Cruel Summer escrita por Clarisse Hugh


Capítulo 1
Cruel Summer


Notas iniciais do capítulo

Não sei vocês, mas eu estou colocando Lover para tocar neste exato instante e dançando como uma doida pelo meu quarto heheh
Aproveitem ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793238/chapter/1

Julho de 2020

Devils roll the dice, angels roll their eyes

What doesn't kill me makes me want you more

 

— Eu tô entediado.

Esparramado pelo sofá, Crowley suspira audivelmente ao reclamar por atenção e o antigo celestial nem desvia os olhos da página.

Aziraphale pensou em comentar o quanto já havia claramente notado este fato na última hora, com todos os resmungos, mudanças impacientes de posição e efetivas trinta e quatro expressões verbais de insatisfação, mas preferiu calar-se e continuar sua leitura.

Bem, ou pelo menos tentar.

— É sério, anjo.

Revirando os olhos, fechou o livro com um baque que talvez houvesse sido um tantinho dramático.

— Bem, obrigada por esclarecer seu descontentamento, querido.

O demônio estremece por um segundo à menção do adjetivo carinhoso, e não é de repulsa. A despeito do real motivo do tremor, entretanto, o loiro amansa a voz e prossegue sua fala:

— Entendo perfeitamente que aqui não seja exatamente o lugar mais agradável do mundo para você. – Apenas se ele soubesse o quão errado estava nesta colocação... – Mas o que sugere que eu faça, Crowley? Estamos no meio de uma pandemia e, se eu já não tinha acesso aos planos lá de cima desde... bem, desde nossa última aventura, agora creio que nem mesmo se os compartilhassem comigo eu seria capaz de sequer fingir compreender. Não é à toa que Deus o fez inefável. Só podemos aguardar.

— Eu sei, eu sei, é só que...

A verdade é que não sabia bem o que queria.

Fora um verdadeiro milagre (há!) que estivesse na loja de Zira quando a quarentena foi decretada e eles chegaram no consenso de que seria melhor ficarem juntos neste período.

Por questões de praticidade e sanidade mental, claro.

(E exemplo para os humanos, esses bichinhos teimosos e autodestrutivos!)

Aquele seria um verão cruel, de fato.

— Só quero dizer que a gente podia fazer algo... diferente, sei lá. Todos os dias parecem iguais e olha que eu já aturei monotonias capazes de me fazer dormir por um século inteiro.

Com o rosto iluminado como se acabasse de conceber uma ideia brilhante, Aziraphale questiona:

— Que tal fazermos pão?

— Sério, Zira? – Crowley não sabia bem se ficava irritado por aquela atividade tão... impessoal ser a coisa que o anjo concebia quando pensava em passar um tempo em sua companhia, ou se deleitava-se com o quão cotidiana e humana era aquela sugestão. Para todos os efeitos, prefere declinar, em voz mais baixa e com a pontinha de uma ideia sendo formada na cabeça. – Eu ia acabar colocando fogo na cozinha, melhor não. Que tal... uma aposta?

Ele certamente não estava batendo bem da cabeça naquela manhã.

— Uma... aposta?

— É. Apostamos nossa vitória em um jogo qualquer e quem ganhar tem direito a fazer um pedido para o outro. Qualquer coisa.

Qualquer coisa.

Aquela implicação ressoava pelas paredes muito antigas da livraria de Aziraphale, talvez tanto quanto reverberava neles próprios.

Que houvesse uma infinitude de silêncios ocultando vontades secretas nos dois era quase certo, mas teriam eles coragem de expressá-las em voz alta uma vez que a oportunidade se fizesse? O que havia naquele dia – tão similar a todos os anteriores – de especial para dar-lhes a fagulha necessária para arriscar?

(Logo eles, que já haviam enfrentado o fim do mundo e nem isso pôs fim às meias palavras e gestos dúbios, tudo sempre muito contido.)

Uma eternidade de preparo e nem anjo nem demônio sentiam-se prontos.

Mas quem sabe...

— Tudo bem.

— Tudo bem?

Boa parte de si não esperava que Aziraphale fosse concordar com aquela ideia, que com toda a certeza não era das melhores, então aquele “sim” era deveras surpreendente.

(Quase tão inesperado quanto dois deuses muito antigos despirem-se de inimizades enraizadas para encontrarem o amor. Mas sempre houve algo de muito poético em opostos encontrarem propósito um no outro, não?)

— Sim, vamos fazer isso. Vai ser divertido. Qual jogo? Xadrez?

— Nah. Competir com você no xadrez é quase tão injusto quanto você competir comigo num... strip-poker. Deve ser algo neutro.

A expressão ligeiramente escandalizada do anjo deveria ser exibida como obra de arte no Louvre, na humilde opinião de Crowley.

— Quão familiarizado você está com o strip-poker, Anthony?

Era mesmo uma graça que ele lhe chamasse por aquele nome às vezes.

Talvez só não tão encantador quanto o fato do antigo representante do Inferno na Terra ainda ser capaz de corar.

— Foi apenas um exemplo, anjo! Jesus... Quis dizer que xadrez é muito certinho, chato, cheio de regras e... – Aziraphale o interrompeu com pequeno gesto da mão ao mesmo tempo em que acomodava o livro que vinha tentando ler na mesinha ao lado da poltrona em que estava.

