Percy e eu saímos com Perséfone, enquanto Melanie ficava sozinha na sala do trono de Hades com aquele psicopata. Tenho medo do que ele pode fazer a ela. Espero que ele pense ao menos em como Nico ficaria se acontecesse algo com ela.

  Perséfone nos guiou por um corredor de pedra preta, que terminava em um belo e enorme jardim. Havia ali várias flores coloridas, árvores com frutas que eu nunca havia visto, cogumelos enormes, gramas baixas de cores diferentes e insetos esquisitos. Ela nos levou até uma espécie de clareira, onde havia alguns espíritos que lembravam ninfas. No centro da clareira havia uma cama alta de madeira com videiras subindo pelos pés. A cama lembrava um pouco uma cama de hospital, pois havia alguns aparelhos ligados à pessoa deitada ali, mas em vez de coisas como soro e sangue, os aparelhos injetavam néctar e ambrosia no paciente. Alguns espíritos de moças jovens, que passei a chamar de “ninfas do Mundo Inferior”, monitoravam os aparelhos. Quando nos aproximamos mais da cama, pudemos ver que a pessoa deitada ali era Annabeth.

  Ela não estava como da última vez que nós a havíamos visto, na mensagem de Íris em que ela atacava Melanie, mas estava mal mesmo assim. Sua pele estava lívida, os cabelos loiros pareciam opacos, ela estava completamente imóvel.

  — C-como ela está? — Percy perguntou com a voz falhando. Perséfone olhava Annabeth com pesar.

  — Ah... Isto é meio complicado. — Ela disse com a voz baixa. — Bem... Como vocês podem ver, o corpo de Annabeth está vivo, apesar de muito mal. Se ela fosse levada ao mundo de vocês, os médicos diriam que ela está em uma espécie de coma. Mas a verdade é que o corpo de Annabeth está vazio. Está sem alma.

  Eu e Percy paralisamos. Como assim, sem alma? Mas se alguém está sem alma, não está morto? Eu estava confusa, e acho que isso transparecia na minha expressão, pois Perséfone me olhou e suspirou.

  — Quando Lissa estava no corpo dela, ela estava dando um jeito de matá-la. Ela não queria acabar apenas com Melanie, queria acabar com Annabeth também. Quando Melanie conseguiu tirar Lissa do corpo de Annabeth, uma parte da alma de Annabeth foi junto. E Lissa já havia acabado com outra grande parte da alma dela. Então, a Annabeth viva era praticamente inexistente. Desde que estou com ela aqui, estou fazendo o possível para tentar recuperar sua alma, ou reanimar a minúscula parte que talvez... Talvez ainda exista. Mas meus esforços até agora foram em vão.

  Pisquei forte, sentindo lágrimas nos meus olhos. Aquilo era tanta informação! Em resumo, Annabeth estava em estado vegetativo, e provavelmente não sairia disso. Aquilo acabava comigo. Primeiro Luke, e agora Annabeth. As duas pessoas que por tempos haviam sido a minha família, agora estavam mortas. Para mim foi mais fácil lidar com a perda de Luke, porque ele estava do lado de Cronos, ele não era mais o mesmo Luke que havia percorrido o país comigo e com Annabeth quando éramos menores e pouco sabíamos sobre o que éramos. Mas Annabeth era minha amiga. Annabeth era boa. Annabeth não havia feito nada. Ela havia lutado por nós e pelos deuses tantas vezes. Era provavelmente a pessoa mais inteligente, e uma das mais corajosas que eu já havia conhecido. Comecei a me lembrar de nossas aventuras quando ela era uma garotinha de sete anos, e senti as lágrimas escorrendo. Minha melhor amiga havia morrido.

  Ao meu lado, Percy estava com os olhos cheios de lágrimas e olhava para a namorada com uma expressão de dor.

  — Minha senhora? — Uma das “ninfas do Mundo Inferior” foi até Perséfone. — A garota está piorando. Temo que sua alma esteja inexistente até o final do dia. Poderíamos mantê-la viva depois, e continuar tentando reanimá-la, mas isso poderia ser extremamente prejudicial para ela.

  Perséfone se virou para mim e para Percy com aquela mesma expressão de pesar.

  — O que vocês acham que devo fazer? Vocês que são os... Amigos dela.

  Percy e eu trocamos um olhar. Sabíamos bem o que fazer. Annabeth não merecia sofrer mais.

  — Apenas garanta que ela vá para o Elísio, tá? — Percy falou para Perséfone. Ela fechou os olhos e assentiu. Ele andou até um arbusto e tirou uma rosa preta dali, e a deixou com Annabeth, murmurando algo em seu ouvido. Quando ele levantou o rosto, lágrimas caíam lentamente de seus olhos. Enquanto as “ninfas” desligavam os aparelhos de ambrosia e néctar, ele lhe deu um beijo na testa, e um selinho suave. Nunca pensei que Percy fosse ser tão forte e maduro em momentos como esse, mas ele estava me surpreendendo.

  Uma aura fraca e cinzenta brilhou em volta de Annabeth enquanto as ninfas cobriam seu corpo, uma bênção final de Atena. As ninfas cobriram seu corpo com uma espécie de mortalha branca. De repente três figuras se materializaram ao lado da cama de madeira, três vovós assustadoras com sacolas de tricô. Uma delas tirou um fio cinza de dentro de sua bolsa, outra pegou o fio da mão da primeira e estendeu, e uma última pegou uma tesoura e o cortou, e tudo pareceu ficar mais escuro. Annabeth havia nos deixado.

Talvez em outra vida

Eu possa te encontrar

Levada antes de seu tempo

Não consigo lidar com isso, é tão injusto

E parece que o Céu está tão longe

E parece que agora o mundo ficou frio, agora que você se foi

Deixar flores no seu túmulo, para mostrar que ainda me importo

Mas rosas negras e Ave-Marias não trarão de volta o que foi tirado de mim

Eu olho para o céu e chamo o seu nome

Se eu pudesse trocar, eu o faria

E parece que o Céu está tão longe

E parece que agora o mundo ficou frio, agora que você se foi

(Gone Away – The Offspring)