girl crush escrita por Miller


Capítulo 1
1. I got a heart rush.


Notas iniciais do capítulo

*ofega* nos 45 do segundo tempo, cá estamos nós, finalizando o pride month com uma jily bem boiolinha para aquecer nossos corações.

a fanfic original - que escrevi quase um mês atrás e que era supostamente inspirada na música de mesmo nome - foi apagada do meu computador porque o karma is a bitch e eu tive de reescrever ela todinha nas últimas 48 horas, o que acabou modificando o plot principal, mas, oh, bem, pelo menos está finalizada (classic miller move, i know)

tem muitas coisas que quero dizer, mas vou deixá-las para as notas finais ♥

ah, algumas informações muito importantes antes de iniciar a leitura:

• james potter é negro (e vocês tem toda a minha permissão de imaginá-lo como JORDAN FISHER porque foi como o imaginei enquanto escrevia essa história, rs)

• infelizmente não parece existir tag para assexuais e graysexuais aqui no nyah, mas eles existem no mundo real e NESSA HISTÓRIA TAMBÉM, yay (todas as informações referentes aos assuntos citados sobre assexualidade e graysexualidade foram retirados daqui: https://www.asexuality.org/)

• também temos uma personagem transsexual (embora eu não tenha me aprofundado no assunto, porque a) eu não tenho tanto conhecimento e b) a fanfic já estava grande demais para que eu tentasse escrever sobre algo que eu não tenho total conhecimento)

• há linguagem homofóbica, algumas citações não muito gráficas de violência e de crises de ansiedade

• ah! a história se passa em um 2020 utópico em que a pandemia de coronavirus simplesmente não existe, rs


também temos altas dosagens de Sirius Black e Lily Evans sendo os melhores amigos que alguém poderia querer e muita, muita boiolice ♥



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Não pela primeira vez – e provavelmente não pela última – Lily se arrependeu de todas as escolhas que fizera ao longo da vida e que a levaram àquele momento. Também não pela primeira vez – e com certeza não pela última – ela sabia que a culpa era de Sirius Black.

Na verdade, Lily tinha certeza de que noventa e nove por cento de todos os problemas que tivera em sua vida eram culpa de Sirius (o que por si só era um feito e tanto, afinal Lily vivera vinte e três anos sem nem saber da existência do rapaz e precisara de apenas dois míseros meses de convivência para chegar àquela conclusão).

E, embora ele reclamasse e ficasse ultrajado quando ela externava tais pensamentos, Lily não podia negar a realidade: Sirius Black fora, sem sombra de dúvidas, a pior coisa que acontecera em sua vida. O fato de se encontrar naquele exato momento deitada no chão do quarto, olhando para o teto enquanto lágrimas copiosas escorriam pelo seu rosto e soluços machucavam sua garganta era prova o suficiente disso.

Sem falar que, além do motivo supracitado, ela também desenvolvera um estudo chamado Sirius Black É A Pior Coisa Que Aconteceu Na Vida De Lily Evans™ que continha resumo (em dois idiomas!), sumário, objetivos, justificativa, introdução e um vasto amonte de referencial teórico em que ela baseava suas muito verdadeiras afirmações sobre o assunto, não deixando nenhum espaço para quaisquer tipos de refutação.

O estudo estava quase pronto para ser impresso, possuía alinhamento, margens e fontes de acordo com as as normas da ABNT.

E ela planejava encaderná-lo!

— Lily, me deixe entrar! — A voz de Sirius soou abafada através da porta trancada, interrompendo seus pensamentos e a fazendo gemer em frustração por conta da insistência.

Ele tentara forçar a maçaneta antes, mas ela fizera questão de dizer o que faria com partes muito importantes de sua anatomia caso ele continuasse com aquilo e o garoto, conhecendo-a bem o suficiente para saber que não estava brincando, decidira, então, tentar persuadi-la com palavras. O que obviamente não estava funcionando afinal cada vez que ela o ouvia, mais raiva sentia e, consequentemente, mais chorava e, pelo amor de Deus: Lily. Estava. Cansada. De. Chorar.

— Vá para o inferno! — Ela conseguiu grunhir entre soluços, a voz rouca devido ao choro.

— Mas, ruiva, eu já estou no inferno, agorinha mesmo, porque você não quer abrir a maldita porta para falar comigo. — Sirius respondeu quase imediatamente, o tom dramático fazendo-a arquejar em irritação. — Vamos lá, Lily, não seja tão cabeça dura, me deixe e-

— Não! Vá embora!

— Abra a porta!

— Nuh-uh.

— Lily, abra. A. Porta.

— Nope. — Ela respondeu, petulante, sabendo que estava agindo como se fosse uma criança de cinco anos ao invés de uma adulta de vinte e três, porque, aparentemente, aquele era um dos poderes que Sirius tinha sobre ela: destruir qualquer traço de maturidade que possuía. Sirius grunhiu em frustração diante da resposta e Lily pode imaginá-lo perfeitamente puxando os cabelos como fazia quando estava nervoso.

— Lily...

— Apenas... vá embora, Sirius.

— UGH! Tudo bem, então. Foda-se! Você quer agir como uma criança? Pois saiba que eu posso fazer isso também e ser pior do que você. — Ele retrucou, o tom de voz indicando que estava começando a ficar irritado também.

Certo, ela pensou ironicamente, porque é como se ele tivesse algum direito de estar irritado, hah.

Lily o ouviu se mover no corredor, se acomodando próximo à porta antes de começar a bater com os dedos contra a madeira, cantarolando no ritmo da batida. Ela fechou os olhos, soluçando mais um pouco enquanto tentava limpar as lágrimas que não paravam de escorrer. Argh, ela odiava chorar. Odiava sentir coisas. E odiava ainda mais o idiota que estava batucando contra sua porta como se o único motivo de sua existência fosse testar os limites da paciência dela.

— OH MEU DEUS, PARE COM ISSO, BLACK! — Lily gritou e colocou as mãos sobre os ouvidos, tentando encobrir o som, mas o garoto parecia determinado a terminar com a sua sanidade mental, pois aumentou o tom de voz e a força das batidas, fazendo com que fosse completamente impossível para qualquer ser humano em um raio de cem metros NÃO O OUVIR. — UGH! VÁ EMBORA!

— ...não. — Sirius respondeu durante uma pausa na cantoria, embora as batidas continuassem. — Estou bastante confortável aqui, na verdade. E eu amo cantar, você sabe disso. Parece um ótimo passatempo para uma sexta à noite. — E então voltou a cantarolar, ainda mais alto do que antes.

Como se ela precisasse de mais algum motivo para matá-lo.

Reunindo a pouca energia que restava em seu corpo – movendo-se pura e unicamente pela força do ódio – ergueu-se do chão e caminhou até a porta, destrancando-a e a abrindo em um rompante.

A satisfação que sentiu ao ver o garoto – que estivera com as costas apoiadas contra a porta – cair com força no chão, fazendo com que ficasse diretamente abaixo de onde ela estava em pé, foi pequena comparada com a raiva que sentiu emergir ao lembrar – pela milésima vez (ou talvez pela trilionésima, sério) – que a culpa do caos em que sua vida se transformara era dele.

— O que aconteceu, seu cabeça de abóbora babaca e bostejante, é que você decidiu que seria uma boa ideia aparecer na minha vida e bagunçar tudo! — Riçou, irritada. — Eu estava bem, Black! Eu estava totalmente bem e minha vida estava ótima e eu tinha um emprego e amigos de infância que não eram babacas e uma causa pela qual eu me dedicava de todo o coração porque eu pensava que me encaixava nela e então- — Lágrimas furiosas desciam pelo rosto dela, pingando de seu queixo e caindo em direção ao garoto que ainda estava deitado no chão, encarando-a com seus olhos cinzentos arregalados. — E então você apareceu e tudo... eu perdi tudo, Sirius. Eu não- eu nem sei mais quem eu sou. — Ela fechou os olhos e sentiu-se estremecer. Ao abri-los novamente, deparou-se com a mágoa estampada no rosto do garoto, mas naquele momento não tinha forças o suficiente para se importar. — Eu não sei mais quem eu sou. E eu estava bem, eu- — Um soluço interrompeu suas palavras e ela precisou de alguns instantes para se controlar o suficiente para ser capaz de continuar a falar. — Por favor, por favor, me deixe sozinha, okay?

Sem dizer uma palavra sequer – o que era muito diferente do seu eu habitual – Sirius apenas assentiu de seu lugar no chão antes de se erguer, voltando-se lentamente para encará-la. A emoção em seus olhos era ilegível, mas pela forma como seu maxilar estava travado, Lily sabia que não deveria ser nada bom.

Pareceu como se uma eternidade tivesse passado nos instantes em que ficaram assim, apenas se encarando até que, por fim, Sirius soltou um longo suspiro e seus ombros caíram indicando a derrota. Sem voltar a olhar para ela, o garoto deu as costas e se encaminhou para o final do corredor, subindo os degraus para o seu quarto, deixando-a sozinha enquanto observava o local por onde ele havia desaparecido.

Quase imediatamente, Lily sentiu o peso da culpa se arrastar sobre ela, tornando difícil de respirar (como se já não fosse difícil o suficiente com todas aquelas malditas lágrimas, pelo amor de Deus). Voltando a fechar a porta e trancá-la, Lily sentou na beira da cama, estremecendo enquanto encarava a porta e tentava controlar a vontade de correr atrás do garoto e pedir desculpas pelo que dissera.

Afinal ela não precisava pedir desculpas por falar a verdade, certo?

Sirius continuava sendo uma das piores coisas que acontecera na sua vida, ele fazendo olhos de cachorrinho triste ou não. Lily só precisava relembrar dos motivos pelos quais afirmava aquilo em primeiro lugar...

E, para sua sorte, ela tinha grande parte deles compilados não muito longe.

Afastando mais algumas lágrimas do rosto, Lily se esticou para pegar o celular do local onde estava sobre a cama e abriu o aplicativo de documentos, clicando no arquivo que ela vinha atualizando quase diariamente nas últimas semanas:

Sirius Black É A Pior Coisa Que Aconteceu Na Vida De Lily Evans™

Um estudo de caso escrito por Lily Evans que tem como finalidade comprovar – baseado em fatos irrefutáveis – os motivos pelos quais Sirius Black é, sem sombra de dúvidas, o causador de noventa e nove por cento dos problemas em sua vida.

 

SUMÁRIO

1 – AS COMPLICAÇÕES DE TER SIRIUS BLACK EM SEU AMBIENTE DE TRABALHO;

2 – CONSEQUÊNCIAS DA INTROMISSÃO DE SIRIUS BLACK NO ÂMBITO PESSOAL;

3 – SIRIUS BLACK E SUA INTERFERÊNCIA EM RELAÇÕES INTERPESSOAIS;

Após reler os tópicos, Lily decidiu adicionar mais um:

4 – JAMES POTTER: OS RISCOS DE TER O MELHOR AMIGO DE SIRIUS BLACK POR PERTO;

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[1 – AS COMPLICAÇÕES DE TER SIRIUS BLACK EM SEU AMBIENTE DE TRABALHO]

Quando Lucius Malfoy – diretor do setor de publicidade e propaganda da Pure Blood Magazine – delegara a ela a responsabilidade de fotografar o London in Dance, um dos maiores campeonatos de dança da Inglaterra, como forma de testar suas habilidades e, quem sabe, finalmente dar a ela a efetivação pela qual estivera esperando durante o último ano inteirinho de estágio, ela praticamente gritara de alegria e emoção (e tivera um surto de ansiedade que durara por trinta minutos na sala de descanso e precisara da ajuda de Severus para que conseguisse voltar a respirar novamente e não desmaiasse antes de retornar o e-mail com a resposta aceitando a tarefa).

Lily sempre tivera um fraco para a dança, pela forma como os movimentos eram capazes de expressar emoções, pelo modo como o corpo era capaz de se moldar às batidas da música e transformar, mudar, reinventar.

Era realmente uma pena que ela fosse uma das piores dançarinas do mundo, com toda a sua falta de jeito e de coordenação. Não que aquilo a impedisse de se jogar na pista de dança toda vez que tinha um pouco mais para beber – Frank jamais a deixaria esquecer de tal coisa, sempre com o celular na mão, capturando suas vulnerabilidades a fim de poder usá-las contra ela em um momento oportuno.

Ela se perguntava porque ainda era amiga dele. E, todas as vezes, não parecia encontrar uma resposta.

De qualquer forma, Lily amava competições de dança. Amava ainda mais ser capaz de estar nos bastidores, sentindo a atmosfera calorosa, cheia de adrenalina e da energia caótica que praticamente pulsava em volta dos dançarinos prestes a entrar no palco.

Repassando as configurações de sua câmera e da lente mais uma vez – só para checar se estava tudo certo – decidiu testar a luz e enquadramento enquanto caminhava entre os dançarinos se alongando e fazendo ensaios de última hora, fotografando-os em seus momentos de tensão-pré-apresentação e jogando um pouco de conversa fora sempre que percebia uma ou outra dançarina que precisava de apoio moral (hah).

Lily estava concentrada tentando capturar uma bailarina (que tinha um corpo de morrer e, oh meu Deus, estivera sorrindo pretensiosamente na direção dela – hah – antes de começar a ensaiar) fazendo um movimento complicado envolvendo pontas dos pés e saltos— alienígenas, sério— quando alguém se aproximou por trás, fazendo com que perdesse o timing e não conseguisse fotografar o que pretendia.

— Mas que mer-

— Oh, me desculpe, eu te atrapalhei? — Uma voz masculina rouca e melodiosa perguntou, próxima demais de seu ouvido, soando culpada.

Lily voltou-se rapidamente, pronta para dizer o quanto ele havia atrapalhado, afinal ela perdera o que certamente seria uma das melhores fotos dos bastidores e que poderia ter sido A FOTO, aquela que faria com que Malfoy percebesse o quanto ela era talentosa e incrível e que deveria ser efetivada logo, mas assim que seus olhos recaíram sobre o dono da voz ela... parou.

Porque, uau, aqueles eram os olhos castanho esverdeados mais profundos que já vira e, oh, a cor escura da pele do garoto contrastava com os dentes brancos que apareciam enquanto ele sorria de forma apologética para ela. Seus cabelos cacheados e totalmente bagunçados estavam afastados por uma bandana vermelha e, uau, ele era musculoso.

Diante de Lily se encontrava o que provavelmente era a mais perfeita forma da espécie humana.

Sem parar para pensar no que estava fazendo, voltou a puxar a câmera e clicou algumas vezes, capturando o sorriso do garoto se transformar em um esgar de confusão e, logo em seguida, uma gargalhada.

— Por um momento pensei que você fosse me matar, mas, ei- o que você está fazendo? — Ele perguntou quando ela o empurrou levemente para o lado, fazendo-o cobrir a luz que insistia em estourar enquanto ela o fotografava.

— Eu estou trabalhando. — Ela disse e então franziu o cenho ao observar as fotos que acabara de tirar não muito feliz com o que vira (não por causa do modelo, é claro). Mordendo os lábios enquanto reconfigurava a luz e esquema de cores, voltou a erguer a câmera logo em seguida para enquadrar o garoto que ainda estava rindo. — E, desde que você me interrompeu no momento em que estava prestes a capturar o que certamente seria meu passaporte para efetivação, agora estou tentando compensar — E então sorriu levemente antes de clicar mais uma vez.

— Oh, você é a fotografa da Pure Blood? — Ele perguntou e então, para a diversão de Lily, fez uma pose ridícula de arminha apontando para o chão enquanto fingia mandar beijos para ela. Ela gargalhou, mas o fotografou mesmo assim.