— Humpft, certo, peguei o conceito. O seu seria luxurioso e potencialmente maligno. – Seu revirar de olhos foi um pouquinho para limpar a própria mente da imagem que lhe havia aparecido, mas ele dificilmente admitiria isso. – Apenas me preocupa um pouco o fato desta ideia lhe vir tão fácil. Por Deus, o que será que você anda pensando?

Se apenas ele fizesse a mínima ideia...

— Me recuso a te responder, anjo.

O loiro achou graça, desfazendo a sutil careta emburrada que vestira nos últimos dois minutos, e pareceu encerrar quaisquer espécie de discussão que fosse aquela com um simples olhar que lhe indagava Okay, então qual jogo será?

— Que tal um bom e velho General?

— Yahtzee*? É, me parece bem neutro.

Ademais, a sorte agiria de modo inefável para determinar o campeão ao fim das treze rodadas, muito mais do que qualquer trejeito ou habilidade especial.

○● ○● ○●

A partida estava quase terminando e Aziraphale vencia por uma vantagem muito curta. A única chance de Crowley repousava nesta jogada final. Tirara um 2, um 5, outro 5 e então um 3. Uma trinca com mais uma repetição do número 5 era seu último recurso. Somaria 20 pontos na rodada e passaria o total de Zira por 2.

— Estou em dúvida do que lhe pedir, querido. Quero dizer, porque está claro que vou ganhar.

— Ainda é minha vez, anjo. Você vai ver: vou tirar cinco, vencer e conseguir meu desejo.

Os dois eram capazes de tornarem-se particularmente competitivos com uma facilidade alarmante e o ruivo já sacodia o dado nas mãos fechadas em concha.

— Querido, você sabe que a probabilidade é de um para seis, não? Isso dá menos de dezessete por cento e...

O dado cai no número 5.

— HÁ, EU GANHEI!

— Humpft. Certo, Crowley.

Ele fez um biquinho chateado? Bem, sim. Mas tão rápido quanto a frustração de perder a aposta veio, foi embora. Sendo substituída pela inocente curiosidade do que seu adorado demônio poderia possivelmente querer de si que ainda não lhe houvesse oferecido. Não estava sendo um anfitrião bom o suficiente? Um grande amigo? Um verdadeiro... companheiro?

Oh.

Foi com uma placidez diferente e uma voz muito suave que lhe perguntou:

— Qual será seu desejo?

É patético, Crowley sabe, mas se sente corar – de novo!— porque, por todos os arcanjos, em um milésimo de segundo ele visualiza tudo o que desejava de Aziraphale e cada um dos momentos daquela convivência tão próxima – e ainda tão distante!— que lhe foram uma tortura por não poder ter mais. Agora, entretanto, a mera ideia de poder pedir-lhe algo – o que quisesse!— lhe paralisava.

Talvez estivesse tendo uma síncope.

— Eu vou querer... – Senhor! Jamais poderia lhe pedir aquelas coisas. Não daquele jeito, por uma aposta estúpida, e muito menos quando nem era capaz de colocá-las em palavras! – Vou querer um...

Toque? Um carinho? Um abraço?

(Será que em mil anos teria a coragem de pedir-lhe um beijo?)

— ...pão.

— Um pão?

Aziraphale tinha um jeito muito próprio de parecer frustrado e divertido ao mesmo tempo.

— É. Um maldito pão, anjo. Você... falou mais cedo e fiquei com vontade, sei lá. Tanto faz.

— Você é mesmo impossível, Crowley.

E ele teria se atentado para o jeito como a pronúncia de seu nome havia sido da forma que tanto gostava. Crowley, cada sílaba degustada, como se o anjo as deixasse vagarosamente lhe preencherem a boca. Mas a verdade é que mal pode perceber esse detalhe quando o loiro aproximou-se dele no sofá, um meio riso inocente e corado na face quando rapidamente aproximou o rosto e tocou seus lábios com os próprios no mais suave dos ósculos.

O demônio tinha os olhos meio arregalados e a respiração acelerada quando seu companheiro acrescentou:

— Te amo, seu bobo. Não é a pior coisa que você já ouviu?

O ruivo apenas riu, deliciado, antes de finalmente realizar o tal desejo que não expressara em palavras. Repousou as mãos nas faces de seu anjo e beijou-lhe como este fosse seu destino desde o início.

— Apaixonado por um anjo. Sou mesmo um demônio patético de merda, não é?

Aziraphale sorri com uma malícia suave insinuando-se no canto dos olhos e escorrendo até tomar-lhe os lábios numa composição que deveria lhe soar dissonante, mas que – por Deus! – caia-lhe perfeitamente.

— Não, querido. Você apenas é e sempre foi um rebelde…

Então aquele verão incomum já não parecia tão terrível.

(E Deus revirava os olhos, exasperado pelos enredos mirabolantes que tinha que inventar para juntar aqueles dois.)

And I snuck in through the garden gate

Every night that summer, just to seal my fate oh

And I screamed for whatever it's worth

I love you, ain't that the worst thing you ever heard?

He looks up, grinning like a devil


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*Yahtzee = Minhas pesquisas indicaram que este é um jogo bastante conhecido e fiz meu melhor para que a situação do jogo fosse verossímil, mas a verdade é que pouco compreendi como ele funciona, então se cometi uma gafe gigantesca com as regras, peço perdão.

Enfim, essa foi minha one. Espero que tenham gostado ♥
Me digam se essa música é ou não perfeita para o shipp? Amo demais!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cruel Summer" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.