Meu Segredo escrita por Love Rosie


Capítulo 1
O meu segredo é ser segredo pra vocês


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!
Mesmo atrasada (tive alguns problemas pessoais que me impediram de publicar na semana passada, como deveria), é com muito carinho que trago essa one e esse Albus com o coração pesado.

Quero agradecer à Camila (prongs) por ter me convidado pra esse projeto tão importante na intenção de trazer mais diversidade pra uma história em que vemos tão pouco.
Acredito que Harry Potter se tornou tão gigantesco que não pertence apenas à autora, mas a todos nós que fomos tocados pela história, então cabe a nós usar nosso poder criativo para corrigir essas falhas.

Espero de coração que gostem dessa fic.



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—  Você precisa falar. – Rose atazanava em meu ouvido quando desembarcamos em King’s Cross para o recesso de páscoa.

— Não preciso, não. – rebati – Vocês da Grifinória que ficam nessa chatice de que é preciso enfrentar seus medos e blá, blá, blá. Na Sonserina não temos isso, não é Scorpius? – procurei apoio em meu amigo.

— Na verdade... – começou sem jeito – Eu também acho que deveria falar. Vai se sentir melhor quando contar, Al.

— Só está concordando porque é a fim dela. – acusei deixando ambos os meus amigos ruborizados.

— Não é nada disso. – Scorpius rebateu – E pare de fugir do assunto.

— Por que não me deixam em paz? Estou muito bem assim.

Tentava fugir dos dois, dar um perdido para poder clarificar as idéias antes de me encontrar com a minha família, porém a multidão de pessoas na plataforma me impediu de prosseguir de forma rápida e Malfoy e Weasley acabavam trombando comigo no fim das contas.

— Muito bem? – Rose riu com ironia após quase derrubar uma criança para me alcançar – Você engasgou com a própria saliva quando Fred perguntou se achava que a mesa da Corvinal tinha mais sobremesas do que a da Grifinória.

— Suou como um porco quando Lily perguntou para quem eram os chocolates extras quando voltamos de Hogsmead e eu tive de falar que eram meus! – Scorpius emendou,

— Teve aquele dia em que caiu da escada no Largo Grimmauld porque sua mãe estava com o convite da festa da Luna nas mãos e você pensou que fosse outra coisa.

— Ah, e se escondeu no banheiro e quase vomitou quando topou no corredor com...

— Está bem, está bem. Já entendi que esconder isso não está sendo benéfico para a minha saúde.

— Então vai contar? – Rose indagou esperançosa.

— Vou pensar. – murmurei – Não é assim tão fácil como pensam.

— Nós sabemos, Al. ­– minha prima foi complacente – E por mais que preferiríamos que colocasse tudo para fora de uma vez, temos plena consciência de que a decisão é sua e que vai saber o que é melhor para você.

— É, cara. E estaremos aqui, independente do que decida fazer.

— Estarão mesmo? – precisava da certeza porque não sei se agüentaria sozinho tudo o que me esperava pela frente.

— Nós meio que não temos escolha. Somos antissociais demais para fazer amizades novas a essa altura do campeonato.

— Fale por você, Malfoy. – a ruiva se fez de ofendida – Eu estou com a bola toda.

E rindo da idiotice daqueles dois, fui com mais confiança ao encontro do meu pai, que esperava por Lily e eu naquela tarde.

Pesquisas indicam que o filho do meio costuma ser o menos querido, o esquecido, especialmente quando depois desse vem a garotinha pela qual todos ansiavam. Tio Ron de vez em quando conversava comigo a respeito disso, dando conselhos sobre como lidar quando me sentisse em segundo plano e o complexo de exclusão foi superado pela identificação que tive com ele, afinal era inconcebível que um cara bacana e divertido como o tio Ron fosse excluído de alguma maneira.

