Nefasto escrita por Ana Heifer


Capítulo 9
Visitas no Mar




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A essa altura, eu já estava desesperada. Andei por vários minutos e nem sinal da trilha que me levaria à casa-da-caverna. Ficar com medo não adiantaria, então tudo que eu podia fazer era me concentrar no caminho. Era impossível fazer isso, já que eu estava ouvindo ruídos.

Não podem ser os meninos perdidos, eles ficaram no acampamento. Quem mais poderia estar na ilha além deles?

Outro graveto estalou atrás de mim.

— Quem está aí?

Era uma coisa bem idiota de se dizer. Obviamente nenhum perseguidor em potencial responderia àquilo.

Cheguei próxima de uma árvore e me apoiei de costas. Olhei à volta, tentando conseguir algo semelhante a uma "visão 360°", porém ainda havia muitos pontos cegos ali - era uma mata fechada e escura.

Ouvi mais um galho quebrar.

Misericórdia.

O silêncio agora me preocupava mais que os sons de grama pisada e madeira rachando que ouvira antes. Sem barulho, não dava para saber quão perto de mim estava o que quer que fosse, e caso estivesse se aproximando eu preferia saber sua posição. A tensão cresceu.

— Por favor, não se assusta.

O aviso não adiantou, e dei um pulo, quase entrando em pânico. Quando me virei, Ethan estava agachado em cima de uma pedra tão grande que mesmo abaixado ele estava na altura dos meus olhos.

— Que jeito de se aproximar é esse?! — apesar de aliviada, não pude evitar minha irritação.

— Devia ter visto sua cara! — o garoto riu e se pôs de pé na rocha. — Garota, como vai viver numa ilha escura assim se não se acostumar a ficar sozinha?

Ele pulou da pedra e continuou:

— Espero que Pan não se importe. Pensei que não seria legal você ficar sozinha na casa-da-caverna hoje. Tem espaço lá no acampamento, não estamos usando a cama suspensa hoje.

— Cama suspensa?

— Não esquenta, você vai ver. Vamos logo, antes que eu leve uma bronca por estar aqui sem avisar.

Ethan indicou com a cabeça para começarmos a caminhar. Eu estava mais tranquila agora, na companhia de alguém, do que estava há alguns minutos sozinha.

— Podemos não caminhar em silêncio? — ele perguntou. — Você deve estar com sono, mas eu queria conversar. Tem tanta coisa pra descobrir sobre a "menina perdida", você chegou faz só dois dias e sai o tempo todo com Pan. Os outros também querem te conhecer melhor.

— Não tem muito pra saber de mim.

— Ah, não? Nunca vi ninguém absorver fogo por aqui, sabe?

— Nem eu sabia que era capaz disso até ontem. — lembrar daquilo me atingiu em cheio. Eu não fazia aquilo antes, fui um experimento de Pan.

— Viu? Já é algo sobre você que não sabíamos.

A conversa seguiu. Falamos sobre as coisas da Terra que Ethan sentia falta, e aquelas que só existem na Terra do Nunca; e sobre músicas que ele lembrava - poucas - e cores e comidas favoritas de cada um. Ensinei sobre a Netflix e o Spotify e ele me contou como funcionavam os walkmens e a Blockbuster. Assuntos tão simples que me deixaram extremamente confortável ali depois de horas tão estranhas conhecendo o desconhecido. Eu me senti em casa.

Pouquíssimo tempo depois estávamos de volta ao acampamento, num cenário totalmente diferente de quando o deixei, menos de uma hora atrás.

Tudo ainda estava iluminado pelos últimos resquícios do que tinha sido uma fogueira, junto a algumas tochas e lampiões. Barris estavam no chão junto aos meninos que já dormiam, enrolados em mantas. À minha direita estava uma cabana de madeira que, pelo que contou Ethan, sempre esteve lá, entretanto eles costumam cobrir com uma capa durante as atividades do dia e por isso eu não tinha visto ainda. Baús, velas, caixotes e outros vários objetos aleatórios, tudo estava espalhado pela clareira.

