O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 57
∾ Eu queria tanto fazer o que era certo, que sempre fiz tudo errado.


Notas iniciais do capítulo

Olá, meus amores! Peço perdão pela demora, vida adula cobra muito caro da gente às vezes.

Trouxe um capítulo mais curtinho, mas um verdadeiro ponto de virada FINALMENTE. Só espero que dê certo, pois o tempo urge e a Sapucaí é grande!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793402/chapter/57

Estava perdido em algum sonho estranho, abstrato e desfocado. Então, algo quente tocou seu rosto. Algo quente, suave e confortável. Como um carinho de alguém que não estava mais ali. 

Confuso e sonolento, abriu os olhos e sentiu as retinas queimarem sob os raios solares, que invadiam a sala pela pequena fresta na cortina da janela. Eram de fato como uma mão que o tocava, estendendo-se através do chão escuro até o sofá, como se fizesse muito esforço para se esticar até alcançá-lo. Mas não era o toque que gostaria. 

Voltou a fechar os olhos, sentindo o cansaço e a preguiça tomar conta do seu corpo. O sol, por outro lado, continuava a arder em sua cara, exigindo que se mantivesse acordado. Não, Nirav não queria ficar acordado. Preferia estar perdido nos seus sonhos confusos e bagunçados, pelo menos neles ainda tinha Juno. E não havia ferrado tudo. 

A nirav, a realidade feria mais do que olhar diretamente para o sol. 

Cada junta do seu corpo estava dolorida, assim como cada músculo estava tenso. Sua cabeça também doía por conta do pranto contido de um homem feito, que se recusava a derrubar lágrimas para não parecer fraco diante de seus próprios erros e equívocos. 

Um suspiro agoniado fugiu de seus lábios enquanto tentava procurar uma posição confortável. Não fora boa ideia dormir no sofá. A questão, entretanto, era que não se lembrava de como chegou ali. Não havia bebido ou qualquer coisa do tipo, disso sabia. Ainda assim, não recordava sequer de como havia chegado em casa. Tudo o que se lembrava era o que fazia esforço para esquecer.

Continuou jogado no sofá, com os botões da camisa estourados e a calça amarrotada. A verdadeira bagunça que sempre temeu que fosse. Sentia em seus ossos que precisava de um banho e algo dentro do estômago faminto, mas a tristeza o impedia de se levantar. 

E a pergunta que permanecia no fundo de sua mente era a mesma dos últimos anos: como se permitiu chegar àquele ponto? 

Há sete anos atrás, não estava tão diferente do que estava agora, percebeu. Sua mente perdia-se em lembranças engatilhadas que expunham o seu fracasso. Sete anos passaram-se desde então e, por incrível que ainda fosse, continuava no mesmo lugar, chorando pela mesma pessoa. 

Recordava-se das promessas que havia feito para si mesmo. Se tivesse que doer, então que doesse agora, pois estava disposto a tentar extinguir o que sentia. Se tivesse de chorar, que chorasse pela primeira e última vez. E quando suas lágrimas secassem, já não teria mais espaço para Juno em sua vida. 

Mas Juno sempre seria a exceção das suas regras. 

Não importava quantas promessas fizesse, limitações que criasse, proibições que impusesse, leis que inventasse ou contratos que criasse; sempre tentaria encontrar brechas para permitir Juno em sua vida. Porque, no fundo, era onde ela pertencia. E para provar que era o certo, a vida fez todo o esforço para que continuasse quebrando as regras só para tê-la, ainda que por tão pouco. 

Havia aberto mão de sua própria moral, enfrentou medos maiores do que si mesmo, permitiu-se a coisas inimagináveis. Tudo só para poder tê-la por um momento ou dois. E embora ela nunca tenha pedido por nada disso, ele faria tudo novamente. Porque era o único jeito de tê-la.

Era um poder que somente Juno detia. E embora fosse incapaz de compreender tal poder, reconhecia-se carecido dele, pois sem sua influência estaria sempre perdido.

Como uma força da natureza, assim era Juno. Imprevisível como uma tempestade de verão, que ninguém vê se aproximando no horizonte e ainda assim é iminente. E quando chove, o céu continua ensolarado. Traz consigo todo o caos de uma tempestade cheia de raios, trovões e relâmpagos, mas não inspira medo. É como aquela chuva que, por mais carregada que seja, faz qualquer um querer um banho, encharcar as roupas e dançar sob os pingos grossos. E se você não aproveitar, em alguns minutos já terá passado. 

Era necessário estar preparado para o caos que Juno trazia em seu ser, mesmo que ela não parecesse ciente disso. Até isso, porém, era um desafio para Nirav. Algo que sempre fugiu da sua realidade, que era o oposto de quem ele era. Era, em sua essência, um homem que dependia do equilíbrio fixo e se erguia em sólido alicerce. Há muito havia se esquecido de como o imprevisível poderia fazê-lo se sentir tão completo. 

Agora, entretanto, sentia ter desperdiçado sua chance de dançar na chuva. Esperou a tempestade vir, olhou em seus olhos, sentiu o gosto que tinha, mas procurou um lugar para se proteger. E o medo que fingiu ter, o fez se acovardar diante da tempestade que tanto jurou esperar. 