Mais tarde, o fato de ter entrado para uma casa em Hogwarts diversa da dos meus pais, do meu irmão mais velho e, posteriormente, da minha irmã mais nova, fez com que esse complexo retornasse com força. E foi então que me apoiei em Scorpius que, apesar de ter ido para a mesma casa de toda sua família, se sentia deslocado entre seus parentes e colegas de classe. Foi a identificação com ele, desta vez, que me deu forças para encontrar meu lugar na escola.

Porém neste momento não conseguia pensar em ninguém que tenha passado pelo mesmo que estou passando e que possa, de fato, me ajudar. Por mais que conheça meus primos e saiba que Molly gosta de garotas e que Fred não liga muito pra gênero, não consigo sentir identificação. Molly é a filha perfeita que tio Percy sempre quis e o detalhe de sua sexualidade não era suficiente para mudar isso. Já Fred foi criado da maneira mais livre possível, tio George sempre apoiou os filhos sem reprimir nenhuma de suas vontades. É diferente.

No fim do dia eu ainda sou o filho do meio, aquele que veio errado quando os pais queriam uma menina. O do nome estranho. Aquele mais se parece fisicamente com o pai, característica que é um inferno quando se é filho de Harry Potter. Levemente protegido da mamãe, mas só porque era tão problemático na infância que ela tinha medo que o filho se quebrasse.

Mamãe... Sentado na sala, a observava passar calmamente o monte de roupas amarrotadas sobre o sofá da sala com o vapor quente que saía de sua varinha enquanto se balançava com uma música que tocava no rádio. Se tem alguém que nunca pediu demais de mim foi ela. Sempre pronta para rebater qualquer ofensa direcionada à minha pessoa. Lembro de uma vez em que ela puxou o cabelo de uma garota que me chamou de esquisito no parque. Eu tinha apenas 8 anos.

Se tem alguém nessa família que me conhecia era ela. Desde bebezinho conseguia diferenciar meus choros muito melhor do que fazia com James e Lily. Alguns anos mais tarde, era capaz de dizer se estava triste por James ter me atazanado, pelas crianças maiores não me deixarem brincar junto ou por ela dedicar mais do seu tempo a Lily do que a mim. Ela sabia que eu tinha medo de ir para a Sonserina, mas sabia também que era meu pai que precisava me tranquilizar quanto a isso. Ficou alegre pela minha amizade com Scorpius desde o primeiro segundo, sem demonstrar nem um pouco de surpresa, como se já esperasse por aquilo. Isso me fazia pensar às vezes se ela sabia ou pelo menos desconfiava do que eu me esforçava ao extremo para esconder.

                Perdido nessas reflexões, não reparei que a ruiva tentava se comunicar comigo.

— Desculpe, mãe, não ouvi o que disse. Pode repetir?

— Não tira a cabeça do mundo da lua, não é? – brincou – Estava falando sobre seu pai sempre se embolar para esconder os ovos e no fim das contas a tarefa sobrar para mim.

— Mãe, não é necessário esconder os ovos. Lily, que é a mais nova de nós, já está com 15 anos. James e eu já somos maiores de idade, pode simplesmente comprar os ovos e nos entregar.

Okay, má ideia falar isso. Mamãe se virou em minha direção com um olhar de profunda mágoa, completamente ofendida.

— Você gosta de doces, Albus? – indagou em tom ameaçador, com o indicador em riste apontado para mim. Me limitei a assentir com medo de qualquer movimento se tornar minha condenação – Você quer ganhar doces, Albus? – mesmo tom. Estava pensando se daria tempo de alcançar minha varinha no braço do sofá e aparatar antes que ela fizesse mais uma pergunta, mas novamente apenas assenti – Então se acha adulto demais para procurar ovos, mas gosta de ganhar ovos da mamãe e do papai, não é? Sem moleza este ano, mocinho. Se quiser seus doces terá de ir atrás, como em todos os anos.

