Papai escrita por Sill Carvalho, Sill


Capítulo 1
Capítulo Único — Papai


Notas iniciais do capítulo

OneShot especial de dia dos pais.
Espero que gostem.



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Sob o céu claro, em meados de primavera, caminhando no gramado verde recém-cortado onde o cheiro de grama ainda estava impregnado no ar, o contraste doloroso com as vestes pretas daquela família, difícil não notar.

A menininha, de nove anos de idade, caminhando de mãos dadas com o irmão mais velho, Edward, com quatorze anos, seguindo o cortejo que terminaria no túmulo do pai. Lágrimas molhavam seu rosto corado refletindo a luz forte do sol.

Vez por outra, a brisa morna soprava uma mecha loura de seus cabelos lançando-a no rosto. Quando se recusava afastá-la, Edward erguia a mão fazendo por ela.

Passos incertos os levavam ao momento da despedida final.

Logo atrás dos dois vinham à mãe, Esme, de mãos dadas com Jasper, o filho do meio, com doze anos. Os óculos escuros ajudavam disfarçar o olhar triste e inchaço adquiridos desde que tudo aconteceu. Enquanto Jasper parecia anestesiado.

O cortejo terminou diante o túmulo aberto. Pelos últimos minutos de despedidas, enquanto palavras que representavam o adeus e davam certo alento eram ditas, Rosalie chorou ao lado do irmão que, naquele momento, tentava ser forte por ela e pelo restante da família. Aceitando a difícil tarefa de ser o homem da casa ainda que tão jovem.

Ao sinal da descida do caixão na cova, Esme estendeu a mão buscando a mão pequena de Rosalie, ficando os quatro então de mãos dadas. Rosas de cor branca foram lançadas sobre o caixão fechado.

— Papai… — lamentou Rosalie em voz alta. Largando a mão daqueles que a amava para olhar uma última vez no caixão. Edward a trouxe de volta para junto deles. Ela escondeu o rosto contra o peito do irmão pelo tempo que o caixão chegou ao fundo da cova. Jasper soltou a mão da mãe para abraçar os irmãos. Rosalie viu a mãe ser amparada por familiares. Ao olhar novamente onde sua atenção esteve antes, encontrou terra revirada sobre onde agora estava seu pai. A lápide branca recém-colocada com dizeres que mostravam o quanto foi amado e querido por todos.

Com o coração magoado, sem querer aceitar, saiu correndo dali.

— Papai? Papai? — gritou, mesmo enquanto corria.

Edward e Jasper correram atrás dela. E a mãe, aflita, não soube o que fazer. A voz da filha caçula foi a que mais se destacou em toda sua dor e recusa.

— Papai… Papai… Papai.

[…]

Num sobressalto, Rosalie acordou em sua cama no meio da noite. Há quatorze anos um infarto fulminante a separara do pai.

— Papai — a jovem mulher chamou pelo pai. Os olhos úmidos encarando a escuridão no teto. — Papai… — murmurou, virando de lado na cama para acender a luz do abajur na mesinha de cabeceira. A primeira imagem que viu foi uma foto com os braços em volta do pescoço do pai segurando um bicho de pelúcia nas mãos. O tom claro de seus cabelos era praticamente igual.

Sabia por que, mesmo tanto tempo depois, estava sonhando com aquele triste momento na vida de toda sua família. Era véspera de seu casamento. Nos últimos meses tinha pensado muito no pai. Reavivando um grande desejo seu. Tê-lo ao seu lado num momento tão bonito de sua vida.

— Papai… — ela apenas deixou a palavra passear entre os lábios. Relembrando o quanto era prazeroso usá-la.

O quarto onde dormia já não era mais o mesmo há muito tempo, ainda assim, entre as quatro paredes habitavam lembranças boas. Lembranças que nem mesmo o tempo podia fazê-la esquecer.

Rosalie sentou na cama, encostou-se a cabeceira, apertando os olhos, se permitindo voltar ao passado. A um, entre muitos, momentos bons.

[…]

A garotinha de cinco anos, de olhos expressivos, deitada na cama de cabeceira cor-de-rosa, a cabeça descansando num travesseiro macio, segurava nas mãos do pai orando juntos.

O pai, de joelhos ao lado da cama, puxou o cobertor e a cobriu com zelo, lhe dando então um beijo na testa.

— É uma amostra grátis do meu amor por você, pequena flor.

A menina sorriu. — Você é o meu sol, papai — murmurou e logo se virou de lado, abraçando o urso de pelúcia.

