Dark End Of The Street escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 28
Não-Ditos




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— Você deveria ter nos contado.

Cisco sentenciou no momento em que Barry terminou de contar tudo que havia acontecido, desde as primeiras vezes que começou a sonhar com essa família, que não era sua, até o instante em que começou a identificar Caitlin, assim como o fato de ter contado a ela, duas semanas antes. O engenheiro parecia, definitivamente, lívido por toda a história.

— Cisco, o fato de ser ou não Caitlin nesses lapsos não muda nada, no fim das contas.

Deu de ombros, sentado ao lado de Nora no sofá posto ali para os dias em que precisava ficar com ela. A pequenina brincava distraidamente com diversos bonecos e bonecas de pano, como se nada no mundo fosse melhor do que isso.

— Bem, se houvesse dito antes certamente pensaríamos em algo mais efetivo, que pudesse fazer sentido considerando... Tudo isso. – Ele gesticulou com as mãos, andando de um lado a outro pelo córtex enquanto Carla se manteve estacada ao lado da porta de seu próprio mantendo o semblante inerte e sério e Ralph se sentava a uma das estações de trabalho, apenas observando-o. – Por que não faz. Nada que eu pense faz algum sentido, considerando apenas a nossa realidade e linha do tempo.

— Além disso, Caitlin não é uma velocista. Ela não tem um tipo de poder detectável, como... – Barry hesitou por um instante, se lembrando da linha distintamente azul em um dos monitores. – Como o outro velocista. Então, no fim das contas... Serviria apenas para matar a curiosidade de todos e...

— Barry! – Cisco respirou fundo, claramente tentando se conter. – Estamos tentando te ajudar aqui, entende? Não somos seus inimigos, ninguém iria tentar te manipular com a informação de que seus sonhos e lapsos tem a ver com Caitlin.

— Sim, mas esse é o problema, okay?! – Exasperadamente, se colocou de pé.

— E qual é o problema? Por que não podia, simplesmente, confiar em nós, como sempre fizemos?!

— Porquê eu não sabia lidar com o fato de estar sonhando com outra mulher. Eu era casado! Tinha uma vida com Iris. E... Depois disso, também não sabia lidar com o fato de ser Caitlin, satisfeito? – Notou que ambos aumentaram o tom demais quando Ralph e Carla se remexeram, incomodados. – As coisas não são tão simples quanto pensa. Há toda uma vida nesses sonhos e lapsos, que, por sinal, eu não vivi. Então, todos os dias eu voltava para a realidade, onde Cait era apenas minha melhor amiga e não tinha ideia do que estava acontecendo. Como acha que eu conseguia encará-la?

Houve um momento de silêncio no córtex, onde todos apenas o encaravam, sem dizer qualquer coisa, mas Barry apenas apertou os olhos entre os dedos enquanto respirava fundo. Desde aquela manhã, há duas semanas atrás, não conseguia se concentrar em mais nada. Era como se voltasse ao início, quando encontrar uma informação útil ou algum sentido em tudo aquilo parecia distante, exceto que agora tudo se tratava sobre a resposta de Caitlin.

Ou, no caso, a não resposta. Assim que a deixou na frente de seu hotel, Caitlin se despediu soando hesitante e sem jeito como há muito não soava, e aquela fora a última vez que a vira se falaram nos últimos dias, basicamente por quê o estava ignorando. Tentou falar com ela nos dias que se seguiram e tudo que conseguira fora um grande vácuo, onde a doutora não atendia suas ligações ou respondia suas mensagens.

Nem nos melhores cenários havia considerado a possibilidade dela se fechar completamente, mas, de qualquer forma, aquilo era inesperado e dolorido. Estava acostumado à Caitlin, todos os dias, e nos últimos tempos vinha se habituando com o outro tipo de mulher que ela poderia ser para além de sua amiga e médica pessoal. Tudo o que a dissera era verdade: queria ter certeza de que estava apaixonado e que isso era real, não fruto de alguma manipulação maior do que eles. No entanto, sequer sabia o que ela pensava a respeito. Não imaginou que poderia ser assim, mas a situação como um todo, após ser sincero com ela, estava insuportável.

— O Sr. Allen tem razão. – Se pronunciou Carla, lentamente analisando a questão como um todo. – Não faria diferença para nós, falando de maneira estritamente científica, Francisco.

— Sim, mas...

— Agora que concordamos sobre isso, pode nos dizer... Contou a Caitlin a respeito ou ainda mantêm esses lapsos e sonhos, sem que ela tenha consciência? – A Dra. Tannhauser questionou de forma profissional, mas claramente em reprimenda.

— Contei a ela há duas semanas.

Relatou sem entrar em muitos detalhes, voltando a se sentar no sofá ao lado de Nora agora que sentia que nenhum limite seria ultrapassado por ninguém. Contudo, Ralph o olhou como se aguardasse uma resposta.

— Então... O quê?

— Ela está trabalhando em Princeton, não é? Trabalhando.

