa, Beth chorando e espalhando brinquedos pela casa, entrando numa fase birrenta e teimosa, Hector sem poder passear fazendo as necessidades pela casa, Arthur tentando administrar a agência à distância e Eliza tentando dar conta de tudo e de todos.
Certo dia, ela foi para a suíte e se fechou lá. Todos ficaram preocupados. Arthur insistia:
— Eliza, meu amor, você está bem? Abra! Estamos preocupados.
— Me deixem em paz alguns minutos pelo menos! – gritou ela.
— Você se sente bem?
— Não! Eu me sinto exausta! Só quero um tempinho de sossego, é pedir muito?
Arthur saiu e retirou os pais também. Sentiu-se culpado. Envolvido com a Escalibur não percebeu que Eliza poderia estar sobrecarregada com a casa.
— Isso que dá casar com uma criança! Ela não dá conta! – julgou Estelinha.
— A Eliza não é uma criança, mãe. Ela tem 25 anos! Tem seus motivos para estar assim. Eu não colaboro, vocês não colaboram.
— Nós fazemos nosso café da manhã e arrumamos o nosso quarto – observou Maurice.
— E ela faz todo o resto por todos nós. Estamos fazendo pouco ainda. A responsabilidade é de todos nós, porque todos nós moramos aqui. Podemos começar a nos revezar na casa e nos cuidados com a Beth.
— A Beth é problema dos pais – rebateu Estelinha.
— A Beth tem pais e avós. A Cida sempre ajudou, mas nesse momento não podemos contar com ela e a Eliza está fazendo tudo sozinha.
— Eu cuido da minha neta – rebateu Maurice.
— O senhor brinca com a sua neta, só fica com a parte boa, pai.
Quando Eliza saiu do quarto, Arthur informou a nova divisão de tarefa na casa. Ela se sentiu aliviada.
As roupas iriam para lavanderia. A comida viria por delivery. A louça seria lavada em revezamento, bem como dessa forma o pó seria retirado da sala. Em pouco tempo, todos já estavam trocando as fraldas de Elizabeth.
As atividades serviam para passar o tempo e diminuir o estresse de todos os confinados.
O número de mortes pelo vírus só aumentava, como era anunciado no noticiário. A forçada convivência diária e a sensação de morte à espreita deu um sentido maior ao significado da família para todos. No fundo, sentiam-se gratos por estarem vivos, saudáveis e juntos.
Certo dia, Beth olhou para a avó sentada no sofá e chamou:
— Oó!
Todos bateram palmas, menos Estelinha. Arthur e Eliza temeram que ela gritasse com a criança para que não a chamasse de avó, como sempre repetira para Jojô. Mas, os olhos dela se encheram de lágrimas e ela respondeu:
— Vem com a vovó, Betinha! – abrindo os braços.
A menina correu para o colo e o abraço da avó. Todos ficaram surpresos.
Estelinha abraçou a menina e sentiu-se grata pela sua vida. Teve a certeza de que mesmo quando a morte a viesse arrebatar, ela viveria nos seus descendentes. Ser avó lhe pareceu uma benção do curso da vida.
Eliza e Arthur se abraçaram vendo a cena, trocaram um beijinho e um sorriso. Sentiram a força do amor, que é eterno e o que mais importa.
O amor estava ali em todos os cantos. O amor de homem e mulher que Arthur e Eliza sentiam um pelo outro, o amor de pai e mãe que sentiam por sua filha, o amor de filha que Beth já sentia por eles, mesmo sem saber se expressar ainda, o amor dos avós pela neta e vice-versa, o amor da nora pelos sogros e destes pela nora. Enfim, o amor da família que provou ser mais forte que uma pandemia, que os conflitos, que as dificuldades, que qualquer coisa no mundo.
O amor é o remédio do qual a humanidade mais anda precisada. A pandemia jogou as famílias para seus lares. Naquele momento Arthur e Eliza tiveram a certeza de que se aquele amor pudesse ser reproduzido em cada lar, a doença não vingaria, nem a física, nem a moral.
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