— Tenha bons sonhos, meu amor — murmurou ele, fechando a porta do quarto devagar, diminuindo a iluminação no cômodo que mais se parecia com algodão-doce, de tantos tons de rosas e fofurices. Tão doce quanto à menininha que habitava ali. — Você foi enviada por Deus. É a garotinha do papai.

[…]

Abriu os olhos. As memórias boas se sobrepunham as ruins de seu sonho. Sentiu o coração bem mais leve agora.

Afastou o cobertor das pernas e as pendurou para fora da cama, olhando uma vez mais a fotografia, antes de se colocar de pé. Saiu para o corredor. A caminho da escada passou em frente à porta do quarto da mãe. Esme não se casou novamente, embora tenha superado o luto da melhor forma, há muitos anos. Os três filhos foram fundamental nessa fase tão difícil. Mesmo agora, com a caçula prestes a se casar, estava reagindo muito bem.

Rosalie olhou na direção do antigo quarto dos irmãos. Jasper estava dormindo lá dentro com a esposa Alice agora. Tinham chegado a dois dias da cidade onde moravam especialmente para o casamento.

Edward jamais saiu da cidade. Com a responsabilidade de ser o filho mais velho, se recusou deixar a mãe e a irmã sozinhas. Hoje vivia com a esposa, Isabella, no mesmo bairro, somente alguns quarteirões de distância. Viam-se praticamente todos os dias.

Estendendo a mão, Rosalie acendeu a luz no alto da escada. Descendo um degrau por vez, sentindo-se nostálgica. Acendeu mais algumas luzes na sala, deparando-se com a quantidade enorme de fotografias de família em porta-retratos no console da lareira, em mesinhas em pontos diferentes, e até mesmo nas paredes.

Chegou mais perto da lareira, alcanço a fotografia da menina de seis anos que foi um dia. O sorriso banguela na arcada superior, as bochechas coradas, feliz, posando ao lado de um pônei. Fechando os olhos, trouxe outra vez memórias daquele tempo.

[…]

Num dia quente de verão, a menininha de maria-chiquinha nos cabelos, encostada a cerca branca da fazenda onde se podiam alugar passeios de pônei, observava os dois irmãos maiores aproveitando cada minuto ao lado dos animais. Edward logo deixaria de montar pônei, estava crescendo muito rápido. Jasper estava radiante, sentindo-se desbravador.

Rosalie olhou para trás. Encontrou a mãe usando seu novo chapéu amarelo como um girassol na cabeça. Ela retirava uma garrafa de água mineral de dentro do cooler no porta-malas do carro da família. O pai conversava com um dos funcionários da fazenda a poucos metros dali.

Edward falou com o irmão qualquer coisa. Não conseguiu perceber o que era. Pensou que fosse algum tipo de código usado pelos meninos.

Sentiu a aproximação de alguém a sua direita. Olhando na direção, confirmou que era o pai. Carlisle chegou pertinho, descansando a mão em seus ombros. Não custou perceber o desapontamento nela.

— Por que minha garotinha parece tão desmotivada? — Ele olhou para o alto, as nuvens no céu. — O dia está tão lindo. — Percebeu suspirar. Tocou a pontinha de seu nariz.  — Você adora pôneis. Qual o problema, docinho?

— Tenho medo de me machucar — admitiu, concentrando o olhar na grama verde aos seus pés. — Eu posso cair e quebrar um osso.

Carlisle segurou seu queixo de maneira que pudesse olhar em seu rosto.

— E se o papai ficar por perto? Posso caminhar ao lado do pônei. Até mesmo segurar sua mão. Não deixarei que se machuque.

Sentindo-se mais confiante, Rosalie perguntou:

— Promete?

— É claro, docinho.

Acreditando no que disse, lhe estendeu a mão.

— Tudo bem — aceitou a menina.

Afastaram-se da cerca caminhando até o cercado onde estavam outros pôneis. Um deles foi selado especialmente para ela. Carlisle a colocou em cima do animal. Rosalie olhou para o pai, as mãos pequenas segurando firme nas rédeas. O pônei branco com manchas castanho-escuro sacudiu a cabeça.

— Não se afaste papai — pediu mais uma vez.

— Claro que não. Pode ir em frente, papai está aqui com você.

Ela impulsionou o animal a se movimentar seguindo as instruções que recebeu, segundos atrás. Receosa no começo. À medida que avançava no pasto, o pai caminhando ao lado do pônei, ganhou mais confiança. Chegando abrir um sorriso radiante.

