Under Our Stars escrita por StarSpectrum


Capítulo 3
Capítulo III - Segredos do Passado




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/794521/chapter/3

Não consigo dormir. Fiquei me revirando na cama por tanto tempo que acabei desistindo do sono. Resolvi ficar desenhando na minha mesa algo que não sai da minha cabeça. Aquela cabana. O Billy doente. O Ted deprimido... Argh, quem mandou ser tão estúpida? Eu deveria ser grata pelo que eu tenho, e não ficar buscando aventuras sem sentido. Tudo isso é minha culpa!... Acabei quebrando a ponta do lápis, ao rabiscar com tanta força. Eu tenho que me responsabilizar pelo que fiz. Eu tenho que fazer alguma coisa.

Me levanto da mesa e troco de roupa. Caminho lentamente pela casa, tomando cuidado para não acordar a minha avó, e vou até a porta da frente. Fora, eu percebo que a luz da lua está forte o bastante para enxergar, o que é um alívio. Caminho colina abaixo, em direção ao lago. Hora de ir até a cabana de novo. O Dr. Sanela não sabia o que era o sangue que Billy acabou lambendo, então se eu levar pra ele, talvez ele descubra alguma maneira de ajuda-lo. Chegando no lago, o vento frio da noite me faz perceber que talvez eu devesse ter pego algum casaco... Não há muito o que fazer agora, a cabana está logo perto.

Atravesso a floresta até chegar na cabana, mas paro ao perceber uma luz fraca vindo de dentro. Lentamente vou até a porta da frente e a abro, me preparando para qualquer ameaça. Fico surpresa ao ver uma figura familiar segurando um lampião.

"Flann?" – Me aproximo dela, que se vira para mim.

"Star? O que você tá fazendo aqui? Acordada tão tarde?"

"Ah, ah, eu—" – Ok, calma, ela não pode saber que eu vim atrás de um pouco de sangue sujo – "Eu perdi uma coisa aqui!"

"Hã? Você já veio nessa cabana?" – Flann coloca a mão na cintura e levanta a sobrancelha.

"Sim! Eu vim aqui com o Sully explorar essa parte da floresta, e acabei perdendo algo...!" – Começo a andar discretamente até ao buraco na parede de onde vi o sangue.

"O que você perdeu? Posso te ajudar a procurar."

"Não, não precisa! Pode continuar... fazendo o que você estava fazendo." – Chego na parede, porém uma dúvida me surge – "Aliás, o que você está fazendo aqui?"

Flann me encara com seus olhos verdes, abrindo um leve sorriso – "Procurando cogumelos."

"Cogumelos???"

"Isso mesmo. Por que acha que eu vim pra vila? Momoka toma conta das flores, e eu dos cogumelos."

"Mas... o que cogumelos tem a ver...?"

"Ora, Star. É o festival da colheita, né? Cogumelos também contam."

"...é que aqui na vila a gente não come muito cogumelo..."

Flann fica boquiaberta, e aponta o dedo pra mim – "Está negando os nutrientes dos cogumelos?! Vocês precisam mais de mim do que eu pensava! Hmpf!" – Ela dá as costas e começa a olhar para os cantos da cabana.

Aproveito o momento de distração da Flann e me viro para o buraco na parede – "...o que?" – Não tem sangue! O sangue... sumiu‼ Procuro pelo chão, a tábua solta, as bordas do buraco, e nada! É como se nunca estivesse aqui!

Um pequeno brilho vindo do buraco na parede chama minha atenção. Enfio a mão pelo buraco e agarro algo gelado, duro. Puxo essa coisa do buraco, e vejo que é um colar em formato de coração. O encaro por um momento, mexendo nele com meus dedos, e percebo uma pequena trava na junta do colar. Aperto a trava, e ele abre! Dentro... um retrato de minha avó. O que um retrato da minha avó está fazendo numa cabana abandonada? Respiro fundo. Vou perguntar sobre isso depois. Fecho o colar e me viro para Flann – "Achei!"