 – Mamãe, não se esqueça que os meus são sem glúten. Estou tentando ter uma alimentação equilibrada. – Lily anunciou sua presença adentrando a sala.

— Poderá fazer exigências quando tiver sua própria casa, Lily Luna. – se virou agora para a pequenina Potter, me deixando livre. Não perdi tempo e subi correndo para o quarto antes que a discussão voltasse para mim novamente.

Se mamãe desconfiava ou não, aquela não era uma boa hora para abordar este assunto.

Três dias em casa e eu já estava me acostumando a ser acordado pela linda e melodiosa voz de Ginevra Potter. Não poderia classificar como agradável, mas era reconfortante ouvir seus gritos e saber que não eram direcionados a mim. Na maioria das vezes eram para meu pai que deixava manchas de café na mesa que ela acabara de limpar ou que esquecia a toalha jogada sobre a cama após o banho. Mamãe odiava trabalho doméstico, era boa nos feitiços, mas se irritava por ter que executá-los por irresponsabilidade nossa. Os gritos desta manhã, porém, eram direcionados a Lily. Não fazia ideia do que estava acontecendo, mas aparentemente ser a princesinha do papai não valia muita coisa quando o papai não estava presente.

Apenas quando ouvi a porta do quarto da minha irmã ser batida com força suficiente para derrubar um dragão é que criei coragem para levantar da cama. Se não fosse pelo estômago implorando por comida, nem me daria ao trabalho, porém a natureza sempre falava mais forte.

Troquei de roupa e fiz o melhor que pude para arrumar o quarto com o pouco conhecimento em feitiços domésticos que possuía. Me saía melhor em poções, mas poderia dizer que sabia me virar. Desci cuidadosamente as escadas, com medo de despertar a fúria de mamãe por qualquer movimento brusco que fizesse, no entanto não vi rastro dela até chegar à cozinha e vê-la sentada concentrada na leitura de uma carta.

— Bom dia. – desejei baixinho para não assustá-la.

— Ah, bom dia, Al. – desviou o olhar do papel – Já ia tirar a mesa do café, pensei que não acordaria nunca.

— Dormi tarde, estou preocupado com os N.I.E.M.s de Transfiguração, então fiquei um bom tempo estudando.

 Não era exatamente uma mentira, mas também não era a verdade completa.

Eu estudei na noite passada, mas passei a maior parte do tempo trocando mensagens através de um livro enfeitiçado que recebi de presente no meu aniversário de 17 anos. “Relacionamentos secretos exigem meios de comunicação secretos” era o que aparecia no bilhete junto ao embrulho deixado pela ave mais colorida que já vi na vida (e que nunca mais vi depois disso). Demorei a entender como aquilo funcionava. A princípio imaginei que fosse somente um livro sobre criaturas mágicas com observações feitas no rodapé por Lorcan Scamander, com descrições engraçadas do tipo: imagino que mesmo com o poder de mudar de cor, este bichinho não consegue atingir a coloração de vermelho do seu rosto quando digo que é a melhor coisa que me aconteceu, contudo, ao fim do livro, após a descrição de um animal cujo veneno possuía propriedades psicodélicas que faziam com que quem o tomasse conseguisse vislumbrar seu maior desejo e acreditasse que aquilo era mesmo real, havia um espaço em branco, o qual o livro indicava ser destinado a escrever qual o seu maior sonho, para o caso de ser picado pelo animal, a pessoa saber que não tinha passado de uma alucinação.

E assim que terminei de escrever, o papel respondeu. Bom, eu pensava que era o papel, mas era apenas o Scamander sendo brilhante outra vez.

Voltei à realidade com mamãe perguntando se não comeria nada. Me servi de mingau de aveia e sentei à mesa de madeira, ao lado dela.

— Luna me escreveu contando que a situação de saúde do Sr. Lovegood não está das melhores, então ela e as crianças decidiram passar o feriado com ele. Sabia disso? – indagou.

— Não.