— Olha, Papai! Eu estou conseguindo.

— Está, sim, docinho.

Edward e Jasper olharam na direção dos dois.

— Muito bem, Rose — elogiou o mais velho dos irmãos.

— Legal! Você conseguiu — incentivou Jasper.

Esme se aproximou da cerca, orgulhosa, elevando a voz ao se dirigir a Rosalie.

— Muito bem, querida.

Rosalie estava sorrindo quando olhou para ela.

— Papai está me ajudando — respondeu.

— Seu pai sempre irá te ajudar — garantiu a ela.

Rosalie cavalgou por quase trinta minutos. Quando o tempo chegou ao fim, estava radiante. Ao entregar o pônei acariciou sua crina. Despediu-se com a promessa que voltaria mais vezes. Um filete de suor escorreu na têmpora esquerda.

Esme se aproximou com a câmera na mão.

— Fica ao ladinho dele, filha, mamãe vai tirar uma foto.

Rosalie abriu seu melhor sorriso, sem se importar em mostrar a janelinha nele.

[…]

Abriu os olhos, estava de volta à sala de estar. Ainda com a mesma fotografia na mão, lembrou-se de a mãe ter tirado outra dos três irmãos juntos. E ela estava logo ali, ao lado de todas as outras. Deixou o porta-retratos onde estava, então, tomou o caminho da cozinha escura. Alcançou o interruptor e a luz se espalhou pelo ambiente. Teve uma breve lembrança do pai abraçando a mãe por detrás das costas enquanto preparava panquecas no fogão.

Cruzou a cozinha para sentar na banqueta diante a ilha. Seu olhar parou no pote de biscoitos, que costumava ficar sempre no mesmo local desde que se lembrava. Foi ali que mais uma memória a tomou.

[…]

Cozinha barulhenta numa manhã de dia dos pais. Os meninos comendo cereal em suas tigelas favoritas, falando de boca cheia. Rosalie finalizando a terceira fornada de biscoitos com o auxílio da mãe. O aroma de canela e chocolate se espalhando por toda a casa. Biscoitos fresquinhos, especialmente preparados para o dia dos pais. A bandeja de café da manhã foi preparada também com ajuda da mãe. A menina dedicada retirou o avental sujo de farinha deixando na banqueta vazia ao lado dos meninos.

Edward e Jasper correram para fora da cozinha, ansiosos por pegar os presentes que dariam ao pai.

Rosalie subiu a escada, um passo de cada vez, tendo o cuidado com a bandeja que carregava. Esme estava logo ao lado, pronta a ajudar caso fosse preciso.

As três crianças se aglomeraram diante a porta da suíte, aguardando a mãe abri-la. Os meninos dispararam quarto adentro, gritando o tempo todo.

— Feliz dia dos pais! Feliz dia dos pais!

Rosalie ficou de cara amarrada. Eles haviam atrapalhado sua chegada triunfal.

Jasper e Edward pularam em cima do pai na cama com beijos e abraços. E foram recebidos com igual carinho. Em toda aquela bagunça, Esme chamou a atenção para a garotinha emburrada que carregava a bandeja de café da manhã.

Carlisle abriu espaço entre os meninos para falar com a caçula.

— Foi você que preparou tudo isso, docinho? — Um leve balançar de cabeça disse que sim. — É para o papai? — pediu.

Jasper se agarrou ao pescoço dele e foi puxado por Edward para longe.

— Sim — respondeu Rosalie, decepcionada.

— Você pode trazer até aqui?

Jasper se preparava para pular de novo, Edward o impediu a tempo dessa vez.

Rosalie chegou pertinho da cama e, com ajuda da mãe, entregou a bandeja ao pai.

— Feliz dia dos pais, papai.

— Obrigado, docinho.

Ele fez um carinho nas marias-chiquinhas. E beijou seu rosto. Segurou um biscoito, dando uma mordida generosa. Rosalie aguardou com olhos de ansiedade. Esme sorria logo atrás das costas dela.

— Está uma delícia. Mandou muito bem, filha.

Rosalie sorriu. Seu rosto ainda manchado de farinha branca. Dois dentes grandes na arcada superior destoando-se dos demais.

— Tem de abrir nossos presentes — gritou Jasper, elétrico, pulando na cama. Esbarrou o braço no braço do pai ocasionando a queda da bandeja nos lençóis.

— Jasper! — todos chamaram por seu nome em voz alta.

[…]

— Rose?