"Que ótimo! O que era?" – Flann se aproxima, tentando ver o que eu tenho em mãos.

"Esse colar aqui..." – Mostro o colar para a Flann, que o olha com paciência.

"Bem bonito... É de prata?" – Ela levanta a mão e a aproxima para tocar o colar, mas eu me afasto levemente. Flann me encara por um momento – "...bom, melhor tomar bastante cuidado com ele. Parece ser valioso." – Ela dá as costas e começa a inspecionar os cantos da cabana de novo.

"É... Vou tomar mais cuidado." – Guardo o colar no bolso do macacão e começo a andar em direção à porta – "Eu já vou indo pra casa. Você vai ficar aí caçando cogumelos?"

Flann fica em silêncio por um momento, encarando a porta de madeira que leva ao banheiro da cabana. Ela balança a cabeça levemente e se vira para mim, sorrindo – "Já peguei o bastante. Vou contigo."

Flann me acompanha para fora da cabana, e juntas, caminhamos pela floresta escura. O vento da noite sibila pelas folhas da floresta, e faz minha espinha congelar. Agarro o colar com o retrato de minha vó, e vejo o reflexo da lua por ele. Me lembro de algo que me acalma quando estou com medo. – "Flann, vamos passar no lago? É bem rápido."

"Tudo bem." – Ela diz.

Seguimos até o lago, e deixo escapar um sorriso ao ver a água cristalina espelhando a lua. Corro em direção ao lago e fico à beira de margem, olhando diretamente para a lua. Solto um suspiro. Desde pequena, olhar para o reflexo da lua na água me traz uma calma imensa.

"Então... lua bonita, né?" – Flann quebra o silêncio, e eu me viro pra ela.

"Sim, a lua está linda! Eu gosto de olhar pra ela à noite, quando está beeem cheia. Por algum motivo... faz eu me sentir menos sozinha."

"Você se sente sozinha? E os seus amigos aqui na vila?"

"Não, não esse tipo de sozinha..." – Me viro novamente para olhar a lua, e me sento na grama – "Sinto um vazio no coração."

Flann se senta ao meu lado, abraçando os joelhos – "Sou toda ouvidos."

"Obrigada." – Respiro fundo – "Não conto isso ao Sully porque ele sempre se esforça ao máximo pra que eu pare de me sentir assim, e não conto a minha vó porque não quero preocupar ela..."

Ela solta uma leve risada – "Não faço ideia de quem seja Sully."

"Ah, é o carteiro da vila! Um loirinho, usa boina de asas, correndo pra lá e pra cá pela manhã..."

"Acho que vi ele sim."

"Somos grandes amigos, mas... ele não entende o que eu sinto."

"E a Momoka? Ela tem bons conselhos."

"Isso é verdade, mas não somos muito próximas..."

"Você nem me conhece, e já está contando suas inseguranças, Star. Intimidade não é uma barreira pra você."

"Hahahah, é verdade não é?" – Encaro o reflexo da lua na água – "É que eu...sinto inveja dela. Ela consegue ficar tão animada fazendo algo tão entediante quanto arrumar flores nas ruas. Ela parece ser tão satisfeita com o que ela faz e... feliz com a vida dela."

"Bom... Ela ama flores, e ama decoração. Sempre amou, desde que a conheci. Eu também acho muito chato, mas eu gosto de caçar cogumelos, não tenho moral pra falar nada." – Flann abre um leve sorriso – "Você só precisa fazer algo que você ame, e você nunca vai se cansar de fazer. Tenho certeza que isso vai dar um jeito na sua tristeza."

"..." – Sinto meus olhos se encherem de lágrimas.

"Star? O que foi?" – Flann coloca a mão em meu ombro.