É, agora era uma mentira completa, mas era só uma palavrinha, não é? Não fazia mal. Lorcan havia me falado como seu avô estava “se preparando para a maior aventura de que se tem conhecimento”. Os Lovegood tinham um jeito peculiar de enxergar a morte e mesmo estranhando um pouco, não podia deixar de admirar. Era único.

— Vou aproveitar que estarão por lá e convidá-los para o almoço n’A Toca.

Engasguei com o mingau e precisei que minha mãe desse tapinhas em minhas costas para que voltasse ao normal.

— Que? – indaguei espantado.

— Qual o problema, Albus? Você sabe que eles vivem por aí, não têm residência fixa, mal vejo minha amiga. – justificou – Além disso, sua avó adora receber visitas.

— O Sr. Lovegood não é meio lelé? – tentei alertar, na intenção de convencê-la a não fazer convite algum – E lembre-se de que eles não comem carne.

Ela pensou por um instante.

— Tem razão. – ah, que alívio – Vou pedir a Ronald para providenciar aquela tortinha de legumes. Detesto admitir, mas aquele preguiçoso cozinha bem.

— Que?

— Está meio surdo hoje, querido? Não nos incomodamos com Gui e Teddy comendo carne praticamente crua, também não vamos nos incomodar com os Scamander não comendo.

E sem dar mais explicações, saiu da cozinha para resolver suas pendências.

Há algo que talvez deva saber sobre mim: sou extremamente ansioso. E quando digo extremamente não estou exagerando. Convenhamos que para alguém que não tem a sexualidade assumida para o mundo, isso não é tão incomum.

Novamente pensei em mamãe e me perguntei se era a hora de contar tudo. Na verdade, não sabia se era o que de fato estava pensando ou se era a ansiedade falando por mim. Provavelmente a segunda opção. Uma parte de mim queria se livrar do peso do segredo logo, mas a outra era medo. E aí estava o porquê de eu não ter ido para a Grifinória. Talvez o Chapéu Seletor soubesse desde aquela época que este momento chegaria e eu me encontraria nesse impasse.

Se fosse James no meu lugar ele teria tido coragem, sem se importar com o que pensariam dele, já que nunca ligou para rótulos ou estereótipos, mesmo sendo filho de quem é. Se ele estivesse no meu lugar provavelmente teria encarado tudo com leveza, talvez até feito piada sobre estar sentindo atração por um homem ou por se apaixonar por um. Mas James era o filho que foi para a Grifinória, que era perfeito em Defesa Contra as Artes das Trevas sem esforço e que se tornou um artesão de vassouras talentoso (por mais que eu odiasse admitir), seguindo exatamente um caminho que orgulhava nossos pais.

                Se fosse Lily no meu lugar ela se desesperaria, com certeza. Mas saberia que papai não ligaria para isso porque ela é o tesouro dele e absolutamente nada do que Lily fizesse poderia mudar isso. Tenho certeza que se Lily matasse alguém papai não faria qualquer pergunta antes de ajudar a esconder o corpo. E sim, estou falando de Harry Potter.

Mas eu sou apenas o Albus. O que foi para a Sonserina e tem como melhor amigo um Malfoy. E que teve uma quedinha por este Malfoy antes de perceber que ele era irremediavelmente apaixonado por Rose. De qualquer forma, foi essa quedinha que me fez perceber que as reações que meu pai vergonhosamente explicou que aconteceriam comigo em relação a garotas durante a puberdade não aconteciam exatamente com garotas. Foi espantoso quando a ficha finalmente caiu e eu me dei conta do que aquilo significava. Lutei contra, tentei investir em Alice Longbottom, uma garota legal com quem tinha alguns gostos em comum, no entanto a vontade de beijá-la nunca vinha. Sua aproximação não me causava borboletas no estômago, sentir seu cheiro não me fazia suspirar, pensar nela não me causava arrepios e não era um corpo parecido com o dela que eu imaginava quando pensava intimamente em alguém. Era mais parecido com o de Scorpius, com o meu... Sem dúvidas, eu era gay e se isso já era uma constatação bombástica para adolescentes normais, imagine então para o filho do cara que mais atrai holofotes no mundo bruxo.