Ouviu a voz familiar de a mãe chamar por seu nome. As lembranças se dissolveram e o pote de biscoitos estava outra vez diante seus olhos. Virou o rosto para encontrar Esme atrás de suas costas. Suspirou ao toque gentil da mão em seu ombro.

— Oi, mamãe.

— O que faz aqui há essa hora? Precisa estar descansada para seu grande dia. Volte para a cama.

— Sonhei com o papai… com o dia do funeral.

Os braços de Esme a envolveram, como tantas outras vezes, num abraço reconfortante, naquela madrugada estranha.

— Fazia muito tempo isso não acontecia — continuou.

— É porque tem pensado muito nele ultimamente.

Um suspiro saudoso escapou por entre os lábios dela.

— Queria tanto que ele estivesse aqui — lamentou.

— Eu sei, meu bem. — Esme acariciou os cabelos louros da filha. — Volte para a cama, está bem. Vou preparar um chá, já levo lá para você. Vai te fazer dormir melhor.

— Desculpa se te acordei. Senti vontade de andar pela casa, relembrar alguns momentos que vivi com ele.

— Não se preocupe com isso. Volte para a cama. Queremos que esteja radiante logo mais. Seu pai iria gostar disso, também.

Rosalie assentiu, se colocando de pé. Com um afago no umbro, ela se distanciou.

— O chá estará pronto em alguns minutos.

— Obrigada, mamãe.

[…]

No escritório que um dia pertenceu ao pai, cercada pelos livros de que ele tanto gostava, o cabeleireiro contratado especialmente para fazer seu cabelo, e o maquiador, se o organizavam no camarim provisório.

Ainda de roupão branco, sentou na cadeira diante a mesa improvisada com um espelho grande o suficiente para ver todo o trabalho dos profissionais, ela aguardou. Ouviu as vozes da mãe, do irmão Jasper e da esposa dele, Alice, na sala ao lado.

— Não precisa muito para alcançar a perfeição — o maquiador a elogiou, uma vez que avaliou seu rosto de perto.

O outro pegou a escova de cabelos, deslizando suavemente em seus fios louros. Rosalie encarou seu reflexo no espelho. Mãos cuidadosas manusearam seus cabelos.

— Minha mãe disse que estou com olheiras terríveis — comentou.

O outro respondeu, procurando algo na maleta de maquiagem.

— Quando chegar minha vez, elas se tornarão imperceptíveis.

Concentrada na imagem no espelho, enquanto tinha os cabelos arrumados, Rosalie se viu mergulhando em mais uma lembrança ao lado do pai.

[…]

Jasper corria no jardim, envolvido numa guerra de água com dois dos amigos que moravam na casa que ficava no outro lado da rua, Jacob e Seth. A mangueira do jardim era a arma da vez.

Três garotinhos barulhentos, molhados, rindo à toa.

Rosalie chegou à varanda carregando a boneca favorita nos braços. O conjuntinho de verão com estampa floral combinava com a tiara em seus cabelos. Nos pés, um all star cor-de-rosa sem cadarços.

Estranhou o silêncio repentino, segundos depois de chegar ali. Levantando a vista a tempo de ver balões de água vindos em sua direção. Então, o jato forte da água da mangueira a atingiu.

Gritou quase que no mesmo instante. Os meninos só pararam de jogar água ao perceber que chorava. Nada contente como esperavam que ficasse.

— Papai! — gritou. A boneca, igualmente molhada, ficou no chão.

A porta da frente foi aberta. Carlisle apareceu ofegante embaixo do batente. O olhar assustado cruzou com o de Rosalie.

— O que aconteceu? — pediu ele.

— Jasper e os meninos jogaram água em mim — choramingou.

Carlisle saiu para a varanda para segurar sua mão pequena. A expressão séria ao olhar para Jasper sugerindo que fechasse a torneira.

— Desculpe — pediu o menino. — Só queríamos que brincasse com a gente. Não era para ela chorar.

— Vocês deveriam ter perguntado antes, não acham?  — lembrou Carlisle.

Jasper saiu cabisbaixo para fechar a torneira, que agora jogava água no gramado.

— Acho que vou ter de entrar agora — comentou com os amigos.

— Tudo bem, então — Jacob respondeu. Ele e Seth atravessaram a rua correndo para voltar a casa deles, fugindo de uma eventual bronca.

— Jasper, para o banho — Carlisle mandou, assim que o menino chegou à varanda e passou por eles. Rosalie ainda chorava.

— Não precisa chorar docinho, é só água.