Eu olho em seus olhos e lágrimas começam a sair – "Flann..." – Começo a enxugar minhas lágrimas, mas elas não param de cair – "...nada me traz felicidade, nada me traz prazer." – Eu engulo forte o meu choro – "...eu não acho que eu amo fazer alguma coisa..."

Ela fica em silêncio, sua expressão de preocupação se torna séria. Flann se levanta, limpa suas roupas, e começa a caminhar de volta ao vilarejo.

"Flann?" - Enxugo as lágrimas e me levanto, seguindo-a. Flann para de andar repentinamente.

"Star. Quando te conheci ontem, vi uma garota feliz ao ajudar Momoka, e mais feliz ainda ao dar uma parte de si por uma garotinha." – Ela se vira para mim, suas sobrancelhas franzidas – "Pensei que você, gentil como pareceu ser, amasse ajudar os outros. Mas se você não sente prazer nisso, não sente felicidade ao ver o sorriso de outro... eu espero que você seja consumida pela sua tristeza." – Flann então segue seu caminho.

As palavras de Flann ecoam pela minha mente, e partem o meu coração. Vejo ela se afastando cada vez mais, mas paro de enxerga-la quando minhas lágrimas bloqueiam minha visão. Não consigo negar o que ela disse. Me lembro de todos os momentos em que fui gentil, ajudando minha avó a entregar os pães todos os dias, ajudando o Sully a entregar as cartas quando ele fica doente, ajudando Ted dar banho no Billy, ajudando o Frederick a fazer sanduíches, ajudando a Momoka a decorar as ruas... Se ajudar os outros não me traz felicidade... então eu não mereço felicidade nenhuma.
Caminho lentamente para casa. Flann já deve ter ido dormir, como de se esperar. Quando chego em casa, abro a porta, e minha vó está me esperando, com um lampião aceso.

"Querida!" – Minha vó diz – "O que está fazendo aqui há essa hora da noite?"

Entro em casa, em silêncio. Minha vó diz mais alguma coisa, mas eu não consegui ouvir. Subo as escadas, guardo o colar na gaveta da minha mesa de desenho, visto meus pijamas e deito em minha cama. Estou... exausta.

[...]

UM BARULHO ENSURDECEDOR DE PANELAS BATENDO ME ACORDA NO MAIOR SUSTO QUE JÁ TOMEI NA MINHA VIDA – "HORA DE ACORDAR, VAMOS, VAMOS, VOCÊ ESTÁ ATRASADA‼!" – A VOZ DA MINHA VÓ ESTOURA COMO TAMBORES NA MINHA CABEÇA.

"JÁ ESTOU DE PÉ!" – Digo, pulando de minha cama e quase perdendo o equilíbrio.

"Tarde demais! Já levei os pães pro Frederick! Satisfeita? Fez sua pobre vó caminhar tooooda aquela colina só pra ficar dormindo!" – Minha vó resmunga, colocando as mãos com as panelas na cintura.

"Desculpa, vó... Eu não consegui dormir bem, acabei passando do ponto..." – Dou um longo suspiro.

"Éééé, eu lembro bem de você voltando pra casa de madrugada! O que que você tava fazendo acordada tão tarde?"

Droga, e agora? – "Hã... eu tinha saído pra tomar ar fresco no lago." – Boa, Star. Mentindo pra vovó.

"Hmmmmmmmm." – Ela me encara com seus pequenos olhos, as rugas aumentando conforme ela contorce a cara – "Tá bom. O Sully apareceu perguntando onde você tava." – Era isso que ela disse ontem à noite? - "Ele parecia preocupado."

"Depois eu converso com ele, obrigada." – Vou até minha mesa de desenho – "Aliás, eu queria perguntar uma coisa pra senhora."

Abro a gaveta da mesa. Engulo seco, minha espinha congela, minha mão começa a tremer. O colar! Não está lá! Mas como?! Começo a revirar a gaveta, procurando em cada canto. NADA‼ Não pode ser. Não pode ser‼

"O que foi, minha querida?" – Minha vó pergunta.

