50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 2
Capítulo 01


Notas iniciais do capítulo

Fala rapaize



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Capítulo 1 - Ela é uma bagunça

Tudo o que acontece no universo tem uma razão de ser. Nós, como seres humanos, temos a missão de seguir em frente, e ter certeza de que, apesar de às vezes estar no escuro, o Sol vai voltar a brilhar.

— Autor Desconhecido

***

Dois enfermeiros saíram do quarto 367 da Clínica Sert, em Port Angeles, num estado precário. Um deles mantinha uma das mãos nos olhos, enquanto um médico o auxiliava pelo corredor; o outro segurava o nariz com um pano ensanguentado, gemendo de dor, enquanto a outra mão repousava na barriga, sendo amparado por uma enfermeira.

No quarto, era possível ver os destroços de uma cômoda, fotos rasgadas pelo chão, uns pedaços ainda presos nos pregos da parede; lápis, canetas e folhas estavam espalhados pelo chão branco, enquanto pequenas poças de sangue se juntavam a eles. Algumas rachaduras eram pouco visíveis nas paredes, causadas pela força do móvel jogado. Um caderno preto, solitário, estava jogado num canto, longe de toda a bagunça presente. Em comparação ao resto, o caderno parecia intocado, saído de uma estante perfeitamente cuidada.

Outra coisa também parecia intocada: a cama macia no canto da parede, onde uma menina dormia tranquilamente, com um cobertor vermelho assim como o travesseiro. Mas infelizmente, a garota não era uma das coisas intocadas no quarto. Pelo contrário, ela parecia ter sido o que mais foi quebrada. A cor da coberta na cama, chamava atenção na brancura à sua volta, quase que em contraste com a personalidade da menina.

A garota, que de longe era tão perfeita, assustava quem chegasse perto demais. O cabelo castanho escuro estava espalhado de forma desajeitada no travesseiro; a pele tão pálida e desbotada do corpo, jazia em hematomas; no rosto, uma das bochechas estava vermelha, com o tapa forte da enfermeira, tentando acabar com o choque da menina; na lateral do pescoço, a marca certeira de três arranhões de sua própria mão era visível; numa das mãos, que repousava na barriga, havia um curativo perfeitamente branco nas costas, ajudando a curar o recente corte causado pelos estilhaços do óculos de grau de um dos médicos; nos dois pulsos, marcas de mãos eram visíveis, vermelhas, já com um leve tão de roxo.

Mesmo assim, a menina dormia tranquilamente, o rosto sem emoções, reluzia com a luz suave do quarto, acalmando qualquer um que olhasse.

Ninguém, em sã consciência, diria que foi aquela menina quem quebrou todo o quarto.

— Como ela está? - Carla Adams, mãe de Ana, perguntou aflita.

O médico suspirou, encarando o corpo enfim inerte e tranquilo da menina na cama.

— Agora está bem. Está dormindo desde... Bem, desde o surto. Eu não queria ter que dizer isso, mas teremos que ter outra conversa sobre Ana, e não será algo bom.

— Como assim? Você disse que ela estava melhorando! - Raymond Steele bradou.

Raymond e Carla eram divorciados há anos, porém, Ana sempre os manteve unidos.

— Ela estava sim. Mas esse foi um enorme passo para trás - respondeu o médico.

— Vamos falar com a Drª. Megan - declarou a Sra. Adams.

— É claro. Acompanhem-me.

Mais uma olhada em Ana, e a porta pesada foi fechada com um silêncio absoluto.

— Eu sei, mas ela não parece reagir a nada nos últimos tempos - disse Ray, impaciente para mais um dos longos discursos de Megan, psiquiatra de Ana.

— Sim, mas vamos tentar um novo tipo de terapia. Algo que mais...

— Mais o quê? Minha filha tem dezenove anos e já passou por mais terapias do que uma pessoa de sessenta. Diz logo o que já sabemos?

— Ray, se acalme - Carla pediu, segurando o braço do ex-marido.

—Me acalmar!?

— Só precisamos esperar por... - Megan começou.

— Esperar!? Esperar o quê? Que a minha filha mate alguém? Por que desse jeito é o que ela vai fazer. Isso não está ajudando. Nada disso está! Ela precisa de algo mais melhor, mais focado no problema que ela tem. Que pelo visto, nem sabemos qual é.

— Ela tem...

— Eu sei. Mas você disse que podia ajudá-la e já se passaram dois anos. Ela está na mesma, na verdade, pior.

