Um Presente para Norman (NorEmma) escrita por Linesahh


Capítulo 1
NorEmma I One-Shot


Notas iniciais do capítulo

SAHH NA ÁREA!!

Primeira one que escrevo desse anime MARAVILHOSO ^-^

Boa Leitura ♥



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Um Presente para Norman

por Sahh

 

 

A biblioteca da Grace Field House estava, como sempre, tranquila.

Em uma casa tão aconchegante e espaçosa, com muitos irmãos à disposição para se aventurar em brincadeiras sem fim, era de se esperar que aquele espaço específico (rodeado por prateleiras tediosas, as quais continham amontoados de livros — dos mais simples aos mais elaborados) não era o primeiro da lista para as crianças passarem suas horas livres.

Afinal, como já observado, a biblioteca era um local tranquilo; bom para avaliar as ideias e, surpreendentemente — considerando que 99% dos residentes daquele orfanato se tratavam de míseras crianças —, refletir sobre algumas coisas.

... Ou era isso que Ray acreditava antes de Emma ter chegado há cinco minutos e embarcado num falatório infinito.

— Deixe-me ver se entendi — o garoto de cabelos negros e olhos costumeiramente relaxados, analíticos e, ao mesmo tempo, sem grande paciência, cortou a amiga com um simples levantar de mão. — Ainda faltam três semanas para o aniversário do Norman e você já escolheu quebrar a cabeça por causa do presente?

Os olhos jades da pequena garota se arquearam em surpresa. Seus cabelos, da mesma cor dos raios do Sol, se misturavam entre a escuridão da biblioteca e a luz advinda da luminária sob a mesa. Ora se assemelhava à tons coloridos do amanhecer, ora à coloração de um belo pôr-do-sol.

Os dois estavam em lugares opostos, um de cada lado da mesa. Livros sobre fenômenos da fotografia jaziam à frente de Ray, agora, imóveis sobre as mesmas páginas.

Pela mistura de frustração e — olhe só — irritação que os incríveis olhos verdes de Emma assumiram, Ray acabou concluindo que as leituras continuariam pausadas por um tempo.

— Ray, não seja um estraga-prazeres! — Emma reclamou, fazendo bico. Ela se afastou para trás e cruzou os braços. — Você não entende? Eu quero dar algo elaborado ao Norman, algo que ele vai usar e adorar para sempre!

Perante o olhar expectativo de Emma, Ray resolveu por não segurar o contato visual e deixou escapar um suspiro. Pelo visto, aquela conversa era algo de extrema importância naquela cabecinha maluca, e sabia que, mesmo se tentasse fugir daquilo, a persistente menina não iria lhe deixar em paz por nada.

E foi por isso que resolveu fechar os livros, afastá-los para o lado e, igual a ela, cruzar os braços. Inclinou-se pacificamente sobre a mesa e olhou-a, compenetrado.

— Tudo bem. Pelo que deu pra entender, você quer arranjar um presente legal para o Norman e, pelo visto, está sem ideias — concluiu, resumindo o problema central da conversa. — O que faremos sobre isso?

Por um milésimo de segundo, Emma pareceu surpresa por seu gesto de se prontificar para ajudá-la. Tão rápido quanto veio, a admiração foi substituída por grandiosa animação.

— Isso! — observou-a dobrar os braços e fechar os punhos em vitória. Emma aprumou-se no lugar, pousando as mãos ativamente sobre a mesa e inclinou-se na direção do amigo. — Olhe, Ray, eu achava que acabaria pensando em algo sozinha antes que ficasse em cima da hora, mas até agora não me ocorreu nada. O que você me sugere?

Ray ficou em silêncio por alguns segundos. Sustentou, impassível, a conexão com aqueles olhos bastante alegres de Emma.

Hum. Característica nada fora do comum.

— Eu sugiro que você reflita melhor. Onde que três semanas é considerado em cima da hora?

— Ray!

— Tudo bem, foi mal — reservado e perspicaz, Ray afastou uma mecha de cabelo do rosto. Voltou a pousar as mãos sobre a mesa. — Mas o que você quer que eu faça? Que escolha o presente que você vai entregar? Eu ainda mal pensei no que vou dar a ele. Além de que, sejamos francos — olhou-a com severidade. —, no fim, Norman acabaria recebendo dois presentes meus. Eu que vou acabar escolhendo, não é?

Silêncio.