Era mais um item para a lista de esquisitices do Albus.

Já imaginava as manchetes: “Albus Potter, o sonserino de nome estranho que se associa a filhos de comensais da morte, é também gay e está namorando o filho excêntrico do famoso magizoologista Rolf Scamander”. Então jornalistas do Profeta Diário atormentariam meu pai todos os dias no Ministério e os colegas de redação vigiariam minha mãe durante o expediente soltando notas anônimas no jornal da manhã seguinte que diriam que ela se encontrava inconsolável em seu gabinete.

Quando se é filho do maior herói do seu tempo você aprende como funciona a imprensa. E nem mamãe, que é parte dela, consegue fugir disso.

Gina odiava quando se metiam na vida dela, quando anunciavam sua gravidez antes mesmo que ela pudesse dizer à família ou quando suas roupas viravam assunto em revistas femininas. Ela gostava da notoriedade em campo e só. Odiaria ser colocada no olho de um furacão depois de anos procurando sossego. Não poderia fazer isso com ela. Não poderia colocá-la na posição de me defender do mundo novamente.

Do outro lado estava Lorcan, e para mim não existia mundo sem ele. Ele foi compreensivo por um bom tempo, mas não seria justo condená-lo ao anonimato quando sua forma de viver era gritando ao mundo tudo o que pensava, sem medo de represálias. E meu egoísmo fez com que eu pedisse para que ele esperasse, que se limitasse até o momento em que eu estivesse pronto. Acontece que esse momento nunca chegou e com bastante covardia, fui empurrando as coisas com a barriga, enrolando, até que ele abriu o jogo e disse que por mais que gostasse de mim, uma relação escondida não é o que desejava para sua vida e que por mais doloroso que fosse, poderia aprender a viver sem mim, mas nunca seria capaz de viver sem liberdade.

Como eu disse, era coisa da alma dele e uma das características que mais admirava em Lorcan. Sempre soube que uma hora isso pesaria em nossa relação. Alguém acostumado a viajar o mundo sem se prender sequer a uma casa não poderia ser aprisionado a armários de vassouras, corredores escuros e salas de aula vazias. Era diferente de mim que já tão habituado a se esconder, nem entendia o que era de fato liberdade para poder almejá-la. Foi ele quem me falou como era ser livre, foi ele quem abriu meus olhos sobre um mundo diferente do que aquele que imaginei a vida toda. Lorcan era como o sol irradiando felicidade em mim. Ele me fazia sorrir, me fazia querer mais, me fazia cada dia mais apaixonado por ele.

E mesmo assim, temia ser visto junto dele sem a presença de mais alguém. Temia os cochichos, as piadinhas, a fofoca. Porém não havia nada que mais temesse no mundo do que perdê-lo e completamente motivado pelo medo havia tomado a decisão de voltar do recesso de Páscoa pronto para tornar público o nosso romance.

Bem, quando estava em Hogwarts o fator família não estava tão gritante. Mas a cada vez que olhava para os meus pais a determinação se esvaía um pouco, tornando-se quase nula. Eu precisava fazer, mas não estava preparado para lidar com as consequências.

E então mamãe aparece com a notícia de que no dia seguinte eu estaria em frente não somente da minha família, como também do cara que amava e da família dele. Será que Luna sabia? Se sim, comentaria algo com a minha mãe? Será que Lorcan entenderia aquele convite como um sinal verde e me trataria como namorado na frente de todos? Meus pais ficariam escandalizados. Será que ele ficaria com raiva de mim achando que eu nunca pretendi contar sobre nós aos meus pais e terminaria comigo de vez?