Eu preciso ver com meus próprios olhos, eu não sonhei com tudo aquilo na madrugada. Corro até a porta, tomando cuidado para não empurrar minha vó, desço as escadas, escuto minha avó gritando comigo, e então saio em desparada para fora de casa. Corro colina abaixo, e vejo Sully caminhando colina acima. O cumprimento com um rápido – "Oi, Sully! – e continuo correndo em direção ao lago. Eu jurava que tinha deixado o colar na gaveta! Chego até o lago e continuo correndo até a cabana, quase tropeçando no matagal. Alcanço a cabana abandonada mais uma vez, e abro a porta com toda a força, correndo até a parede onde achei o colar. Não... não há nenhum buraco! Não tem a tábua solta, não há nada! Como?! COMO?‼ Bato com força contra a tábua que deveria estar solta, mas ao invés de sentir a madeira contra meu punho, sinto como se tivesse socado uma parede de pedra. Percebo uma estranha aura vermelha ecoando como ondas onde meu punho se apoia. O que...? Me afasto rapidamente da parede. Olho ao meu redor, e vejo que a porta que levava ao quarto da cabana não está aberta como antes. Vou até ela, tentando abrí-la, mas a mesma aura vermelha me impede de sequer encostar nela. Me viro para trás, frente à porta que leva ao banheiro. Também está fechada, mas percebo um símbolo vermelho desenhado nela. Vermelho... sangue. Me aproximo do símbolo, que brilha cada vez mais intensamente conforme me aproximo. Estendo a mão para tocá-lo...

"Star?" – Meu coração para por um segundo e eu dou um grito estridente – "CALMA! Sou só eu, o Sully!" – Me viro para a porta de entrada e vejo meu amigo se aproximando.

"VOCÊ QUASE ME MATOU DE SUSTO!" – Dou um soco forte em seu ombro. Olho para o símbolo novamente, mas ele rapidamente some. Volto a olhar pra Sully, que está passando a mão no ombro que soquei.

"Foi mal, foi mal! Eu vi você correndo de pijama pra cá, e pensei que tinha algo errado." – Sully coloca as mãos em meus ombros, me encarando nos olhos – "E aí? Qual é o problema dessa vez?"

Respiro fundo, Sully pode ser um bobão, mas ele é um bobão que eu posso confiar – "Tá... lá vai. Eu encontrei um colar aqui na cabana ontem à noite. Tinha um retrato da minha avó nele. Eu queria mostrar pra ela hoje, mas quando o procurei onde deixei, o colar sumiu!"

"Pera aí... um colar com o retrato da sua vó? Nessa cabana?" – Ele se afasta e observa o interior da cabana – "Será que sua avó morava aqui quando pequena?"

"Não, não era um retrato dela criança. Só mais nova. Adulta. Como a gente, sabe?"

"Não somos adultos, Star."

"Eu tenho vinte e quatro anos, e o senhor só é dois anos mais novo que eu! Nas minhas contas, somos adultos!"

"Bom, nas minhas contas, só se considera adulto quem tem mais de trinta." – Ele dá um leve sorriso – "Entendi o que quis dizer. Ainda não explica que tipo de conexão sua avó tem com essa cabana. Tem certeza que era ela?"

"Eu conheço o rosto da minha avó, tá bom? Tenho certeza que era."

"Só estou dizendo que... Sabe, rostos parecidos, adulta... podia ser sua mãe." – Oh...

Cruzo os braços e encaro o chão. Começo a caminhar para sair da cabana, Sully me acompanhando – "Se for a minha mãe, tenho mais motivos pra encontrar esse colar. Minha avó nunca tocou no assunto, e sempre inventava alguma desculpa pra não responder quando eu perguntava. Se eu tiver o colar... ela vai ter que me dizer alguma coisa. "

"...vamos procurá-lo então!" – Sully me dá um tapa nas costas e começa a andar na minha frente, em direção ao lago – "Vai te dar paz de espírito, não vai? Então conta comigo pra ser seu apoio!"