— Sim. Ei, como você sabe disso? — Indagou, finalmente baixando a câmera para encará-lo.

— Você está usando um crachá. — Ele indicou, o que fez com que as bochechas dela esquentassem. Parecendo se divertir com a reação, o garoto se aproximou e puxou a câmera das mãos dela para ver as fotos que tirara. Lily estava se sentindo muito desconfortável e quente por conta da súbita invasão em seu espaço pessoal, portanto não conseguiu encontrar palavras para dar uma palestra sobre como ninguém além do fotografo deveria tocar em seus objetos de trabalho. — Acha que consegue uma efetivação com essas? — O garoto sorriu para ela, dentes brancos em exposição, olhos castanhos quase fechados enquanto devolvia a câmera.

Lily quis parar o tempo ali, naquele instante, para conseguir capturar aquela expressão. O garoto era um prato cheio para fotógrafos, todo anguloso e suave ao mesmo tempo, Jesus.

— Hum — Ela começou e então limpou a garganta para afastar a rouquidão súbita antes de continuar. — Talvez se você fizer aquele negócio com os pés e os saltos que ela — e indicou a garota que tentara fotografar mais cedo e que agora estava deitada sobre um colchonete, sem qualquer indicação de que voltaria a dançar novamente para sua câmera — estava prestes a fazer quando me interrompeu.... Bem, quem sabe eu consiga. — E então arqueou uma sobrancelha, expectante.

— Oh, você está falando do entrechat e dos fouettés? — Ele perguntou, mas Lily não conseguiu processar o que ele dissera rapidamente, afinal, oh meu Deus, a voz dele conseguia ficar ainda mais bonita em francês— — Ei? Terra para... — Ele se aproximou, olhos estreitos enquanto tentava ler o crachá pendurado no pescoço dela. — Lily? Droga, eu odeio usar lentes, elas nunca são boas o suficiente para que eu consiga ler.

— Você usa óculos? — Ela perguntou, distraída com a imagem que surgiu em sua mente dos olhos castanhos do garoto envoltos em armação e- Ok, ok, que diabos? — Quero dizer, hum, você sabe fazer o- — Ela gesticulou. — Negócio com os pés. E os saltos?

Entrechat e Fouettés? — Ele repetiu e ela apenas assentiu, sentindo as bochechas esquentarem ainda mais. — Aham. — E, sem dizer mais nada, se afastou um pouco de onde ela estava, encarando-a com uma expressão provocativa. — Melhor preparar a câmera, Lil’.

Sem encontrar palavras para responder, Lily voltou a posicionar a câmera em frente a ela, arqueando uma sobrancelha para o garoto, indicando que estava pronta.

E então, ele estava saltando e girando e, oh. Meu. Deus. Os dedos de Lily trabalharam de forma automática, clicando e movimentando a câmera de modo a capturá-lo enquanto se movimentava fluidamente. Se Lily pensara que a garota renderia uma boa foto, ela não tinha nem ideias do que as fotos daquele garoto seriam capazes de conseguir.

Ele parou, por fim, inclinando o corpo em um arco, sorrindo para ela de forma marota logo em seguida.

— Efetivada? — Perguntou enquanto se aproximava mais uma vez. Lily fez questão de ficar a alguns passos de distância, querendo evitar muita proximidade por conta de... sensações.

— Hum, quem sabe. — Ela disse de forma não concomitante, mas, antes que ele pudesse dar o que ela sabia que seria uma resposta provocativa, o som da voz do apresentador soou do palco, indicando que o show estava prestes a começar.

— Oh, uau, a hora passou rápido. — O nervosismo era risível em sua voz e, por um instante, Lily quis tocá-lo para oferecer algum conforto. O que era ridículo, é claro. — É melhor eu me preparar. — Ele murmurou, mais para si mesmo do que para ela. E então, parecendo lembrar que ela ainda estava ali, sorriu em sua direção, trinta e dois dentes brancos fazendo com que fosse difícil não ficar cega porque eles pareciam iluminar toda a extensão dos bastidores. — Foi um prazer, Lily. Espero que consiga a efetivação!

— Obrigada. — Ela murmurou, piscando mais algumas vezes e se sentindo estranhamente suada. Huh. — Ei! — Lily chamou após observá-lo a meio caminho do outro lado do salão, a distância tornando mais fácil para que o seu cérebro voltasse à ativa, aparentemente. O garoto voltou-se para ela. — Qual o seu nome?

— James Potter. — Ele disse e então sorriu mais uma vez antes de voltar a correr para onde um pequeno grupo de dançarinos o estava esperando.

— James Potter... — Ela murmurou consigo mesma o nome, sorrindo levemente ao repassar as fotos na câmera e então, em um senso atrasado de responsabilidade, começou a caminhar para fora dos bastidores, pretendendo fazer a volta a fim de ficar em frente ao palco para poder capturar as apresentações.

Assim que dobrou o corredor que a levaria para o auditório, entretanto, tais pensamentos escaparam de sua mente mais uma vez.

Vozes alteradas provindas de dois homens logo à sua frente a fizeram estacar. Sem saber exatamente o que fazer, Lily observou com horror os dois apontando dedos um para o outro enquanto gritavam coisas que Lily não conseguia identificar porque seus olhos de fotógrafa estavam ocupados demais prestando atenção nas feições do mais novo.

Ele não deveria ser muito mais velho que ela; seus cabelos pretos e brilhosos caíam em ondas até seus ombros, sua pele era clara e suave, seus olhos de um cinza tempestuoso. Ele era alto e sua voz era quase tão rouca quanto a de James, mas possuía algo mais profundo em seu tom.

Como era possível que em menos de uma hora Lily tivesse encontrado dois dos seres humanos mais lindos do planeta? Era realmente uma pena que ele estivesse discutindo naquele momento, senão ela provavelmente tentaria convencê-lo a deixá-la o fotografar.

—... sabia que você era uma bichinha! — As palavras finalmente penetraram a mente de Lily, fazendo com que todo e qualquer pensamento referente a fotografia escorresse de sua mente, dando espaço para a raiva ao compreender o que o homem mais velho estava falando. Ele era muito parecido com o garoto, ela percebeu, mas qualquer traço de beleza que ele pudesse ter havia sido anuviado pelas palavras pesadas que não paravam de sair de sua boca. — Você me envergonha, Sirius! Andando por aí com aquele- com aquela escória, agindo como se fosse dono do mundo, usando o meu dinheiro para foder aquele merdinha-

— NÃO OUSE FALAR DO REMUS ASSIM! — O garoto, Sirius, gritou, punhos cerrados enquanto grunhia para o outro. — Ele é um homem muito melhor do que você jamais vai ser. Você é que é a escória.

A sucessão de acontecimentos a seguir ocorreu tão rápido que por um momento ninguém pareceu ser capaz de respirar. Sirius cambaleou contra a parede, uma mão sobre o rosto onde fora atingido por um soco, enquanto observava com horror o homem à sua frente se aproximar, punho cerrado como se estivesse pronto para bater novamente.

Lily agiu – como sempre acontecia – por impulso.

— É melhor você sair de perto dele! — Ela praticamente gritou, assustando os dois homens que se deram conta de que não estavam mais sozinhos. Sem nem mesmo um segundo olhar em direção ao mais novo, Lily caminhou até onde Sirius estava, prostrando-se à sua frente. — Eu disse para sair de perto dele. — Ela repetiu quando o mais velho parecia ainda estar considerando afastá-la para poder bater mais um pouco no garoto. — A menos que você pretenda bater em uma mulher também.

— Muito tarde para isso, parece que eu já bati. — E os olhos do homem, que eram negros como a noite, pareceram perfurar Sirius. — Uma bicha, um bastardo. Você não é meu filho. Eu tenho nojo de você. — E então ele cuspiu no chão, quase sobre os tênis de Lily, antes de voltar seus olhos para ela e rir em escárnio. — Bem a sua cara, Sirius, ser defendido por uma mulher porque é fraco demais para fazer qualquer coisa sozinho a não ser foder aquele bostinha do-

Lily precisou de toda sua força para conter o garoto atrás de si, sabendo que violência era exatamente o que o mais velho queria que acontecesse.

— Não seja burro, pare com isso! — Ela riçou para Sirius e então arqueou uma sobrancelha para o pedaço de merda à sua frente. — Eu não sei em que mundo você vive, mas estamos em dois mil e vinte e homofobia é crime. Recomendo que você tire essa bunda preconceituosa daqui antes que eu saia da frente e deixe ele te mostrar quão fraco ele é. — Indicou o garoto atrás de si, sentindo-o arquejar.

O homem deu para Lily o que certamente era o maior olhar desprezo que recebera antes de dar as costas e começar a caminhar para a saída. Antes, porém, que abrisse a porta, parou e virou a cabeça de modo a encarar Sirius mais uma vez.

— Vou pedir para Thomas empacotar suas coisas. Você pode pegá-las amanhã de manhã enquanto eu estiver no trabalho. Se eu voltar e suas tralhas ainda estiverem lá, vou queimar tudo. — E então, ele foi embora.

— Uh, isso que eu chamo de saída dramática. — Lily comentou consigo mesma, recebendo uma risada estrangulada como resposta.

Lentamente, muito lentamente, como se estivesse lidando com um animal acuado (o que talvez fosse verdade), Lily voltou-se para o garoto e o observou com cuidado.

— Hey. — Ela disse e sentiu o coração apertar levemente ao perceber o vergão avermelhado que começara a cobrir grande parte do lado direito do rosto dele.

— Uma cavaleira em armadura brilhante, heim? — Foi o que ele disse sorriu, ou pelo menos tentou, mas então fez uma careta ao sentir a pele repuxar por conta da pancada que recebera.

Sem se preocupar muito com o que ele pensaria, Lily se aproximou ainda mais, tocando levemente na pele machucada, murmurando consigo mesma xingamentos para o babaca que causara aquilo antes de suspirar e se afastar.

— Você precisa colocar gelo sobre isso. Vai ficar roxo. — Ela disse e então, porque Sirius parecia alguém que definitivamente precisava naquele momento, puxou-o para um abraço apertado. O garoto ficou tenso nos primeiros instantes, mas então relaxou e a abraçou de volta. — Sinto muito.

— Não sinta. — Ele murmurou contra os cabelos dela e sua voz estava ainda mais rouca do que antes, embargada. — Uma hora ou outra ele descobriria. Não imagino que a reação dele seria muito diferente de qualquer outra forma.

— Sinto muito. — Lily voltou a repetir, apertando-o um pouco mais antes de se afastar para encará-lo. — Está doendo muito?

— Nah. Dá para aguentar. — Ele deu de ombros.

Lily mordeu os lábios, sentindo a urgência que sempre sentia em situações como aquela a acometer.

— Você, hum- o que você vai fazer agora?

— Bem, eu pretendia ir assistir o meu amigo se apresentar. Aproveitar que está tudo escuro lá dentro, todo mundo focado no palco e tudo o mais — e indicou o olho machucado. — Depois... bem — passou as mãos pelos cabelos, claramente tentando não demonstrar o quanto estava frustrado. — Mais tarde eu penso nisso.

— Você poderia vir para casa comigo. — Lily o interrompeu e então sentiu as bochechas esquentarem ao perceber o olhar divertido que tomou conta do rosto do garoto. — Não foi isso que eu quis dizer, idiota. — Bufou.

— Você sai por aí convidando todos os estranhos que encontra pela rua, ruiva? — Sirius perguntou, a diversão aumentando.

— Não! — Lily respondeu rapidamente, mas então mordeu os lábios, sentindo-se corar ainda mais. — Mais ou menos, na verdade. — E, rolando os olhos para a falsa expressão de choque do garoto, ela adicionou: — Eu sou dona da Queer House que é, hum, um abrigo para, uh- ´pessoas queer em situação de necessidade? Não que você esteja passando necessidade, é claro, mas é que o babaca disse que você deveria pegar suas coisas amanhã, então imaginei que talvez você estivesse sem muitas opções para passar a noite, mas talvez eu esteja apenas sendo intrometida, o que é bastante comum e-

— Respira, ruiva. — O garoto a interrompeu, o sorriso em seu rosto muito mais afável enquanto a observava. — Queer House? Eu não acho que tenha ouvido falar antes, mas parece muito interessante. Mesmo. — E havia sinceridade em sua voz. Sirius piscou para ela. — Hum, então você simplesmente convida estranhos queer para a sua casa, é isso?

Rolando os olhos, Lily deu de ombros.

— Basicamente.

— E você se encaixa no termo queer também?

— Sou lésbica. — Lily adicionou e Sirius murmurou em concordância, encarando-a como se a estivesse vendo pela primeira vez. E então, ele sorriu.

— Sabia que esse é um ótimo jeito de conseguir um assassino como colega de quarto?

— Tive sorte até hoje. O cara mais estranho que tivemos era viciado em limpeza. Ninguém reclamou. — Foi a vez de Lily piscar, recebendo uma risada em resposta. Lily contou aquilo como uma vitória. — Está me dizendo que é um assassino? — Arqueou as sobrancelhas em questionamento.

Lançando um olhar para a porta por onde o outro homem havia acabado de sair, Sirius estreitou os olhos e então passou as mãos pelos cabelos, suspirando.

— Não. Não sou. — O “mas não é algo em que não tenha pensado antes” ficou implícito na frase. Só por conta daquilo, Lily voltou a puxá-lo para outro abraço, sentindo-o rir contra ela. O que era claramente mais uma vitória. — Isso é algo que você faz com frequência também?

— Abraçar as pessoas? Com certeza. — Lily assentiu e então, lembrando que tinha outros motivos para estar naquele local ao invés de apenas conseguir mais um filho adotivo para a Queer House, desenrolou seus braços dos ombros do garoto e começou a se encaminhar na direção da porta que a levaria para o auditório. — Você vem? Ou, se quiser, podemos tentar conseguir um pouco de gelo para o seu rosto antes. Isso vai ficar realmente feio, sabe.

— Nah. Eu estou ótimo. E eu duvido muito que um simples roxo vá conseguir esconder a minha beleza. — Sirius disse, fazendo-a bufar e então começou a segui-la. — Ei, qual o seu nome? O meu é Sirius, mas acho que você chegou a essa conclusão levando em conta toda aquela gritaria e tudo o mais.

— Haha, sim. Meu nome é Lily. Lily Evans. — Ela sorriu e então abriu a porta para o auditório, já ativando o modo profissional, puxando a câmera e começando a reconfigurá-la para a nova iluminação antes de se encaminhar para perto do palco.

— Bem, Lily Evans, parece que você vai ser a minha nova melhor amiga, então. — Sirius disse simplesmente, piscando para ela antes de se recostar perto de onde ela estava parada para observá-la trabalhar.

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Após o que pareceram horas em pé e milhares de cliques depois, Lily finalmente conseguiu ir para casa acompanhada de um Sirius muito curioso e empolgado para conhecer os novos “colegas de quarto”. Marlene, Dorcas, Frank e Alice haviam saído para a noite de cinema dos casais – ugh – o que significava que apenas Peter estava lá para recebê-los.

Peter aceitou tranquilamente a responsabilidade de dar as boas-vindas para Sirius e fazer um tour pela casa – já muito acostumado com Lily trazendo novos moradores temporários sempre que ela via uma oportunidade – enquanto Lily finalizava seu trabalho, selecionando as fotos que usaria (pelo menos sete contendo James Potter e seus movimentos impressionantes no palco) e as que descartaria, editando-as e organizando-as antes de transferi-las para o pendrive que usava para o trabalho.