Pendurada entre duas árvores, pude ver uma estrutura de madeira que tinha como teto uma mistura de palha, cipó e folhas enormes. Formava uma espécie de cama, com uma colcha de retalhos razoavelmente grossa cobrindo a parte inferior. Deduzi que aquela fosse a cama suspensa que Ethan falara.

— Normalmente quem usa é o Paul, mas hoje ele foi dormir na cabana porque Eric ficou aqui pelo o chão. É toda sua.

Com a ajuda de Ethan, subi na estrutura e me ajeitei. Era bem mais confortável que o esperado. O menino sorriu para mim, fez uma breve reverência e já ia se retirar. Antes que ele se distanciasse muito, falei:

— Obrigada por se aproximar de mim. De verdade.

Ele se virou e tirou o capuz, com um olhar radiante.

— Eu que te agradeço por se deixar fazer parte da família mesmo tendo visto tanta loucura em só dois dias. É bom ter você aqui, Ana. — piscou para mim como fizera mais cedo e foi andando para perto da fogueira.

Quando já estava deitado, se cobriu e disse um "boa noite" tão baixo que só entendi por ter lido seus lábios.

Encostei a cabeça no travesseiro e, mais rápido que nunca, adormeci.

{...}

— Có, có!

Lá vamos nós de novo.

O dia na Terra do Nunca era estranho. A ilha nunca ficava ensolarada de fato - na verdade, eu nunca vi sol por lá. Parecia que todos os dias eram nublados e cinzas, o céu irradiava um brilho branco fosco e isso era o mais próximo que tínhamos de um amanhecer. Era essa luz que me acordava, junto à voz de Pan imitando um galo.

— Meninos, grande dia! As sereias voltarão à praia em algumas horas! Estão dispensados das tarefas hoje, vamos precisar...

Peter Pan interrompeu sua fala assim que abri os olhos e me sentei na cama.

Ele me observou ao mesmo tempo surpreso e confuso. Olhou em volta, para os meninos já de pé, que agora o encaravam sem entender porquê o recado parou na metade.

— Ethan? — chamou. Pan já sabia quem era o responsável.

Ethan surgiu de dentro da cabana com um lampião apagado e duas vassouras na mão.

— Bom dia, Pan!

— Foi você?

Após alguns segundos confuso, o garoto percebeu que Pan apontava para mim, ainda na cama.

— Sim, eu...

— Muito bem. — Peter o cortou e andou até ele e sorriu. — Você a colocou no grupo. Agiu bem.

Naquele momento, mais confusa que eu, só duas de mim.

Ethan apenas sorriu e voltou a guardar as coisas na cabana. Um grupo de quatro meninos se juntou para estender uma capa cheia de folhas por cima da pequena casa de madeira, o que a deixou quase invisível em meio à floresta.

Pan veio caminhando até mim.

— Se perdeu no caminho ontem? — sua sobrancelha direita estava erguida, dando a seu rosto o olhar cínico de sempre.

— Acabei me distraindo da trilha. Ethan me ajudou.

— Bom, foi uma boa ideia. — o garoto disse, surpreendentemente, enquanto olhava em volta. — Mas agora ele te pôs no meio de todos, e ninguém aqui tem privilégios. Vamos, você precisa levantar daí para arrumar essa bagunça.

Era justo - se agora eu fazia parte do grupo, devia me juntar à rotina.

— Sua sorte — ele prosseguiu. — é que temos visitantes no mar. Fora isso, teria que ir com algum grupo fazer as tarefas de hoje.

E tão rápido quanto se aproximou, Pan saiu de perto de mim mais uma vez, dando um último sorriso.