Emma mordeu o lábio. As sobrancelhas finas foram franzidas, vibrantes iguais ao cabelo. Passado um tempo de questionamento interno, seus olhos se abriram em repentina ideia.

Voltou-se para Ray.

— Você está certo. Então a ajuda que vou pedir será descobrir o presente ideal para o Norman — se decidiu. — Vamos, Ray, tente se lembrar das coisas que vocês normalmente conversam. Não consigo me lembrar dele comentando sobre gostos pessoais — insistiu.

Ray, então, observou-a por um tempo. Já possuía em mente algo específico para ajudá-la a resolver aquele problema sobre o santo presente, mas não era nisso que estava pensando no momento.

Na verdade... olhando para Emma, conseguiu se lembrar, apenas por um instante, que, assim como o restante, ambos eram apenas duas crianças. Vê-la carregar aquele tipo de problematização dentro do peito, como se nada no mundo fosse mais importante, o fez sentir — como acontecia de vez em quando — uma sensação de rápida lamentação.

Puxa. Se os maiores problemas de sua mente fossem da mesma magnitude, sua vida poderia ser comparada a um verdadeiro conto-de-fadas.

Mas sabia que não era aquela vontade que devia carregar. Nem de longe. Seus verdadeiros objetivos ainda permaneciam altamente perseverantes — na verdade, olhar para Emma à sua frente reforçou completamente aquilo.

Pois, acima de qualquer coisa, tudo ainda era pelos dois.

Por ela e por Norman.

Suspirou outra vez. Lembrou-se que ainda precisava voltar ao maravilhoso “problema-dos-sonhos” ...

Pôs-se, então, a realizar o quebra-cabeça de Emma, ajudando-a a solucionar o desgastante assunto do presente para Norman. Costumava não notar, mas eram gestos como aquele que faziam os laços de sua amizade com ela permanecerem intactos.

Laços de uma amizade que jamais seria desfeita.

Assim, foi respondendo às indagações da amiga, jamais esquecendo a verdade sobre aquela casa ou o destino amaldiçoado pregado sobre cada criança vivendo ali.

Afinal, como esquecer a verdade quando se a conhece tão bem? Ou melhor: como ignorar a verdade quando ela se trata de uma tão macabra?

Uma verdade que todos, sem exceção, estavam metidos?

 

▪️▪️▪️

 

“Hum... tudo bem. O Ray já me deu a dica, então só tenho que pensar com atenção...”

Emma andava pelos corredores da casa, a caminho de seu quarto. Havia deixado a biblioteca há alguns minutos. Ray anunciou que ficaria mais um tempo antes de se recolher — alegando, também, que a interrupção de Emma “alegrou e muito” sua noite.

Diante da lembrança, só fez sorrir, risonha.

Ray era mal-humorado às vezes, mas era um bom amigo. Ele apenas tinha o seu próprio jeito, assim como ela, Norman e as outras crianças também tinham.

“E, pensando no Norman...”, inclinou a cabeça e levou o indicador à boca.

Tinha de pensar em algo — e rápido. O aniversário de onze anos do amigo estava aí, ou seja: precisava se apressar. Naquele ano, planejava entregar algo excepcional para ele, afinal, não podia esquecer que, em seu último aniversário, o presente que recebeu dele foi, de longe, o que mais lhe agradou.

Norman havia lhe entregado uma linda girafa de pelúcia. Ela era completamente amarela, com manchinhas marrons por todo o corpo — iguais as descritas nos livros.

Lembrava de ter ficado desacreditada enquanto recebia o “presente-dos-sonhos”. Depois de ofertar um abraço esmagador em Norman, pôs-se a agradecer repetidas vezes, dizendo que ele não precisava ter se dado ao trabalho. Na época, Norman arqueou levemente os olhos azuis-safira antes de baixar os ombros e abrir um sorriso envergonhado.

— Não foi trabalho nenhum, Emma. Na verdade, tive ajuda da Mama na hora de costurar — seu sorriso era, como sempre, gentil. — Eu adorei fazer a girafa. Poderia fazer outras se significasse te ver tão feliz novamente.

Com aquilo, Emma só foi capaz de apertar, emotivamente, a girafa contra o corpo, sorrir e abraçar o amigo mais uma vez.

Definitivamente, Norman era seu melhor amigo.

Um amigo do coração.

E era por isso que tinha a obrigação de se superar naquele ano. Sua linda girafa continuava ao lado de seu travesseiro, onde a abraçava todas as noites antes de dormir. Amava de coração aquele presente...

