You've got the love escrita por Fanfictioner


Capítulo 5
With a little help from my friends


Notas iniciais do capítulo

EU NEM ACREDITOOOO!
Juro, quando penso, nunca imaginaria, dois meses atrás, que estaria aqui, postando o final dessa fic incrivelmente gostosa de escrever, que ia ter feito tantas amizades incríveis com as meninas do Pride, que teria lido tantas histórias PERFEITAS sobre personagens LGBTQIA+ ! Só sei agradecer!
Essa nota vai ficar meio grande, porque já vai ser minha despedida do Pride, já que minhas duas fics estarão concluídas por aqui. Ainda não consegui responder a todos os comentários dos últimos capítulos, mas estou indo fazer isso agora, e prometo responder todo mundo da devida maneira até o final da semana.
Mas desde já, obrigada por todo o carinho com YGTL, por terem gostado do meu Remus sequelado, e por terem entendido a importância de tudo que o Remus passou nessa fic. Foi a forma que achei de deixar meu protesto e minha revolta sobre tudo que a Comunidade LGBT passa, pelo preconceito e pela violência, e muito obrigada pelo feedback que todo mundo deu sobre o capítulo passado!
Escrever essa história me acrescentou muito, tanto como escritora quanto como pessoa, e jamais serei grata o bastante por tudo que o Pride Month Fanfics 2020 me proporcionou (gratidão a todas as meninas da organização).
É isso, desculpem as delongas, vamos logo saber o que aconteceu com Remus.
Vejo vocês no final!



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— Tá chique, eim, Aluado! – comentou James, encostado no alisar da porta do meu quarto.

Quer dizer, quarto da casa dele, que já fora quarto de Sirius, e que agora era meu. As coisas realmente eram muito mutáveis, não eram?

Irônico, Remo, irônico. Heraclitiano demais para você esse pensamento.

Se bem que, depois de tudo, eu achava que tinha ganho novas percepções filosóficas da vida, e talvez Heráclito fosse mais adequado do que Parmênides agora.

— Acha que está meio demais?

Eu estava realmente preocupado de estar exagerando no visual, e por mais que eu achasse que eu fosse uma pessoa estilosa, James era sempre uma boa referência, porque era minimalista e muito prático ao se vestir.

— Tons neutros nunca são demais, Aluado. Coloca aquele seu lenço vermelho na cabeça, vai ficar legal.

— Não é muit-

Eu ainda não me sentia muito à vontade para usar acessórios que chamassem muita atenção para meu rosto, porque havia aquelas duas enormes cicatrizes, ainda bem avermelhadas e marcadas, atravessando na altura do nariz e atingindo as maçãs do rosto, e até mesmo maquiagem não mascarava bem os queloides. 

Mas o olhar de incentivo que James deu foi o suficiente para eu amarrar minha bandana vermelha na cabeça. Eu gostava dessa nova independência de me vestir como quisesse, sem medo de ouvir algo negativo ao passar por meus pais na sala, tinha inspirado uma nova confiança em mim mesmo. Meus amigos ajudavam bastante, estimulando sempre que eu fosse ousado e me vestisse conforme o que sentia vontade, mas claro, tudo era um processo adaptativo.

Já era bastante satisfatório eu estar querendo levantar da cama e me arrumar para sair.

Até meu cabelo crescera para um tamanho que eu gostava mais. Agora apareciam os cachinhos naturais que eu queria, há tempos, deixar aparente, e a sensação da mão de Sirius me fazendo cafuné melhorara cem por cento.

— A gente devia ir, se não vamos chegar atrasados.

— Lily vai conosco, ou vai encontrar com a gente lá? – perguntei, pegando minha carteira.

— Já está lá. Ela, Alice e Frank já chegaram, e estão guardando nossos lugares. Vai faltar nós, Marlene...

— Peter e Dédalo, Dorcas e a namorada dela.