— Mas a mamãe não está aqui. Quem vai secar os meus cabelos?

— Papai faz isso para você.

— Você vai puxar e vai doer.

— Não vou, não.

— Então tá. Mas se doer eu vou gritar.

— Tudo bem, pode gritar.

— E vou contar pra mamãe assim que ela e Edward voltarem do dentista.

— Justo.

Sorriu vitoriosa. Carlisle pegou a boneca no chão e levou com ele para dentro de casa.

— Vou tomar banho na banheira da mamãe — gritou Jasper.

— Não, eu que vou — rebateu Rosalie, e correu atrás do irmão.

— Vocês vão cair e se machucar — alertou o pai. — Não quero ser acusado de negligência pela mãe de vocês. Será que vocês podem cooperar?

Quando chegou a suíte, os dois estavam na banheira, que já começa juntar espumas. Passados alguns minutos, estavam enrolados em toalhas de banho tomando o caminho de seus respectivos quartos.

Então, Rosalie retornou com roupas limpas e secas. Uma escova de cabelos amarela na mão, o creme de pentear na outra.

— Papai, já pode secar os meus cabelos?

— Primeiro deixe ver se seu irmão não quer secar os dele também. — Carlisle saiu para o corredor, falando para Jasper ouvir. — Quer secar os cabelos também, filho?

O menino saiu na porta do quarto que dividia com o irmão, usando roupas com estampa de super-heróis.

— Vai sair os meus cachos, eu não quero.

— Quer apenas que eu os penteei para você?

— Arruma os cabelos da Rose primeiro. Foi culpa minha que ela se molhou.

— Tudo bem, então.

— Eu vou à cozinha comer um biscoito enquanto isso.

— Não faça bagunça. Está quase na hora de sua mãe chagar.

— Pode deixar.

Carlisle voltou ao interior do quarto para encontrar Rosalie de pé diante a bancada de mármore do banheiro, no lado que pertencia à mãe.

— Tudo bem, docinho? — Ele chegou mais perto. — Seu irmão não quer secar os cabelos dele. — Pegou o secador de Esme na gaveta e ligou na tomada. Percebendo que a filha precisava de um pouco mais de altura para se vir melhor no espelho. — Vamos lá! — Ele a ergueu colocando sentada na bancada. — Pronto, agora consegue se vir melhor.

— Você prometeu não puxar meus cabelos, papai? — lembrou.

— E não vou fazer isso, vai ver.

O ruído do secador não deixou que conversassem mais. Olhando no espelho, Rosalie viu, cuidadosamente sob o jato quente do secador, o pai passar a escova em seus cabelos. Ele cumpriu o que disse, não puxou os fios e ainda os deixou brilhantes tanto quanto era a mamãe que os escovava.

[…]

Olhando-se no espelho encarou o reflexo da mulher adulta. O penteado, o coque com minúsculas flores brancas, estava pronto. Sorriu, pensando na menina que foi um dia. Nas boas memórias que guardava do pai.

[…]

Diante a igreja decorada, lotada de convidados a sua espera, Rosalie desceu do carro, tão bela quanto se imaginou para aquele dia em especial. O vestido de noiva rodado, decote coração tomara que caia, renda fina sobreposta por tule com barrado e aplicações de renda soutache, contorno do decote e cinto fixo, bordados com pedrarias diversas. Botões de cristal. O véu comprido, exatamente igual ao seu desejo de menina.

A mãe ajudou ajeitar o vestido e também a cunhada, Alice.

Esme se colocou diante dela, finalizando um ou outro detalhe no véu sobre seus ombros.

— As outras que me desculpem, mas você é a noiva mais linda de todas, meu bem — declarou, emocionada.

— Vou relevar, porque Rose é sua única filha — brincou Alice.

Rosalie se pegou sorrindo, o coração pulsando quase fora de controle.

Esme se pegou falando sem pensar.

— Seu pai estaria tão orgulhoso de você…

O leve toque no véu. A sutil carícia da brisa primaveril no rosto lhe trouxe mais uma memória do pai.

[…]

Aos nove anos de idade, numa noite de primavera, pouco antes de tudo acontecer, Rosalie conversava com a mãe a respeito do casamento cujo foi daminha, naquele mesmo dia. A noiva tinha sido sua prima, Tanya, sobrinha do pai.

Já deitada no conforto de sua cama, falava sem parar.

— O vestido era tão lindo, mamãe. O dia estava perfeito. Nunca irei me esquecer deste dia.