Enquanto passava pela Sala de Jantar e se dirigia às escadas, continuou a matutar sobre as palavras de Ray. Buscou tirar delas a solução para o presente perfeito.

— Norman uma vez me disse que sonha viajar e conhecer todos os lugares do mundo — Ray ergueu a mão e gesticulou levemente, relatando a notícia. — Além de ser um sonho certamente mais elaborado que o seu, de ver uma girafa... — Emma franziu as sobrancelhas; Ray parecia adorar zombar dela... mas se atentou às próximas palavras dele: — Essa informação abre várias portas para você classificar o presente ideal — ele numerou com os dedos. — Viajar; conhecer o mundo. Você é esperta, então abuse de seu conhecimento e acabará pensando em alguma coisa.

Ray não poderia ter sido mais informativo. Tal como ele disse, Emma de fato era inteligente. Só assim foi capaz de acompanhar tanto ele, quanto Norman nos estudos durante aqueles anos.

Chegando no próximo andar, começou a escutar o barulho de seus irmãos — fosse pelas risadinhas, fosse pelas corridas acima das camas. Pelo visto, Mama teria trabalho para abaixar a energia geral e colocar todos para dormir naquela noite...

Ou seja: esse decididamente era um trabalho para Emma resolver!

Escutando a voz gentil de Mama vindo de um dos quarto, se dirigiu ao seu próprio. Era melhor resolver o surto de insônia dos irmãos que tinha lá, pois, se havia uma coisa que Emma amava fazer, era orgulhar a Mama.

Há caminho do quarto, acabou estacando no lugar. Uma voz inconfundivelmente gentil adentrou seus ouvidos — uma que prestava ordens aos pequenos. Olhou para a direita e aproximou-se do quarto em questão.

E viu que, pelo jeito, Norman fora mais rápido para começar o serviço.

Ele ajudava o último integrante de seu quarto — o fofo Phil — a tirar os sapatos e se cobrir com os lençóis. Norman dizia coisas ao irmão, que ria e abria grandes sorrisos.

Não demorou para Emma ser detectada pelos olhos prendados de Phil:

— Emma! Boa noite! — o menininho acenou alegremente, e Norman se surpreendeu por um segundo.

Ele girou a cabeça em direção à porta, e o azul de seus olhos pareceu, na mesma hora, se acalorar.

— Boa noite, Emma — ele sorriu e acenou. — Durma bem.

Segurando o vão da porta, Emma retribuiu o gesto, este um tanto nervoso.

Poxa, sempre era pega no flagra!

— Boa noite, Norman, Phil — desejou antes de se retirar do local.

Minutos mais tarde, se encontrava na cama. Mama havia acabado de apagar as luzes, mas desejou a todos um amável boa noite antes de sair.

Emma a achava tão doce e gentil... Mama era, de longe, a melhor pessoa do mundo.

Na quietude do quarto, levou a girafa de pelúcia para mais junto do corpo. Pensou, então, em Norman. Ainda precisava arranjar um presente para ele.

“Viajar... conhecer o mundo...”, punha o cérebro para trabalhar sobre aqueles dois tópicos — essenciais para achar a solução perfeita.

Então, arregalou os olhos. Sentou-se num pulo.

— Já sei! — anunciou alto, em grande alegria.

Sorriu, confiante. Havia conseguido! O presente perfeito para Norman já estava praticamente escolhido!

— Emma?...

— O que está acontecendo?

— Quem gritou? Foi a Emma?

— Estou com medo!

... E travou.

Os olhos verdes se arregalaram ao passo que esquadrinharam o cômodo anteriormente sossegado. Em pavor, assistiu a sombra de cada um de seus irmãos se erguer na escuridão. Os passos pesados de Mama foram escutados diante do falatório iniciado.

Abriu um sorriso amarelo e mordeu a própria língua em penitência. Sua “operação-presente” mal havia começado, porém, já havia dado um jeito de se encrencar.

Típico da criança mais energética da Grace Field House.

 

▪️▪️▪️

 

O dia estava caloroso. O Sol aquecia a todos com sua luz aconchegante. O verde da grama parecia mais colorido do que o normal, e as copas das árvores, ao longe, balançavam suavemente junto de uma brisa quase inexistente.

Um dia ideal para lavar roupas.

