Born To Repeat History escrita por Mileh Diamond


Capítulo 1
Aposta


Notas iniciais do capítulo

Para a aniversariante do dia, espero muito que você goste desse primeiro cap e das lembranças que ele irá recuperar de uma certa fic que começou a saga Liliakov dos nossos plots x'D Sinto que era pra ter mais uma tonelada de açúcar aqui, mas eu tô com pressa e o amor vai no privado, licença u3u
Se você caiu aqui de paraquedas, prepare-se para um monte, e eu digo UM MONTE MESMO, de OCs criados por mim. Eles são uns amores :B

Sem mais delongas, boa leitura!!



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Yakov Feltsman treinava patinadores artísticos, formalmente, há 46 anos. Se levasse em conta situações mais genéricas em que ele apenas tinha que garantir que nenhuma criança perderia o dente de leite por patinar rápido demais, então ele teria mais de cinquenta anos de carreira.

 

Ele já tinha visto muita coisa naqueles cinquenta anos. Aprendera que por mais coisas vistas, seus alunos sempre conseguiriam surpreendê-lo de alguma forma. E por mais que ele sempre apresentasse aquela carranca mal-humorada, ele ficava genuinamente feliz com cada surpresa.

 

A menos que seja uma surpresa idiota. E isso seus alunos faziam quase todo dia.

 

Aquele com certeza seria um daqueles dias quando ele ouviu risadas suspeitas no corredor dos vestiários.

 

— Duvido você fazer um spin.

 

Aquilo interrompeu imediatamente seu caminho até o escritório. Nenhuma palavra ali soava errada para a realidade de um rinque de patinação, mas algo naquele tom soou cinco alertas vermelhos em sua cabeça. Só faltava o cheiro de fumaça para ele chamar os bombeiros.

 

— E eu aposto que você não consegue fazer um double sem cair!



Certo, agora ele estava preocupado.

 

Mudando sua rota em direção aos vestiários, o lado dramático de sua mente já esperava encontrar garotos tentando triples em sapatos de salto femininos ou algo envolvendo uma motosserra. O lado dramático também era o mais criativo.

 

Mas quando chegou ao corredor, não havia sapatos de salto nem motosserra nenhuma. Apenas quatro adolescentes e um adulto feito, mais alto que Yakov, parados no corredor esperando Mila Babicheva fazer algo extraordinário, pelo visto.

 

 

Não havia nada de anormal ali. Yakov franziu o cenho desconfiado.

 

— Mas o que raios vocês... - no segundo passo dado seus pé escorregou para frente como se estivesse pisando em gelo polido.

 

Felizmente, sua experiência como patinador o fez recuperar o equilíbrio rápido e se apoiar na parede para não levar um belo tombo. O máximo de estrago feito foi um susto e uma careta.

 

— Treinador!! - seus alunos gritaram todos ao mesmo tempo, provavelmente temendo que o (muito) velho técnico se machucasse. - Cuidado, treinador, o senhor pode quebrar uma costela!



Yakov fechou a cara ainda mais para a ideia. Ele ainda ia pro gelo com aqueles pirralhos e eles ousam dizer que ele quebraria alguma coisa se caísse? Juventude desavergonhada, essa a de hoje.



Mas não era esse o assunto mais preocupante do momento e sim, o porquê daquele piso não estar apto a uma caminhada normal.

 

 

— Por que esse chão está tão escorregadio? - ele perguntou pisando com um pouco mais de força no chão e confirmando o perigo maior do que cascas de banana em desenhos animados. - Onde está o aviso de "piso molhado"?

 

— Não está molhado, está com cera. - Mila foi a primeira a responder, as mãos escondidas atrás das costas como uma criança que foi pega roubando um biscoito. - As tias da limpeza exageraram dessa vez...

 

— E o que vocês estão fazendo aqui? - ele perguntou analisando o rosto de cada um ali.

 

Quatro patinadores dele e um aluno do hóquei, filho de uma das treinadoras da patinação artística. Ele sabia muito bem o passado de cada uma daquelas pestinhas, assim como as caras que diziam "Fiz besteira e sei disso".

 

— A gente... - Kirillov, do hóquei, tentou tomar a frente e depois olhar para seus companheiros, como se esperasse que alguém continuasse para ele. Era ridículo o quanto ele parecia com a mãe no quesito "Parece um anjo, pode tocar fogo no parquinho".