Quando, por fim, estava tudo pronto, Lily estava morrendo de sono e, pela expressão no rosto de Sirius, o garoto não estava muito diferente (o cansaço tanto físico quanto emocional parecia finalmente ter chegado até ele).

Peter, como o anjo que era, havia pedido pizza, então eles comeram praticamente em silêncio enquanto assistiam um episódio aleatório de Brooklyn 99 (Lily descobrira que Sirius também era fã, o que era um alívio porque se ele não gostasse da série ela seria obrigada a expulsá-lo da casa).

Lembrando que o único quarto ainda desocupado da casa, exceto o sótão, estava atulhado com um pouco de tralhas de todo mundo, Lily decidiu pegar o colchão extra e levar para o seu quarto, arrumando uma cama no chão onde Sirius poderia dormir.

— Você se importa? — Ela perguntou para o garoto que havia acabado de se banhar e vestia as calças de moletom de Peter e uma camiseta do Iron Man de Frank.

— Com o quê? Dormir no chão? — Sirius rolou os olhos e riu. — Acredite em mim, já dormi em lugares bem piores. — E então, como se para provar um ponto, atirou-se sobre o colchão, deitando-se contra os travesseiros e fechando os olhos antes de suspirar confortavelmente. — É perfeito.

Sorrindo carinhosamente, Lily estendeu o pacote de gelo que pegara mais cedo da cozinha, fazendo com que o garoto colocasse sobre o rosto machucado antes de se encaminhar até a sua cama, enfiar-se embaixo das próprias cobertas e desligar o abajur.

Eles ficaram em um silêncio confortável por alguns instantes e ela estava quase dormindo quando a voz de Sirius soou no quarto escuro.

— Por que... por que você faz isso? — Ele perguntou. — A Queer House, quero dizer. Peter me disse que essa casa é herança da sua avó e, ao invés de aproveitar ela sozinha ou, sei lá, vender, você... faz isso.

Remexendo-se contra as cobertas, muito mais acordada do que segundos atrás, Lily soltou um longo suspiro antes de responder (absolutamente todos os novos moradores faziam aquela pergunta, embora o tom de voz de Sirius fosse muito mais sério do que o que outros usaram anteriormente).

— Eu sempre quis ter uma família que me aceitasse. Sempre quis ter um lar, um lugar onde eu me sentisse segura e aceita por quem eu sou. A única pessoa que me proporcionou isso foi a minha avó e, quando ela morreu- — Lily sentiu um nó se formar em sua garganta diante das lembranças e então fechou os olhos enquanto tentava engolir as lágrimas. — Quando ela morreu, três anos atrás, ela me deixou uma carta dizendo que queria que eu fosse feliz. E que ela estava me deixando essa herança porque ela queria que eu sempre tivesse um lugar para chamar de casa, para estar segura. Minha avó, Hellen, sabia que meus pais nunca me aceitariam. Sabia o que eles pensavam de mim. Mas ela sempre lutou contra eles e, mesmo quando ela... mesmo quando ela se foi, ela ainda foi capaz de me proporcionar um lar. — Sentindo as lágrimas escorrerem pelo rosto, apesar de todos os esforços que fizera para impedi-las, Lily fungou. — Desde então, decidi que eu queria fazer o mesmo para outras pessoas também, porque eu sei que nem todo mundo tem a mesma sorte de ter uma vó incrível como eu tive.

— Sua avó parece ter sido uma mulher maravilhosa. — Sirius disse e parecia estar tendo tanta dificuldade quanto ela para não chorar.

— Ela foi. — Lily assentiu, sentindo o peito apertar ao lembrar da mulher que sempre fora seu maior exemplo. Que continuava sendo seu maior exemplo.

— Você também é. — Sirius adicionou, fazendo com que ela bufasse e sentisse as bochechas esquentarem. — Não, é sério, ruiva. Eu nem conheci os outros ainda, mas só por tudo que o Peter disse... ele ama você. E tenho certeza de que os outros também. — Rindo, Sirius se moveu na cama. — Você nem me conhecia, mas enfrentou meu pai, disse para ele tirar a bunda preconceituosa dele de perto de mim e me convidou para vir para cá.

— Homofóbicos tem esse efeito sobre mim.

— Obrigado. — Ele disse. — Eu- meu namorado, ele- Deus, Remus vai ficar tão furioso comigo porque eu contei para o meu pai sobre a gente-

— Ele não queria que você contasse?

— Remus conhece meu pai. Sabia que ele reagiria do jeito que reagiu. Remus é... muito protetor. Ele não acha que eu deveria “perder minhas regalias” por estar namorando com ele. Então ele me fez prometer que nós não envolveríamos minha família nisso. Oh, bem, é muito tarde agora.

— Você já falou com ele? Contou o que aconteceu? — Lily perguntou, lembrando de todas as chamadas que Sirius recebera desde que chegara na casa, mas que simplesmente ignorara.

O silêncio pareceu se encher de culpa.

— Ainda não. — Sirius disse, por fim, e então suspirou. — Eu conheço Remus bem demais e sei que ele vai ficar se culpando por causa disso, mas eu estou- eu estou aliviado por ter dito para o meu pai. Aliviado porque agora ele sabe e eu não preciso mais viver com medo de que ele vai me descobrir.

— Você foi muito corajoso, Sirius. — Lily disse e então ergueu as cobertas, movendo os travesseiros para os pés da cama, organizando o edredom novamente à sua volta antes de esticar uma mão para pegar a do garoto que estava deitado pouco abaixo de onde ela estava. — E o único culpado disso tudo é o preconceituoso do seu pai.

— Eu sei. — Sirius disse e apertou a mão dela um pouco mais. — Mas convencer Remus disso vai ser complicado.

— Ele parece se importar muito com você.

— Sim. — Sirius disse e ela pode ouvir o sorriso orgulhoso em sua voz. — Eu o amo.

— Vai ficar tudo bem, Sirius. — Lily assegurou e sabia que faria tudo o que pudesse para que aquilo fosse verdade. — Remus vai entender.

— Eu espero que sim.

— Ele vai.

— Obrigado, Lily.

— Boa noite, Sirius. — Ela murmurou em resposta, sentindo os olhos começarem a pesar novamente.

Eles dormiram de mãos dadas.

—---

Lily fechou a porta atrás de si com força, sem se preocupar com os olhares arregalados que recebeu enquanto caminhava rapidamente até a sua mesa – ou melhor, ex mesa – e começava a juntar as próprias coisas.

Ela acordara tão animada naquela manhã! Sorrira ao observar o garoto que ainda estava dormindo tranquilamente no colchão no chão de seu quarto e fizera de tudo para não o acordar enquanto pegava sua roupa e coisas que precisaria para o dia de trabalho antes de sair para o corredor.

Tomara um banho e descera as escadas só para se deparar com um café da manhã completo, feito por Alice que era simplesmente a melhor cozinheira da Inglaterra. E então, após revisar seus materiais, saíra dirigindo de casa e cantarolara por todo o caminho até chegar na Pure Blood Magazine.

Malfoy ficara impressionado com suas fotografias, inclusive dissera que iria pedir para a edição colocar alguma delas em um tamanho maior ao longo do editorial.

Lily estava nas nuvens.

Mas então, porque o que era bom nunca durava muito na vida de Lily, ele chegara.

Cabelos escuros, expressão nebulosa. Caminhou diretamente para a mesa dela, observando-a com aqueles olhos negros cheios de algo muito parecido com desprezo. Lily sentiu o coração descompassar quando ele lhe disse para segui-lo até sua sala. E, oh meu Deus, ele trabalhava ali? Ele tinha uma sala? Ele sabia sobre ela?

A resposta estava bastante clara.

Órion Black, nada menos que o CEO da Pure Blood, tinha um sorriso no rosto enquanto a observava assinar sua carta de demissão, sorriso esse que aumentara ainda mais ao dizer que aquilo estava acontecendo porque ela “não se encaixava” na visão da empresa.

Porque, aparentemente, defender o filho dele de seus ataques homofóbicos ia contra a “visão da empresa”. Porque ela ser lésbica não se encaixava na “visão da empresa”. Não que ele houvesse dito tal coisa em voz alta, é claro, mas ela podia sentir em seu olhar, na forma como ele parecia despreza-la, diminuí-la somente com aquele sorrisinho arrogante.

Lily precisou de todo o seu controle para não o mandar enfiar sua “visão de empresa” no lugar onde o sol não toca. Controle esse que era praticamente inexistente no momento em que Severus Snape, um de seus amigos mais antigos, colega de trabalho e também ex colega de faculdade se aproximou, observando-a com olhos arregalados enquanto ela praticamente atirava seus pertences em uma caixa.

— O que aconteceu? — Snape perguntou, observando-a horrorizado.

— O que você acha? — Lily grunhiu antes de colocar o cacto que ganhara de presente de aniversário de Sprout, a recepcionista, na caixa, tomando cuidado para não se espetar ou machucar a planta.

— Mas... por quê?

— Porque Órion Black é um babaca homofóbico que acha que pode destilar preconceito por aí só porque tem dinheiro. — Lily disse, talvez um pouco mais alto do que deveria, mas ela não conseguia se importar. Foda-se Órion Black! Foda-se Pure Blood! Fodam-se homofóbicos babacas!

— Lily-

— É verdade, Severus! Ontem ele deu um soco no próprio filho porque é um babaca homofóbico. Hoje ele me demitiu porque defendi o filho dele por ele ser um babaca homofóbico. — Rindo sem humor, Lily puxou a caixa contra o próprio peito. — É um favor que ele me fez ao me demitir, sinceramente. Eu definitivamente não preciso conviver com esse tipo de pessoa. — E, sem esperar por uma resposta, começou a caminhar em direção ao final do corredor. — Tchau, Sev.

Assim que entrou no elevador, Lily observou com o peito apertado os colegas e o escritório no qual trabalhara pelo último ano. O local no qual ela nunca mais colocaria um pé dentro.

Puxando o celular do bolso no momento em que as portas fecharam, Lily digitou uma mensagem rapidamente no grupo da Família Queer.

[10:21] adivinhem quem é a mais nova desempregada do momento? Hah, eu mesma!

[10:21] me esperem com muito álcool, obrigada.

 

[2 – CONSEQUÊNCIAS DA INTROMISSÃO DE SIRIUS BLACK NO ÂMBITO PESSOAL]

Dividir uma casa com Sirius Black era... estranho.

Na primeira Semana de Convivência com Sirius Black, Sirius – mesmo depois de fazer uma palestra para Remus sobre como ele não era culpado pelas ações do seu pai – agia como um cachorrinho abandonado, lançando olhares de culpa e tristeza para Lily toda vez que ele pensava que ela não estava olhando.

Não foi até uma sexta de manhã, quando Lily entrou na cozinha e se deparou com Sirius conversando no telefone com um amigo, que ela decidiu que estava na hora de mandar ele parar de ser idiota.

—... ele a demitiu! E por minha causa! Eu não sei o que fazer- — Sirius estava dizendo, culpa praticamente transbordando de sua voz. — Jay, olha... é claro que é minha culpa!

— Ah, mas pelo amor de Deus! — Lily resmungou em voz alta, adentrando a cozinha e parando próxima à porta, braços cruzados sobre o peito e uma sobrancelha arqueada enquanto encarava o garoto. — Dá para você parar de agir como um mártir? Não é sua culpa, cara de rato. Pare de achar que o mundo gira em volta dessa sua cabeça anormalmente grande porque, surpresa, ele não gira!

— Uh, Jay, depois eu te li- o quê? Você quer falar com a Lily? — Sirius, que estava com as bochechas coradas por ter sido pego falando sobre ela, franziu o cenho para o celular. — Não! Você não vai falar com ela, eu não vou passar o- — Mas Lily interrompeu o que ele estava dizendo ao puxar o aparelho de sua mão e colocá-lo na própria orelha antes de sentar na mesa e começar a se servir de panquecas (que, Lily descobrira, era uma das especialidades culinárias de Sirius).

— Alô? — Ela disse.

— Aha! É você! Eu sabia que deveria ser, afinal não são muitas Lilys ruivas que a gente encontra por aí carregando uma câmera fotográfica e gritando com as pessoas, certo? — A voz masculina disse e Lily franziu o cenho, confusa, enquanto tentava compreender do que diabos o outro estava falando.

— Me desculpe, o quê?

Oh, você não reconheceu a minha voz? — E parecia haver tristeza em seu tom, mas logo ele continuou a falar, então Lily pensou que talvez estivesse imaginando coisas. — Eu sou James. James Potter.

— James Potter...? — Lily repetiu, confusa, mas então a lembrança do dançarino com pele escura, voz rouca e sorriso brilhante preencheu sua mente, fazendo com que suas bochechas imediatamente fossem tingidas de vermelho. — Oh, sim. Eu lembro de você! Hum- porque estamos falando pelo telefone do Sirius?

Bem, podemos mudar isso se quiser. Te dou o meu número se você me der o seu. — O garoto riu, uma risada alta e contagiosa. Lily sentiu os próprios lábios se moverem formando um sorriso. — E então podemos falar através dos nossos telefones ao invés do Sirius, hah!

— Hum, bem, eu, huh — Ela começou a falar, mas então sentiu a garganta secar. A sobrancelha arqueada e o olhar de indagação no rosto de Sirius também não estavam ajudando muito com que Lily coordenasse os pensamentos. Talvez fosse por isso que as próximas palavras que saíram de sua boca fossem: — Eu sou lésbica. — E então, se dando conta do que havia acabado de falar (e do olhar completamente abismado de Sirius), Lily deixou a cabeça cair contra a mesa e sentiu um desejo de morrer a atingir com força.

Que diabos?

Hum.... Não sabia que lésbicas eram proibidas de ter telefone próprio. Isso tem a ver com o movimento? Guerra ao capitalismo e ao patriarcado ou algo assim?

— Oh meu Deus, cale a boca. — Lily gemeu, sentindo-se corar até a ponta das orelhas. — Eu só pensei que-

Sirius me disse sobre isso, Lily. Tudo bem. Na verdade, eu só achei que seria bacana poder me comunicar com a mais nova melhor amiga dele, já que ele parece muito ocupado com você para responder as mensagens que eu mando. — O tom de voz de James era leve e, por conta disso, Lily respirou aliviada e se permitiu não se sentir tão envergonhada por conta do que dissera.

— Tudo bem. Vou pegar o seu número do celular dele e te mando um oi. — Comentou, rindo ao ouvir o resmungar mal-humorado de Sirius. — Posso te manter atualizado sobre o que ele está fazendo, se está se comportando bem e tudo o mais!

Haha, isso vai ser incrível, obrigada! E, ah, Lily, já que estamos nisso, queria te pedir um favor. — O garoto parecia muito mais sério do que segundos atrás. Desgrudando a testa da mesa, Lily franziu o cenho enquanto se ajeitava contra a cadeira.

Sirius a observava muito desconfiado.

— Hum, certo.

Será que você pode me mandar aquela foto que você tirou de mim fazendo a pose com a arminha para baixo e mandando beijo? — E então ele estava gargalhando.

— Oh meu Deus, eu pensei que fosse algo sério! — Lily disse e então começou a gargalhar também.

— Okay, okay. Certo! — A voz de Sirius ressoou, interrompendo a risada de Lily e fazendo-a encará-lo, confusa. — Muito legal saber que vocês dois estão se divertindo e tudo o mais, mas será que posso pegar meu celular de volta? O meu namorado ficou de me mandar uma mensagem, sabe, e eu gostaria de ser capaz de respondê-lo rapidamente. Será que vocês podem parar de poluir minha linha telefônica com... o que quer que seja isso agora? — Sirius disse, olhos estreitos enquanto observava Lily com irritação estampada no rosto.