— Espera, não era Dorcas quem estava saindo com Dédalo Diggle? – perguntou James, confuso e risonho.

— Dédalo também é bi, está ficando com Peter agora. E Dorcas é outro nível de velocidade em relacionamentos. Ela e Héstia estão juntas há umas duas semanas, eu acho. Mas não tem cara de que vai durar... Dorcas enjoa fácil das pessoas.

— Dorcas é a versão feminina do Almofadinhas. – ele disse, rindo. – Antes de você, claro.

Eu ri, acompanhando James para sair de casa. Sabia que Sirius tinha fama de namorador, e ele até mesmo parecia o tipo de gente que passa o rodo em todo mundo em festas, uma força incontrolável da natureza afetiva/sexual. Eu o conhecera assim, e não sei como as coisas tinham acabado mudando nos sentimentos dele, mas tinham, e a ideia de que fora por minha causa fazia meu ego dar uma boa inflada.

— Estamos indo, mãe! Não precisa esperar para jantar. – disse James, dando um beijinho na bochecha da sra. Potter.

— Divirtam-se! E diga a Sirius que estou esperando ele vir me trazer uma cópia do CD dele. – ela deu uma piscadinha marota. – Remo! Você está tão bonito, querido!

Ela ajeitou uma parte do meu cabelo que estava fora do lugar e então deu um beijo na minha bochecha também, me fazendo corar e dar um sorriso.

— Até depois, sra. Potter. – murmurei, meio constrangido, saindo com James em seguida.

O metrô estava bastante cheio aquele horário, e o calor estava realmente intenso. Já eram quase seis da tarde, o sol ainda estava brilhando bastante, e o Hyde Park estava completamente lotado. As entradas estavam cheias de turistas tirando fotos e se atrapalhando para alugar bicicletas, e havia muitas crianças com casquinhas de sorvetes e saquinhos de comida para os patos e pombos do lago.

Talvez os pais não soubessem que aqueles bichos traziam doenças, e acabavam deixando essa interação, sei lá. Eu mesmo ficava ansioso só com a ideia de um bicho desses voar muito perto de mim, mas vai ver eu só era paranoico demais.

Um grupo menor, mas ainda assim substancial, de pessoas caminhava em direção ao coreto central, carregando tolhas de piquenique e caixas térmicas com bebidas, exatamente como eu e James fazíamos. Estávamos todos em busca de lugares satisfatórios para assistir ao London Independent Summer Festival, um festival musical de verão para artistas independentes e locais.

A entrada era grátis e qualquer um podia comparecer, mas era uma excelente forma de novos músicos se apresentarem à comunidade, se divulgarem, conseguirem vender seus álbuns e, eventualmente, encontrarem produtores interessados em seus trabalhos.

Era por isso que estávamos todos ali, James, Lily, Dorcas, Héstia, Alice, Frank, Peter, Marlene e eu. Estávamos vindo assistir o primeiro show de Sirius com os materiais de seu novo álbum, lançado há pouco mais de um mês.

Tudo tinha acontecido meio que junto, nossas cabeças ainda estavam emaranhadas com as sequências bizarras de episódios em que tínhamos nos envolvido, e essa era a primeira vez em que, de fato, estávamos todos relaxando e agindo como jovens adultos, alguns de nós recém-formados, outros no último ano, todos desempregados.

Diversões gratuitas, divulgação da carreira artística de Sirius, cidras de maçã bem geladas, servidas em copos de plástico, amendoins e torradinhas de queijo como aperitivo e apenas o trabalho de aproveitar a companhia de nossos amigos e músicas boas no cair do dia.

Deus sabe o quanto eu estava precisado disso, depois do caos que fora o término da faculdade.

No dia em que eu decidira me assumir para os meus pais, sabia que teria dificuldades e que não poderia mais ficar em casa, mas não esperava que as coisas tivessem sido tão sérias e complicadas.