As crianças da Grace Field House estavam todas no jardim. Enquanto a metade mais velha se ocupava em esfregar tecidos nas tinas de madeira espalhadas por ali, a metade mais nova punha-se a utilizar da água ensaboada para fazer bolhas de sabão. Em uma tina perto de uma das entradas, dois garotos esfregavam as peças até estas ficarem brancas como algodão.

Os olhos atentos de um deles não paravam de analisar os arredores, buscando captar algo em específico. Ele continuava a lavar as roupas perfeitamente, mas sua aura distraída para com a tarefa não escapou do olhar analítico do amigo.

— Está procurando algo, Norman? — Ray perguntou. O moreno, como sempre, sustentava uma sombrinha em um dos braços enquanto esfregava uma calça com auxílio da mão livre. Os pingos e, por vezes, esguichos vindos das tinas dos outros irmãos não conseguiam alcançá-lo; o guarda-chuva fazia seu trabalho com maestria.

Com a atenção chamada, Norman voltou-se para ele.

— Emma está atrasada de novo — explicou. — O que ela anda fazendo nesses últimos dias? Por mais que eu pergunte, ela não me fala o que é.

Ray desviou seu semblante monótono para as roupas.

— Deve ser bobeira de menina. — respondeu, simples.

— Fico curioso do mesmo jeito — Norman esclareceu. Se interessar pelas coisas de Emma era um ato quase inconsciente seu.

Ray torceu o melhor que pôde algumas peças livres de sabão e colocou-as num cesto.

— Esqueça a Emma. Vamos terminar com isso — ele declarou meramente, mostrando que não comentaria mais sobre o assunto.

Observador, Norman não demorou para deduzir as coisas. Além de Ray decididamente saber o que Emma estava fazendo, era provável que a própria o houvesse feito prometer ficar calado sobre o assunto.

E, acreditando nisso, sua boca repuxou-se num brando sorriso. Se Emma não se dera ao trabalho de lhe contar o que tanto fazia, queria dizer que ela desejava que fosse assim. Portanto, cuidaria de manter as coisas como estavam.

Mas aquilo não lhe impedia de tentar imaginar o que ela estaria planejando daquela vez. Teria a ver com seu aniversário, que estava próximo?... ainda estava um pouco cedo para isso, mas a possibilidade não era impossível.

De toda forma, ajudou Ray a terminar com as últimas peças da tina e logo terminaram seus afazeres. Emma não havia aparecido.

Emma... ela realmente era uma garota única, que contagiava a todos com sua luz e alegria imensuráveis.

Era uma dádiva tê-la por perto.

 

▪️▪️▪️

 

“Certo. Isso deve dar.”

Emma ergueu-se, joelhos contra o piso. A visão da montanha de madeira a sua frente era, ao mesmo tempo, assustadora e empolgante.

Ainda não sabia como faria aquilo, mas não custava tentar. Don havia sido de muita serventia quando lhe ajudou a cortar os pedaços de madeira maiores — claro que tudo sob a supervisão de Mama. Depois que contou a ela seu plano, a bondosa mulher prometeu encomendar uma pequena machadinha, que confiscou após o fim do trabalho.

Afinal, as crianças não podiam ter um objeto perigoso por perto.

Após separar os pedaços de madeira por largura e tamanho, Emma pôs-se a analisar um livro aberto logo ao lado. A imagem mostrava um belo trem de brinquedo, preto e branco, suas rodas de metal pregadas com firmeza sobre trilhos de ferro.

Havia sido uma sorte e tanto encontrar aquele livro. Com a ajuda daquela imagem bastante detalhada, tinha agora uma boa margem para construir seu brinquedo.

Sim, construir. Após pensar bem na dica de Ray, ficou espantada por ter demorado tanto para pensar em alguma coisa. Norman disse que desejava viajar, ou seja, ele seria um viajante quando crescesse. E viajantes viajavam de várias formas: carros, aviões, helicópteros, navios, iates... no geral, locomotivas que aguentavam viagens longas e cansativas.

E não demorou para a ideia perfeita surgir: um trem de brinquedo!

Claro que aquela era uma tarefa bastante difícil, mas sabia que, com muito esforço, aquele presente poderia ficar incrível. Mas, para isso acontecer, era hora de colocar as mãos na massa. Construiria aquele brinquedo com extremo cuidado e carinho.

Tinha que ficar perfeito.

 

▪️▪️▪️

 

Os próximos dias foram relativamente corridos.

Mais da metade dos irmãos de Emma já tinha conhecimento da missão da garota em construir um trem de brinquedo e, por mais que muitos deles já estivessem com os próprios presentes na cabeça, não deixaram de ajudá-la em vários aspectos.