— Me desculpe, mas é o máximo que podemos fazer. Não tem nada cientificamente certo de que há uma cura para a Síndrome de Riley-Day.

— Então já chega. Vamos procurar outra ajuda.

— Sr. Steele, não é necessá...

— Não é? Você está dizendo que não há uma cura e quer que continuamos com isso? Algo que não dá em nada?

— A verdade é que não tem algo que dê em alguma coisa, nós ainda não encontramos um ponto de partida, precisamos ir mais a fundo para isso.

— Do que está falando? - perguntou Carla, preocupada, tentando entender a conversa sem fins.

— Estou falando de internação sem previsão - respondeu Megan - Priory é o melhor lugar para sua filha neste momento.

— Como assim?

— Interná-la em Priory seria de grande ajuda...

— Minha filha não é louca!

— Ela é muito agressiva - desdenhou a psiquiatra.

— E isso quer dizer que ela precisa ser internada num hospício?

— Não é um hospício...

— É uma clínica para malucos, um manicômio - Carla se irritou.

— Nossa filha não vai para lá.

— Na verdade, ela não tem escolha. Depois do que ela fez... Ou ela vai para Priory e é tratada. Ou vai para cadeia. Eu sinto muito...

Do outro lado da clínica, mais a noite, com a morena já acordada, os acordes da música irritavam Ana tanto quanto a voz meiga e falsa das enfermeiras. Aquela música era uma tortura. Era tão calma que a fazia querer quebrar tudo até que o som parasse. É claro que aquilo não a fazia dormir.

Quem teve a brilhante ideia de colocar aquela música em vez de injetar mais remédios?

A garota se levantou da cama e sentou no chão, cruzando as pernas. Provavelmente iria enlouquecer se a música não parasse.

Anastasia Rose Steele... aparentemente, apenas uma garota mal-humorada com seus recém dezenove anos. Por vezes fria e até mesmo um pouco perversa; por outras, apenas cínica e sarcástica.

Aquela era o diagnostico da Drª. Megan. Ana não gostava daquela doutora.

A garota tapou os ouvidos com as duas mãos e tentou se concentrar na parede branca do quarto. O problema é que a parede era branca demais. Não tinha nada de interessante para fazê-la se distrair.

Logo escutou o barulho da maçaneta e olhou para cima.

Megan havia mudado desde o verão. Deixara o cabelo crescer e o deixava sempre solto. Aquilo realçava os olhos castanhos. Ana até a acharia bonita, se não suspeitasse que houvesse sido ela a ter a ideia da música.

— Como se sente hoje? - Megan perguntou, com a costumeira prancheta na mão, a voz calma e controlada.

— Eu estou bem - Ana disse, levantando ligeiramente o queixo e repousando as mãos no chão.

— Por que está sentada no chão? - a doutora questionou, curiosamente.

— Por que eu odeio esta música - ela respondeu, encarando-a em desafio.

— Eu achei que você relaxaria mais com uma música - ela explicou sem mostrar muito interesse.

— Remédios, por favor - Ana suspirou e depois desviou o olhar para o lençol branco da cama, odiava quartos brancos. Odiava remédios. Odiava músicas. Odiava Megan.

A doutora deve ter dito algo como "boa noite" e "nos vemos amanhã", mas Ana não prestava mais atenção nela.

Ela escutou a chave se virando na fechadura e menos de um minuto depois a música finalmente parou, as luzes se apagaram e ela se viu na total escuridão do quarto. Mas logo seus olhos se acostumaram e ela pôde ver as cores das coisas.

Quer dizer, cor. Tudo era branco. A janela estava fechada como sempre, e a única coisa que se via era a iluminação do letreiro acima da porta da clínica, lá embaixo.

Às 03h00min em ponto, uma enfermeira entrou no quarto. As mãos estavam geladas em sua testa e a menina acordou com o pedido de desculpas da mulher.

— Só verificando se está tudo bem, querida - a enfermeira disse, com a voz doce, como se estivesse falando com uma criança.

Ana se lembrava daquela. Ela já havia a "verificado" antes.

— Como se sente? - a mulher perguntou.

É Cara... Cássia... Carmen...

A menina tentava se lembrar do nome da enfermeira enquanto a mesma segurava seu pulso e olhava para o relógio.

— Bem - respondeu e a enfermeira sorriu.

— Ótimo. Vou deixar que durma de novo. Tenha bons sonhos, Ana - ela disse, antes de sair do quarto.

A garota esperou ouvir a tranca na fechadura girar e então suspirou.