Tentei me comunicar com Scamander o dia todo através do livro, mas ele não respondia. Pensei em escrever uma carta, mas esta não chegaria a tempo e eu precisava de respostas até o jantar. O jantar, aquele evento em que nos reuníamos e falávamos sobre nossos dias. Em que meus irmãos e eu implicávamos uns com os outros, o que divertia meus pais. Era a ocasião em que mais me sentia grato por fazer parte desta família.

Mas eu queria mais. Eu precisava de mais. Fechei o livro e guarde-o de volta no malão. Não necessitava de uma resposta de Lorcan quando já tinha a minha: de hoje não passa.

Os minutos se tornaram horas dentro do quarto. Repassava o discurso na minha mente. Calma e harmoniosamente, com naturalidade, sem causar alarde. Contar desde o princípio. Ocultar a parte do crush em Scorpius, não é relevante. Importante falar sobre a tentativa com Alice. Frisar que não é uma escolha. Respirar e não se desesperar. Só no fim contar que estou com Lorcan.

— Albus, desça antes que seu irmão acabe com toda a comida. – ouvi meu pai chamar.

Desci as escadas que levavam ao andar inferior tropeçando em alguns degraus. Suava frio. Senti uma leve tontura. Será que minha pressão estava caindo? Meu estômago embrulhou ao sentir o cheiro da comida. Era peixe assado com batatas, o que eu adoraria em ocasiões normais, mas no momento só me dava ânsia de vômito.

James já estava sentado com o prato feito. Lotado, por sinal, o que explicava o grito do meu pai. Lily se servia de uma porção bem menor do que o nosso irmão. Meus pais se juntavam a ela no momento em que cheguei.

— Por que apenas quando eles estão aqui você cozinha esse banquete? – James perguntou de boca cheia para mamãe enquanto eu me acomodava na cadeira.

— Eles vieram passar apenas quatro dias em casa. Pare de ser ciumento. – papai respondeu no lugar dela.

— Além disso, você mal janta em casa. – mamãe rebateu – Vive chegando tarde.

Era evidente que isso a deixava ressentida.

— Eu tenho um emprego, mãe. Preciso me dedicar a isso.

— Estranho você começar a chegar tarde logo quando Dominique foi morar sozinha. – desta vez foi Lily quem se manifestou, provocando o primogênito.

É, meu plano não estava seguindo conforme imaginei. A parte da calma foi para os ares. Certo, mantenha a compostura, Albus. Se sirva e faça cara de paisagem até essa confusão toda terminar.

— Você está namorando a Dominique, James? – papai exasperou – A nossa Dominique?

Observei o moreno mais novo engolir com dificuldade o que estava mastigando. Suas sardas se destacavam cada vez mais pelo tom avermelhado que sua pele atingia.

— Fofoqueira. – rosnou para Lily antes de se virar para nosso pai, pigarreando antes de prosseguir: – Não é exatamente um namoro. Estamos... nos envolvendo.

— Envolvendo? É assim que os jovens chamam hoje em dia? – o tom de voz de Ginevra sobressaiu – Não acredito que anda chegando de madrugada em casa por estar se atracando com a minha sobrinha. Sua prima, James!

— E daí que é minha prima? Não é assim que as famílias bruxas fazem? Os primos acabam casando entre si e isso nunca foi um problema. – meu irmão começava a se irritar.

Bem, a história entre James e Dominique é antiga, desde adolescentes vivendo uma aventura em Hogwarts. Ela tem esse jeito rebelde e James uma aversão a regras. Acontece que as coisas entre eles eram intensas demais e acabaram desandando. Muitas brigas por motivos bobos, muita pegação em momentos inadequados. Só espero que estejam se entendendo de verdade desta vez e não apenas ignorando os problemas e resolvendo tudo com sexo.