No começo, Emma havia escolhido manter uma posição firme de querer fazer tudo sozinha, insistindo que o presente deveria ser feito apenas por ela. Isso durou aproximadamente cinco minutos pelo menos, até as palavras de Norman, em seu último aniversário, vagarem por sua cabeça:

— Não foi trabalho nenhum, Emma. Na verdade, tive ajuda da Mama na hora de costurar.

Após refletir bem, acabou aceitando a ajuda que seus irmãos ofereciam. Afinal, se até Norman pediu ajuda para Mama para costurar sua girafa, quem era ela para fazer diferente?

Desde então, as coisas começar a agilizar. As rodinhas dos carrinhos e motos de brinquedo de Thoma e Lannion serviram perfeitamente nos encaixes inferiores do trem; o corpo já estava praticamente completo. Com ajuda de Ray e Guilda, conseguiu tirar as medidas da madeira tanto para o trem, quanto para os trilhos. As janelas da locomotiva haviam vindo direto da casa de bonecas de Ana.

Tudo se encaminhava para um presente inesquecível.

Norman, por incrível que pareça, não desconfiou de nada. Por mais que o restante dos irmãos estivessem cada vez mais animados, ele não demonstrava sinal de que estaria notando alguma coisa. Até o momento, ele não passou perto da despensa oeste — local/base para a construção do trem. Emma havia pedido para todos o despistarem sempre que ele estivesse por perto, mas a tarefa não teve tanta necessidade de execução; Norman nunca passava por lá.

Um dia antes do tão aguardado aniversário, Emma e Ray se ocupavam em percorrer o trem pelos trilhos de madeira pela milésima vez.

Estava satisfeita. As rodas escorregavam sem trancos ou pausas. Ainda bem que havia tido a ótima ideia de lixar as laterais dos trilhos.

— Agora só falta esperar! — olhou para Ray, ansiosa. O coração estava aos pulos frente a grande expectativa que sentia. — Todos os presentes devem ser entregues para Mama até o fim da noite. Ela vai arrumar tudo na Sala de Jantar para amanhã de manhã.

Ray assentiu.

— Sim, eu já entreguei o meu — ele confidenciou.

— O que você arrumou para ele? — perguntou, curiosa. Aquela, de longe, estava sendo a véspera de aniversário mais emocionante que já passou até então.

Ray fez um gesto de descaso.

— Nada tão impressionante. Vou dar um óculos a ele. Pode ser que um dia Norman venha a ficar míope.

O sorriso da garota congelou.

Aquele era o velho e prático Ray...

Levantou-se. Passou as mãos pela saia, tirando resquícios de poeira e alguns amassados.

— Vou tirar o trem e a pista do chão. Depois do jantar, entrego para a Mama.

— Certo, nos vemos lá — Ray falou. Acenou e saiu.

Sozinha, Emma pôs-se a ajeitar a despensa. Colocou seu lindo trem em cima da mesa. Prestes a agachar para tirar sua pista de trilhos do chão, um trovão ressoou, estrondoso.

Pulou de susto ao passo que todos seus pelos se arrepiaram.

— Os lençóis estendidos! — lembrou-se. Eles foram pendurados ainda naquela manhã... ninguém imaginaria que em um dia tão ensolarado poderia se converter numa tremenda tempestade!

Aquela despensa já possuía uma porta de acesso ao lado de fora, então saiu correndo aos jardins para recolher os lençóis já secos. Não considerou que, além da porta, duas janelas foram deixadas abertas.

... E os primeiros pingos da chuva começara a tingir o carpete da sala.

 

▪️▪️▪️

 

— É realmente uma pena, Emma...

A voz de Mama saía de forma amena. Com certeza visava fazer a garota não cair no mais completo choro.

Ao invés de lágrimas, porém, os olhos de Emma encontravam-se em completo estado de choque. Jaziam fixos no chão da despensa inundada e...

Nos trilhos de madeira, outrora perfeitos, agora completamente estragados e molengas.

Mama adentrou a despensa, sem importar-se em molhar as botas. Ela aproximou-se da mesa perto da estante e pegou o trem de brinquedo que, felizmente, continuava intacto.

— Ainda pode presenteá-lo com esse lindo trem — ela abriu um sorriso consolador. Caminhou até a menina e afagou seus cabelos rebeldes.