 

Yakov já estava cansado de esperar, de forma que se virou para o - em tese - ente mais responsável daquele grupo.

 

— Alexander. - não era sequer uma pergunta, ele queria uma resposta clara e objetiva vinda de Shura Navachine, o adulto, sobre o que raios eles estavam fazendo ali.

 

Shura deve ter tido algum flashback de guerra sobre a vez em que ele e Victor demoraram demais para confessar quem havia derrubado refrigerante no zamboni, pois logo ele endireitou a postura e respondeu rápido:

 

— A gente estava treinando elementos de patinação no chão com cera. - ao terminar de falar isso, ele fechou os olhos como se desse conta do quão idiota era o que acabara de dizer.

 

— É. - Mila voltou a falar. - É mais difícil do que parece.

 

— E é divertido! - outro patinador adicionou animadamente, sendo seguido pelos outros mais novos.

 

Yakov sentiu que perdera um neurônio só de ouvir aquilo.

 

— Patinando num piso com cera. - ele repetiu a frase devagar, saboreando o gosto amargo da decepção que cada palavra lhe proporcionava. Realmente, ele não devia se impressionar. - Essa é a coisa mais retardada que eu já ouvi essa semana. O que vocês esperavam? Escorregar e quebrar um pescoço?!

 

 

 

 

Ele disse "essa semana" porque, praticamente, todo dia havia algo idiota acontecendo ali. Mas aquela com certeza iria para o top 15. O nível de absurdo era difícil de calcular.

 



Todos os presentes, mesmo os que não eram seus alunos, abaixaram a cabeça em aparente arrependimento pela bronca.

 

 

— Desculpe, treinador. - eles disseram praticamente todos juntos. Devem ter ensaiado pois sabiam que seriam pegos.

 

 

 

 

 

Mas Yakov ainda não estava satisfeito. Ele virou-se novamente para Shura com uma expressão séria.

 



— Navachine, você tem 24 anos. Você é um adulto. Qual a sua desculpa para essa palhaçada?

 

Shura levantou a cabeça e coçou a nuca, como se estivesse procurando um argumento bom o suficiente.

 

— Eu... estava garantindo que as crianças não iam se machucar?

 

— Ei, eu não sou criança! - Mila teve a necessidade de acrescentar, mas logo que viu a cara feia de Yakov, voltou a ficar quieta.

 

O velho técnico balançou a cabeça em negação enquanto colocava a mão no rosto de frustração. Ele precisava de um café agora.

 

— Só me aparece isso. Circulando, todos vocês. - ele disse gesticulando com a mão para que o grupo se dispersasse. - Navachine, ache a placa de "piso molhado" com o zelador e deixe ela aqui. Eu não quero mais ninguém deslizando no chão numa competição de quem é mais idiota!



 

Houve alguns "Sim, senhor." murmurados enquanto os meliantes saíam dali para se ocupar em atividades, esperançosamente, menos perigosas. Yakov confiou que Navachine iria fazer o que ele pedira e voltou para seu escritório.

 



Patinar num chão com cera... O que aquelas crianças tinham na cabeça?! Era de acabar com a paciência de qualquer um!

 



Ele com certeza não era tão estúpido com a mesma idade.

 

———

 

1965

 

Se perguntassem como a conversa foi de ginastas gatas para quem mais aguenta o clima frio na CSKA, Yakov não saberia responder. Era o vestiário, nada de normal acontecia no vestiário. Mas dizer que Lev Batalov conseguia ficar mais de três minutos no frio sem reclamar era a maior mentira da Terra e ele tinha que contestar.

 

— Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi. - ele disse se metendo na conversa de Lev e Dimitri sobre quem melhor suporta o inverno de Moscou. - Lev é o mais fresco aqui, ele seria o primeiro a desistir e correr pra debaixo de um cobertor.

 

Lev pareceu extremamente ofendido com aquilo. Ele era nascido e criado em Moscou, quem Feltsman pensava que era? Mas ao invés de discutir por coisas bobas, eles resolveriam aquilo como homens.

 

— Quer apostar? - o moreno disse arrebitando o nariz em sinal de desafio. Dinheiro sempre traz o pior da humanidade. - Eu vou apostar.

 

— Eu não entro nessa história. - Dimitri Nabiyev disse já pronto para pegar suas coisas e ir embora. Sentia que sobraria pra ele e de confusão ele já estava cheio naquela semana. Já lhe bastava Efimiya e o incidente com o vigilante patrimonial.