A surra que eu levara de Lyall Lupin fora realmente algo de outro mundo, de tão violenta. Se Sirius e James não tivessem aparecido e segurado meu pai, e se Lily não tivesse praticamente me carregado para fora de casa, eu não tenho a menor ideia do que teria acontecido.

No caminho para o hospital, dentro do carro dos pais de James, o moletom de Lily se encharcou de sangue, e eu estava tão em pânico que nem mesmo a bombinha de asma ajudava a melhorar minha respiração de pug.

A dor também era algo incomensurável, mas eu estava tentando não deixar ninguém mais aflito ainda, e evitava gemer muito. Meu nariz, de fato, tinha sido quebrado, e havia fissuras em dois lugares do meu maxilar, de maneira que foi preciso colocar dois pinos metálicos, deixando essas duas cicatrizes horríveis no meu rosto. Disseram no hospital que a marca ficaria menos vermelha, e que os queloides diminuiriam com o tempo.

Ao menos eu estava vivo.

Tinham sido semanas péssimas, e eu mal tinha forças para sair da cama. Muitos remédios para a dor e antidepressivos ao mesmo tempo, e eu precisava me forçar a ficar acordado para trabalhar em meu portfólio para poder me formar. Lily e Dorcas fizeram tudo que podiam por mim, e minhas faltas, nas duas semanas seguintes a cirurgia, tinham sido abonadas.

Sirius fora uma das peças chaves para eu não enlouquecer. Nos dois dias que se sucederam à colocação dos pinos no meu rosto, em que eu tivera que ficar no hospital, James e ele se revezavam em turnos para que eu não ficasse só, e mesmo depois que eu recebi alta e pude ir para a casa dos Potter, Sirius continuou ficando comigo durante boa parte dos dias.

Às vezes era silencioso, e cada um trabalhava em suas obrigações, porque eu estava deprimido demais para conversar, e porque ainda estava todo inchado e doía se eu falasse muito. Às vezes eu dormia, por efeito dos remédios, e quando acordava, Sirius ainda estava ali, como um cão de guarda, vendo um filme ou uma série, velando meu sono.

Mais perto do fim da minha recuperação, nós passamos a conversar mais. As coisas começaram a se ajeitar, porque, debaixo das camadas de mágoa e desentendimento que eu havia criado, ainda existia um sentimento intenso e genuíno, e nenhum de nós queria abrir mão daquilo. Uma tarde, depois de um silêncio constrangedor sobre esse assunto, Sirius dissera.

— Sei que está uma bagunça a sua vida, Aluado, e não quero colocar qualquer pressão em você. Mas eu ainda gosto de você, e ainda estou disposto a ver se conseguimos fazer isso dar certo. No seu tempo, e se quiser, claro.

— Ainda quer segurar minha mão por aí? – brinquei, relembrando a criatividade enorme que ele tivera ao me pedir em namoro.

— E como quero.

E mesmo sabendo que minha vida estava muito próximo do inferno, que eu estava afundado em depressão por tudo que tinha passado com meus pais, que estava entupido de remédios, atolado de obrigações para tentar me formar, repleto de provas finais iminentes, e que precisava concentrar minhas energias em me recuperar completamente da cirurgia que recém fizera, eu tinha certeza de que não diria não a Sirius uma outra vez.

Eu sabia, com toda certeza, que não podia passar por isso sem segurar na mão de Sirius.

— Vamos com calma. – eu pedi, esticando minha mão na direção da dele. – Eu vou precisar de toda a sua paciência comigo, mas juro que estou nisso cem por cento.

— Estou nisso duzentos por cento.

O jeito como minha mão esquentou sob a dele, e a forma como nossos dedos encaixaram foi algo simplesmente tão certo e tão bom, que eu soube, ali, que as coisas estariam começando a se ajeitar na minha vida.

As três semanas seguintes foram o mais completo caos. Sirius estava trabalhando mais de doze horas por dia para fechar seu álbum no tempo que a produtora determinara, e eu virava madrugadas me preparando para provas e compondo meu portfólio, que devia ser exibido na última semana de junho.