Nada. Emma continuava paralisada, olhos presos sobre a obra de arte que havia demorado tanto para construir.

Completamente destruída.

Aquilo... era impossível. Tudo estava indo tão bem... por que acontecer um contratempo tão cruel — e justo agora?

— Emma?

Sem pensar com clareza, desvencilhou-se das mãos de Mama e saiu correndo.

Seu coração estava numa mistura de raiva e frustração; tristeza e surrealismo. Não tinha como as coisas terminarem assim... não permitiria. Não tinha como permitir.

Assim, correu para um destino já específico. O objetivo, mesmo que impensado, estava teimosamente fincado em seus pensamentos.

Iria resolver aquela situação, e seria agora.

 

▪️▪️▪️

 

“Então era aqui que ela estava?...”

Um par de brilhantes olhos azuis observava a garota alguns passos adiante. Eles continham, ao mesmo tempo, carga de serenidade e compadecimento notáveis. A chuva continuava a cair, ainda que com uma intensidade menor que antes. A entrada para a floresta jazia mais seca graças às árvores que interceptavam as gotas de chuva, mas não queria dizer que aquela região estava completamente à salvo.

Norman olhava Emma. A garota estava abaixada sobre o toco de uma árvore, e parecia raspar lascas de madeira com algum objeto não indicado para o serviço — o qual se revelou como uma simples colher. Os cabelos, da mesma cor dos raios do Sol, estavam agora bem úmidos, mas continuavam a manter sua beleza e brilho de sempre.

Sua preciosa amiga, visivelmente inconformada, se esforçava num trabalho que, naquelas condições, seria inútil executar.

Relaxou os ombros. Percebeu que era hora de abordá-la. Segurou com mais firmeza o guarda-chuva que Ray havia insistido que levasse e andou a passos calmos até ela.

Tocou-a levemente no ombro.

— Emma — sua voz saiu baixa por conta do barulho da chuva, mas ela se surpreendeu da mesma forma.

Emma olhou-o rapidamente, surpresa.

— N-Norman! — exclamou, e, pelo timbre trêmulo e olhos vermelhos, ele percebeu que ela havia chorado.

Norman prensou os lábios e franziu as sobrancelhas. Agora, estava preocupado de verdade.

— Emma, o que está fazendo? — pegou-a pela mão e a ergueu do chão. Suas pernas e saia estavam sujas de barro e lama. — Não seja imprudente, você vai ficar doente aqui fora.

Ainda sem palavras, levou um tempo até Emma conseguir recuperar a voz.

— Mas... você que pode acabar adoecendo, Norman! — ela se preocupou. — Por que veio aqui? Quer passar seu aniversário de cama?

Ele sorriu.

— Não ficarei doente enquanto estiver debaixo disso aqui — fez menção ao guarda-chuva. Buscou posicioná-lo de modo que cobrisse o corpo dos dois. — O jantar já começou — informou. — Mesmo se não quiser participar, temos que entrar. Você precisa se lavar e tirar essa lama de você.

— N-Não! Quero dizer... eu preciso... terminar uma coisa — Emma falou, amuada. Pareceu mais preocupada. — Eu prometo entrar logo...

Norman gesticulou com a cabeça, negativo.

— Emma... — suspirou languidamente. — Você sabe que não precisa disso.

O som da chuva tomou espaço no silêncio que se iniciou. Os olhos verdes vivos que tanto atraíam sua visão lhe olharam com perplexidade.

Então, assumiram visível decepção.

— Você descobriu, não foi?

Fez que sim com a cabeça.

— Há algum tempo — confidenciou. Decidiu se expressar melhor quando um entretecimento intenso se apoderou da amiga: — Mas não sobre tudo. Eu sabia, na verdade, que você estava construindo alguma coisa de aniversário para mim. Descobri que se tratava de um trem só agora à tarde.

— Os trilhos molharam... — ela revelou, baixo e desanimada. Os olhos desceram para o chão. — Estava tentando conseguir mais madeira para construir um novo até amanhã, mesmo sabendo que seria impossível — ela tomou fôlego. — Me desculpe, Norman! Eu queria dar um presente especial para você esse ano, estava tão animada e tão feliz, mas... — prensou os lábios em desventura. — Deu tudo errado.

Houve um novo silêncio. Emma, mais inconsolável do que nunca, agora parecia não ter mais coragem de lhe encarar diante de tamanha vergonha.

... E não gostou de vê-la daquele jeito.