Oh meu Deus, isso é incrível! Ele está com ciúmes da gente! — Parecia como se o Natal tivesse chegado mais cedo para James. — Sirius Black com ciúmes é um dos melhores Sirius Black! Só perde para o Sirius Black Bêbado, mas eu tenho certeza de que logo você vai ter o prazer de conhecer essa versão também. — James riu suavemente e adicionou: — Você foi a melhor coisa que aconteceu, Lily. Eu queria tirar ele daquela casa há muito tempo, mas ele sempre foi muito orgulhoso para aceitar morar comigo! — Lily sentiu as bochechas corarem mais uma vez, um sorriso afetuoso surgindo em seus lábios. Sirius não pareceu feliz com o desenvolvimento. — Obrigado.

— Não precisa agradecer, James. O prazer é todo meu. — Ela respondeu, colocando malícia na última parte apenas para fazer com que Sirius grunhisse.

James ainda estava gargalhando quando Sirius puxou o celular das mãos dela e desligou a chamada, voltando-se para ela com uma sobrancelha arqueada.

O prazer é todo seu? — Sirius bufou. — Existe alguma coisa entre você e James sobre a qual eu preciso ser informado? — Ele perguntou e então se aproximou da mesa, puxando uma cadeira e sentando-se em frente a ela.

— Claro, claro. Acho que esqueci de falar que eu e James temos uma coisa rolando... — Lily comentou, sentindo a diversão crescer ainda mais ao observar a expressão de Sirius escurecer, cenho franzido e lábios unidos em um beicinho.

— Uma coisa? — Estreitou os olhos.

— Uhum. Nós nos conhecemos lá nos bastidores, naquele dia da apresentação. Tivemos uma conversa muito interessante. — Lily adicionou a meia mentira, apreciando como a expressão de Sirius ficava a cada minuto mais desconfiada. Ah, era tão fácil tirá-lo do sério! — E então eu tirei umas fotos dele... lindas, inclusive. James é muito fotogênico.

— Você tirou fotos- por quê?

— Eu estava fotografando para a PB, achei que James era um bom modelo. — Lily rolou os olhos para Sirius, mas a expressão no rosto do garoto rapidamente mudou de desconfiada para culpada, fazendo com que ela bufasse em exasperação. — Pelo amor de Deus, Sirius, pare com isso! Não é sua culpa!

Sirius voltou a se erguer de onde estava sentado, ombros tensos enquanto se voltava para a pia e se preparava para lavar a louça, claramente tentando evita-la.

— Sirius-

— Não, Lily. Quer você aceite ou não, é minha culpa e-

— É culpa do Remus que seu pai tenha te expulsado de casa? Que ele tenha cortado seus fundos? Que ele tenha te socado, Sirius? — Lily perguntou, irritada, fazendo com que o garoto se voltasse rapidamente em sua direção, fúria em sua face enquanto espalhava espuma e água por toda a cozinha.

— É claro que não!

— Então porque diabos seu pai ter me demitido seria sua culpa? — Lily indagou, irritada, também se erguendo de onde estivera sentada e caminhando até estar em frente ao garoto. — Ele me demitiu porque ele é um pedaço de merda preconceituoso e babaca. Não foi você. Eu faria tudo de novo, okay? Jamais me arrependeria de ter ajudado você, assim como não me arrependo de ter sido demitida. Eu odiaria ser efetivada e só depois descobrir para que tipo de pessoa eu estava trabalhando.

Esticando a mão até tocar no ombro do garoto, Lily esperou até que os olhos cinzentos encontrassem os dela.

— Eu faria tudo de novo, entendeu? — Ela repetiu e percebeu o momento em que a culpa diminui nos olhos de Sirius dando lugar para uma expressão carinhosa antes dele se inclinar e puxá-la para um abraço (ele parecia adorar dar abraços). — Agora será que você pode parar de ficar me olhando com essa cara de cachorrinho abandonado toda maldita hora?

— Remus diz que é minha expressão natural. — Sirius brincou, fazendo-a rolar os olhos antes de se afastar. — Ele diz que é meu charme.

— Remus está provavelmente certo. Sobre a expressão natural. Não sobre o seu charme. — Lily comentou, fazendo-o bufar em incredulidade antes de voltar até a mesa e sentar-se pesadamente contra a cadeira antes de puxar suas panquecas para mais perto.

Ela estava terminando de comer, vários minutos depois, quando o garoto – que estivera cantarolando até então – voltou a encará-la, um guardanapo sobre o ombro e as duas mãos na cintura. A pose clássica da Mamãe Sirius.

— Mas, ei, que coisa é essa entre você e o James? — A expressão desconfiada estava de volta, fazendo-a quase engasgar com a panqueca que estivera mastigando.

— Oh meu Deus, Sirius, eu estava brincando! — Lily respondeu, categórica, mas o garoto não pareceu acreditar.

—---

No final da segunda Semana de Convivência com Sirius Black o garoto já tinha quase todos os moradores da casa – e os vizinhos! – aos seus pés (exceto Lily, é claro, afinal ela era uma pessoa difícil de ser conquistada, obrigada).

O garoto era cirúrgico em suas jogadas, incapacitando o oponente e caindo para matar logo em seguida.

Marlene fora a primeira – e provavelmente a mais fácil – a declarar seu amor eterno a Sirius Black. Sirius era fã do Manchester United e Marlene também e, após passarem mais de cem minutos (o jogo teve prorrogação, pelo amor de Deus) gritando para os jogadores e xingando o juiz – e se abraçando quando a partida terminou em 2 a zero para o ManUn – decidiram que assistiriam todos os jogos juntos, porque apoio moral e emocional em “momentos difíceis e desafiadores como aqueles” (segundo Marlene) era essencial.

No dia seguinte, Sirius e Marlene retornaram para casa – após passarem a tarde inteira no shopping – com kits completos do Manchester United para todos os moradores da casa, exceto Dorcas, que torcia para o Chelsea e para quem Sirius comprara um kit separado.

E, como todos na casa sabiam: para ganhar o coração de Marlene tudo que era preciso era a) não falar mal do time dela (a menos que a pessoa em questão fosse Dorcas) e b) mimar a sua namorada, aka Dorcas, com tudo de bom e do melhor.

Marlene não tivera qualquer chance contra o charme do garoto.

Dorcas, por outro lado, apesar de ter agradecido pelo kit de futebol de seu time do coração, ainda parecia desconfiada do garoto. O que era completamente normal, afinal Dorcas não era uma pessoa que confiava muito facilmente.

Lily ainda lembrava de quando Marlene – que era melhor amiga de Lily desde o primeiro ano de universidade – apresentara a namorada para eles, após “escondê-la” por meses. Dorcas passara a maior parte do tempo em que estiveram no bar quieta e monossilábica e só começou a se abrir no momento em que Alice apareceu acompanhada de Frank.

Dorcas era graysexual homorromântica (sentia atração por pessoas do mesmo sexo, embora quase nunca sentisse atração sexual), eles descobriram. E ela nunca se sentiu como se encaixasse em algum lugar, sempre muito assustada que as pessoas fossem invalidá-la ou julgá-la por conta da sua sexualidade. O motivo pelo qual Marlene demorara tanto tempo para apresentá-la não fora porque ela não queria, mas sim porque Dorcas insistira. Ela tinha medo de que eles fossem tentar afastá-la de Marlene por pensarem que ela não era o suficiente.

Quando Alice, que estava passando pela transição, ainda lutando contra as feições masculinas e os hormônios e toda a dor causada pela recente cirurgia de redesignação sexual, chegou de mãos dadas com Frank – com quem namorava desde os catorze anos de idade e que a aceitara incondicionalmente, mesmo com e durante toda a transição – e abraçou a todos, Dorcas se sentiu um pouco mais confortável, um pouco mais segura. Um pouco mais em casa.

E quanto mais ela se soltava, mais fácil era para que todos compreendessem o porquê de Marlene – a festeira, conquistadora e destemida Marlene McKinnon – se apaixonara por ela. Dorcas era um porto seguro. Dorcas a entendia em níveis que nenhuma outra pessoa era capaz e acolhia a vulnerabilidade que Marlene nunca deixava mais ninguém ver. Com Dorcas, Marlene se tornara mais confiante em si mesma, pois ela não era mais a Marlene conquistadora, ou festeira, que beijava todo mundo nas festas e que achava que o único valor que possuía era sua beleza ou corpo escultural. Não. Com Dorcas, Marlene aprendera que o fato de ela ser ela mesma, com ou sem maquiagem, com ou sem vestidos curtos e decotes arrasadores, com ou sem conquistas, era o suficiente.

E, parecendo perceber aquilo em um piscar de olhos, Sirius usara tal conhecimento para fazer seu caminho até o muito guardado e protegido coração de Dorcas Meadowes.

Porque, se para conquistar Marlene era preciso endeusar sua namorada, para Dorcas a tática era a mesma. Mas em níveis mais sofisticados.

Sirius comentaria como Marlene era inteligente e então perguntaria para Dorcas sobre sua sexualidade, honestamente interessado no assunto e incluiria Marlene na conversa sempre que possível, demonstrando o quanto apreciava sua opinião. Ele também se engajaria em conversas muito técnicas sobre esportes com Marlene – afinal a garota era pós-graduada em educação física – sempre fazendo as perguntas certas, demonstrando o quanto admirava o seu profundo conhecimento nos assuntos. Sirius incluiria Dorcas naquelas conversas também, mesmo que a garota soubesse quase nada sobre o assunto, muito mais preocupada em observar o quanto a namorada parecia brilhar sempre que conversava sobre seus assuntos favoritos.

Como jogada final, tendo descoberto que o aniversário de namoro de dois anos de Dorcas e Marlene aconteceria ainda naquela semana, o garoto decidira organizar, com a ajuda de Lily e Alice, um encontro romântico em um dos restaurantes italianos que sempre pareciam muito caros para qualquer um deles pagar – mas onde Sirius aparentemente tinha crédito infinito – e, também, conseguira dois ingressos para uma partida de futebol entre dois times da segunda divisão (e de quem Marlene conhecia o nome de cada um dos jogadores, obrigada) que ocorreria na tarde do encontro.

Dorcas também não tivera a menor chance.

Alice, uma romântica incurável que já estava a meio caminho de estar completamente apaixonada por Sirius Black só por tê-lo visto organizar tudo aquilo, foi completamente vencida quando ele expressou seu interesse em compreender mais sobre pessoas transexuais, indo, inclusive, a palestras com ela onde fizera notas sobre o que fora discutido.

Frank, por sua vez, tivera seu momento onde explicara a pansexualidade para Sirius e como fora sua redescoberta – afinal ele pensara ser gay quando começara a namorar Alice, antes de sua transição e, após isso, percebera que não se importava realmente com o sexo da garota, contanto que fosse ela e apenas ela a estar com ele.

Várias partidas de Counter Strike e Free Fire depois, os dois garotos estavam em um nível de irmandade que apenas brothers eram capazes de compreender.

Por fim, Peter que, apesar de ser assexual homorromântico (alguém que se interessava por pessoas do mesmo sexo, embora não sentisse atração sexual), nunca fora tão desconfiado quanto Dorcas – afinal para ele relacionamentos eram uma das últimas coisas em sua lista de coisas que pretendia vivenciar (e sim, ele tinha uma lista chamada COISAS QUE PETER PETTIGREW QUER VIVENCIAR ANTES DE MORRER) – fora conquistado por Sirius através do estômago, já que, “Lily, todos sabem que o caminho para o coração do homem é a barriga”.

Porque, sim, Sirius Black era tão bom – se não melhor (não que alguém fosse dizer aquilo em voz alta, é claro) – cozinheiro que Alice. O que significava que agora que ele estava morando na casa, eles comiam comidas caseiras diariamente – Sirius e Alice tinham feito um calendário, inclusive, separando os dias da semana em que cada um se responsabilizaria pela cozinha (deixando os Domingos para o Churrasco do Peter & Frank).

Lily observava tudo aquilo meio horrorizada (pela facilidade com que o garoto se incluíra e tornara-se indispensável em suas vidas) e meio entretida (porque era muito engraçado ver todos serem encantados e manipulados pelo garoto), imaginando quando seria sua vez e se seria capaz de resistir.

Ela faria de tudo ao seu alcance para que Sirius tivesse um tempo infernal tentando conquista-la.

O rolar de olhos de Peter e Dorcas, o bufar de Frank, a expressão incrédula de Alice e a gargalhada de Marlene quando expressara tais pensamentos para eles não fazia com que se sentisse muito confiante, mas, ei, Lily dava tudo por um desafio, certo?!

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Durante a terceira Semana de Convivência com Sirius Black, os infames Remus Lupin e James Potter finalmente fizeram suas aparições e, para o completo choque de Lily, eles eram tão – senão mais, no caso de James – charmosos quanto Sirius.

Já com as defesas defasadas após as investidas de Black, os outros dois não enfrentaram muita resistência antes de se inserirem permanentemente na vida dos moradores da Queer House.

O que antes era o Churrasco do Peter & Frank™, se tornou o Churrasco do Peter, Frank & Remus™ e as Sextas De Cinema da Lily™ se tornaram as Sextas Em que Lily e James Brigam Para Decidir o Filme Enquanto Os Moradores Da Queer House & Remus Observam Comendo Pipoca™, onde, no final das contas, Sirius acabaria optando por reassistir alguma temporada de Brooklyn 99 e todo mundo, inclusive uma Lily muito irritada e um James muito animado, acabariam se atirando no sofá ou no tapete da sala de estar para acompanhar, afinal de contas Jake Peralta e Rosa Diaz eram do agrado de toda e qualquer sexualidade, muito obrigada.

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Na quarta Semana de Convivência com Sirius Black™, uma Lily muito gripada e muito mimada pelos melhores cuidados de Sirius, encarou sua derrota e aceitou que havia sido conquistada pelo garoto antes mesmo de ele colocar os pés dentro da Queer House.

Não que ela fosse admitir tal coisa em voz alta, é claro. E não que o olhar de diversão que Sirius lançava para ela quando ele pensava que ela não estava vendo não deixasse claro que o garoto sabia que havia ganhado aquela batalha há muito, muito tempo.

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Após um mês e meio de Convivência Com Sirius Black, Lily começara a se arrepender de tê-lo deixado entrar em sua vida porque aquela claramente tinha sido uma das piores ideais que tivera.

— Você foi a pior coisa que aconteceu na minha vida! — Lily grunhiu, irritada, recebendo uma gargalhada rouca em resposta. — Eu odeio você! Odeio, odeio, odeio!

— Ah, ruiva, não fique tão brava! — Sirius disse entre risadas, encarando-a cheio de falsa consideração. — Você foi decente

— Ugh! Cale a boca! Nós combinamos que não iríamos tocar nesse assunto nunca mais! — Gemeu e então baixou sua cabeça de modo que sua testa estivesse tocando a madeira gelada da mesa de bar que estavam ocupando.

— Hum, eu não lembro de ter concordado com isso.

— Você acabou de dizer “Tudo bem, ruiva, não vamos falar sobre isso” — Ela ergueu levemente o rosto de modo a poder lançar um olhar fuzilante para ele. — Não faz nem dez segundos, Black.

Sirius apenas deu de ombros, sem parecer se importar.

— Não me lembro disso, devo ter bebido demais. — E então, porque ele era a Pior Coisa Que Aconteceu Na Vida De Lily Evans, pegou a garrafa de água que estivera bebendo desde o momento em que entraram no bar (afinal ele estava dirigindo) e bebericou dramaticamente em demonstração, fazendo-a gemer, frustrada.

— Eu odeio você.