Estávamos todos uma pilha de nervos, e quando o álbum de Sirius saiu, numa sexta-feira de junho, exatamente uma semana antes da apresentação dos portfólios meu, de Lily e de Dorcas, nós simplesmente saímos todos para um pub e enchemos a cara completamente, loucos para arrancar o estresse fora.

Foi uma loucura total, eu misturara antidepressivos com álcool e remédios para a dor, e embora no sábado eu tenha dormido por dezessete horas seguidas, e acordado completamente inchado e com uma dor de cabeça de partir o crânio, eu não me arrependia um segundo, e faria tudo outra vez.

Nossas provas acabaram na primeira semana de julho, e dez depois tinha sido nossa formatura. O sr. e a sra. Potter tiveram a delicadeza de tirar fotos comigo, me abraçaram e acolheram muito, e me entregaram um relógio novo de presente, dizendo que eles sabiam não ser o mesmo, mas que esperavam compensar a ausência dos meus pais ali.

Chorei como um bebê, e foi doloroso ver minha ficha cair naquele dia. Doloroso e, ao mesmo tempo, libertador e completamente gratificante.

Eu tinha sobrevivido.

Eu tinha me assumido, saído de casa, sobrevivido à um espancamento, e me formado com honras!

— Sirius é o próximo! – disse Dorcas ao meu lado, consultando o folder de divulgação do evento, sem conter um gritinho de empolgação.

O sol começava a baixar, e céu se tingia de tons de rosa, laranja e amarelo queimado, e a estrela mais brilhante da constelação de cão maior, Sirius, já estava visível no céu, um pouco mais a noroeste de onde estávamos sentados. Eu gostava daquela coincidência sutil.

Sirius apareceu no palco do coreto pouco depois, o coturno, a calça preta e os óculos escuros exalando o estilo roqueiro, embora a camisa assimétrica fosse uma contribuição estilística minha, que o deixava excessivamente gostoso.

Certo, talvez eu estivesse bastante desejoso em dar um amasso em Sirius naquele momento.

Mas me limitei a gritar e aplaudir com vigor.

Ele se apresentou , disse que esperava que as pessoas aprovassem suas composições e, então, começou a cantar.

Eu já tinha experimentado do privilégio acústico que era a voz de Sirius, tanto em covers ao vivo, quanto em suas composições autorais. Havia as mixagens de som que ele trabalhara em algumas músicas já famosas, mas que não tinham entrado em seu álbum por conta dos direitos autorais que ele não tinha condições de pagar, mas ali, naquele show aberto, ele as estava tocando, e as pessoas estavam adorando.

Seria um show de quarenta minutos, como todos os anteriores, e todos nós estávamos aproveitando muito e cantando a plenos pulmões, em parte para prestar apoio e em parte porque as músicas eram realmente muito boas e nós gostávamos de fato.

A noite foi avançando, a brisa no parque estava muito boa, apesar de o local estar completamente coalhado de gente, e era absurdamente agradável estar ali, bebendo cidra com meus amigos e vendo Sirius tocar para um público tão grande e variado, vendo-o começar a realizar seu sonho de ser músico. Eu nem mesmo sabia se Sirius conseguia nos enxergar em meio àquele tanto de gente sentada no gramado, mas confiava que ele sentia a vibração boa e o prazer que todos tínhamos de estar ali por ele.

— Eu estou extremamente grato de estar aqui hoje, de apresentar meu trabalho para vocês. Tem sido uma jornada e tanto para chegar até aqui, e eu asseguro que nem todos os dias são fáceis. Na minha trajetória eu dependi muito de algumas pessoas, que eu sei que estão aqui hoje. Pontas, ruiva, Frank... Aluado. – disse ele no microfone, para toda aquela gente, e foi inevitável nos sentirmos meio emocionados. 