 

— Ah, você vai entrar sim, eu quero apoio moral.  - Lev disse segurando o outro pelo suéter e encarando Feltsman com os olhos azuis cintilando de seriedade. - Duvido você ficar mais tempo do que eu sem casaco no gelo.

 

Ah, mas isso seria mole. Yakov até riu para a ingenuidade de Lev com aquela aposta. Ele era o que tinha a maior resistência ao frio ali. Ficaria alguns rublos mais rico sem esforço.

 

 

— Fechado. - ele disse estendendo a mão. - Vai valer o que?

 

— Vinte rublos. - Lev disse apertando a mão de Feltsman e selando o compromisso. - É só o que eu ganhei nessa semana olhando a turma infantil.

 

Antes que Yakov pudesse reclamar que aquilo era uma mixaria, Ilya Korbut apareceu ao lado deles com a rapidez de um agente da KGB que ouviu uma palavra em inglês.

 

— Opa, opa, eu ouvi falar de dinheiro. - não era nem uma pergunta, o bielorrusso sabia que eles estavam planejando algo e queria entrar no trâmite. - Qual é o esquema?

 

De repente, Yakov sentiu que havia pessoas demais presenciando aquele acordo e se sentiu desconfortável. Dois é bom, três é demais e mais que aquilo já seria caso de polícia. Anatoly havia entrado no vestiário junto com Ilya e, até agora, só observava a tudo em silêncio para dar sua opinião final. Num canto com os armários, Daler Bandishoev estava cuidando de sua vida como uma pessoa decente. Ele não andava muito com a gangue, provavelmente temendo alguma encrenca que o mandasse de volta para sua fazenda de galinhas no Tajiquistão.

 

— Estamos apostando quem aguenta patinar mais tempo sem casaco nesse frio. - Yakov respondeu.

 

Ilya segurou um riso.

 

 

— Só sem casaco? - ele disse em tom de deboche, cruzando os braços logo depois. - Isso é aposta de mariquinha. Duvido vocês ficarem sem camisa.



 

Um "Oh" lento e coletivo foi ouvido entre o grupinho, cada um analisando as circunstâncias daquele desafio. Se sem casaco já seria desconfortável, sem camisa seria um verdadeiro porre. Certamente, parecia uma aposta mais desafiadora. E perigosa.

 

Lev cobriu o peito com os braços como uma moça que foi pega só de toalha.

 

— Ilya Korbut, você nunca me pagou um copo de kvass que fosse e agora quer ver meu corpo nu.

 

— Ai, que nojo. - Dimitri fez uma careta com a imagem mental.

 

— Se fosse para ver um frango depenado, eu iria num açougue, Batalov. - Ilya deu de ombros, despreocupado. - Eu entro nessa jogada pela grana. Quem mais está disposto a contribuir?

 

— Eu. - Anatoly finalmente se manifestou erguendo a mão. - Quero o dinheiro pra hoje.

 

Ilya olhou para Bandishoev no canto. Eles tinham uma proximidade maior por causa da dança no gelo.

 

— E você, Daler?

 

— Estou fora. - o tajique respondeu sem humor, fechando seu armário. - Vai ter um monte de meninas olhando. E, diferente de vocês, perdedores; eu tenho namorada. Depois me contem a vergonha alheia que isso foi.

 

Ele saiu sem melhores despedidas e tanto Dimitri quanto Anatoly começaram a zoar com a parte da "namorada". Yakov secretamente tomou as dores de Daler. Eles deviam estar com inveja, isso sim.

 

Mas uma coisa que ele disse pesou em sua consciência e ele estalou os dedos, só agora se dando conta.

 

— Droga, nós esquecemos das meninas. - elas deviam estar acabando a aula de balé agora. Lilia estava no rinque hoje, também. - Vocês querem fazer isso hoje?

 

— Se não for hoje, vocês vão amarelar, tenho certeza. - Lev argumentou. Conhecia seus amigos: os planos tinham que ser executados o quanto antes, senão eles tomavam juízo e perdiam toda a graça. - A gente avisa que a pista virará um espaço de indecência por tempo indeterminado, elas só vão aparecer se quiserem.

 

Ilyar revirou os olhos.