— Você diz isso todo dia e eu ainda não consigo acreditar. — Sirius piscou marotamente para ela. — Você precisa de mais convicção, ruiva. Te falta ódio.

— Oh meu Deus, cale a boca! — Ela fez um gesto obsceno para ele e então puxou a garrafa da mão do garoto, tomando vários goles antes de devolvê-la. Seus pensamentos estavam levemente zonzos por conta do álcool e, apesar de negar, sabia que era uma bêbada muito inconveniente. — Ugh, acho que é melhor irmos embora.

— Mas já? — Sirius fez beicinho. — Tem certeza de que não quer tentar seduzir a sua garota novamente com os seus passos de dança sensuais? — E indicou a garota em questão, que ainda estava parada próxima ao bar, lançando olhares esperançosos em direção à mesa deles. Não que Lily estivesse muito interessada em tentar qualquer coisa após a humilhação que acabara de vivenciar. — Eu particularmente fiquei muito impressionado com o seu gingado na pista de dança-

— Juro por Deus, Black, eu poderia listar agorinha mesmo todos os motivos pelos quais você é a pior coisa que aconteceu na minha vida. Não me faça adicionar “motivo da perda de réu primário” nisso.

O garoto a observou por alguns instantes, pensativo e então sorriu levemente, animado.

— Uma lista? Oh, isso é incrível! Posso ver?

— Na verdade, é mais um estudo de caso. Tem introdução e tudo o mais. Até algumas fotos e vídeos como referencial teórico. E, oh! O resumo! Está em dois idiomas. — Lily assentiu, lembrando do documento que começara a escrever no Domingo anterior (após beber demais junto de Marlene e Dorcas e decidir que o mundo precisava compreender os perigos que era ter Sirius Black por perto – agora, bêbada de novo, conseguia pensar em vários outros tópicos que poderia acrescentar, pois aparentemente a Lily Bêbada era nada senão uma estudiosa).

Parecendo realmente chocado com a revelação, Sirius a encarou por longos segundos antes de cair na gargalhada – de novo.

— Oh meu Deus! Essa é a coisa mais hilária que já ouvi. — O garoto tinha lágrimas nos olhos e tanto rir, encarando-a como se não pudesse acreditar. — Você vai me deixar ler esse estudo de caso?

— Não seja estúpido, Sirius. É claro que você vai ler! O intuito é apresentar para você e fazer você entender o porquê de você ser a pior coisa que aconteceu na minha vida.

— Vai ter slide?

— Uhum. — Lily assentiu, irritando-se ainda mais com a mais nova onda de gargalhadas do garoto.

— Sabe de uma coisa, ruiva? Você é, sem dúvidas, uma das pessoas mais criativas que já conheci. — E então meneou a cabeça. — Exceto pela dança. É melhor se você evitar completamente inventar passos. Ou, melhor, evite completamente dançar.

Lily ofegou, ofendida, parando de andar (porque aparentemente eles estavam caminhando, mesmo que ela não lembrasse exatamente quando aquela decisão havia sido tomada) para encará-lo.

— Fique você sabendo que eu sou uma ótima dançarina por dentro. Eu só preciso da pessoa certa para fazer com que esse meu lado artístico desabroche. — Lily apontou um dedo para ele e assentiu.

Os olhos de Sirius estreitaram perigosamente, mas Lily estava muito bêbada para compreender o quanto aquilo significava problema.

— Hum, a pessoa certa? Ooohh... — Sirius murmurou, olhos brilhando enquanto a observava. — É melhor acharmos essa pessoa logo, não acha? Assim evitaremos quase assassinatos na pista de dança sempre que você estiver por perto.

— Vá à merda, Black. — Lily disse e então, porque toda vergonha do mundo parecia não ser o suficiente para ela, tropeçou novamente, mas não foi rápida o suficiente para se firmar, o que resultou em uma ruiva muito irritada estatelada no chão em frente ao bar e um Sirius Black sem fôlego de tanto rir.

Francamente! E depois ele ainda tinha a pachorra de perguntar o porquê de ela o considerar a pior coisa que acontecera em sua vida.

[3— SIRIUS BLACK E SUA INTERFERÊNCIA EM RELAÇÕES INTERPESSOAIS]

Para a tristeza de alguns – Sirius Black, Peter Pettigrew e James Potter que eram, respectivamente: a) herdeiros de um tio que possuíra muitos zeros na conta bancária, mas nenhum filho, exceto por um sobrinho que, deixando de lado toda a hostilidade da família, fora o único que lhe dera atenção e amor, b) deus nerd que ganhava milhares de libras diariamente criando programas e reforçando sistemas operacionais diretamente do quarto mais bagunçado da Queer House e c) filho de um magnata inglês, dono de uma das maiores escolas de dança do Reino Unido e da CEO de uma rede cosméticos veganos e que, por conta disso, tinham tempo de sobra para atormentá-la por horas a fio durante os dias de desempregada – e para a felicidade de outros – Alice, Marlene, Dorcas, Frank e Remus que eram respectivamente: a) psicóloga especializada em pessoas queer, b) professora de educação física, c) professora de literatura, d) pintor e escultor e, e) repórter esportivo e que, por conta disso, eram pessoas muito ocupadas e que compreendiam a necessidade da garota de fazer alguma coisa— Lily conseguira um novo emprego!

Ela seria a designer temporária para uma pequena revista esotérica chamada O Pasquim.

Ela não ganharia muito, mas o suficiente para ajudar a pagar as contas da Queer House – as quais os moradores a impediram de tentar ajudar a pagar no último mês e meio por conta de seu desemprego e, também, por uma bobagem de “você já nos deu um teto, Lily, nos deixe pagar as contas agora que temos a oportunidade”.

Francamente, ela se sentia horrível sabendo que acabara deixando a responsabilidade de tomar conta da casa para outras pessoas! Mas tudo voltaria ao normal agora! Ou pelo menos algumas coisas voltariam, já que ela não seria capaz de arcar com tudo como fazia anteriormente.

De qualquer forma, Lily estava empregada, o que por si só era uma grande notícia – mesmo que Sirius, Peter e James insistissem em dizer que ela não precisava se submeter a tal coisa, pois eles eram mais do que capazes de cuidar dela (como se Lily Evans, de todas as pessoas do mundo, fosse deixar que alguém cuidasse dela, hah!).

Ela saiu com um sorriso no rosto para enfrentar o primeiro dia de trabalho e, após passar a tarde se segurando para não cair na gargalhada por conta das coisas que o editor chefe, Xenophilius Lovegood, comentara sobre signos e ascendentes, Lily voltou para casa sabendo seu mapa astral completo e sentindo-se muito mais feliz e competente do que havia se sentido durante a maior parte do mês anterior.

—---

Na terça-feira da segunda semana no novo emprego, durante horário de almoço, Lily decidira aceitar se encontrar com Sirius e James em um restaurante próximo do local de trabalho, a fim de “matar a saudade”— como se ela tivesse tempo de sentir saudade, sendo que morava com Sirius e que James passava a maior parte de seu tempo, quando não estava nos ensaios de seu grupo de dança ou dando aulas, na Queer House.

Estava prestes a entrar no restaurante quando a porta foi aberta por dentro e, por ela, um James muito bem vestido exclamou em surpresa ao deparar-se com ela, seus trinta-e-dois-dentes-220-volts a mostra, desnorteando-a por alguns instantes como sempre acontecia quando ele sorria daquele jeito.

— Lily, meu amor! — Ele disse e então desceu os dois degraus da porta do restaurante até estar em frente a ela, puxando-a para um abraço de urso logo em seguida.

— Hey, Potter. — Ela o cumprimentou, sentindo as bochechas esquentarem ao perceber o quão sem fôlego estava depois do abraço. — Já está indo embora? Pensei que estivesse “morrendo de saudades” minha? — Arqueou uma sobrancelha em indagação, sorrindo de forma provocativa para o garoto.

Franzindo o cenho e parecendo culpado, James deixou os ombros caírem.

— Desculpa, Lil’. Meu pai me chamou. Um dos palestrantes de hoje avisou que não vai poder ir, mas, como está em cima da hora, ele pediu para que eu o ajudasse. — Ele disse e então mordeu os lábios, o semblante triste.

Deus, às vezes provocar James Potter era o mesmo que chutar um cachorrinho machucado: de partir o coração.

— Ei, Potter, não fique sentimental. — Lily rolou os olhos para ele e sorriu logo em seguida. — A gente pode almoçar outro dia. E, também, não é como se não fossemos nos ver ainda esta noite. Você está praticamente morando lá em casa. — Ela adicionou, divertida, o que foi o suficiente para fazê-lo gargalhar.

— Você tem razão, não é? De qualquer forma, podemos marcar alguma coisa em um outro dia. — James disse e então, sem aviso, se aproximou e depositou um beijo na bochecha dela, fazendo com que corasse novamente. — Nos vemos mais tarde, Lil’. Eu realmente senti sua falta. — E, sem dar tempo para ela responder (o que foi uma boa coisa, porque Lily não sabia se conseguiria juntar neurônios o suficiente para responder), James foi embora.

Coletando sua dignidade do local onde ela havia se esparramado sobre o chão, Lily respirou fundo antes de abrir a porta do restaurante e começar a procurar com os olhos até encontrar a mesa no fundo de onde Sirius acenava para ela, já a esperando.

Encaminhando-se para lá, estava a meio caminho quando ouviu alguém chamar o seu nome. Voltando-se, confusa, deparou-se com Severus Snape, seu antigo amigo, ex colega de faculdade e de trabalho. Sorrindo, se aproximou do garoto, abraçando-o levemente.

— Sev! Quanto tempo! — Lily o cumprimentou sorridente.

— Hey, Lily! Senti sua falta no escritório! Como você está? — O garoto a observava clinicamente, como se estivesse absorvendo sua aparência e tomando notas das mudanças que haviam acontecido no período de tempo em que ficaram separados.

— Senti sua falta também. — Lily disse, levemente desconfortável diante do escrutínio. — Eu estou bem. Na verdade, estou no meu intervalo de almoço. Comecei a trabalhar n’O Pasquim semana passada!

— Ah. Legal. — Mas Severus não parecia muito feliz com a novidade. — Você, hum- você está sozinha? Porque eu estou, então, se você quiser pode se juntar a mim e-

— Não, na verdade! Vim encontrar um amigo para almoçar. — Lily sorriu de forma apologética, mas sentiu o peito apertar levemente ao observar a tristeza surgir na face do garoto. A verdade é que, embora Severus fosse um de seus amigos mais antigos, eles haviam se tornado pessoas muito diferentes com o passar dos anos. E, agora que não mais compartilhavam um curso na faculdade ou uma mesa de trabalho, possuíam quase nada em comum. Ainda assim, Lily se sentiu culpada por fazê-lo triste, portanto rapidamente adicionou: — Quer se juntar à nós? Tenho certeza de que Sirius não se importaria!

Parecendo incerto, Severus assentiu com a cabeça, indicando para a garçonete que era para levar seu pedido para a mesa para onde Lily os estava encaminhando.

Foi só quando chegou lá e percebeu a expressão no rosto de Sirius, que Lily pensou que talvez convidar Snape para almoçar com eles não tivesse sido uma boa ideia. Afinal ambos os garotos tinham a distinta mania de se comportar como algum tipo de macho alfa quando estavam enciumados. E, pela expressão em seus rostos, era exatamente o que ela estava prestes a presenciar.

— Hey, Sirius. Esse é o Severus, meu amigo de infância. Nós estudamos juntos em Hogwarts e trabalhamos por um tempo juntos na PB também. — Lily disse, sorrindo enquanto sentava na cadeira ao lado de Sirius e beijava levemente sua bochecha.

— Hum, hey, Severus. — Sirius cumprimentou muito sem vontade.

— Olá. — Snape respondeu no mesmo tom nada amigável.

Lily quis gemer em frustração.

— Hum, mas então, Sev, você conseguiu aquela efetivação? — Ela perguntou, por fim, querendo quebrar o silêncio desconfortável que recaíra sobre eles.

Remexendo-se levemente em sua cadeira, Severus desviou o olhar nada amigável que estivera lançando para Sirius e sorriu para Lily antes de responder.

— Sim, Malfoy me efetivou pouco depois que você saiu. Ele disse que teria feito o mesmo com você se as coisas não... tivessem... acabado como acabaram. — Snape murmurou, sem jeito, olhando se Sirius para Lily antes de adicionar: — Você é o filho do Órion, não é? Foi por sua causa que Lily foi demitida?

— Não. Ela foi demitida porque meu pai é um porco homofóbico. — Sirius respondeu, cortante, mas Lily pode perceber a leve culpa em seu olhar.

Bufando, irritada, Lily voltou-se para Severus.

— E eu teria xingado qualquer homofóbico por agir daquele modo, sendo ele o CEO da Pure Blood ou não. — Ela adicionou, seca. — Foi um favor que ele me fez ao me demitir, na verdade. O Pasquim pode não ser muito grande, mas tem um ambiente de trabalho muito melhor. — E, dizendo aquilo, Lily puxou o menu, claramente encerrando o assunto.

A garçonete se aproximou, quebrando o clima tenso que pairava sobre eles. Lily e Sirius fizeram seus pedidos e, diante da perspectiva de comida, o garoto parecia ter ficado mais relaxado.

— James não pôde ficar-

— Ah, sim, eu encontrei com ele na saída. Ele me disse que precisava ajudar o pai dele com uma palestra. — Lily comentou de forma conversacional, mas só a lembrança do garoto a beijando antes de ir embora fez com que suas bochechas esquentassem novamente. — Vamos marcar alguma coisa outro dia, assim ele não fica com aquela cara de cachorrinho triste que eu tenho certeza de que ele aprendeu com você.

— Oh, então vocês vão marcar alguma coisa outro dia? — O tom provocativo de Sirius fez com que ela corasse ainda mais.

Lily estava prestes a abrir a boca para mandá-lo à merda, quando Severus (quem ela havia completamente esquecido que ainda estava ali), a interrompeu.

— James? Você está namorando um cara, Lily? — A incredulidade praticamente escorria de suas palavras.

Mais uma vez, Lily foi interrompida antes de poder responder, desta vez por Sirius.

— E qual o problema se ela estiver? — Sirius perguntou, o tom de voz baixo, indicando que qualquer bom humor que tivera nos últimos minutos havia evaporado.

— Qual o problema-? — Severus soltou uma risada sem humor antes de rolar os olhos para Sirius. — Não foi para você que perguntei. — E então voltou-se para Lily, uma sobrancelha arqueada em questionamento.

Lily estava prestes a responder que é claro que não estava namorando um cara, mas a expressão de Severus estava tão incrédula e ofendida que, ao invés disso, o que saiu da boca de Lily foi uma réplica do questionamento de Sirius.

— Qual o problema se eu estiver? — Ela pode ouvir a risada rouca de Sirius, mas decidiu ignorá-lo, focando na coloração avermelhada que tomou conta das bochechas de Severus, um claro sinal de irritação.

— Então você está namorando um cara. — Severus não parecia acreditar nas próprias palavras.

— Qual. O. Problema? — Ela repetiu, sentindo a própria irritação fazer sua aparição, embora não soubesse o que diabos estava acontecendo ali ou porque estava de repente tão incomodada por conta da reação de Snape.

— Eu- Lily! — Severus passou uma mão pelo rosto, afastando os cabelos negros para longe. — Você lembra do sofrimento que fez seus pais passarem? Tudo o que eles tiveram que aguentar quando você decidiu ser lésbica? Só para agora, anos depois, você decidir que a fase acabou e que vai namorar um cara?

E, uau, apenas uau. Lily definitivamente não vira aquilo vindo. Nem pensar. De todas as coisas que poderia imaginar, de todas as respostas que esperava receber, aquela não era uma delas.