— Olha, vamos conversar a sério sobre isso mais tarde. – a ruiva mais velha decretou passando a mão pela testa em sinal de preocupação e cansaço – Apenas deixo avisado que não estou preparada para dividir netos com meu irmão agora. Agora vamos comer.

Seria isso um sinal do Universo para que eu não falasse nada? Talvez eu devesse acatar.

Após alguns sons de garfo batendo, papai reinstaurou o diálogo:

— Lily, soube que estava planejando entrar no time de quadribol, é verdade?

— Ah, sim. Eu e Hugo andamos treinando ultimamente. Vamos tentar entrar no próximo ano. Ele como artilheiro e eu como goleira. – ela respondeu.

— E parece que quadribol não é a única coisa que ela anda treinando, pai. – James se intrometeu, lançando um sorriso falso à caçula.

— Do que está falando? – a ruiva indagou.

— Bem, soube que ela e o Thomas-Finnigan andam bem colados ultimamente. Muito colados, tipo quase se fundindo pelos corredores.

Espanto do meu pai, risadas da minha mãe. O caos havia retornado. Parei de prestar atenção porque James e Lily não pararam mais de se provocar e eu estava nervoso o suficiente com tudo aquilo. Harmonia? Não se desesperar? Aquilo mais parecia um hospício. Olhava para a comida e sentia vontade de jogar o prato na parede. Minhas mãos tremiam e fui tomado por uma vontade imensa de chorar. Era muito mais difícil do poderia imaginar. Olhava para os meus pais implicando com meus irmãos por suas relações heterossexuais. Se já estava assim com eles, comigo seria pior. Mas aí pensava em Lorcan, em seus olhos castanhos, quase amarelos, seus cabelos dourados e seu sorriso. Fechei os olhos e consegui enxergá-lo com clareza, sorrindo para mim, passando uma confiança que nunca me seria natural.

— Eu estou saindo com alguém. – saiu da minha boca como se eu não tivesse controle sobre ela, assim como não tinha sobre os olhos, que não abriram para ver as expressões dos presentes. Só sei que as vozes cessaram em questão de segundos e apenas a do meu pai voltou a preencher o local.

— Isso é ótimo, Al. – manifestou. Abri os olhos e ele me encarava com a expressão positiva.

— Ah, então quando é o Albus está tudo bem e quando é comigo tem algo errado? – Lily se revoltou.

— Albus é responsável e maior de idade.

— Não acho que seja este o caso, papai. Olha aqui, eu estou mesmo saindo com o Thomas-Finnigan e se tem algo contra isso, sinto muito. Mamãe mesma diz que...

— Dá pra calar a boca, Lily? – disse e percebi que pareci mais rude do que gostaria – Por favor? – acrescentei na esperança de reverter o efeito.

Por incrível que pareça, ela não voltou a falar, nem mesmo um resmungo.

— Você está pálido, cara. – constatou James.

Bebi um gole de água.

— Estou saindo com alguém. – repeti – E não é alguém convencional.

As expressões de dúvida foram unânimes.

— Como assim não convencional, filho? – mamãe largou os talheres e me ofertou uma atenção um pouco intimidante.

— Quer dizer que não é alguém como Dominique ou Jacob Thomas-Finnigan. É... diferente.

— Tudo bem, e quem é essa pessoa? Nós conhecemos? – Lily foi direto ao ponto.

— Se ele disse que não é convencional é claro que não conhecemos, idiota. – obviamente, foi James quem respondeu.

— Na verdade conhecem sim. – corrigi.

Segundos torturantes de silêncio.

Okay, Al. Agora que começou, pare de mistério de desembuche logo. – minha mãe estava na expectativa e eu me afundava cada vez mais na cadeira.

Péssima ideia, Al. Péssima ideia.

— Scamander. – murmurei, quase inaudível, mas Lily, que estava sentada ao meu lado, conseguiu ouvir.

— O que ele disse? – James indagou.

— Scamander. – a caçula repetiu para que todos ouvissem.

Não demorou que risadas preenchessem o local.