{...}

A impressão que eu tive era de que a maioria dos meninos perdidos não tirava uma folga há meses. Corriam de um lado para o outro na areia, descalços, já sem capa ou camisa. Pan encontrou alguns tecidos mais leves no baú da casa-da-caverna e me entregou para que eu improvisasse uma canga. Ele mesmo havia tirado as longas botas e a camiseta verde de sempre, e estava distraído conversando com Félix na orla, de braços cruzados.

Nos poucos minutos que estávamos ali, Isaac e Ethan já tinham me chamado cinco ou seis vezes para entrar na água com o resto dos garotos, contudo eu permaneci sentada nas rochas. Ainda que eu quisesse ver a chegada das sereias à costa, preferia estar à uma distância segura quando isso acontecesse.

Não esperamos muito tempo e eu comecei a ver alguns movimentos no mar, ao longe. O céu, até então colorido de um branco acinzentado, começou a ganhar tons azulados, e uma brisa quente percorreu toda a praia. Mesmo sem sol, o oceano refletia um brilho dourado que vinha de algum lugar invisível. Uma a uma, as sereias foram emergindo. Eu as vi de longe, e a cada rosto que surgia minha admiração ficava maior. Mesmo ciente do tipo de encanto que as sereias produzem, era impossível escapar.

Levantei-me da pedra na qual estava sentada e caminhei lentamente até a beira da praia. A cada passo a realidade ficava mais distante, e o cenário, mais colorido. Senti a água morna na ponta dos meus dedos quando meus pés alcançaram o mar, e teria continuado a avançar se não fosse pela mão gelada que senti segurar meu braço.

— Precisa tomar mais cuidado, Ana.

Virei o rosto para Pan, que me impedia de prosseguir, e todo o feitiço pareceu se desfazer aos poucos. O menino sorria debochada e divertidamente.

— Os outros meninos estão indo até elas. Por que você não segura eles também?

— Você é a novidade aqui. Você não é um menino. E elas já conhecem cada um deles, e não os levariam para o fundo do mar.

Confesso que fiquei sem reação - as sereias me afogariam?

— Calma, não precisa ficar de fora. — Pan me estendeu a mão direita. — Vem, eu te levo até elas.

Assim que a segurei, Félix, que não tinha saído dali nem por um segundo, esboçou um sorriso fraco e contido. Fiquei confusa, todavia não tive a chance de questionar, pois Pan já estava me guiando até o grupo misto de meninos perdidos e sereias recém-chegadas.

Reparei que os sorrisos radiantes delas se desfizeram assim que nos aproximamos.

— Olá, meninas! Como foi a viagem? — Peter indagou, alegre.

— Tirando os temporais, tudo na mais perfeita ordem. — quem respondeu foi uma sereia de pele escura e avermelhada. Seu cabelo era longo, liso, preto e tinha algumas mexas azuis, e os olhos lembravam água. A semelhança à uma índia era inegável.

A postura imponente e voz firme, apesar de doce e cantada, indicavam que ela liderava as demais.

— Que ótimo, Nayra! Queria apresentar a vocês nossa menina perdida, Ana.

O encanto das sereias tinha voltado a me atingir (não sei como não afetava Pan) e por alguns segundos fiquei sem fala, antes de murmurar um "oi" tímido. O sorriso de todas elas tinha algo obscuro, especialmente o de Nayra. Algumas nadaram mais para perto, a fim de me observar por um momento, e Pan concluiu:

— É bom ter vocês de volta! Vou deixar que fiquem com os meninos por algumas horas antes de voltarmos ao acampamento.

E no instante em que ele se afastou me levando consigo, percebi uma coisa: os olhares suspeitos das sereias não eram direcionados a mim, mas a ele.

{...}

O céu já havia assumido tons mais escuros quando Pan nos chamou para voltar à floresta. As sereias ficariam na costa por alguns dias a pedido dos meninos perdidos, e nós voltamos ao acampamento para comer e realizar algumas tarefas indispensáveis - pegar lenha e organizar a clareira, por exemplo.