“Antes de tocar a próxima, que vocês já entenderam que é dedicada a essas pessoas especiais, queria contar algo. Eu conheço uma pessoa que precisou sair de casa, e foi muito machucado, só por ser diferente das expectativas dos pais.” Eu não sabia se Sirius falava dele ou de mim, mas me emocionei. “As únicas pessoas que nunca desistiram dele, que nunca abandonaram ele, e que nunca vão, foram os amigos. Eram poucos amigos, mas foram o suficiente. Então, queria lembrar a todo mundo que possa estar passando pelo mesmo, você vai conseguir passar por isso. Eu prometo. Vão passar por isso, Com uma pequena ajuda de seus amigos!”

Porra, Sirius! Meus olhos estão cheios d’água, seu vagabundo!

Então, me fazendo chorar, ele começou a tocar sua versão mixada de uma das minhas músicas favoritas With a little help from my friends, dos Beatles. A letra chegava aos meus ouvidos, na voz reconfortante de Sirius, e fazia desatar todos os nós que vinham me sufocando nas últimas semanas. A ideia de que mesmo que eu falhasse, que caísse em alguma dificuldade, meus amigos estariam ali por mim, era real. Todas as mãos tinham sido estendidas para mim, primeiro com Lily, anos atrás, e agora com tantas pessoas maravilhosas, que se dedicavam a me ajudar a levar a vida adiante.

Pessoas que se empenhavam em me ajudar a recomeçar, do zero, todos os planos para minha vida e carreira.

Eu seria eternamente grato por tudo isso. Eu precisara de uma ajudinha (certo, uma mega ajuda!), e todos meus amigos estavam ali. E amigos eram a família que escolhemos, eu sabia disso.

Sirius tocou mais algumas músicas, mas eu estava sentimental e emocionado, e não prestei mais atenção. Lily se esticou por sobre a tolha de piquenique e afagou minhas costas, em um apoio silencioso, e eu sussurrei, sabendo que ela tinha ouvido.

— Eu amo você, ruiva.

— Eu também amo você, Rem.

Eventualmente Sirius acabou seu show, anunciou que seu álbum estava disponível em plataformas de streaming e agradeceu a presença de todos, sendo muito aplaudido, o que me encheu de orgulho e felicidade, mesmo que eu ainda estivesse meio pensativo e nas nuvens. Ele demorou a aparecer perto do nosso grupinho, e eu não sabia se era porque não nos achava ou se porque muitas pessoas estavam falando com ele no caminho até nós.

— Hey! Olha se não é o músico do rolê! – comentou James com um assobio.

Nossos amigos fizeram seus comentários, parabenizaram Sirius e fizeram piadinhas, e eu assisti tudo, com um sentimento de gratidão e felicidade genuína me enchendo o peito a ponto de transbordar.

— Foi incrível! Eu não sabia que você tinha músicas tão boas, Sirius! – disse Dorcas, muito empolgada.

— Parabéns, Sirius.

— Valeu! Héstia, né? Bem vinda ao grupinho. – devolveu ele com uma piscadinha.

— Prepare-se para ver esse álbum vender como água, Almofadinhas! – Frank comentou, dando tapinhas nele.

— Já falei que quero dez por cento do que ele lucrar como pagamento por aturá-lo por tanto tempo! Devia pedir também, Frank.

— James! – repreendeu Lily, dando risadinhas.

— Aluado quem devia pedir, trabalhou de graça na arte de divulgação. – ele brincou, olhando para mim.

Eu estava meio aéreo e devaneando, e acabei sendo pego de surpresa. Os olhos de todo mundo estavam em cima de mim, Alice e Marlene muito interessadas no fato de que eu tinha sido o criador da arte do álbum do Sirius.

— Eu só coloquei seu estilo no papel, e já fui pago por isso. – disse dando uma piscadinha para Sirius.