— Algum dia, quando for crescida, se for de sua vontade, poderá ter um dia tão especial quanto o dia de hoje foi para sua prima Tanya.

O sorriso se fez presente no rosto da menina cheia de sonhos.

— Com certeza irei querer isso para mim. Desejo com todo o coração viver um dia como esse em minha vida.

— Minha garotinha ainda está tagarelando? — brincou Carlisle. Acabou de dar boa-noite aos meninos para, também, fazer o mesmo por Rosalie.

Esme se colocou de pé, pronta para ir até o quarto dos meninos.

— Ela não para de falar do casamento da prima — entregou.

Carlisle olhou da menininha de olhos brilhantes e sonhadores para a esposa, e novamente para a menina.

— Ah, é? — se viu murmurando.

Esme afagou o braço dele, em seguida, os deixou sozinhos.

— Papai — começou Rosalie outra vez — quando eu for me casar, porque eu vou querer isso um dia, quero um vestido de noiva tão lindo quanto o da prima Tanya.

Carlisle sentou na beirada do colchão, descansando a mão sobre o cobertor dela.

— Você não acha que é jovem demais para pensar em casamento e vestido de noiva?

— Pode até ser — respondeu. — Acontece que o tempo passa depressa, papai. Quando se der conta, serei uma mulher adulta.

— Onde você aprende essas coisas? — ele sorriu. E a risada de Rosalie alegrou o quarto.

— Com a vida — disse, cheia de si.

— Com a vida? — o pai repetiu. Fazendo cócegas na barriga dela, quando ficou séria demais.

— Para, papai. Para! — risadinhas acompanhavam a inquietação. — É sério, papai.

Ele deixou as cócegas de lado para que continuasse a falar.

— Sabe de uma coisa? — ela lembrou. — Eu vou querer um véu duas vezes maior que o dela. Duas não, três.

— Tudo isso? — questionou o pai, surpreso.

— Isso mesmo. Você acha que vou ficar bonita, papai?

— É claro que vai.

— Vai entrar comigo na igreja igual o tio Eleazar com a prima Tanya, não é papai?

Carlisle prestou atenção nos olhos dela.

— Este será um dia muito importante para mim, meu anjo.

Rosalie colou a mão dele na sua.

— Vai segurar meu braço?

— Somente uma coisa me impediria de estar ao seu lado neste dia, meu anjo. Mas isso não vai acontecer. Não tem com que se preocupar. — Ele se inclinou depositando um beijo na testa dela. — Mas ainda falta muito tempo para esse dia chegar. — Olhou no relógio de pulso. — E pelo o horário, já passa da hora de garotinhas sonhadoras estarem dormindo.

— Eu sonho o tempo todo, papai. Acordada e dormindo.

— Ah, eu sei bem disso. — Ajeitou o cobertor em volta dela. Ao se levantar, completou: — Eu ajeitarei seu véu, e a entregarei ao homem que irá fazê-la feliz. Ele será um homem de muita sorte. Estará recebendo meu maior tesouro.

— Te amo, papai.

— Eu te amo mais, pequena flor. — Beijou sua testa, e se colocou de pé. — Durma bem.

Rosalie se virou de lado, abraçando o urso de pelúcia. Carlisle deu uma última olhada nela enquanto fechava a porta e a deixava sozinha.

[…]

— Meu bem — Rosalie ouviu a mãe chamar, limpando seu rosto na ponta do lenço branco. — Não chore, vai borrar toda sua maquiagem.

Rosalie abriu os olhos devagar, levando a mão sutilmente ao véu, que caia sobre seus ombros e costas.

— Queria tanto que ele estivesse aqui… — murmurou num tom de choro. Os lábios trêmulos e um nó na garganta.

— Ele está — Esme segurou suas mãos. — Está em seu coração e memórias.

Alice se aproximou pela direita, colocando o buquê de lírios-brancos nas mãos dela. Esme sustentou suas mãos, dando confiança.

— Uau! — Alguém falou mais adiante. Era Isabella chegando com a filha Renesmee, de oito anos, que seria daminha. Edward, também estava com elas. Seria ele a entrar com Rosalie na nave da igreja.

— Você está tão linda, minha irmã. — Edward se colocou ao seu lado. — Tenho certeza que nosso pai está orgulho de você.

Rosalie piscou, permitindo mais uma lágrima molhar o rosto. Isabella ajudou retocar sua maquiagem.

— Não sei se consigo… — revelou Rosalie.

Esme tomou a palavra.