Abro um sorriso e começo a seguí-lo – "Obrigada, Sully. Obrigada mesmo."

[...]

Caminhamos vila adentro, o número de pessoas só parece aumentar, as barracas já estão montadas, a mesa na praça central está preparada, as ruas estão lindamente decoradas... Momoka fez um ótimo trabalho.

"O festival da colheita é quando mesmo?" – Pergunto, encarando as decorações.

"Amanhã! Você perdeu a noção do tempo de novo?"

"Que?! Já é amanhã?!" – Espera, porque eu estou me importando com isso? Eu nem gosto desse festival!

Sully dá uma risada e revira os olhos - "Então, qual o plano pra achar esse colar?" – Sully pergunta.

"Hm... Vou perguntar à Momoka onde a Flann está. Ela foi a única pessoa que viu o colar além de mim..." – Começo a olhar ao redor, procurando alguém com roupas extravagantes, só assim pra achar a Momoka no meio dessa gente.

"Ahá! E por isso você suspeita que ela tenha roubado o colar!"

"Não! Eu não acho que ela tenha roubado! Ela pode ajudar a procurar, ela sabe como o colar é."

"Que? Tá na cara que ela roubou! Ela foi a única que também viu!"

"Não posso ir duvidando dos outros assim!"

"Mas é a lógica! É o que mais faz sentido!"

"Tudo tem que fazer sentido pra você?"

"...sim?????"

Vejo a Momoka sentada em uma barraca de flores, e eu nunca vi ela tão desanimada. Puxo o Sully comigo até ela – "Depois a gente discute isso, vem!" – Começo a acenar para a minha floriculturista favorita – "Momoka!"

Momoka, ao me perceber, logo alegra seu rosto, mas ainda não parece tão entusiasmada – "Star! Resolveu aparecer?" – Ela me olha da cabeça aos pés – "De pijamas, ainda!"

Oops. Esqueci de trocar de roupa – "Hahah, sabe como é, mudar meus hábitos pouco a pouco... Mas chega disso, você sabe onde a Flann está?"

"A Flann? Por quê?"

"Estamos tentando—"

"Pegar uma LADRA!" – Sully logo me interrompe, batendo a mão na barraca de flores e apontando o dedo para Momoka.

Momoka franze as sobrancelhas - "...querido, eu dou três segundos pra você tirar esse seu dedo do meu rosto ou vou ter que contar pra Star que você ainda—"

"OPA FOI MAL MINHA GENTE, VOU FAZER HORA EXTRA TÃO ME CHAMANDO, FUI!!" – Sully rapidamente se afasta da barraca de flores e some na multidão. O que foi isso?

"Pode continuar falando, Star. Estava procurando a Flann por...?" – Momoka se apoia no balcão, com um leve sorriso.

"Eu preciso da ajuda dela pra encontrar uma coisa. É meio pessoal... Você sabe onde ela está?"

Momoka arregala os olhos, seu sorriso maior do que antes – "Já está roubando minhas amizades, Star? Vou começar a tomar cuidado quando apresentar alguém pra você, hahahah!" – Momoka apoia a cabeça em sua mão – "Ela deve estar pegando alguns suprimentos na minha casa. Ela vai embora depois queo o Festival da Colheita acabar."

"Embora?" – Fico em silêncio. As palavras de Flann ecoam novamente em minha mente – "Vou ver se ela está lá. Obrigada!" - Me despeço de Momoka e sigo meu caminho.

Chegar na casa de Momoka não é nenhum pouco complicado, ela mora numa rua perto da casa do Dr. Sanela, e sua casa é decorada com flores. Muitas flores. Chegando em frente à casa de Momoka, subo as escadas que levam à porta de entrada e dou três batidas nela. Ouço alguns passos e o ranger da madeira, até que a porta se abre levemente, mostrando a corrente da tranca. Flann, ou melhor, metade de seu rosto, aparece.