 

— Claro que elas vão aparecer, não têm um pingo de vergonha na cara. - ele parou e pensou um pouco. - Baranovskaya talvez tenha um pouco, não sei. O que você acha, Yakov?

 

— Não tem. - ele respondeu sem nem pensar muito no assunto, mas a ideia de que Lilia não só viria ele, como todos os patinadores CSKA, sem camisa; lhe deixava incomodado. Isso e por causa das outras meninas, é claro. - Mas eu ainda acho desrespeitoso ficar andando por aí sem camisa com um monte de garotas em volta.

 

— Yakov, quase todo mundo aqui é de pares. A gente já viu coisa demais do universo feminino para tratar aquelas garotas como "garotas". Aposto que elas pensam o mesmo. - Anatoly comentou e todos ali tiveram que concordar. As meninas deles não podiam ser colocadas na mesma categoria que meninas normais. Se o fizessem, não sabia dizer se era uma ofensa às normais ou às moças da CSKA. - Vamos logo com isso, aproveitar que a pista ainda não está aberta ao público.

 

Cada um foi concordando e assentindo com aquilo, selando que sim, aquela aposta aconteceria e seria naquele dia mesmo. Ainda havia uma parte da mente de Yakov que dizia que aquilo seria vergonhoso, mas não adiantava pular do barco agora. Com sorte, Lilia iria embora antes que tivesse chance de ver pele masculina demais.

 

 

Quando todos já haviam feito sua contribuição para o prêmio da aposta (oitenta rublos e um almoço pago no restaurante do fim da rua) e já estavam se preparando para sair do vestiário, Lev levantou a questão:

 

 

— Espera, ninguém vai questionar como Yakov sabe que Baranovskaya não vai ter vergonha de ver a gente sem camisa?

 

Yakov fez uma cara feia e empurrou o moreno para que saísse logo do caminho da porta.

 

— Não, ninguém vai, vamos terminar logo com isso. - ele resmungou.

 

A verdade é que todo mundo questionou, mas já cansaram de tentar entender aqueles dois há muito tempo. Para todos os efeitos, Lilia e Yakov já estavam casados, só que nem eles mesmos sabiam disso ainda.

 

Hora de passar vergonha.


———

 

 

 

Quem foi avisar as meninas sobre o desfile sem pudores foi Lev, o organizador do evento. Àquela hora, a aula já tinha acabado e elas só estavam jogando conversa fora em cantos espalhados da sala enquanto fingiam que estavam alongando.

 

 

Aproveitando que Madame Kupskaya estava conversando com meninas de outra turma, Lev entrou discretamente na sala para cochichar a notícia para o grupinho. Elas não emitiram nenhuma grande reação e ele foi embora sabendo que havia, sim, plantado a semente da discórdia com aquele comunicado.

 

Passados talvez três minutos da saída de Batalov, com as meninas já tomando coragem para se levantar do chão e continuar vivendo, Irina se pronunciou.

 

— Gente, eu vou lá. - ela disse decidida, mas num tom que esperava acompanhantes.

 

— Irina, não. - Efimiya disse com uma careta de nojo.

 

— Irina, sim. - a loira rebateu fechando sua bolsa de acessórios de balé. - São atletas de alto calibre patinando com o torso à mostra, eu tenho direitos.

 

— São os meninos, Irina, não os pôsteres perfeitos do Yuri Gagarin. - Efimiya voltou a reclamar. Elas viam os meninos todos os dias, qual a graça naquilo? Seria patético. - A coisa mais sexy que já ouvi de um deles foi "Amanhã vou lavar o cabelo".

 

— É só não olhar pra cara de ninguém e só focar mais em baixo. - Irina sugeriu, olhando para as outras cheia de expectativa. - Vamos, gente, preciso de alguém pra fazer coro de assovio comigo!

 

 

Lukerya Korbut concordou sem grandes contestações, Efimiya foi convencida por voto da maioria e Lilia só aceitou porque queria procrastinar sua volta ao internato. Estava frio. Ela não gostava de andar no frio.

 

— A primeira a chamar meu irmão de "gostoso" leva um tapa, ouviu? - Lukerya avisou apontando para cada uma das presentes. - Eu vejo aquele infeliz sem camisa desde que eu nasci e, acredite, "gostoso" é a última palavra que ele merece.

 

— Te entendo, Luka. - Lilia comentou. Ela crescera numa casa com três irmãos mais velhos, havia homens demais em sua vida para ela ser afetada. - Vamos lá, quero ver quem morre primeiro de hipotermia.