— Consegue, sim. Emmett está lá dentro esperando por você. Ele te ama tanto quanto você o ama. Seu irmão vai conduzi-la até ele. E o seu pai, ah, o seu pai, meu bem, ele está aqui. Não em presença física, mas no seu coração. No amor que tem por ele.

Rosalie anuiu. Ajeitou a postura ao lado do irmão. O olhar voltado para a entrada da igreja.

— Já deveríamos estar lá dentro — Jasper se fez ouvir, chegando do estacionamento. Alice e Isabella se apressaram indo com ele para dentro da igreja. Renesmee aguardou sua vez, então, também passou pela porta deixando pétalas brancas no tapete creme que terminava no altar.

Esme fez questão de reforçar.

— Seu pai está no seu coração — então se afastou.

Rosalie olhou no rosto do irmão.

— Obrigada — sussurrou. Edward lhe beijou a testa sutilmente.

Respirando fundo, de braço dado com o irmão mais velho, Rosalie deu o primeiro passo para o início de sua nova vida.

Diante a porta da igreja com todos os convidados aguardando sua chegada, sentiu o peso da ausência do pai num dia que foi tão aguardado enquanto se tornava mulher. O sonho de menina sendo materializado sem a presença de uma das figuras mais importante em sua vida.

Edward percebeu o receio na irmã. No braço trêmulo em torno do seu. Acariciou lhe o pulso, silenciosamente dizendo que estava com ela.

Enquanto isso, no altar, com os pais na ponta direita seguido dos padrinhos, Emmett se mostrou nervoso. Temia que, por tudo que o momento significava para Rosalie, recuasse. Ela estava ainda mais bonita. Mais do que imaginou pudesse acontecer. Olhou insistentemente na curta distância que os separa, esperando o olhar dela encontrar o seu.

Os convidados, todos viraram a cabeça para ver o que acontecia. Esme, na ponta esquerda do altar seguida dos padrinhos. A daminha junto dela, todos aguardando.

As mãos de Emmett suavam e tremiam. A vontade era de ir ao encontro de Rosalie, mas precisava esperar o momento certo.

Esme saiu de fininho, seguindo pela lateral até estar outra vez olhando no rosto da filha de perto.

— Rose? — chamou num tom suave. — Você precisa ir, meu bem.

A resposta veio cheia de insegurança.

— Não posso… Não posso fazer isso sem ele… Não consigo.

— Seu pai não está aqui em forma física. Está em seu coração — repetiu as mesmas palavras que disse do lado de fora da igreja. — Ele jamais te abandonou. Respire fundo, meu bem.

Rosalie fechou os olhos, inspirando o ar devagar. Pensando no pai.

— É a noiva mais linda… Emmett é um rapaz de sorte. — As palavras da mãe lhe chegaram aos ouvidos.

Por um instante teve a impressão de estar na presenta do pai, tanto que o coração se acalmou. Por um momento, enquanto abria os olhos, o viu sorrindo, bem ao lado da mãe. Lágrimas molharam seu rosto mais uma vez. O leve balançar de cabeça mostrou que era o momento.

— Você está pronta? — pediu Edward.

Rosalie anuiu enquanto uma nova lágrima rolava em seu rosto. Esme prontamente a secou com o lencinho.

Lá na frente, Emmett respirou aliviado.  Aguardando seu momento então de encontrá-la.

Tanya, a prima de quem ela se encantou pelo casamento quando criança era hoje a madrinha do seu casamento.

Ao entregar a irmã a Emmett no altar, Edward teve o cuidado em dizer algumas palavras.

— Estou te entregando o maior tesouro de nossa família. Trate-a com o cuidado e respeito que ela merece.

Rosalie soluçou, comovida com as palavras do irmão mais velho. As mesmas palavras que seu pai teria dito.

Os lábios de Emmett tocaram sua testa com suavidade.

— Te amo! — moveu os lábios, olhando então nos olhos dela, nos últimos instantes antes de se virar, de mãos dadas, para o púlpito onde o reverendo dava início a cerimônia.

[…]

O momento tão aguardado da valsa da noiva chegou. No salão lotado de convidados, Edward se levantou de seu lugar ao lado da esposa e filha e foi ao encontro da irmã. Ofereceu a mão a ela. No microfone que lhe foi colocado ao alcance da boca, as palavras que disse a pegaram de surpresa.

— Essa é pelo nosso pai… Ele gostaria que assim o fizesse.