"Star? O que você tá fazendo aqui?"

"Oi, Flann! Eu vim pedir sua ajuda!"

"Hã... pode ser depois? Eu tô ocupada agora."

"É urgente! Sabe o colar que eu encontrei ontem? Ele sumiu!"

"...compra outro."

"Não dá! Tinha um retrato da minha avó naquele colar!"

"Como é?"

"Depois eu explico direito, mas eu acho que o colar pertencia à minha avó, e eu quero recuperá-lo pra mostrar pra ela!"

Depois de um momento de silêncio me encarando, Flann fecha a porta. Ouço um barulho metálico da tranca, e ela abre a porta novamente. Flann está... úmida. Seus cabelos estão soltos, descendo até os ombros, e ela está vestindo apenas uma toalha no corpo. Caraca, eu não sabia que ela tinha esses peitos...

"Ahem." – Flann dá uma leve tossida, e eu olho novamente nos olhos dela – "Tem alguma ideia quem pode ter pego?"

"Eu não disse nada sobre ter sido roubado."

Flann abre um leve sorriso – "Você disse que sumiu, e não viria aqui se achasse que o colar está na sua casa, perdido." – Ela pega uma toalha menor e começa a secar seus cabelos molhados – "Aposto que eu sou sua principal suspeita."

"Que?! Claro que não! Você é uma pessoa muito legal, eu não suspeitaria de você!"

"Erro grave, você nem me conhece. Eu deveria ser a ladra em potencial." – Flann joga a toalha encima de um criado mudo – "Entra aí." – Flann se vira e adentra a casa. Eu a sigo, fechando a porta. Me perco encarando o rebolado dela por um momento, para com isso Star!

A casa de Momoka é aconchegante, mas não é o que se esperaria de alguém que trabalha com flores, ou mesmo de uma floricultura. O ambiente é escuro e fechado, com alguns candelabros iluminando. Não há janelas, ou plantas. Mas há estantes com livros, e uma mesa com uma pena para escrever. Há duas portas em ambos os lados desse cômodo, um deles está aberto, parece ser o quarto.

"Não toque em nada, viu? Eu vou me vestir, e já vamos procurar seu colar." – Flann entra no quarto, e fecha a porta.

Fico sozinha naquele lugar fechado. Uma certa ansiedade começa a crescer dentro de mim, naquele lugar escuro, sem janelas ou luz do sol. Caminho até uma das estantes, e começo a procurar algum livro para folhear. Nenhum deles tem capas interessantes, apenas um velho e sujo marrom. Pego qualquer um, e abro. Letras escritas em vermelho me pegam desprevenida. O mesmo vermelho sangue que marcou o símbolo na porta da cabana. Fico tomada pela curiosidade, e começo a ler desde a primeira página.

[Dia 912]

[O dia começou como todos os outros. O carteiro, Sullivan Arpârte, é o primeiro a aparecer nas ruas. Assim que ele entrega as cartas, outros cidadãos começam a sair de suas casas e seguir com suas vidas individuais. Nenhum deles age fora do comum. Ainda sem sinal do que o Rei de Ferro procura. Vou continuar com a rotina de floriculturista, e ver se algo aparece.][...]

Antes que eu pudesse continuar, a porta do quarto se abre, e Flann aparece vestida com as mesmas roupas de ontem, aquele vestido curto com um laço grande atrás, olhando diretamente para mim com um olhar frio.

"Eu não disse pra você não tocar em nada?" – Ela se aproxima e toma o livro de minha mão, fechando-o.

"D-desculpa, eu não tinha nada pra fazer e—"

"Não consegue ficar quieta por um segundo?" – Ela guarda o livro e solta um suspiro – "Tudo bem, pelo menos são só os livros com páginas em branco."