— O sofrimento dos meus pais? — Lily repetiu, sentindo a voz aumentar em volume, mas não conseguiu se importar. E daí que outras pessoas a ouvissem? E daí que a expulsassem do restaurante? — Os pais que me expulsaram de casa aos catorze anos no meio de uma noite chuvosa? Os pais que me impediram de ver minha irmã por anos e que a envenenaram tanto contra mim que ela simplesmente finge que eu não existo? Os mesmos pais que me humilharam em frente de toda a escola porque eu cometi o crime de beijar a minha namorada na hora da saída? — Ela soltou uma risada cheia de veneno, percebendo os olhos escuros do garoto se arregalarem por conta de sua reação. — Isso nunca foi uma fase, Snape. Isso é quem eu sou. E eu gosto de garotas. E eu não estou namorando um cara. Mas se, por algum acaso, eu decidir que quero namorar um, isso não vai ser uma fase, vai ser porque eu quero e porque eu posso. — Lily fechou os olhos por alguns instantes, respirando profundamente algumas vezes antes de voltar a abri-los e encarar Snape com o olhar mais frio que conseguia reproduzir. — É melhor você ir embora, Snape.

— Lily, eu-

— Você ouviu a ruiva, babaca: dá o fora! — Sirius praticamente grunhiu e a raiva em sua expressão era tanta que Snape não pensou duas vezes antes de se afastar.

Lily o observou ir embora, paralisada. Assim que a porta fechou atrás do garoto, ela sentiu como se toda a raiva esvaísse de seu corpo, dando espaço para um vazio gigantesco e uma incerteza arrasadora que havia dias estava tentando evitar, mas que, agora que Snape fora lá e apontara, era simplesmente impossível de não notar, de não deixar entrar e tomar conta de todos os recônditos de sua mente.

Porque não podia ser, não podia ser...

— Lily? — A voz de Sirius interrompeu seus devaneios e, piscando algumas vezes para se situar, Lily voltou-se lentamente para ele, percebendo que havia um prato de comida à sua frente e que ela não fazia a menor ideia de quanto tempo aquilo estivera ali. Ou de quanto tempo Sirius estivera tentando chamar sua atenção.

— Ah, eu- — Franziu o cenho, o coração acelerando dentro do peito, olhos ardendo por conta de uma inexplicável vontade de chorar. — Eu preciso ir, Sirius. Desculpe, eu- eu pago para você depois, okay? — E, sem esperar por uma resposta, Lily se ergueu da mesa e se afastou em direção à saída sem olhar para trás, sentindo a respiração acelerar e o vazio aumentar ainda mais dentro de seu peito.

—---

Quando chegou em casa, horas depois, foi para encontrar todos os moradores & cia (aka James Potter e Remus Lupin) sentados no sofá da sala, assistindo Iron Man. Sorrindo fracamente para todos em cumprimento, Lily encaminhou-se rapidamente para as escadas, pretendendo seguir direto para o banho e depois para a cama, pois não possuía qualquer vontade ou energia de tentar interagir com quem quer que fosse.

É claro que, com a sorte dela, James decidira que era um bom momento para segui-la até seu quarto, seus olhos castanhos cheios de simpatia e – oh meu Deus, ela sabia que Sirius deveria ter contado para ele sobre o ocorrido. Afinal, Sirius Black Não Guardava Segredos De James Potter™.

— Ugh. — Lily grunhiu, irritada, mas não trancou a porta do quarto quando passou, deixando claro que o garoto poderia entrar (mesmo que sua expressão indicasse que não queria que o fizesse). Ela conhecia batalhas perdidas quando via uma e Tentar Negar Qualquer Coisa Para James Potter Era Sempre Uma Batalha Perdida.

— Então... — James começou a dizer, recostando-se contra a porta de madeira enquanto a observava atirar a bolsa sobre a cama e depositar cuidadosamente a câmera fotográfica na escrivaninha. — Sirius me contou o que aconteceu hoje.

— É claro que ele contou. — Lily rolou os olhos, bufando antes de sentar na cadeira em frente à escrivaninha, suspirando, infeliz, ao girar para encará-lo. James sorriu apologético antes de se aproximar lentamente, sentando na beirada da cama de modo a ficar de frente para ela.

— Então, hum, esse tal de Snivellus era seu-

— Severus! — Lily corrigiu, rindo à contragosto por conta do nome estúpido que Sirius certamente havia inventado para se referir ao garoto.

— Certo, esse daí. — James adicionou, divertido. — Sirius disse que vocês eram amigos?

— Uhum. — Lily concordou, não muito animada para falar sobre o ocorrido.

James a observou por longos instantes antes de adicionar:

— Eu sinto muito pelo que ele disse, Lily.

— Não precisa sentir. Não foi sua culpa, James. — Ela disse e então passou a mão pelos cabelos, gemendo em frustração ao sentir a irritação voltar a crescer ao lembrar do ocorrido.

— Eu sei que não é, mas ainda assim, foi injusto. — O garoto disse e então se inclinou levemente em direção a ela, puxando suas mãos contra as dele. Lily lutou contra o impulso de estremecer diante da sensação de tê-lo tão perto e a tocando. — Não sei muito do seu passado e sei que existem muitas lembranças lá que são dolorosas, mas conheço você agora e sei de todas as coisas incríveis que você fez por todas as pessoas que você ama. Sei do quanto você lutou para conseguir auxilio para a Alice fazer a cirurgia de redesignação. Sei das inúmeras palestras que participou e estudos que você fez a fim de compreender melhor os espectros de Dorcas e Peter e, assim, poder oferecer ajuda e conforto para eles. Sei de como você protege essa casa, luta por ela. Sei que você defendeu Sirius, que era um completo estranho, porque você é incapaz de ver uma injustiça sendo feita e não se posicionar contra isso. — Os olhos do garoto a fixavam com tanto carinho, tanta afeição que era difícil para Lily não chorar. Ela tentou mesmo assim, é claro, segurando as lágrimas o máximo que podia. — Você não é uma fase, você não é uma letra. Você é incrível. E qualquer pessoa que tente te dizer o contrário, que tente te invalidar, não merece a sua atenção. — Dizendo isso, ele acariciou as mãos de Lily rapidamente com os próprios dedos, apertando-a levemente antes de as largar e erguer-se da cama.

Esticando-se para bagunçar os cabelos dela da forma como ele sempre fazia e que sabia que ela odiava, James sorriu antes de se encaminhar para a porta e sair do quarto.

Lily perdeu a conta de quanto tempo ficara ali, sentada, observando o local por onde ele havia desaparecido, tentando controlar não apenas as lágrimas, mas também as batidas do próprio coração.

[4 – JAMES POTTER: OS RISCOS DE TER O MELHOR AMIGO DE SIRIUS BLACK POR PERTO]

Se ter Sirius Black em sua vida era algo perigoso, ter James Potter por perto poderia ser considerado quase como estar exposta à alto teor radioativo sem qualquer dispositivo de proteção.

Lily percebeu, tarde demais, que deveria ter se preocupado mais em construir barreiras contra o charme do garoto ao invés de focar apenas em minar o poder de Sirius sobre ela.

Mas, como ela constatou anteriormente, era tarde demais e, em um piscar de olhos, o tamanho de tempo que James Potter ocupava na vida de Lily Evans havia tomado proporções assustadoras. E, o pior de tudo, era que ela sabia que era fraca demais para negar a ele o que quer que fosse.

James mandaria mensagens nos horários mais impróprios, comentando sobre o tempo, notícias, músicas, filmes ou mandando fotos de garotas bonitas porque ele dizia que, desde que Sirius começara a namorar, nunca mais conseguira utilizar seus talentos como “casamenteiro”.

Usando essa mesma desculpa, alguns dias ele a encontraria na saída do trabalho e a levaria para bares em diferentes pontos da cidade, apresentando Lily para as mais diversas pessoas, fazendo questão de incluí-la nas conversas e fazer com que ela se sentisse à vontade. No final da noite, apesar dos protestos de James, dizendo que ele dera o melhor de si e que Lily era uma pessoa muito difícil, os dois esqueceriam completamente os motivos de estarem em tais bares para começo de conversa, esqueceriam dos supostos talentos casamenteiros de James e se preocupariam apenas em jogar assunto fora, beber e rir de qualquer bobagem.

Em outros dias, James também a encontraria na saída do trabalho, com um café na mão e um sorriso no rosto, e então Lily o acompanharia até o estúdio onde seu grupo de dança ensaiava – e onde James trabalhava como professor de dança em tempo parcial – e o observaria fazer vários daqueles movimentos que o corpo de Lily sentia dor apenas de ver, rindo enquanto conversava com alguns dos colegas do garoto.

Eram dias felizes. E provavelmente alguns dos favoritos de Lily. E, por conta disso, Lily deveria ter se dado conta de que algo ruim estava prestes a acontecer, porque como tudo na vida dela: nada que era bom durava por muito tempo.

—---

Era uma sexta como outra qualquer, mas, ao invés de mais uma Sexta Em que Lily e James Brigam Para Decidir o Filme Enquanto Os Moradores Da Queer House & Remus Observam Comendo Pipoca™, James decidira levá-la para uma balada.

Sirius, Remus, Marlene, Dorcas, Alice e Frank haviam decidido ir ao cinema a fim de fazer o que quer que casais fizessem quando estavam juntos; Peter estava concluindo um trabalho muito importante, o que significava que ninguém havia visto ou ouvido o garoto pelos últimos dois dias exceto nos momentos em que ele xingaria o computador alto o suficiente para que todos suspirassem aliviados ao perceberem que ele ainda estava vivo.

O que significava que James e Lily estavam sozinhos e sem planos em plena sexta-feira (afinal, brigar para assistir filmes sem ter alguém para intervir e escolher por eles não parecia muito divertido).

Isto é, até que, é claro, James decidiu fazer o que sempre fazia quando estava entediado: Arrastar Lily Evans Por Todos Os Seus Lugares Favoritos™.

E fora assim que acabaram no meio de uma pista de dança atulhada – James rindo de Lily e Lily tentando não matar ninguém com seus passos de dança totalmente descompensados. Era uma noite incrível, na verdade. A música era boa, as pessoas eram divertidas e Lily bebera o suficiente para começar a flertar com todo e qualquer ser humano do sexo feminino à sua volta.

James parecia estar tendo o tempo de sua vida, observando-a fazer garotas corarem, apontando cantadas em seu celular para “posteridade” e dando notas para o desempenho de Lily, avaliando charme, inovação, criatividade e execução.

Ele havia acabado de comentar sobre o seis (SEIS!, a audácia) que Lily obtivera na última rodada, explicando o motivo pelo qual recebera uma nota tão baixa – aparentemente Lily não prestara atenção o suficiente na garota, mas como ela poderia quando James Potter estava a apenas alguns metros de distância, rindo da cara dela e fazendo caretas, desconcentrando-a completamente? – e foi quando ela a percebeu.

Mary Macdonald. Uma das integrantes mais legais e interessantes do grupo de dança de James.

Ela estava parada próxima a um dos pilares e seus olhos estavam fixados em James como os de uma predadora observando sua presa. Lily engoliu em seco diante da imagem à sua frente e, ignorando o sentimento desconfortável que tomou conta de seus instintos, acotovelou James, indicando a garota com os olhos.

James voltou-se para o local que ela estava indicando, cenho franzido em confusão. E então ele a viu e um sorriso malicioso surgiu automaticamente em seus lábios.

Lily sentiu o peito apertar e, oh. Oh.

— Eu vou pegar alguma coisa para beber. — Ela disse, forçando sua voz de modo que ela soasse divertida. Era uma sorte que a música estivesse tão alta e que James não a estivesse observando, porque ela não tinha dúvidas de que ele seria capaz de perceber o modo quase doloroso com o qual Lily tentava manter uma fachada calma. — Espero que tenha aprendido alguma coisa comigo, Jovem Padawan. Minhas técnicas de conquista são impecáveis. Faça bom uso. — E, sem esperar por uma resposta, sem querer uma resposta, deu as costas para James, caminhando rapidamente em direção ao bar e pedindo uma garrafa d’água para o barman que a encarava preocupado.

— Tem certeza de que não vai vomitar? — Ele perguntou no momento em que depositou a garrafa em frente a ela, observando a coloração quase esverdeada do rosto da garota.

Sorrindo fracamente, Lily rolou os olhos.

— Eu estou bem. — Disse, embora não soasse convincente. — Eu estou bem. — Repetiu e, ainda assim, sabia que não era verdade.

Tentando focar os pensamentos apenas na garrafa logo à sua frente, Lily desenroscou a tampa e tomou longos e demorados goles do líquido, fechando os olhos enquanto a música soava ao seu redor, alta, dançante, alegre – nada daquilo parecia fazer sentido para ela.

E, porque sabia que não aguentaria muito mais – ou talvez porque fosse masoquista – Lily voltou-se lentamente na direção da pista de dança, temendo o que encontraria. Temendo o que sentiria.

E, ah.

Lá estava.

James parecia ter trabalhado bem o suficiente com suas habilidades de flerte, pois se encontrava naquele momento no meio da pista de dança junto da menina que o estivera observando.

E a garota era simplesmente perfeita: seus grandes olhos de um castanho quase dourado, sua pele cor de ébano, seus cabelos crespos e brilhantes balançando enquanto dançava de acordo com a batida da música. Seu sorriso. Observá-la na pista de dança era uma experiência de adoração quase religiosa. Mary era tudo o que Lily amava em garotas. Mary tinha tudo dos sonhos lésbicos mais profundos de Lily e mais, muito mais. E era por conta disso que não conseguia entender o que diabos estava acontecendo. Porque, naquele momento, Lily queria ser Mary. Queria estar em seu lugar, ser aquela na pista de dança, balançando e sorrindo para o garoto absurdamente lindo à sua frente.

Porque, pela primeira vez em toda sua vida, Lily queria beijar um garoto. Lily queria beijar James Potter.

No mesmo instante que tal pensamento cruzou sua mente, Lily largou a garrafa sobre o balcão e praticamente correu para a saída, sabendo que James se preocuparia com o seu sumiço, mas não conseguiu se importar porque, naquele momento, tudo o que ela mais queria era voltar para casa, se trancar em seu quarto e-

Chorar.

Porque o sentimento que a estava tomando, a forma como sua pulsação aumentara, como seus pulmões doíam, como sua cabeça girava, ah... ela reconhecia bem tais sensações. Reconhecia porque já as sentira antes.

Talvez não tão forte e não tão rápido, mas sim, ah, ela sabia: seu coração estava quebrando.

E, em sua fúria levemente embriagada, Lily sabia exatamente quem ela culparia por conta de tal desfecho.

—---

— Isso é sua culpa! — Lily disse assim que adentrou a sala e bateu com a porta atrás de si, deparando-se com os três casais já em casa. Lágrimas de raiva quase transbordavam de seus grandes olhos verdes enquanto apontava um dedo acusador em direção ao garoto que a observava, pego de surpresa, do local onde estava sentado no sofá.

— Olha, ruiva- — Ele começou a dizer, cenho franzido em confusão. — Isso é algo que você tem dito muito ultimamente. E, tipo, eu entendo que na maior parte dos casos você tem razão, mas... poderia explicar sobre o que, exatamente, está falando agora? — Indagou e, para a completa exasperação da garota, seus olhos cinzentos brilhavam levemente, como se estivesse achando graça.

— Vá para o inferno! — Ela retorquiu, a voz rouca e trêmula por conta da raiva.