Visivelmente emocionada, Rosalie trocou olhares com, agora seu marido, Emmett. Para então colocar a mão na do irmão.

Os convidados abriram espaço para eles na pista de dança. A música nos altos falantes teve início. My Girl – The Temptations, uma das músicas favoritas de Rosalie.

— Você era a garotinha dele.

A aproximação de Jasper mostrou aos convidados que também faria parte daquele momento. No microfone, ele começou:

— Posso? — se dirigindo ao irmão mais velho. Edward se moveu deixando o lugar ao lado da irmã para o irmão. — Nosso pai te amou como ninguém. A garotinha que o recebia com beijos e abraços todas as manhãs e a noite, sempre que voltava do trabalho. — Jasper foi até ela. Rosalie soluçou, descansando a cabeça no ombro dele.

Quando Jasper se afastava, ela viu, por trás de uma cortina de lágrimas, o avô paterno na cadeira de rodas. Por conta da idade avançada e os problemas de saúde, já não tinha forças para andar.

Impecável, no terno novo, sorriu para a neta. Os olhos carregados de amor. Lhe foi oferecido o microfone e logo foi ele a emocioná-la.

— Seu pai te ensinou os valores que fizeram de você a mulher que é hoje. Todos nós te amamos, embora saibamos que nunca como seu pai te amou e você a ele.

Mesmo tremendo, o peito sacudindo com o choro, Rosalie conseguiu abraçar o avô sem desmoronar sobre ele enquanto se dobrava.

— Obrigada, vovô.

Ele passou a mão trêmula, marcada pela idade, em seu rosto borrado.

— Não chore, minha querida — pediu. — Seu pai não gostaria de vê-la assim.

Rosalie balançou a cabeça, mostrando que concordava. Colocou-se na postura ereta, então, tentando limpar as lágrimas.

Esme conduziu a cadeira de rodas do sogro até onde estava o restante da família.

O toque gentil em suas costas, bem no decote do vestido, chamou atenção para a pessoa atrás de suas costas. Emmett estava bem ali, diante seus olhos, com um lenço na mão. Ele a olhou com tanto amor, que Rosalie não teve dúvidas, havia feito a escolha certa. Ele usou o lenço para secar suas lágrimas. Então, com o rosto descansando no peito dele, se puseram a dançar.

[…]

Tarde de verão no parque. Um dia perfeito para um piquenique em família.

Rosalie estendeu a manta quadriculada sobre o gramado verde. E deixou a cesta de vime com as guloseimas ali. Enquanto retirava os alimentos e os dispunha na manta relanceou o olhar na direção de onde brincava o marido e o filho pequeno do casal. A bola colorida rolando de um lado para outro.

Mesmo dali, conseguiu perceber o que diziam.

— Vamos ajudar a mamãe? — Emmett falou com o menino de cabelos escuros iguais aos seus. O menino pegou a bola no gramado e caminhou ao seu lado. A bola caiu de suas mãos pequenas obrigando-o ir atrás, correndo vacilante. Emmett parou, prestando atenção no que fazia, assim como Rosalie da manta embaixo da árvore onde montaram o piquenique.

A bola parou aos pés de uma adolescente de cabelos coloridos. A garota recolheu a bola. Mãos gordinhas foram em sua direção esperando que a devolvesse.

— Oi! — disse a garota. — Essa bola é sua?

Ele sacudiu a cabeça, afirmando. A garota lhe entregou a bola.

— Qual o seu nome?

— Cacá — respondeu.

— Quantos aninhos você tem, Cacá?

O menino prendeu a bola junto ao peito mostrando a garota, dois de seus dedinhos gorduchos.

— Dois aninhos? Uau! Cacá é apelido, não é?

O pequeno olhou para o pai.

— Ele ainda não consegue pronunciar corretamente. Seu nome é Carlisle, como o avô dele, pai de minha esposa.

O pequeno Carlisle correu para junto do pai, que o pegou no colo, fazendo o caminho de volta até Rosalie.

Emmett o colocou sentado na manta, mas o menino levantou e foi sentar no colo da mãe.

— Moango. — Ele mostrou os morangos na tigela. — Cacá qué moango, mamãe.

— A mamãe já pega para você.

Rosalie pegou o morango entregando na mão pequena junto com um beijo estalado na bochecha. O suco escorreu no queixo dele quando apertou o fruto maduro nos dentinhos. A mãe cuidadosa limpou quase que no mesmo instante. E ele, deliciando-se, continuou a dar pequenas mordidas no morango.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por chegar até aqui.
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;)



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