"...páginas em branco?"

Percebo o olhar de Flann mudar repentinamente por um instante, antes de voltar a uma expressão relaxada – "É, nenhum deles tem nada escrito! Não sei porque a Momoka tem uma coleção inteira deles." – Flann começa a caminhar em direção à porta de entrada – "Enfim, o colar não vai se achar sozinho. Vamos?"

Estou cheia de perguntas, mas tenho prioridades. Não acho que agora é a hora. Decido cooperar, e acompanhar a Flann – "Vamos!"

[...]

Eu e Flann caminhamos por quase toda Theresa, procurando os indivíduos mais suspeitos que encontrávamos, fossem adultos, jovens, velhos, crianças, humanos, PorciusFadasa raça de insetos-humanos que eu não conheço o nome e não perguntei também, alguns tinham colares de prata, de ouro, de cobre, muitos sonhavam em ter um colar de qualquer material, mas na minha exaustão, e com o dia acabando, eu tive que admitir: Talvez o colar nunca mais fosse aparecer.

"Flann, vamos parar." – Eu digo, sentando na fonte no meio da praça central – "Eu desisto."

"Desiste?" – Ela cruza os braços – "Fácil assim?"

"Fácil?! Falamos com a vila de Theresa inteira! Ninguém viu o bendito colar! Quem pegou já deve estar longe." – Abaixo a cabeça. Vou ter que confrontar a minha avó sem nada pra me ajudar a ter respostas.

"Star." – Flann se aproxima, colocando a mão em meu ombro – "Você veio até mim, convencida de que o colar havia sumido da sua casa. Estava certa de que ninguém, além de mim e você, havia visto o colar. Passamos o dia todo conversando com cada morador dessa vila, até mesmo aqueles que estão aqui só de passagem, procurando por um suspeito. E sabe o que descobrimos?"

"...nada?" – Olho pra Flann.

Flann revira os olhos – "Descobrimos que, quem pegou seu colar, ou já saiu desta vila e está longe, como você sugeriu..." – Flann abre um leve sorriso – "...ou não foi ninguém da vila."

"Espera, como assim ninguém da vila?"

Ela senta do meu lado, se inclinando para perto, e começa a cochichar – "Eu sei que você conseguiu ler os livros de Momoka." – Minha espinha congela, e meu coração começa a palpitar rápido. Como ela sabe? – "Por isso, sei que posso contar isso pra você sem que você enlouqueça." – Flann se levanta, e extende sua mão para mim.

Seguro a mão de Flann, e ela me leva em silêncio pelo caminho que leva até o lago. Não consigo ignorar minha ansiedade crescente a cada passo. Finalmente chegamos ao lago e eu foco toda a minha atenção à água cristalina, só quero sair dessa situação tensa.

"Starlight." – Tremo ao ouvir meu nome. Como ela sabe meu nome? – "Percebi que tinha algo de diferente em você. Sua presença é radiante. Momoka sempre destacava a sua participação na rotina dela em seus diários."

"Você... também consegue ler?"

"Todos aqueles que têm acesso ao Mana conseguemler." – Flann se aproxima de mim novamente, acabo engolindo seco – "Mas aqueles livros foram selados pra que apenas uma grande capacidade mágica pudesse lê-los. Se você conseguiu ler..."

"Espera... selos? Magia? Mana??" – Dou um passo pra trás – "O que que é tudo isso?"

"Star, você já conseguiu manifestar algum tipo de poder? Algo 'fora do comum'?"

Fico em silêncio e encaro a palma das minhas mãos. As faíscas que eu solto desde criança... será que é isso? – "Eu consigo soltar faísquinhas das minhas mãos..." – Extendo a minha mão com a palma para cima, e faço força para que faíscas de luz comecem a saltar e sumir no ar.