Respirando fundo e se afastando da porta, sabendo que acabaria cometendo um crime de ódio se continuasse perto dele por mais alguns instantes, caminhou furiosamente em direção às escadas, pisando com força enquanto sentia a raiva e frustração borbulharem dentro de si.

— Lily, o que- — Alice, que estava descendo para a sala, indagou com preocupação ao perceber a expressão estampada em sua face.

— Cuidado, Allie, ela pode acabar te mordendo. — A voz divertida de Sirius soou mais uma vez, fazendo com que a (pouca) compostura de Lily praticamente evaporasse. Voltando-se para encará-lo, punhos cerrados enquanto sentia a raiva atingi-la em ondas, precisou de todo o controle que tinha (que também era muito pouco) para não correr até onde o garoto estava e socá-lo.

— VÁ. PARA. O. INFERNO. SIRIUS. BLACK! — Berrou e então sentiu as lágrimas finalmente escaparem de seus olhos, o que fez com que a diversão desvanecesse da expressão de Sirius, deixando apenas preocupação em seu lugar.

Antes que alguém pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, porém – e quase sem enxergar por conta da vista embaçada das lágrimas –, Lily afastou a mão de Alice, que tentara a confortar, e voltou a subir os degraus, correndo para o próprio quarto logo em seguida.

Escorregando pela madeira da porta que acabara de fechar até estar deitada no chão – agindo como se fosse uma mocinha estúpida em um daqueles filmes de romance clichê – Lily soluçou, sentindo as lágrimas banharem suas bochechas, pescoço e roupa, sua respiração tornar-se errática e seus gemidos tornarem-se cada vez mais estrangulados.

Porque ela não apenas estava com o coração quebrado.

Lily estava total e completamente apaixonada por James Potter.

Um garoto.

E era tão injusto que ela tivesse de passar por aquilo novamente. Tão injusto. Lily ainda lembrava de quão difícil fora quando seus pais a descobriram ainda na escola, beijando sua namoradinha Emmeline Vance. Lembrava de como sentira medo, de como se sentira sozinha, de como se odiara. De como tentara mudar, tentara fingir ser algo que não era para se encaixar.

Lembrava de como chorava todos os dias antes de dormir, de como estivera tão perto de desistir... até que sua avó estendeu sua mão e ofereceu a ela todas as coisas que ela precisava. Ofereceu amor, segurança. Um lar.

E agora, anos depois de ter passado por tudo isso, Lily se encontrava tendo mais uma crise de sexualidade. Mais uma crise de personalidade. Mais uma crise de ansiedade.

E foi assim que ela terminou ali naquele quarto, após chorar e gritar e descontar sua raiva em Sirius, embora soubesse que, mesmo tendo um estudo de caso cheio de motivos (falsos) para odiá-lo, ele não tinha qualquer culpa naquela situação.

Porque ele não podia controlar como ela se sentia. Deus, nem mesmo ela conseguia controlar como se sentia!

Soltando o celular sobre a cama, Lily deitou-se contra os travesseiros, sentindo-se estranhamente vazia.

Ela sabia que precisava se desculpar. Sabia que precisava responder as inúmeras mensagens que recebera de James perguntando onde diabos ela estava, mas Lily estava cansada, tão, tão exausta.

Antes que pudesse pensar muito mais, seus olhos começaram a pesar e, poucos minutos depois, estava dormindo.

[+1]

Lily acordou com a maior dor de cabeça do mundo. Seus olhos estavam extremamente inchados, seu nariz continuava vermelho e ela se sentia um lixo.

O peso na consciência pelo que havia dito à Sirius no dia anterior era grande demais para que pudesse ignorar, mas, conhecendo o garoto bem o suficiente, sabia que ele não a perdoaria tão fácil – não porque ele estivesse bravo com ela, mas porque provavelmente concordava com todas as merdas que ela dissera.

E que não eram verdade.

Gemendo, Lily se ergueu da cama e foi direto para o banheiro, ligando a água no quente e deixando-a cair por seu corpo, desmanchar os nós das suas costas e lavar um pouco da tontura que ainda sentia por conta de tudo o que bebera na noite anterior.

E, por falar na noite anterior...

— Merda. — Lily gemeu, sentindo-se estremecer ao lembrar do que acontecera na balada. Na realização que a atingira ao observar James Potter e Mary Macdonald na pista de dança.

Por um momento inconsequente, a mente de Lily vagou por caminhos dolorosos e ela se perguntou se eles teriam se beijado. Ela se perguntou se eles teriam decidido ir para casa dele ou da dela. Se James pensara em Lily enquanto a tocara, enquanto a-

— Ugh, cale a boca, cale a boca — Ela resmungou com os próprios pensamentos, sentindo as bochechas esquentarem e o peito apertar mais uma vez. — Você precisa focar em uma coisa de cada vez, Lily Evans. No momento, o principal é se desculpar com Sirius. Você pode se preocupar com sua crise bissexual depois. — E dizendo isso em voz alta pareceu ajudar. Respirando fundo, começou a lavar o cabelo, esfregou o corpo e saiu. O rosto ainda estava inchado e o nariz ainda estava avermelhado, mas Lily sabia que todos os moradores estavam cientes do surto que ela tivera no dia anterior.

E, de qualquer forma, todos eles já a haviam visto em momentos piores.

Ou, bem, quase.

Após se vestir e pentear os cabelos, Lily sentou em sua escrivaninha, puxou seu notebook e abriu o PowerPoint.

Ela tinha um trabalho para fazer.

—---

Uma hora depois, sentindo-se mais nervosa do que quando apresentara seu verdadeiro trabalho de conclusão de curso, Lily finalmente saiu do quarto, o coração acelerado e o peito angustiado. Ela sabia que sua ideia poderia dar muito errado, mas era tudo o que tinha.

E, conhecendo Sirius bem o suficiente, talvez ganhasse pontos de criatividade por causa daquilo (e quem sabe isso facilitaria o seu pedido de desculpas).

Subindo os degraus para o sótão – o local que Sirius escolhera em detrimento do quarto de hospedes que ainda estava vago e muito atulhado com um pouco de coisa de todos os moradores – Lily respirou fundo algumas vezes antes de bater na porta (tendo mandado uma mensagem para Marlene perguntando se Sirius estava em casa e recebendo um “no sótão”, seguido de “é bom você arrumar essa merda” como resposta).

Longos minutos se passaram sem resposta. Bufando, Lily bateu novamente.

— Vá embora, Lily. — A voz rouca e mal-humorada de Sirius a respondeu.

— Huh, ei, Sirius... Hum, como você sabe que sou eu?

— A única pessoa que consegue tropeçar tantas vezes nos mesmos degraus todas as vezes é você, Evans. — Ele resmungou, soando irritado.

— Ah.... — Lily sentiu as bochechas esquentarem. — Você vai me deixar entrar?

— Não.

— Mesmo se eu disser que quero me desculpar por todas as merdas que disse ontem?

— Mesmo assim.

— E se eu disser que quero entrar porque tenho um estudo de caso para apresentar? Eu trouxe os slides. — Lily comentou, por fim, sentindo o coração acelerar ainda mais ao não receber uma resposta imediata.

Após o que pareceram ser anos no deserto, sem água e qualquer previsão de sair, passos se aproximaram da porta muito, muito lentamente.

— Esse estudo de caso... está impresso? — Sirius perguntou e o som de sua voz estava muito mais claro agora que estava mais perto. Lily sentiu os olhos marejarem automaticamente, um sorriso começando a surgir no rosto.

— Eu não tive tempo para isso já que concluí só essa manhã, mas eu tenho o arquivo no pendrive.

— Hum. — Mais silêncio e então... Sirius finalmente abriu a porta.

As lágrimas que Lily tentara tão firmemente evitar transbordaram de seus olhos no momento em que percebeu o estado do garoto. Olheiras profundas adornavam os olhos cinzentos que estavam mais escuros e inchados do que ela jamais os havia visto.

Sirius parecia ainda pior do que na noite em que Órion Black o socara. E, naquele dia, o garoto tivera um maldito vergão no olho. Saber que a causa de tamanha tristeza era culpa dela fazia com que sentisse vontade de vomitar.

— Oh meu Deus, me desculpe! — As palavras escaparam de sua boca antes que pudesse controlar. — Eu não quis dizer aquilo. Nada daquilo! Você não é a pior coisa que aconteceu na minha vida, Sirius. Você não tem culpa de nada que aconteceu e-

— Respire, Lily. — Puxando-a para um abraço, percebendo que ela estava prestes a ter um ataque de ansiedade, Sirius a apertou contra si, segurando-a até que sua respiração (e as malditas lágrimas) acalmou.

— Sinto muito. — Lily disse após o que pareceram longos minutos. Sua voz estava rouca e seus olhos ainda mais inchados que antes, mas Sirius não a estava chutando porta à fora, então ela ainda estava contando aquilo como vantagem.

— Hum. — Sirius comentou, finalmente se afastando dela, baixando seus olhos até que eles estivessem a encarando. — Você realmente fez um estudo de caso sobre mim?

Lily riu diante da incredulidade porque, sério, Sirius deveria saber que ela nunca brincava em serviço. Bêbada ou não. Principalmente se estivesse bêbada, na verdade.

Erguendo a mão onde o pendrive estava, sacudiu-o em frente ao garoto que prontamente o puxou de sua mão e praticamente correu até o outro lado do quarto onde sua escrivaninha estava.

— Estou muito curioso para saber o teor dessa pesquisa.

— Ah, você vai amar, sem dúvidas.

— É o que veremos, Evans. — Sirius rolou os olhos para ela, empinando o nariz arrogantemente antes de empurrar o notebook para ela. — Eu sou muito difícil de conquistar e, como o único integrante de sua banca avaliadora, devo salientar que vou ter muitas perguntas durante sua apresentação.

— Um trabalho bom é um trabalho que gera questionamentos e vontade de aprofundar o conhecimento no assunto. — Lily respondeu prontamente, recebendo uma almofada no rosto como resposta.

Ela sorriu, sentindo-se muito mais leve do que minutos atrás. E, pelo brilho que havia nos olhos de Sirius, ela sabia que o garoto sentia o mesmo.

—---

Então, Lily havia feito a melhor apresentação de um trabalho científico de toda sua vida e conseguira o perdão de Sirius Black de volta – o que, se alguém lhe perguntasse, era muito melhor do que qualquer nota dez em um TCC, muito obrigada.

Mas aquele não era o único problema de Lily.

Oh, não.

— Eu estou apaixonada pelo James. — Lily gemeu, mais tarde naquele sábado, atirada sobre a própria cama, chafurdando em seu desespero enquanto suas entranhas reviravam somente ao pronunciar tais palavras. — Não sou lésbica, Sirius. Minha vida foi uma mentira, pois aparentemente sou bissexual.

— Ou talvez você apenas seja jamessexual, sabe. Não julgo você, ele é realmente atraente. Eu sou jamessexual. — Sirius comentou, muito divertido com a admissão para o gosto de Lily. E nada surpreso.

Ela grunhiu, irritada.

— Desde quando você sabe?

— Deixa eu pensar... — Sirius colocou uma mão sobre o queixo, fingindo pensar. Babaca. — Desde a primeira vez que te vi falando com ele no telefone? Só para confirmar minha suspeita na primeira vez em que vi vocês dois no mesmo quarto, é claro. Você pode vir com toda aquela baboseira de “crush fotográfico” e blábláblá, mas nenhum ser humano cora tanto ou perde tanto o fio de pensamentos toda vez que a pessoa sorri ou respira se não houver um crush verdadeiro envolvido.

Sentindo até as pontas das orelhas esquentarem, Lily jogou uma almofada na direção do garoto, odiando-o por conhece-la tão bem.

— Ugh. E porque você não me disse nada?

— Porque eu achei que você precisava assimilar tudo no seu próprio tempo. Sem falar que era muito engraçado te ver por aí agindo como se fosse super lésbica enquanto fazia olhinhos de coração para o James toda vez que ele brigava com você para escolher o filme.

— Eu te odeio. — Lily gemeu, sentindo-se estremecer ao ouvir “olhinhos de coração” na mesma frase que “James”.

— Eu pensei que tínhamos discutido sobre isso e chegado à conclusão de que você, na verdade, me ama. — Sirius sorriu vitorioso para ela.

— Vá à merda.

— Também te amo, Lily. — Ele deu com a língua para ela, fazendo-a bufar. — Ei, espere um segundo!

— O quê? — Lily indagou, preocupada com a súbita mudança na expressão do garoto.

— Você não tinha dito que só namorou garotas por toda a sua vida? Que seu primeiro beijo, inclusive, foi com a sua primeira namoradinha. E que vocês ficaram por quatro anos juntas?

— Hum... sim? — Respondeu, sem saber exatamente onde Sirius pretendia chegar com aquela linha de questionamento.

O garoto arregalou os olhos.

— Isso quer dizer o que eu acho que quer dizer? — Sua voz soava tão incrédula quanto sua expressão.

— Se você me disser o que você acha que quer dizer, talvez eu possa responder a sua pergunta sem sentir como se minha cabeça estivesse prestes a explodir. — Lily rolou os olhos para ele, recebendo mais uma almofada no rosto como resposta.

— Você é virgem?

— O que- não! — Lily sentiu a mortificação atingi-la como uma parede de tijolos. — É claro que eu não sou virgem! Eu namorei por anos lembra? E eu tive muita experiência além disso também.

— Eu estou falando de paus, Lily querida. — Sirius rolou os olhos para ela, mas sua expressão continuava curiosa. — Você já transou com um cara?

— Oh meu Deus, Sirius! Eu acabei de chegar à conclusão de que não sou lésbica. E eu só tive relacionamento com mulheres. É claro que eu nunca transei com um cara. — Lily quis se enterrar por admitir tal coisa, mas a forma como Sirius empalideceu fez com que ela se erguesse imediatamente, preocupada com a saúde do garoto.

— Talvez esteja na hora de termos A Conversa. — Ele disse e então se empertigou, claramente se preparando para fazer um discurso sobre DST’s e sexo seguro para Lily.

— Sirius, cale a boca. Sério. Independentemente de eu ter namorado apenas mulheres e transado apenas com mulheres, ainda assim, eu não sou virgem.

— Eu sei, Lil’. Eu não estou querendo invalidar as suas experiências, nem nada disso. Me desculpe se pareceu assim. — Sirius adicionou, um pouco mais sério. — Eu só quis dizer que você nunca transou com um garoto. E isso é diferente. E, talvez, seja bom você falar com alguém sobre essa experiência. — E, sorrindo de forma marota, adicionou: — E esse alguém pode ser eu.

Sentindo como se fosse morrer de vergonha a qualquer instante, Lily retornou a almofada para a cara do garoto e cobriu a cabeça com as cobertas.

— Vá embora, Sirius. Pelo amor de Deus, suma daqui e nunca mais fale sobre isso comigo. Na verdade, se quiser, pode até fingir que nós nunca nos conhecemos, apenas... vá embora. — Lily grunhiu, a voz abafada por conta das cobertas.

 

Ela ouviu os passos do garoto e então sentiu suas mãos puxarem as cobertas de cima dela. Ao erguer os olhos para encará-lo, irritada, deparou-se com um sorriso maroto em resposta.

— Não pense que você vai fugir de mim, mocinha. — Ele brincou, fazendo-a gemer em horror. Gargalhando, bagunçou os cabelos dela do jeito que ela odiava e voltou até a escrivaninha. — Ei, você se importa se eu ficar com isso? — E indicou o pendrive onde ela havia colocado o arquivo e o slide. Lily assentiu sem se importar, porque tudo o que queria naquele momento era ficar o mais longe possível de Sirius Black, obrigada. — Obrigado. — O garoto agradeceu e então aproximou-se novamente, beijando-a testa antes finalmente de se encaminhar para a porta e sair.