Saber que ela desejava fazer algo especial para si não lhe deixava somente feliz, mas sim, num estágio infinitamente acima disso. Ver a garota que se tratava da única que conseguia mexer com os sentimentos mais estranhos e fortes de seu ser — sentimentos que ele só fora compreender há pouco tempo —, fazia um fenômeno de expectativa e esperança surgirem dentro de seu peito.

Pois, como Norman bem havia descoberto, ele a amava.

E era diferente do tipo de amor que já havia analisado em livros, que, normalmente, eram descritos como sendo intensos e excessivos. Na verdade, sentia que seu amor possuía, em seu âmago, extrema suavidade. Que, ao mesmo tempo que era tão poderoso, não deixava de ter, em sua essência, alta carga de sublimidade.

Era um sentimento que ultrapassa as barreiras do mundo comum para atingir algo inexcedível. Algo puro e grandioso. Algo que ele não sabia dizer se realmente seria capaz de existir naquele mundo ou não.

Apesar de ter aquela realidade acompanhando com vivacidade seu coração tão jovem e puro, sabia que aquele sentimento não era algo para se mexer — não ainda. Enquanto estivesse na companhia daquela garota tão extraordinária e luminosa, seu espírito daria um jeito de aceitar aquela experiência como algo suficiente.

Afinal, Emma não tinha culpa de já ser amada tão cedo.

E, por isso, se limitou a apenas sorrir. Os dedos foram desvencilhados com delicadeza antes de Norman subir a mão para o ombro da amiga.

Emma o olhou com surpresa.

— Norman...

— Apenas sua intenção vale mil presentes, Emma — inclinou a cabeça. — Obrigado.

Emma devia estar muito emotiva. O peito e ombros subiram em comoção; os olhos se encheram como duas xícaras inundadas de água; os lábios se prensaram com força; por fim, o rosto totalmente contorcido numa expressão emocionada.

— Você é o amigo mais incrível do mundo, Norman! — em questão de segundos, ela pôs fim à distância entre os dois. Os braços o envolveram num abraço apertado, o rosto escondido no vão do pescoço arrepiado.

Não se permitiu ficar paralisado por muito tempo. Lentamente, Norman subiu as mãos às costas dela, igualmente a envolvendo com afabilidade.

— E você é um ser que caiu do céu, Emma.

 

▪️▪️▪️

 

Já era de manhã. Emma abriu os olhos lentamente, e foi se acostumando com a claridade que adentrava pela janela.

Por alguns segundos, permaneceu encarando um ponto fixo do teto branco. Distraída, foi lembrando toda a cronologia que se decorreu na noite anterior, depois que ela e Norman voltaram para casa.

Após passarem pela porta dos fundos, Norman lhe garantiu que explicaria à Mama os motivos de sua indisposição para participar do jantar — prometendo não citar a parte em que Emma pegou chuva e se sujou de lama. Ela concordou, agradecida. Norman, então, falou para ela ir se lavar e dormir, e que na manhã seguinte tudo estaria melhor.

Agora, deitada enquanto sentia a aura daquele novo dia que se iniciava, cogitou que, como sempre, Norman tinha razão. De repente, a lembrança dos trilhos de trem destruídos já não parecia mais a visão do fim do mundo. Devia ter feito uma tempestade num copo d'água, afinal, Norman deixou claro que não ligava para o destino infeliz do presente, e sim, das intenções que levaram Emma à construí-lo.

Um sorriso inconsciente cresceu em seus lábios ao pensar nisso. Aquilo era bem coisa dele...

Decidiu que deixaria toda a tristeza do dia anterior para trás. Sentou-se na cama totalmente energética, batendo uma palma estrondosa.

— Vamos acordar, pessoal! Temos uma festa par...

Sua voz morreu.

Não havia ninguém no quarto. Todas as camas estavam vazias e devidamente arrumadas.

Fez expressão entre surpresa e confusa. Tirou os lençóis do colo e calçou as botas marrons. Onde estava seus irmãos? Pela claridade, ainda estava cedo para eles se levantarem...

Perdida, avançou para a porta e abriu-a. Analisou o corredor; vazio e silencioso. Se as crianças houvessem ido para os outros quartos, ela deveria estar, ao menos, escutando barulhos de bagunça — o que não era o caso.

— Mas... onde… O QUÊ?! — soltou uma exclamação engasgada.

Pois, pendurado abaixo de seu nariz, quase que imperceptível, estava um cartão branco flutuando no ar.