Flann arregala os olhos e solta um leve sorriso – "Então você realmente consegue." – Ela cruza os braços e franze a sobrancelha – "Estava com medo de estar enganada."

Solto uma leve risada nervosa.

"Olha, Star. Você é uma garota legal, e parece ser confiável. Principalmente porque ninguém é tão burro a ponto de não suspeitar da única outra pessoa que viu algo que foi roubado." – Ok, não precisa ofender – "O que vou dizer é algo que pode abalar sua percepção do mundo como ele é. Você pode começar a duvidar de tudo, e todos à sua volta. Eu só quero que responda uma coisa: Você está preparada?"

Fico em silêncio. Sonhei por uma oportunidade de mudar a minha vida. Estou com medo, mas se eu não entrar de cabeça agora, talvez eu nunca vou ter outra chance. Respiro fundo, e respondo - "...sim. Eu estou preparada."

Flann sorri, mas seu sorriso logo se esvai – "Eu sei quem pegou seu colar. Vou te explicar no caminho, vamos ter que voltar até a cabana." – Ela começa a caminhar em direção à floresta, rumo à cabana.

Eu a acompanho, sem perguntas. Na verdade, tenho muitas perguntas. Só não vou fazê-las.

"Não sou só uma colhedora de cogumelos, amiga da Momoka. Eu e ela somos Caçadoras de Monstros. Eu mesma vou indo de vila em vila, cidade em cidade, capital em capital, procurando por monstros para caçar."

"Monstros? Tipo... outras raças?"

"Achar que outras raças são monstros é bem ofensivo da sua parte, Star." – Ela se vira, com um sorriso no rosto – "Mas você não sabia nem o que era mana, então eu vou deixar isso passar."

"Desculpe..."

"Quando você me encontrou na cabana, de madrugada, eu não estava procurando cogumelos. Eu estava procurando a fonte de energia negativa que eu havia sentido."

"É por isso que a cabana tem um sentimento... pesado?"

"Então você também consegue perceber isso. Bom saber." – Flann e eu paramos em frente à cabana. Um barulho de madeira quebrando ecoa de dentro dela. – "Parece que escapou."

"O quê, exatamente, escapou?"

"Meu alvo." – Flann sai em disparada em direção à porta, com um único salto e um único chute, ela quebra a porta velha da cabana, caindo elegantemente, equilíbrio perfeito.

"Uau..." – Boquiaberta por uns segundos, acabo acompanhando Flann para dentro da cabana, atenta a todos os cantos, buscando o 'alvo" – "E o que é o que estamos procurando?"

"Vou te dizer assim que você ver. Descrever só vai fazer ficar mais difícil de encontrar."

Eu e Flann ficamos de costas uma pra outra, buscando a ameaça por todo o cômodo. Dou uma rápida olhada para Flann, e percebo que ela está empunhando duas adagas, e não faço ideia daonde ela tirou aquilo, e nessa altura tenho medo de perguntar. Quando eu me viro para olhar de volta para o resto do cômodo, vejo por um instante, diante dos meus olhos, o alvo. Uma criatura pequena completamente vermelha, com uma boca enorme, parecendo uma geléia de sangue, voando em direção à minha face. E após esse instante, a criatura é arremessada para a parede, empalada pela adaga de Flann, que arremessou sua arma.

"Ali está." – Flann fica ao meu lado, me empurrando para trás com a mão livre. Não tiro os olhos da criatura, que começa a derreter, se livrando da adaga, deixando o colar preso na parede, e se reformando no chão, como a geleca nojenta que é – "Aquela criatura roubou seu colar, Star. Ela é a fonte de energia negativa que eu estava buscando na cabana. Nós, os caçadores de monstros, a nomeamos de Usui, os fracos. Fique atenta, e fora do meu caminho."

Droga. No que foi que eu me meti?

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

As coisas podem ficar confusas quando contadas pela perspectiva de uma única pessoa. Fiquem atentos.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Under Our Stars" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.