No entanto, não precisou perdê-la para saber quão errado estava. Sempre soube ser um equívoco dar ouvidos a terceiros sobre o que sentia, pois ninguém jamais entenderia. Todos sempre acreditaram que Juno era uma bagunça, mas, na verdade, sua vida era uma bagunça sem Juno. Desde o início, soube sempre haver uma parte em seu coração, em seu âmago, até mesmo em sua alma, que pertencia somente a ela.  

No mero instante em que seus olhos encontraram o dela, teve todo o rumo de sua vida modificado. Mesmo antes de saber seu nome, soube que seria como uma força da natureza que não pode ser parada. Quando a tomou para dançar, percebeu que nenhum outro dia depois daquele seria igual. A cada momento que construiu ao seu lado, teve certeza de que jamais iria superá-la. Ao beijá-la, concluiu que ninguém nunca despertaria em si o que sentia por ela. E quando notou o brilho em seus olhos, soube que ninguém jamais o olharia como Juno olhava para ele. 

No fim, seria sempre Juno. Não importava quanto tempo se passasse, quantas pessoas conhecesse, quantos erros cometesse, por mais que o destino insistisse, sempre seria ela. E quando não havia mais ela, então era o mesmo que estar vazio.

Era como se sentia agora. Por mais que seu âmago se torturasse cheio de sentimentos, continuava vazio. 

Inquieto com seus pensamentos, ele esfregou o rosto, sentindo a barba arranhar sua mão e os cabelos embolar nos nós dos seus dedos. Não tinha forças para levantar e qualquer movimento fazia seu corpo reclamar. Tudo o que conseguia fazer era permanecer deitado no maldito sofá. Porque ali era o único lugar que ainda tinha Juno. 

Seu cheiro estava entranhado nas almofadas, como um torturante lembrete dos momentos que passaram ali, enquanto ela estava embalada nos seus braços, cheia de sorrisos maliciosos e comentários ácidos. Marcado em suas roupas, os resquícios de sua maquiagem e seu perfume. Gravado na sua pele, estava a prova de seus beijos e seus toques. O que não faria para tê-la de volta, sentir o gosto de sua boca e olhar em seus olhos? 

De tudo o que poderia fazer, fez tudo o que era errado. O que havia dito, a forma como agiu. Deixou com que as dúvidas de outras pessoas questionassem suas certezas. Apropriou-se de medos que nunca foram seus para justificar uma insegurança infantil. Permitiu que os sentimentos dos outros se tornassem maiores que os seus a ponto de calá-los. Era apenas um sintoma da sua necessidade de fazer o certo, sabia bem disso. Mas o que adiantou toda a sua preocupação? Sim, fez tudo o que mandaram fazer. E agora? O que restava? 

Acabou bagunçando os sentimentos, confundindo as coisas, perdeu o fio da meada. E agora, talvez, fosse irreversível de um modo que nunca fora antes. Pois antes, Nirav ainda permitia-se tentar e errar. Não teve medo de enfrentar um homem mais velho pelo amor dela, por que teria medo de si mesmo então?  Tornava-se apenas a sombra do homem ansioso que temia qualquer vislumbre do erro. E como um homem assim poderia viver? 

Não é fácil saber o que fazer quando estamos diante de sentimentos tão intensos e controversos, é verdade. Há sempre o medo de não ser suficiente. Ou de tudo ser mera ilusão, uma projeção criada pela nossa carência. E tudo bem sentir medo. Porém, quando Nirav deixou que medo fosse tudo o que sentia por Juno, acabou por abrir mão de seu amor. E talvez isso tenha os levado ao ponto final. Nem todos os amores do mundo são tão fortes e resistentes assim. Talvez não houvesse mais o que fazer. Poderia ser o inevitável e temível fim. 

E o que restava fazer quando tudo pode estar à beira do fim? 

Nirav se levantou. Já não havia mais tempo a perder. De nada adiantava permanecer deitado, com lágrimas a rolar por seus olhos inchados. Muito menos adiantava remoer seus erros pensando no que deveria ter feito. Nada disso importava mais. Continuar deitado era continuar aceitando o fracasso que construiu. 

Portanto, despiu-se de suas roupas como despiu-se de seus medos. Na água fria do chuveiro, encontrou a coragem energizando os músculos de seu corpo dolorido. De frente ao chuveiro após o banho, encarou o reflexo e reparou o que precisava ser reparado. Penteou os cabelos, aparou a barba, trocou a roupa e vestiu seu semblante mais confiante. Não era muito, mas era o que tinha. E deveria bastar. 

Quando se perguntou novamente o que restava, soube de imediato a resposta: continuar tentando. Por mais inútil que pudesse ser insistir, pelo menos, deveria tentar. Caso falhasse, não traria consigo a vergonha de ter errado, apenas a satisfação de ter continuado a tentar. 

Com o celular em mãos, decidiu que era hora de começar a fazer as coisas do maldito jeito certo, porque havia prometido a si mesmo que o faria. Então, discou um número memorizado por sua mente. 

Quem atendeu foi Alice. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reage Nirav, bota um cropped! UAHSHUAS queria muito usar esse meme.

Bem, mas é isso. Esses dois precisam se ajeitar, pois o fim vem aí e se eles não aproveitarem as chances que o destino deu aos dois, quem mais poderá aproveitar??



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Caminho das Estações" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.