No caminho, conversei com Ethan e Paul, que estavam juntos. O diálogo foi leve, como sempre era com Ethan e, a despeito de Paul ser mais calado, descobri que veio para a ilha aos 17 anos, em 2005, contudo visitava a Terra diversas vezes com Pan para aprender novas músicas. Além disso, sentia falta de chocolate e era fissurado pela década de 80. Era tão divertido quanto Ethan, apenas mais quieto.

Mal pisamos na clareira e Pan fez um gesto com as mãos, me chamando. Pedi licença a Ethan e Paul e caminhei até ele.

— Se quiser sair com o grupo de Ethan, pode ir. Só precisa decidir se vai com a equipe dele ou ficar aqui na clareira. Eu, Félix, Thomas e Jason não saímos com os outros; o acampamento também precisa ser organizado.

— Mas a organização não fica por conta do grupo do Paul? Eles disseram que...

— Não, digo politicamente. Somos a "coordenação", por assim dizer.

— Pensei que não tinham líderes por aqui.

— Os meninos são livres! Mas o grupo é grande, e existem coisas que precisam ser resolvidas por menos pessoas.

Depois de absorver as palavras de Pan, entendi seu pedido. Será que entendi mesmo?

— Está me pedindo pra fazer parte?

— Ora, sim.

— Por que eu?

— E por que não você? — ele riu cinicamente.

Mais alguns segundos de silêncio.

— E é uma oferta única?

— Talvez seja.

— Se eu disse "vou pensar", perco a oportunidade?

— Não, isso não.

— Perfeito. Essa é minha resposta.

Era algo a se considerar. Podia ser bom estar presente nas decisões diplomáticas do acampamento, mas naquele momento eu queria estar com os outros - com exceção de Peter Pan, só conhecia quatro dos quase vinte meninos perdidos. Precisava fazer parte.

— Não pense por muito tempo, temos coisas para conversar. — o garoto acrescentou.

— Vou te responder hoje, mais tarde. Só quero conhecer melhor os meninos antes de acendermos a fogueira à noite.

— É justo. Tudo bem, então. Divirta-se!

Logo em seguida, dando seu sorriso sarcástico, Pan saiu. Eu não descobri o que era, porém algo havia mudado no comportamento dele desde o lago. Incapaz de dizer se isso era bom ou ruim, tentei afastar o pensamento e a sensação e fui me juntar aos garotos novamente.

— E aí, o que era? — Ethan questionou assim que pisei ao seu lado.

— Acho que Pan me quer na... "coordenação"?

— Você vai fazer parte da Mesa?! — ele pareceu realmente surpreso.

— Mesa?

— Toda reunião é ao redor da mesa de madeira dentro da Cabana. — explicou. — Acabamos apelidando assim o grupo está na liderança. Não é como se fosse um governo, mas sempre que temos problemas, sabemos que eles são as melhores pessoas para resolver. Pan consegue lidar bem com isso, e se ele diz que alguém pode ajudar, confiamos. O fato é que a última vez que alguém entrou para a Mesa foi antes da minha chegada.

— E isso é ruim? — comecei a me preocupar.

— Dois detalhes: primeiro, Pan não convida qualquer um para a Mesa; você deve ter feito uma coisa muito certa pra ser chamada tão rápido. Segundo, a Mesa não se reúne por qualquer coisa. Algo deve ter acontecido na ilha, Pan deve nos contar depois que se reunirem. — foi Paul quem falou desta vez, o que me surpreendeu.

Avaliei toda a situação. Os dois esperavam que eu me pronunciasse com expectativa.

— Acham que eu devia aceitar, então?

— Claro! E quando você descobrir o que é, pode nos contar. — Ethan deu uma risada disfarçada e Paul assentiu, sorrindo divertido.

— Certo. Já que apoiam, eu entro.