— Ela não está falando com você, certo? – Cisco chegou à conclusão mais rápido do que pensara quando apenas desviara os olhos, ouvindo o suspiro enfadado do outro. – Grodd, detesto quando vocês mantêm esses segredinhos!

— Cisco...

Chamou tentando mantê-lo ali para que não se sentisse tão culpado por desapontá-lo. Concordava que, desde o início, estava escondendo coisas demais de todo o mundo. Cisco lhe perguntara mais de uma vez se não havia mais a dizer a respeito dos lapsos, assim como Caitlin estava sempre tentando lhe arrancar alguma coisa e, simplesmente, deixar com que ela resolvesse, mas não era... Simples colocar tudo que vinha acontecendo para fora. Para Barry, era como se seu mundo inteiro, toda a sua realidade, estivesse sendo mudada drasticamente e não compreendesse ou não pudesse fazer nada, pois tudo parecia maior do que ele.

— Não se preocupe. – Ralph se levantou, fazendo menção de sair pelo mesmo lugar que o engenheiro enquanto dava de ombros. – Acho que ele só está se sentindo um pouco... Excluído. Vou falar com ele.

— Obrigado, Ralph.

Contudo, no instante em que ele se virou para sair do córtex, Caitlin apareceu no corredor sob o portal de entrada. Aparentemente, ninguém esperava que ela fosse, meramente, surgir no laboratório depois de tanto tempo e mesmo Carla pareceu surpresa. Barry sentiu toda a adrenalina de seu corpo correr mais rápido em uma descarga emocional incontrolável. Queria tanto vê-la novamente, conversar sobre o que contara e saber como ela se sentia sobre tudo aquilo, mas a doutora se fechara completamente em si mesma. E, aparentemente, iria se manter assim, pois apenas o encarou por meio segundo antes de se voltar ao resto do time, além de manter as feições mais sérias que o comum.

— Olá, pessoal.

— ‘Olá, pessoal’? – Ralph a abraçou rapidamente, parecendo um pouco incrédulo. – Desde quando está na cidade? Você não fala com mais ninguém.

— Acabei de chegar, mas queria falar com vocês o quanto antes. – Ela assumiu uma postura imediatamente decidida e profissional. – Sei como descobrir por que os lapsos de Barry estão ocorrendo e, talvez, como fazê-los parar.

Barry franziu o cenho quando ela o olhou, mordendo os lábios de maneira quase imperceptível. Pelo tom e a maneira como se mantinha distante, tinha certeza que ela não proporia nada simples. Ralph voltou a se sentar e Cailin adentrou o córtex um pouco mais, colocando a bolsa sobre uma das estações. Ela usava os cabelos presos em um coque e um conjunto de calça jeans e terno, que faziam com que parecesse extremamente profissional, mas pôde ver um leve, inesperado e nada costumeiro tremor em suas mãos ao abrir a pasta do iPad.

— Então, você fez algo de útil com as informações que lhe mandei. – Concluiu Carla fazendo com que a olhassem de forma confusa por um instante, exceto por Caitlin.

— Oh, bom saber que estava ignorando apenas uma parcela específica do time. – Disse Ralph sem parecer realmente ofendido.

— Eu estava ocupada.

Caitlin respondeu deslizando o dedo pela tela do aparelho, não dando atenção ao detetive. Vê-la distante daquela forma o recordava dos tempos de Killer-Frost, quando ela ainda não tinha controle de seus poderes ou uma ideia clara de como ter uma alter-ego funcionava. Detestava se lembrar da época em que a loira o culpava por todos os problemas da doutora e detestava recordar a forma como se afastara e se voltara contra ele, pois, essencialmente, seu primeiro instinto era se voltar a ela quando algo ocorria.

Tê-la ali daquela forma, apenas pela metade, como vinha tendo agora, o feria mais do que poderia imaginar. Não havia qualquer mal-entendido, mas não ditos demais e, mesmo quem observava de fora, podia notar a julgar pelo olhar cauteloso de Carla e Ralph medindo todos os seus movimentos, especialmente quando Caitlin se voltou a ele, finalmente lembrando sua médica de sempre.

— Estive pensando... Durante esses lapsos, você fez uso de sua velocidade em algum momento?

Barry estranhou por um instante, afinal sentia a energia da velocidade com ele a todo o momento, inclusive nos lapsos. Raras foram as vezes em que o poder da Força de Aceleração fora minado em seu corpo.

— Não me lembro de ter corrido em nenhum lapso. Geralmente, são situações que não demandam que eu use meus poderes. – Explicou se dando conta disso apenas nesse instante, mas a informação não pareceu surpreendê-la. – Sempre foi como se... Minha vida toda fosse permeada por eles, mas nunca precisasse usá-los.

— Então, já que sabemos sobre a conexão da Força de Aceleração com esses lapsos, acredito que a forma mais apropriada de descobrir do que se trata seja enquanto está em um deles. – Ralph levantou as sobrancelhas, enquanto Carla refletia a surpresa no rosto de Barry pelo que ela sugeria. – Se você pode meio que se “fundir” com a versão que está neles, certamente pode manter a consciência para que consiga agir por conta própria.