Amém.

Foi somente horas mais tarde que Lily se perguntou (e se preocupou) com o motivo pelo qual Sirius poderia querer o pendrive.

—---

A resposta para tal pergunta chegou dois dias depois na forma de James Potter a esperando na saída do trabalho.

Ela estivera o ignorando e tinha plena consciência de que não era a forma mais madura de agir, mas Lily não sabia exatamente como reagir ao descobrir que era bissexual e que estava possivelmente apaixonada pelo garoto que, até então, parecia a encarar apenas como amiga.

Além do desconforto de ter de admitir tal coisa sobre sua sexualidade para ele, Lily também ficara muito assustada diante a possibilidade de acabar o afastando. E perder James não estava dentre suas opções. Ele era especial demais, querido demais para que simplesmente saísse de sua vida por conta de algo tão estúpido como uma paixão, por favor.

Mas, aparentemente, ele não parecia estar com paciência para esperar até que Lily estivesse pronta. Pelo olhar do garoto, ele parecia um soldado prestes a ir para a batalha. Contra ela. E, oh, Deus, ela só esperava que os dois saíssem intactos de todas as explosões que ela tinha certeza que estavam por vir.

— Hey. — Ela o cumprimentou, sem jeito, não sabendo exatamente como reagir.

James arqueou uma sobrancelha, um sorriso irônico tomando conta de seus lábios.

— Ah, então você não vai me ignorar agora? — Perguntou, sarcástico e, okay, tudo bem, Lily sabia que merecera aquilo.

— Olha, James, me desculpa, tudo bem? — Ela disse, por fim, e então suspirou, erguendo as mãos para afastar os cabelos do rosto, sentindo-se inquieta diante do olhar de escrutínio que ele lhe lançava. — É só que... huh, merda. A verdade é que aconteceram algumas coisas-

— Eu sei, Lily. — Ele a interrompeu e havia tanta intenção nas palavras dele, que Lily franziu o cenho, confusa.

— Você... sabe? — Indagou, encarando-o com uma sobrancelha arqueada. — Sabe o que exatamente?

— Eu sei, Lily. E eu queria dizer que me sinto horrível, porque nunca foi minha intenção te machucar e-

— Uau, espera um minuto. — Lily franziu o cenho para ele, totalmente perdida. — Do que diabos você está falando?

— Ora do quê, Lily! De você ter me visto com a Mary naquele dia. Eu vi a sua expressão quando você foi para o bar, tudo bem? E eu te conheço, eu soube no mesmo instante que você estava incomodada! E eu não pretendia ir até ela ou chamá-la, mas você deu as costas e eu imaginei que talvez eu pudesse ajudar a, você sabe, usar meu super talento como casamenteiro ao seu favor. Então fui até a Mary e a convidei para dançar enquanto conversava com ela. Mas, quando virei para te encontrar a fim de explicar o que tinha acontecido, você não estava mais lá! E não atendeu minhas ligações ou respondeu minhas mensagens! — James passou as mãos pelos cabelos, bagunçando-os, seu semblante era uma máscara de preocupação. — Pensei que alguma coisa tivesse acontecido, Lily! Que alguém tivesse te sequestrado ou... eu não sei! Foi uma sorte Alice me ligar no momento em que você chegou em casa, perguntando o que diabos tinha acontecido. Ela parecia furiosa, mas eu só consegui sentir alívio porque você estava a salvo.

— Oh- — Lily sentiu as bochechas esquentarem, mortificada. Sequer pensara no que seu desaparecimento súbito poderia ter significado para James. Deus, ela era uma idiota. — Eu sou uma idiota. — Ela admitiu em voz alta e James assentiu em concordância. — Me desculpe, James eu- — Ela começou a dizer, mas então as palavras do garoto finalmente fizeram sentido em sua cabeça. Lily ofegou. — Usar seus talentos como casamenteiro ao meu favor? — Indagou, perplexa. — O que- do que diabos você está falando, James?

— Ora, que diabos? Eu sabia que estava interessada na Mary, Lily! E eu jamais iria tentar interferir em-

— Oh meu Deus! — Lily praticamente gritou, assustando alguns pedestres que passavam na rua, mas não conseguiu se importar porque James Potter era simplesmente ridículo. — Oh meu Deus!

— Hum... amém?

— Cale a boca, Potter! Você é... ugh! Você é um idiota! — Lily riu em escárnio, sem conseguir acreditar. Encarando-o por longos segundos enquanto se arrependia mais uma vez de todas as escolhas de vida que a levaram até aquele momento, respirou fundo antes de continuar: — Não era na Mary que eu estava interessada.

— Não era na Mary que- oh. — James começou a falar, mas então se interrompeu. Olhos arregalados, expressão incrédula.

Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa (manda-la à merda, talvez), porém, Lily prosseguiu:

— Eu tentei evitar, sabe? Fingir que nada estava acontecendo. Fingir que eu gostava de você da mesma forma que gosto dos outros garotos: apenas como amigos. Tentei ignorar a forma como meu coração idiota ficava acelerado quando você estava por perto e todas essas idiotices que o corpo humano faz quando tem esses... sentimentos. — Lily grunhiu a última palavra. — Mas é muito difícil, sabe? Porque você é tão... você. Com sorrisos e piadas e sempre cheio de animação e pronto para tentar me animar. E era só você chegar que tudo parecia iluminar (eu inclusive tentei checar com a câmera algumas vezes para ver se você não estava realmente causando alguma reação nas luzes, porque era muito... demais), e eu odiava me sentir assim porque- — Ela estremeceu, a voz diminuindo enquanto desviava os olhos dos castanhos esverdeados de James, observando o outro lado da rua movimentada, não querendo ver o que a expressão do garoto demonstraria diante das palavras que diria a seguir. — Eu odiava porque eu sempre tive certeza de quem eu era. Do que eu gostava. E, apesar de ter sido um inferno quando me assumi, isso sempre foi parte de quem eu sou. Sempre foi uma constante na minha vida, algo que me definia. Então, do nada, perceber que eu estava... gostando de um cara? Me parecia tão, tão errado.

— Lily-

— Olha, James, eu entendo se você não sentir o mesmo, okay? Nunca foi minha intenção fazer nada sobre isso, mas eu acho que você merece minha sinceridade. E não é justo esconder o que sinto de você, então, é isso. Aparentemente eu sou bissexual. Ou, talvez, jamessexual, mas isso é algo que Sirius inventou e eu acho honestamente ridículo, então-

— Lily! — James a chamou novamente, desta vez caminhando até ela e segurando-a pelos ombros, observando-a a parar de falar e a encará-lo. Havia um sorriso gigante em seu rosto e, por alguns instantes, Lily esqueceu de respirar.

— O... quê? — Ela perguntou, zonza.

— Eu disse “eu vou te beijar agora”, tudo bem? — Ele perguntou, arrancando mais uma vez qualquer resquício de oxigênio que o cérebro de Lily pudesse ainda ter.

Sem ter forças para juntar silabas e formar palavras, Lily apenas assentiu, porque Quando James Potter Diz Que Vai Beijar Você, Não Existe A Possibilidade De Dizer Não™.

O sorriso de James, se era possível, aumentou ainda mais antes de ele erguer uma mão para segurar o rosto de Lily, a outra encaixando-se atrás de sua cabeça, inclinando-a do jeito certo... e então eles estavam se beijando.

E Lily beijara antes, muitas e muitas vezes. E tivera muitos beijos incríveis em sua vida. Mas nenhum deles se comparava com a sensação de ter os lábios de James Potter sobre os dela. A forma como seu coração acelerou, como sua pele arrepiou com o contato. Como a temperatura aumentou à sua volta, como suas mãos agiram de forma involuntária, passeando pelas costas do garoto até afundarem-se em seus cabelos cacheados, bagunçando-os ainda mais...

James Potter Beijava Muito Bem™.

Quando finalmente se separaram – depois do que pareceu anos – ambos estavam ofegantes e sorridentes. James, inclusive, começara a gargalhar.

— Qual é a graça? — Lily perguntou após recuperar o fôlego, a zonzeira ainda muito forte, mas ela imaginou que teria de se acostumar com tal coisa, pois parecia ser o efeito que ele tinha sobre ela normalmente.

O garoto simplesmente balançou a cabeça, divertido.

— Você provavelmente vai querer me matar, mas, Lily, eu sabia. — Ele disse e então se aproximou, beijando-a rapidamente nos lábios antes de se afastar mais uma vez.

— Hum, não. Eu não me vejo tendo nenhum sentimento assassino para com você agora. — Lily arqueou uma sobrancelha, observando enquanto o garoto puxava a mochila das costas e a abria, apoiando-se num dos bancos de cimento próximos de onde estavam para procurar Deus sabia lá o quê. — O que você está fazendo? James?

Ele a ignorou, até que, por fim, puxou o que parecia várias folhas encadernadas e as esticou para Lily.

Ela sentiu sua boca abrir em um perfeito ‘o’ por conta do choque.

— Eu. Não. Acredito! — Lily disse, entredentes, sentindo a irritação atingi-la com força. — Você... como? — E então a realização surgiu. — Sirius! — Grunhiu, folheando o maldito caderno, observando sem conseguir acreditar as palavras que estavam impressas logo à sua frente. — Eu vou matar aquele idiota!

— Ei, ei! Sem assassinatos, por favor! Eu realmente gostaria de poder ficar com você sem precisar te ver através de visitas na prisão, sabe.

Ela decidiu ignorar a forma como as palavras “ficar com você” ditas por James faziam com que o interior de Lily se retesasse e estremecesse ao mesmo tempo e, ao invés disso, focar no fato de que, aparentemente, James Potter mentira para ela.

— Você mentiu para mim! — Lily apontou, incrédula.

Dando de ombros, apologético, James sorriu.

— Bem, eu achei que era uma vingança boa o suficiente depois de você me ignorar por todos esses dias.

— Uma vingança? — A audácia do garoto, honestamente. — Oh meu Deus! James Potter, eu odeio você!

— Hum, esse estudo de caso com muito referencial teórico e cheio de fatos irrefutáveis parece dizer o contrário. — James comentou, expressão séria. — E, sabe como é, sempre fui uma pessoa que confia em pesquisas científicas altamente qualifi- — Mas ele não conseguiu terminar, porque, naquele instante, Lily se jogou contra ele, puxando-o para mais um beijo, impedindo-o de prosseguir.

Ela percebeu que aquele era um método bastante efetivo a fim de cortar a arrogância do garoto ou sua linha de pensamento e anotou a dica mentalmente, pretendendo utilizá-la sempre que a necessidade surgisse (o que, ela tinha certeza, seriam muitas e muitas vezes por dia, hah).

— Huh? — James murmurou, confuso, quando finalmente se afastaram. Sua pele escura estava corada de um vermelho quase bordô e seus olhos castanhos pareciam dopados. Lily nunca o achou mais bonito do que naquele momento.

— Você estava dizendo o quanto me adorava e tudo o mais.

— Eu estava- hum, eu não lembro de ter dito nada disso! — O garoto pareceu se recuperar, mas Lily riu, beijando-o novamente, fazendo-o ofegar.

— Você estava totalmente dizendo isso.

— Hum. — James a observou por alguns instantes, olhos brilhantes e sorriso divertido. — Nah. Eu tenho certeza de o que eu disse foi “eu te amo” ou algo assim...

Ela iria morrer.

— Eu odeio você — Lily disse, embora as palavras não tivessem nenhuma força e ela estivesse, naquele exato instante, lutando contra algumas malditas lágrimas de emoção que surgiram em seus olhos ao ouvi-lo dizer aquelas três palavras.

— Devo lembrar da pesquisa em duas mãos contendo vários referenciais que refutam suas palavras?

— Eu realmente, realmente te odeio. — Lily grunhiu, mas então o garoto a puxou para perto, beijando-a profundamente mais uma vez e, huh, aparentemente aquele tipo de arma funcionava contra ela também, porque, quando finalmente se afastaram, ela não conseguia lembrar sequer o próprio nome.

— Eu te amo. — James murmurou novamente, desta vez contra os lábios dela. O coração de Lily descompassou, só para acelerar logo em seguida.

Ela tinha certeza de que nunca havia sido tão feliz.

— Eu também te amo. — Lily respondeu e então, porque a sua mais nova descoberta, também conhecida como jamessexualidade, permitia, o beijou novamente.

—---

Todas As Vezes Que Lily Evans Sofreu De Bi Panic Por Causa de James Potter E Tentou Culpar Sirius Black™

Um estudo de caso escrito por Lily Evans E REVISADO POR SIRIUS BLACK que tem como intuito apontar – baseado em fatos irrefutáveis – todas as vezes em que Lily tentou culpar Sirius por suas tentativas frustradas de disfarçar sua jamessexualidade.

 

SUMÁRIO

1 – BI PANIC NO AMBIENTE DE TRABALHO;

2 – COMO A JAMESSEXUALIDADE DE LILY FOI IMEDIATAMENTE RECONHECIDA NO ÂMBITO PESSOAL;

3 – SNIVELLUS E OS (INFINITOS) MOTIVOS DE ELE SER UM BABACA;

4 – JAMES POTTER: AS VANTAGENS DE TER O MELHOR AMIGO DE SIRIUS BLACK POR PERTO;

5 – DICAS DE COMO TER UMA VIDA SEXUAL (ENVOLVENDO PAUS - E DILDOS) SAUDÁVEL – COM PARTICIPAÇÃO ESPECIAL DE MARLENE MCKINNON E ALICE FAWCET.

 

 


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Notas finais do capítulo

okay, eu nem acredito que FINALMENTE postei essa história. minhas costas doem, meus dedos estão cansados. foram 19k (era para ser bem menos, mas, hey, existe uma emocionada aqui dentro), mas eu não poderia estar mais feliz com o resultado.

essa história foi, sem sombra de dúvidas, uma das que mais amei escrever (e eu a escrevi duas vezes haha), principalmente pelo fato de que, em tempos como esse, onde a autora dos livros que cresci amando acabou virando as costas para pessoas que merecem ser validadas, que precisam de apoio, é incrível e muito empoderador perceber que o fandom continua unido, forte, sempre reescrevendo, sempre adicionando, sempre lutando para trazer representatividade, amor, esperança.

é bom saber que sempre teremos um refúgio nas fanfics, lendo sobre nossos personagens favoritos e encontrando-os perto de casa, parecidos conosco, vivenciando situações nas quais muitas vezes nos encontramos na vida real (embora, é claro e muito infelizmente, sem um sirius black ou um james potter para chamarmos de mozão).

eu espero de coração que girl crush tenha alegrado pelo menos um pouquinho o dia de vocês. eu espero que tenha conseguido desenvolver um texto coeso, que tenha transmitido emoção, que tenha feito com que os leitores tivessem pelo menos alguns minutos para zoenar fora da realidade, para esquecer o caos que esse ano está sendo e, quem sabe, sorrir um pouquinho.

queria deixar meu agradecimento as meninas do Pride por serem incríveis e nos proporcionarem um mês cheinho de amor e de muita representatividade! foi uma HONRA fazer parte disso. uma HONRA estar encerrando isso ♥

e, para os leitores, recomendo que, se puderem, tirem um tempinho para ler as fanfics que outras tantas autoras incríveis postaram durante esse mês, porque elas estão MARAVILHOSAS (o link para o tumblr e o twitter do pride, onde todas as fanfics estão listadas, está no disclaimer da fic) ♥

hum, acho que era isso! espero que tenham gostado, amores! e, por favor, me contem, okay?

amo vocês ♥