Sem demora, outros meninos se juntaram a nós e Ethan anunciou que era hora de sairmos em busca de lenha e algumas frutas para o momento da fogueira. Juntos, prosseguimos floresta adentro.

{...}

Percebi a enorme diferença que a luz diurna fazia quando finalmente escureceu e ainda estávamos na floresta. A penumbra era ainda maior que aquela da noite em que cheguei à Terra do Nunca. Já estava tropeçando em galhos, raízes e em meus próprios pés por não ver o chão com clareza quando ouvi Nolan - que eu conheci na expedição - gritar para o grupo que possuíamos material o suficiente para voltar à clareira.

O único problema foi que o aviso do garoto foi delicadamente encoberto por um som de leveza indescritível. Era uma melodia suave, que gradativamente embaralhava meus pensamentos e apagava todos os outros ruídos à minha volta. Mesmo tendo ficado o tempo inteiro ao lado de Ethan até agora, inconscientemente esqueci da presença do menino e já não sabia mais onde ele estava na escuridão; por algum motivo indecifrável, isso não fazia diferença para mim. Tudo que eu queria era encontrar de onde vinha a canção.

Segui em direção à música sem muito esforço. O sentimento dentro de mim dizia que ela me chamava, e (talvez por isso) foi incontestavelmente fácil encontrar a direção. Era uma harmonia calma e quase repetitiva, no entanto nada tediosa, entoada por uma voz etérea ou surreal que produzia sons agudos, constantes, vibrantes, e estranhamente agradáveis.

Repentinamente, a melodia parou. Dei por mim cambaleando acima de uma pedra que estava na beirada da ilha, de frente para o mar, entretanto perigosamente acima do nível da água - talvez um ou dois metros. Apesar do susto, pude manter o equilíbrio e focar em lembrar-me o que eu fazia ali e porquê me distanciei do grupo do acampamento. Interrompendo meus pensamentos, ouvi uma voz familiar.

— Vejo que atendeu meu chamado.

Ao olhar para o mar, bem abaixo de mim, vi um rosto que não reconheci. A pele reluzia arroxeada. O cabelo, extremamente longo, era muito preto e brilhante. Seus olhos eram lilás e cercados por um brilho da mesma cor, que emanava de debaixo da própria pele. Estrelas prateadas cobriam partes do braço e o busto. Enormes barbatanas, que mais se assemelhavam a asas, saíam de seu tronco e percorriam toda a extensão até as mãos. Mesmo na água escura era possível distinguir uma cauda imensa que cintilava a ponto de ser vista da superfície do mar. Era uma sereia que eu nunca vira.

Mas aquela voz era, sem dúvida alguma, de Nayra.

— Como você...?

— Já é noite, querida. Manter uma forma tão humana não é normal para nós. A lua saiu, e precisamos brilhar como ela.

— E onde estão as outras?

— Achei melhor não trazê-las. Será uma tarefa pesada e hedionda. Basta que eu faça, sozinha.

A conversa não estava tomando um rumo confortável.

— O que você precisa fazer?

— É algo atroz, porém necessário. Preciso garantir a segurança de todos.

— Estamos em perigo?

— Os meninos perdidos sim. E todo o resto da Terra do Nunca, ou do seu mundo, e de qualquer outro reino mágico existente, em qualquer realidade.

Um arrepio percorreu minha espinha. O que ela quer dizer com isso?

— Por que? Algo vai acontecer?

— Algo, não. Alguém. — um suspiro pesado e triste saiu de seus lábios. Sua expressão estava muito abatida.

— Eu... posso ajudar? Tem alguma coisa que eu possa fazer?

— Infelizmente, sim. Há uma forma de ajudar.

Eu voltara ao transe. Notei isso assim que os arredores emudeceram - como se minha cabeça estivesse presa em uma bolha de ar. Só escutava a voz de Nayra. Então, ela se aproximou e disse, quase num sussurro:

— Mas eu preciso fazer isso por você, querida. Sou eu quem vai te ajudar a ser útil. Não posso deixar Pan ter essa vitória. Preciso pará-lo.