 

E assim elas foram, suadas da aula pois não teriam tempo de se trocar no vestiário com a pressa de Irina. Nem todo o suor do mundo impediria Lilia de usar um casaco e foi isso mesmo que ela fez.

 

Ela só achava que elas escolheriam um ponto mais escondido para observar os meninos.

 

— Eu achei que seríamos mais discretas. - Lilia disse com uma careta quando elas se viram bem na entrada do rinque, com a melhor visão possível do evento.

 

— Eu estou surpresa que Irina não decidiu entrar no gelo com eles. - Efimiya adicionou entediada. - Nem sei por que esse alarde. Eles vão tirar a camisa, não as calças.

 

— Efimiya, você reclama demais, sinceramente... Ah, oi, Dimitri! - ela logo mudou o tom da conversa ao ver o garoto chegando.

 

Dimitri só estava com uma blusa de manga fina e já estava morrendo. Normalmente, nessa época do ano, ele só saía do quarto com três casacos e uma ushanka. Sua franja cobria bem o olhar de ódio ao frio que ele sentia nesse momento.

 

— Estou a um passo de pular fora dessa palhaçada. - ele reclamou retirando os protetores de patins e entrando no gelo. - Do que adianta dinheiro se eu vou morrer congelado?

 

— Isso vale dinheiro? - Lilia perguntou. - Pensei que só valia a honra masculina ou qualquer coisa assim.

 

— Vale oitenta rublos. - ele disse de braços cruzados, tremendo. Como ele patinaria todo travado desse jeito?

 

— Começou a me interessar. - Efimiya disse juntando as mãos. - Dima, eu confio em você para ganhar os nossos oitenta rublos.

 

Dimitri mandaria um dedo do meio para ela se sua mão não estivesse congelada. Antes que ele tivesse a chance, Anatoly, Yakov e Lev chegaram. Os dois primeiros estavam só de camiseta e Lev estava com a jaqueta da equipe.

 

— Olá, meninas. - Lev disse se apoiando sobre o muro com um sorriso de guia turístico. - Hoje vocês vão irão ver uma prova de resistência muito viril. Torçam por seus favoritos e aproveitem o-

 

— Para de enrolação. - Yakov trombou nele de propósito. Querendo acabar logo com aquilo, já com as mãos prontas na barra da camiseta, ele fez uma careta mal-humorada para as meninas. - Vocês não podem olhar pra outro lugar?

 

Quem fez careta agora foi Irina.

 

— Yakov, você está atrapalhando meu entretenimento.

 

— Sem drama, Irina, sem drama. - Anatoly interviu calmo. - Não se preocupe, Yasha, eu protejo sua privacidade.

 

Assim que disse isso, Anatoly tirou a própria camiseta e a ergueu como uma cortina para esconder Yakov dos olhos famintos. Vale dizer que Irina soltou um grito agudo para a cena, Lukerya ergueu as sobrancelhas ligeiramente, Efimiya nem piscou e Lilia, surpresa com a ação, arregalou os olhos e desviou o olhar inconscientemente, disfarçando com uma tosse falsa. Levou apenas alguns segundos para se recompor e voltar a olhar para Anatoly como se nada tivesse acontecido. Mas nada que fizesse poderia esconder as suas bochechas coradas de vergonha. Aliás, Tolya tinha um corpo muito bom.

 

Yakov de fato aproveitou-se do biombo improvisado para se livrar da camisa em paz, mas isso não diminuiu sua cara feia. Pelo contrário, ela pareceu piorar ao perceber todos os paparicos femininos em cima de Anatoly. Ele nem entendia o porquê, ele estava bem mais em forma que Ganshin!

 

Yakov decidiu que ele também tinha direito de agir como um idiota. E foi por isso que ele entrou na frente de Anatoly para se exibir.

 

 

— Obrigado pela cortina. - ele respondeu ao ruivo. Patinando até o muro, ele se deu ao vexame de jogar o cabelo para trás e conseguiu até um suspiro mais profundo de Lukerya. - Lilushka, pode cuidar disso aqui pra mim? Eu tenho medo de que esses idiotas me roubem.