De repente todo mundo estava dando assobios maliciosos e eu percebi que havia um duplo sentido no que eu dissera, e que  meus amigos tinham entendido o que eu falara como malícia e perversão. Mas eu estava me referindo ao iPod que Sirius resgatara, meses atrás! Senti meu rosto esquentar enquanto eu corava e todos riam, inclusive Sirius. Ele gargalhava, e não parecia que ia desmentir qualquer mal-entendido que tivesse ocorrido.

— Eu estou morrendo de fome. Quer vir procurar algo para comer, Aluado? – ele comentou, ainda rindo.

— Vamos, claro.

— Cuidado para você não ser a comida, Aluado! – gritou James, arrancando risos dos demais, quando nos afastávamos, de mãos dadas.

— Lily, controla seu animal de estimação, fazendo favor! – berrei em retorno, e Sirius largou uma gargalhada rouca.

Havia tanta gente no parque que precisamos andar por quase dez minutos até achar uma lanchonete que tivesse uma fila de menos de vinte pessoas. Sirius não parava de comentar de sua emoção de ter cantado suas músicas para tanta gente, e eu estava amando ver a empolgação dele e os olhos brilhantes pelo sucesso que tinha alcançado.

— As pessoas gostaram, Aluado! – ele murmurou, maravilhado.

— Claro que gostaram, Sirius! Você é muito talentoso, e vai ganhar o mundo com sua música, babe. – respondi, revirando os olhos.

— Vou, é? E você vai comigo nessa?

Estávamos na fila, e Sirius se virara em minha direção, me puxando perto pela cintura, encarando fundo nos meus olhos com um sorriso sacana. O sol quase totalmente posto atrás dele, o vento balançando o cabelo dele, a mistura do cheiro de perfume com suor que ele exalava, pura testosterona. Sirius me deixava fraco, de tal maneira que estava apaixonado por ele.

— Vou aonde for. Não vou fazer duas vezes a merda de ir embora.

— Pare de se culpar por isso! Aluado, você não foi embora! Você não podia ter dito sim daquela ve-

Já tinha virado rotina ele fazer essas respostas positivas aos meus comentários de auto-culpa, mas dessa vez eu tinha falado como uma piada, e não estava nem um pouco disposto a ouvir tagarelices.

— Será que você pode deixar o sermão para depois e, por favor, me beijar logo.

Ele o fez e, céus, a boca de Sirius era algo que eu nunca seria capaz de enjoar. O jeito como a língua dele conhecia cada cantinho da minha era bizarramente bom, e textura do cabelo dele na minha mão era algo divino. A pegada com que ele me segurava era a melhor das sensações, e me fazia sentir desejado, pertencente, e mais que isso, me fazia sentir amado, amado por ser quem eu era.

A fila andou e tivemos que nos separar.

— De quem você falava quando contou aquilo... sobre o amigo.

— Sobre nós. Eu, você... qualquer outro na mesma situação. – ele respondeu, num tom sério e solene. – Eu falei sério. Acho que tudo é possível, com ajuda dos amigos.

— Dos amigos certos. – acrescentei. – Sim, eu também acho.

Houve um silêncio momentâneo, e eu pensei se realmente queria falar o que passava na minha cabeça. Ponderei tudo que eu tinha vivido naquelas semanas, tudo que tinha acontecido, tudo que eu sentira ao ouvir Sirius falar com a plateia, minutos atrás, e decidi que, ainda que eu fizesse papel de idiota, valia a pena.

— Eu pensava que não seria completamente feliz se meus pais não me aceitassem. Tipo, nunca mesmo. Pensava que sempre haveria um buraco vazio em mim, pela falta que o amor deles faria, que seria como o vazio de tirar um órgão. Quando eu saí de casa, aquele dia, todo ensanguentado, o que doía mais nem era o meu rosto. Era o que eu sentia. O vazio que o amor retirado deles tinha deixado.

Sirius não disse nada, mas me olhou com muita atenção, prestando vivo interesse na minha linha de raciocínio.