Mal tive tempo para pensar a respeito daquelas incompreensíveis palavras. A sereia pulou da água com uma agilidade espetacular e agarrou meu braço. Subitamente, tomei consciência de onde estava e ouvi vozes conhecidas gritarem meu nome ao longe, duas delas - nas quais reconheci Isaac e Ethan - com certo desespero. Com uma força descomunal, Nayra me puxou para a água.

Tudo estava escuro e, independente de meus esforços, eu não enxergava nada. A velocidade com a qual a água passava por mim era espantosa, e estava muito mais fria que o mar hoje mais cedo. A mão em volta do meu pulso aparentava apertar com mais intensidade a cada segundo. Era inútil gritar, uma vez que nos encontrávamos dentro do oceano.

Por instinto, tentei lutar, todavia era uma batalha inútil: além da força inacreditável de Nayra, sua cauda fazia bem o serviço de me golpear a cada tentativa de fuga. Pouco a pouco, percebi que estava ficando sem ar. Foi então que comecei a entrar em desespero.

Senti meus lábios afrouxarem a pressão que faziam para impedir a água de entrar. Meu nariz, involuntariamente, me traía buscando ar, e eu já não pensava com clareza. Rebati-me com mais força, entretanto isso só colaborou para que o ar fosse embora mais rápido, e minhas pernas, aos poucos, pararam de responder. Com toda a certeza, estava prestes a me afogar.

De repente, a água se deslocou com brutalidade à minha direita, e fui empurrada para o lado pela força do movimento. Aconteceu a mesma coisa à minha esquerda, pouquíssimos segundos depois. O acontecimento se repetiu três vezes antes que eu sentisse ar em meus pulmões de novo. Nayra voltara à superfície.

Meus olhos e nariz ardiam por causa do mar e da quantidade de água que receberam. Ouvi um grito desumano e assustador ao meu lado e a mão em volta do meu pulso afrouxou. Sem forças para nadar, eu afundaria novamente, porém outro braço (mais forte pesado, no entanto mais gentil) enlaçou meu tronco antes que isso acontecesse.

— Ela está comigo! Puxem-me de volta! — gritou uma voz desconhecida bem ao meu lado, enquanto eu tossia descontroladamente e permanecia sem abrir os olhos.

Tudo ficou em silêncio.

{...}

A luz do dia incomodou minha retina, contudo não foi seguida do "có, có" costumeiro. Debaixo de mim, algo muito macio: um colchão. Eu não estava mais molhada, sem ar ou sem forças. O ambiente não era estável - notei um leve balanço, mesmo parada. Onde eu estou? Fui capaz de abrir os olhos sem muito esforço e me assustei.

Estava numa cama alta. Todo o cômodo era de madeira branca. Bem atrás de mim havia uma fileira de janelas cercadas por colunas com enfeites de sereia, e vários livros e objetos curiosos logo abaixo delas. À minha frente, uma mesa quadrada com quatro cadeiras almofadadas de couro vermelho possuía uma bandeja com frutas e pães, além de um castiçal vermelho com uma vela apagada e tecidos dobrados. Um pequeno lampião preso ao teto substituía uma possível lâmpada, mas não estava aceso - era dia. Depois de olhar ao redor várias vezes sem entender nada, ouvi passos se aproximando. Alguém abriu a porta.

— Ora, ora, a donzela acordou. Bom dia, meu amor.

Um homem alto, de cabelos escuros e olhos muito azuis, me olhava com um sorriso retido e uma sobrancelha arqueada. Usava uma longa capa, calças e botas de couro e um colete vermelho. Meu olhar congelou em seu braço, e fiquei paralisada ao ver um gancho no lugar de sua mão.

— Bem-vinda à bordo!

 


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