 

Ele estava falando da camiseta e Lilia agora estava num pânico silencioso por não saber para onde olhar. Se olhasse para a camiseta, acabaria olhando para o abdômen de Yakov que havia ficado mais sarado desde a vez em que ela o encontrou lutando boxe. Se olhasse para a cara dele, ele iria perceber o quanto seu rosto estava mais vermelho que o uniforme da CSKA. Ela optou pela camiseta, no final, repetindo mentalmente que não era nada demais. Era apenas o Yasha. Apenas. O. Yasha.

 

 

— Tá. - foi tudo que ela conseguiu dizer enquanto recebia a camiseta, já a dobrando por questão de hábito. - Boa sorte.

 

Satisfeito com a resposta, ele patinou até o centro do rinque, onde Lev, Anatoly e Dimitri já estavam sem nenhuma camisa e apostando uma espécie de corrida. Yakov decidiu que era uma boa oportunidade para treinar seus saltos e foi para um canto mais afastado.

 

— Linya ganhou até camiseta de brinde, isso é que é ter privilégio. - Lukerya cochichou para Efimiya, num volume alto o suficiente para todas ouvirem.

 

— Ei, Lukerya, pensa rápido. - Ilya disse se aproximando atrás delas já com o torso exposto. Sua irmã não teve muito tempo de reação e recebeu uma camiseta na cara.

 

— Ah, que nojo! - Lukerya reclamou pegando a roupa com a ponta dos dedos. - Em que ano você lavou isso?

 

— Não sei, mas tá limpa. - ele disse entrando no rinque. - Agora me dêem licença, eu tenho uma aposta pra ganhar.

 

— Exibido! - Lukerya gritou o suficiente para ele escutar.

 

Nenhuma das outras meninas realmente prestou atenção na briga de irmãos, pois elas estavam muito ocupadas secando os seis perfeitos gominhos na barriga de Korbut, assim como os braços tonificados. De repente, Lilia sentiu que seu casaco havia ficado quente demais.

 

A coisa só melhorou a partir dali, pois os meninos foram benevolentes o suficiente para patinarem bem próximos a elas de vez em quando. Yakov vinha pouco por vergonha e Dimitri desistiu depois de cinco minutos, mas elas ainda tiveram belas visões. Nenhum ali era de se jogar fora. Lilia se sentiu horrível por fazer bico após Lev também sair e colocar uma blusa. Ele era um de seus favoritos.

 

Irina resolveu que colocaria em palavras o que todas ali estavam pensando:

 

— Ok, gente, eu sabia que ia ser bom, mas não achava que ia ser tão bom sim. - ela nem tirou os olhos dos meninos enquanto falava.

 

— Irina... - Lilia queria soar repreensiva, mas só era uma desculpa para ela não parecer tão afetada assim.

 

— O que? Eu tô mentindo?! - ela olhou para a mais nova enquanto apontava o grupo no gelo. - Os meninos estão no ponto, pelo amor de Deus.

 

— Eu não vejo nada demais. - Lukerya disse desinteressada. - Esperava mais do Anatoly, para ser sincera.

 

— Lukerya, eu já peço desculpas desde agora, - Efimiya finalmente se manifestou após tanto tempo de silêncio e corpos definidos. - mas, porra, o que vocês comem na Bielorrússia? Ilya é mais trincado que a parede do dormitório!

 

— Até você, Efimiya?! - Lukerya se virou horrorizada. De todas ali, Koziminskaya era a última de que ela esperava aquilo.

 

— Cara, eu posso ser um monte de coisa, mas não sou cega. - ela disse tentando soar séria, mas suas bochechas vermelhas a denunciavam completamente. - Olha aquele tanquinho. Dá pra lavar roupa num negócio daqueles.

 

 

Lilia teve que balançar a cabeça algumas vezes para abandonar a imagem mental que criou de Ilya numa propaganda de máquina de lavar. Exceto que não havia nenhuma máquina de lavar no pôster e ele seria a máquina de lavar.

 

— Verdade, Ilya é o mais definido ali. - Irina concordou com um dedo no queixo. - Também esperava mais do Tolya. Acho que a culpa é minha por enchê-lo das porcarias que eu cozinho.

 

— Ah, vocês só podem estar de palhaçada com a minha cara. - Lukerya decidiu que era humilhação demais para o seu ser. O show acabou. - Ilya, sai desse gelo agora!

 

— Que? - o loiro responde do outro lado da pista. - Eu, não! Ainda estou muito bem aqui, vou ganhar uns bons rublos nessa jogada!