— Nos primeiros dias após a cirurgia eu achei que esse vazio me consumiria, que eu não seria capaz de aguentar o buraco que tinha ficado. Eu queria parar de sentir, sei que se lembra de como eu estava.

Ele assentiu, parecendo momentaneamente se afundar em suas lembranças daqueles dias.

— De alguma maneira, aquele vazio era quase tão doloroso quanto continuar no armário e morando com meus pais. Era uma coisa pungente, parecia que eu havia sumido dentro daquele buraco de nada dentro de mim.

“Mas, com o tempo, com a presença de vocês, de todos vocês, eu vi que eu estava errado. O buraco vazio que meus pais deixaram, realmente, não podia ser preenchido por eles novamente. Acho que nem eu espero isso.” disse, subitamente chegando à essa conclusão. “Mas nada me impede de preenchê-lo com outros amores.”

— Outros amores. – Sirius repetiu, pensativo.

— Amor pela minha carreira, pelo meu trabalho. Amor pela Lily, pela Doe, pela Lene, pelo James, pelo Peter. Amor pelos meus amigos. Amor pelos pais do James. Amor pela música, especialmente pelos Beatles! – Sirius deu um risinho quando percebeu meu humor ali. – Amor por você.

Eu acrescentei bem rápido, e achei que ele não perceberia o que eu estava querendo dizer. Mas ele percebeu. E não disse nada.

Éramos os próximos da fila, de maneira que chegamos ao balcão, fizemos nossos pedidos e esperamos nossos sanduíches em um espaço ao lado, em silêncio. Sentia um constrangimento em ter sido tão impulsivo e falado tão abertamente dos meus sentimentos, era um comportamento nada inglês. Mas não estava arrependido.

Só, talvez, meio sentido pelo silêncio de Sirius.

Nossos sanduíches ficaram prontos e, finalmente, estávamos andando de volta em direção aos nossos amigos, comendo e andando de mãos dadas. Ao menos isso. Boa parte do caminho já tinha ido quando Sirius começou a falar.

— Eu não sabia que também ainda tinha tantos vazios dentro de mim antes de você aparecer. Eram vários. Eles não doíam desse jeito tão persistente, mas estavam ali, e pareciam me sugar um pouquinho a cada dia. Acho que eu pensava que se ignorasse, eles sumiriam, ou deixariam de ser um problema. Mas nunca tinham deixado de ser. Eles estavam lá, e precisavam ser preenchidos, e só quando você falou de outros amores, eu finalmente entendi o que vem acontecendo. Porque é exatamente tudo que vem acontecendo esses meses.

Eu o olhei com curiosidade.

— Você tem ajudado a preencher meus vazios também. Além de tudo que você citou... o trabalho, os amigos e tal. Amor por você também tem preenchido meus vazios.

Meu coração se esquentou na mesma hora, e eu senti como se um pedaço substancial do meu maior vazio tivesse sido enchido com um sentimento profundo e muito intenso. Esse amor novo que Sirius despertava em mim. E que eu despertava nele.

— Acho que no final das contas não faz diferença não ter o amor e a aceitação deles. – disse Sirius, e eu concordei.

— Acho que não. Nós temos outros tipos de amor.

Apertei a mão dele e sorri em sua direção, sabendo que ele entendera exatamente o que eu quisera dizer. Pelo resto da noite ficamos aproveitando o festival de verão com nossos amigos, nos beijando e compartilhando aquela energia boa e a cidra barata e nem tão mais gelada assim.

E aquilo me dizia que tínhamos todo o amor de que precisávamos para que tudo ficasse bem.  


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Notas finais do capítulo

ACABOUUUU!
E nada como um final feliz delicinha para nossos gays prediletos, reis do Pride! Em UA eles ficam felizes para sempre SIM!
E se você sente que há um vazio em você, saiba que há muitos amores diferentes, e muitas formas distintas para preenchê-lo. Lembre-se, você tem todo o amor de que necessita! ❤❤❤