Ok, logo percebeu que ele estava pendurado por uma fina linha cor-bege, mas foi assustador de toda forma. Mas... ela era igual às que Mama normalmente usava para costurar os lençóis das camas...

Pegou o cartão, abriu e leu seu conteúdo.

 

“Siga a linha e você chegará ao seu destino”.

 

Fez uma careta. Estavam fazendo uma brincadeira com ela? Mas não deviam estar comemorando o aniversário de Norman, que seria dali a pouco?...

— Linha? — olhou para cima, e percebeu que, lá no alto, um fio feito da mesma linha que mantinha o cartãozinho suspenso percorria o corredor horizontalmente, tanto para esquerda, quanto para direita. Percebeu que a linha continuava até sua visão não ser capaz de alcançar.

Abriu um sorriso. Se queriam brincar, então ela entraria no jogo com o maior prazer.

Escolheu seguir pela direita. Conforme foi andando, percebeu que, com certeza, Mama devia ter um dedo metido na brincadeira; além de a linha estar suspensa numa altura que nem Don seria capaz de alcançar, várias vezes se deparou com cruzamentos que davam a ela quatro caminhos diferentes para seguir.

Após muita caminhada, placas que indicavam que o destino não estava ali, e muitos becos-sem-saída, Emma acabou saindo em um corredor do 1° andar, perto da cozinha.

Ao avistar outra carta pendurada, correu até ela e a agarrou, vitoriosa. Com certeza aquele era o destino final!

Abriu-a rapidamente.

... E descobriu que ela estava em branco.

— Ah, puxa! Eu achava que havia conseguido! — frustrou-se.

— E quem falou que você perdeu, Emma?

Surpresa, olhou para trás e lá estava Norman, parado há alguns metros com seu típico sorrisinho alegre.

— Norman? O que você... — arregalou os olhos ao enxergar o que ele tinha em mãos.

Era seu trem! O trem que ela passou três semanas fazendo e que se esqueceu completamente da existência depois de sua pista de trilhos ter sido arruinada.

— O meu trem... quer dizer, o seu trem! — observou, admirada. — E... ele está pendurado! — percebeu com assombro.

E ele realmente estava. Assim como as duas cartas anteriores, observou que o pequeno trem de madeira estava suspenso no ar por dois fios de linha; um na parte da frente e outro na parte de trás. Lembrou-lhe a perfeita ilustração de teleféricos que já vira em livros.

Norman encolheu ombros e sorriu, ainda segurando o brinquedo.

— Você viu? A Mama planejou isso tudo. É incrível, não é? — ele, então, olhou-a fixamente, assumindo uma expressão gentil de sempre. — Agora o trem que você construiu se moverá pelos ares, Emma. Veja, ele me trouxe até você, não foi?

Ele acabou com a distância que tinha entre eles, e Emma percebeu, com os olhos brilhando, que os dois fios verticais amarrados ao trem deslizavam perfeitamente pelo fio horizontal do corredor. Daria para ir a qualquer lugar da casa daquele jeito!

Parando de observar o fio lá no alto, baixou a cabeça e deparou-se com os olhos de Norman.

Seu sorriso vacilou.

— Isso é incrível, Norman...

Ele pareceu achar graça.

— Parece até que a aniversariante é você — ele estava contente. Alternou o olhar do trem para a ela. — Não se preocupe. É o melhor presente que eu já recebi. Você me deixou muito feliz.

Emma não cabia em si de tanta emoção. A ideia de uma adaptação de teleférico com fios de costura era uma ideia simples, mas tão genial ao mesmo tempo.

Só Mama para pensar em algo assim.

Mirou, então, os olhos daquele garoto tão bom para si, um garoto que ela mal conseguia descrever o nível de importância que tinha em sua vida, tamanha que devia ser. E pensar que a cruel possibilidade de uma vida com a ausência de Norman apareceria dali aproximadamente oito meses…

Como ser capaz de imaginar?

Naquele momento, Emma ainda era apenas uma garota que vivia na mais completa ignorância e felicidade. Vivia naquela casa maravilhosa, junto de seus amados irmãos.

Abriu um sorriso radiante.

— Fico feliz que gostou! — falou, enfim.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^-^ Eu, pessoalmente, amei escrever essa one, foi tão gostoso... Planejo escrever muitas outras desse anime!

Se gostou, deixe sua impressão, viu? Adoro ouvir suas opiniões *-*

Até a próxima ♥



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