— Fez esse mistério todo para isso, Al? Tudo bem que os Scamander são mesmo meio excêntricos, mas não precisava desse alvoroço todo. Estamos bem com isso. – meu pai garantiu.

— Estão mesmo? – eu precisava confirmar. Observei a todos relaxados, aceitando muito bem a informação. Sem engasgos, gritos ou tentativas de enforcamento. Sem ninguém me colocando para fora de casa. Apenas normalidade.

— Claro que estamos. – ele reforçou – Afinal, Lysander é nossa afilhada, é uma alegria saber que agora ela também é parte da família.

Ah, aí estava o erro. Heterossexualidade compulsória. O alívio que senti segundos atrás abandonou meu corpo como se um dementador o sugasse de mim. Não sentia que tinha forças para dizer mais nada e ver meu pai continuando a comer como se estivesse tudo bem me desencorajou totalmente. James e Lily agora riam de algo juntos. Não queria destruir a normalidade desta família mais uma vez. Mas ela ainda me encarava curiosa e preocupada. Os olhos castanhos analisando cada expressão anormal do meu corpo e não consegui tirar os olhos dos seus movimentos seguintes. Colocou uma mecha do cabelo liso atrás da orelha, seus lábios se curvaram num sorriso delicado direcionado a mim, tocou levemente o ombro do meu pai e então falou baixo, mas audível a todos, numa calma reconfortante:

— Harry, acho que ele não está falando da Lysander.

Meu pai demorou um pouco para entender. Vi-o lentamente largar os talheres sobre o prato, como em câmera lenta. Talvez fosse condizente com o tempo de raciocínio daquela informação. Ele olhou primeiro para minha mãe em busca de confirmação e logo depois para mim. A expressão tentando passar neutralidade, mas os olhos por trás das lentes redondas demonstravam espanto gritante.

— Lorcan? – sua voz vacilou um pouco, mas não era agressiva ou decepcionada. Era apenas surpresa.

Assenti, sentindo meus olhos marejarem.

— Não escolhi isso. – minha voz saiu um pouco embargada – Eu juro que tentei. Tentei ser normal, eu juro que...

— Não escolhemos o amor, Al. É ele que escolhe pela gente. – para a minha surpresa, foi James quem disse. Me virei para ele, que me olhava com compaixão – Está tudo bem.

— Está tudo bem. – Lily replicou, tocando meu braço.

Eu não sabia, mas era só isso que eu precisava ouvir. Passei meses procurando por isso e me escondi com medo de nunca alcançar a conquista de ouvir essas três palavras da minha família. O acolhimento que nunca pensei que viria chegou cedo porque, de alguma forma, meu irmão sabia que era aquilo que eu precisava ouvir.

Mais tarde, naquela noite, entendi que era porque Fred explicou a ele que o apoio familiar era o mais importante nessas situações. Mais tarde, naquela noite, meu pai foi ao meu quarto explicar que não precisava me preocupar com os jornais, que deveria me preocupar apenas em ser feliz. Mais tarde, naquela noite, minha mãe me confidenciou que no fundo sempre soube e que torcia muito para que minha relação com Lorcan desse certo, mas também alertou que caso ele quebrasse meu coração, faria Luna colocá-lo de castigo e lançaria contra ele uma azaração ferreteante. Mais tarde, naquela noite, todos eles, inclusive Lily, garantiram que não me amariam menos por ser eu mesmo.

Mais tarde, na manhã seguinte, quando Lorcan chegou n’A Toca para o almoço, ele se sentou ao meu lado, entrelaçamos nossas mãos e nos divertimos ouvindo tio Ron reclamar do quanto Rose falava sobre Scorpius. Lorcan e eu não éramos uma questão, éramos somente mais um casal no meio de tantos por ali. E era só isso que precisávamos.

Normalidade.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!

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É isso. Se deliciem com todas essa histórias incríveis!
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