 

 

Lukerya semicerrou os olhos de raiva.

 

— E sabe onde você vai enfiar esses rublos depois?! - ela gritou irritada. - Sai daí, eu estou mandando, seu...!

 

O resto da conversa não foi totalmente entendida pelos demais, pois foi feita em bielorrusso frenético e aparentemente ofensivo. Se Lilia tivesse que apostar, alguém foi chamado de "porco" e houve alguma ameaça sobre revistas de atrizes bálticas. Durante a discussão, Yakov abriu mão de seu posto e patinou até a saída, o nariz vermelho e fungando.

 

— Acho que me resfriei. - ele disse recebendo a camiseta de novo.



 

 

Lilia  revirou os olhos.

 

— Puxa, que surpresa. - ela disse em claro sarcasmo. - Vai colocar um casaco, logo. Você pode ficar doente de verdade assim.

 

— Com licença. - Yakov pegou a mão dela e tirou a luva de lã, expondo a palma para o frio cortante. E como ele não tem vergonha nenhuma, colocou a mão dela no próprio rosto gelado e relaxou. — Agora sim, um aquecedor gratuito.

 

— Babaca. - ela reclamou tirando a mão e devolvendo-na para o calor da luva.

 

Pelo visto, a briga dos Korbut teve Lukerya como vencedora, pois Ilya saiu contrariado do rinque. Isso tornava Anatoly o vencedor da aposta.

 

 

— Ganhei. - ele disse com um dar de ombros debochado. - Cadê a minha grana? Eu quero comer.

 

— Eu sempre acreditei em você, Tolya! - Irina comemorou pelo seu parceiro. Era mentira o que disse, mas o que vale é a intenção.



 

Enquanto  os meninos iam atrás de Lev para reaver o dinheiro do prêmio, as meninas voltaram para o vestiário o qual deveriam ter ido mais cedo. Lá dentro, depois que a maioria já havia tomado uma merecida ducha quente para tirar o cansaço da aula dos ombros, Irina perguntou enquanto penteava o cabelo molhado:

 

 

— Certo, podemos então concordar que Ilya Korbut é o mais delicinha dessa equipe?

 

Lilia e Efimiya suspiraram inconscientemente e Lukerya quis morrer.

 

— "Delicinha", Irina? Você realmente pensou antes de falar isso? - ela perguntou descrente, voltando a organizar sua bolsa com um pouco mais de violência que o necessário. - Eu odeio todo mundo aqui. E prefiro o Yakov.

 

 

— Como assim "delicinha"? - Tanya Totmianina, a bebê do grupo que estava por fora da fofoca, perguntou confusa de onde estava no banco. - É tipo "bonito"?

 

— É sim, Tanya. - Lilia confirmou antes que alguém tentasse explicar e acabasse com a inocência da menina. - Voto no Ilya.

 

— Ilya. - Efimiya confirmou seu voto.

 

— Eu acho Yasha Eliseevich bonito... - Tanya também contribuiu com sua opinião. Mas então ela percebeu que Lilia Vasilievna estava ali e tratou logo de consertar com o rosto corado. - Mas os outros meninos são bonitos também!



As meninas riram e Irina bagunçou o cabelo da mais nova.

 

— Obrigada pelo seu voto, Tanya, ele será levado em conta. - ela contou nos dedos a votação. - Ilya, três; Yakov, dois. Temos um vencedor, Korbut ganhou o prêmio "delicinha de inverno" desse ano.

 

— "Delicinha de inverno". - Efimiya juntou as palmas das mãos sobre a boca, questionando todas as suas escolhas na vida que a trouxeram para esse momento. - Eu realmente cheguei ao fundo do poço. Esse deve ser o ponto mais baixo da minha existência.

 

— Você prefere "delicinha de inverno" ou "em qual tanquinho dá pra lavar mais roupa"? - Lilia perguntou com um sorriso sugestivo. - Foi você quem disse.

 

— Não precisa jogar na cara, Lilia! - Efimiya reclamou escondendo o rosto de vergonha.

 

Se perguntassem para qualquer uma delas, aquela conversa nunca aconteceu.


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Notas finais do capítulo

Não acho que tem alguma trívia necessária aqui, apenas a óbvia informação de que Yakov inventou o movimento Rei do Gado :vvvvvvvv

Até a próxima!!
XOXO



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