— Isso é insano. – Cisco voltou ao córtex, ainda parecendo muito bravo, mas encarando a amiga de maneira avaliativa, como se para avaliar se estava mentalmente bem. – Quer mandá-lo para a Força de Aceleração de uma forma que não podemos controlar os efeitos disso?

— Na verdade... Podemos monitorar os efeitos de maneira mais eficaz do que se ele fosse fisicamente para a Força de Aceleração, como da outra vez. – Caitlin manteve seu ponto e era possível perceber que, de fato, passara aquelas duas últimas semanas ocupada estudando sobre o que vinha lhe acontecendo. – Temos o dispositivo que criou, o Registrador, então poderemos saber perfeitamente o momento em que Barry entrar em contato com qualquer resquício que seja da Força de Aceleração.

— Okay... E como resgatá-lo da Força de Aceleração, se algo der errado? – O engenheiro teimou, continuando a questionar. – E se o objetivo dessa força maior for justamente mantê-lo lá por algo que ainda não temos conhecimento? E se Barry ficar mentalmente preso?

— Nós temos você. Podemos vibrá-lo e localizá-lo, como fizemos dois anos atrás.

— Não é assim que funciona, Caitlin. Há dois anos, demorei seis meses para conseguir vibrar um pequeno sinal de Barry. – Observou Cisco andar de um lado a outro, quase podendo ver seu cérebro funcionar tão rápido quanto os próprios pensamentos. Ainda trabalhava com encontrar uma possibilidade que não o colocasse em tanto contato com a Força de Aceleração, algo que não o arriscaria como da outra vez em que simplesmente aceitou se fundir com ela para salvar Central City da anomalia, justamente por conhecer os riscos. – Quando coloca a questão neurológica na equação, tudo fica mais imprevisível e você sabe disso.

— Sim, eu sei, mas é a única opção na mesa. – Ela disse de forma calculada, mantendo-se aparentemente controlada. – Por quê está resistindo tanto?

— Porquê está sendo irresponsável, Caitlin! – Ele exclamou, como se fosse óbvio e pode ver o resultado em todas as feições de Caitlin, mais desarmadas e menos confiantes que de costume, enquanto respirava fundo e lentamente depositava o iPad sobre a estação, cruzando os braços. – Em teoria, é um ótimo plano, mas não sabemos como a Força de Aceleração se comportará quando Barry estiver em um contato que não esteja intermediado por esses sonhos e lapsos.

— Bem, acredito que a única pessoa que possa falar com propriedade sobre a Força de Aceleração e as chances de estar disposto a isso é o Sr. Allen.

Comentou Carla, encarando-o profundamente. Pela primeira vez em semanas trabalhando juntos, viu alguma emoção que não fosse completo desdém em suas expressões ao se referir a ele. Apesar de séria e profissional como sempre, a Dra. Tannhauser parecia resignada e até um pouco delicada, como se sugerisse tacitamente que fosse cauteloso.

Seus olhos correram de Cisco para Caitlin, notando que havia tensão quase equiparável a sua com ela enquanto os dois se olhavam praticamente teimando mentalmente, arquitetando argumentos para manter suas posições ali. Sabia que ambos estavam empenhados em ajudá-lo, apesar das visões diferentes sobre como prosseguir a partir dali. Sua atenção, então, foi tomada pelo ruído de um dos brinquedos de Nora, que apenas olhava todos ao redor sem entender o que se passava, mas parecendo insistente na figura de Caitlin, a qual se via concentrada demais em suas próprias questões e nos problemas de Barry.

— Há alguma chance, ainda que remota, de que consigam pensar em algo menos drástico em pouco tempo? – Articulou lentamente, tentando não piorar o clima pesado instalado na sala, embora consciente de que se prolongaria pelo resto da manhã e por mais algum tempo. Contudo, não houve resposta e simplesmente meneou a cabeça, resignado. Considerou o ritmo de lapsos e sonhos, que não o deixavam dormir e o desligavam da realidade, tornando-o apenas uma sombra do que era, assim como do que deveria ser, mas também encarou Nora, protegida pela própria inocência de escolhas como aquela. – Eu preciso... Pensar sobre isso.

Em silêncio, ajeitou os brinquedos de Nora e a pegou para deixar o córtex, embalado pelo aroma suave de seu sabonete de banho. Precisava desanuviar os pensamentos, em uma desordem completa por todas as sugestões daquele dia, a repentina aparição de Caitlin após duas semanas ignorando-o, bem como o plano que vinha com ela. No entanto, ainda ouviu o eco das vozes discutindo-o como a um tópico científico.

— E se nós o deixarmos em coma? Da última vez foram seis meses sem sequer sabermos se ele estava realmente na Força Aceleração, sem qualquer sinal passível de rastreio, agora quer mandá-lo novamente sem qualquer garantia real de volta!

— Só estou tentando consertar tudo isso, Cisco.


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