A porta trancada lhe dava mais segurança, mesmo que devesse deixá-la com raiva por estar trancada naquele quarto. Talvez ela fosse embora amanhã, mas com certeza já haviam mudado de ideia de novo, após seu ataque de mais cedo. Mas o que queriam que ela tivesse feito? Apenas que deixasse que a dopassem novamente? Mas e se ela tivesse pesadelos como sempre tinha? E se ela se machucasse durante um dos terrores noturnos e não soubesse?

Esse era o grande problema: Ana se machucar. Ela não era frágil, mas poderia acabar se machucando alguma hora. E se isso acontecesse? Ela não sentiria. Ela nunca sentiria a dor. Nunca. Quando estava acordada, pelo menos era capaz de ver o que seu corpo estava fazendo. Mas dormindo pesadamente, não podia se defender.

Ana passou a madrugada inteira encarando a janela do quarto, perto de amanhecer, o céu laranja, lembrou-se:

Karen.

Aquele era o nome da enfermeira.

A garota sorriu para o nada.

O dia amanheceu chuvoso e depreciativo como sempre. Ana havia terminado de fazer suas higienes à apenas alguns minutos e sabia que logo viria alguém com o café da manhã. Que bom por que sua barriga já estava com fome. Quer dizer, ela por inteiro estava com fome.

Suzi entrou trazendo uma bandeja e a garota sorriu, mas logo atrás seus pais e Megan vinham também.

Aquilo poderia ser ruim ou bom. Mas, no fundo, Ana sabia que não seria bom.

Você não ganha uma recompensa quando faz algo errado, e sim um castigo.

Ela não disse nada, e eles também não. Suzi terminou de arrumar a bandeja à sua frente e saiu de fininho. Ana começou pelas panquecas.

Se eles não iriam falar, ela também não iria.

Porém, infelizmente, quando ela estava em sua segunda panqueca, seu pai falou... E a bandeja voou longe logo depois do copo de suco ser jogado na parede.

— Eu não vou! - a garota disse quase calmamente.

Ela não gritou, não se levantou, apenas os encarou com petulância, um contraste assustador comparado ao café da manhã espalho no pelo chão.

— Amorzinho - sua mãe começou, depois do choque recuperado da bandeja no chão - você sabe que...

— Eu não quero ir - Ana interrompeu, a voz subindo algumas oitavas. - Não quero ficar longe de vocês, mamãe - a voz mudando drasticamente para um tom meigo e quase doce demais.

 _ Eu sei, princesa - disse Carla, com o coração na mão.

— É preciso - murmurou Raymond.

— Eu não quis fazer aquilo, mamãe - Ana insistiu, se levantando e indo em direção aos pais. - Eu juro. Eu só não queria ser dopada novamente. Eles fazem isso o tempo todo. Eu não gosto que me obriguem a dormir.

— Mas se não te dão calmantes, você não dorme.

Os olhos da garota se transformaram em uma fúria real.

— Como pode ficar do lado deles!? Eles só querem se livrar de mim, por isso me colocam para dormir o tempo todo.

— Querida, não é assim...

— É sim! E vocês vão me internar por causa disso também. Por que não querem mais ter que cuidar de mim. Estão cansados!? Eu também estou! 

— Querida, se acalme - Ray tentou.

— Ana, meu amor, não é nada disso - sua mãe disse.

— Eu odeio vocês!

Ana começou a andar de um lado para o outro, dizendo o quanto odiava os pais, o quanto eles eram desnaturados e que estavam cansados dela.

— Filha, por favor.

— Eu odeio, odeio, odeio!

Era difícil lidar com o peso de um mundo que ela nem conhecia, era difícil ter de passar ilesa e gentil por uma vida de quartos brancos e sedativos. Era difícil dividir as pessoas que a amavam das que ganhavam dinheiro para cuidar dela. No fundo, para Ana, existia uma linha muito ténue entre aquelas duas distinções.

Suas mãos seguraram o pescoço da mãe tão rápido quanto as palavras que saíram de sua boca.

O botão vermelho ao lado de sua cama foi acionado, enquanto Raymond tentava segurar a menina.

— Segurem ela! - Megan ordenou para os dois enfermeiros que entraram.

— Não, não, não! Eu não quero! Para! Não, mamãe! Mamãe me ajuda. Papai, não deixa. Não... Não deixa...

Seus olhos se apagaram quase automaticamente quando a enfermeira lhe enfiou uma agulha no pescoço.

Aquele parceria ser o único jeito que encontravam para lidar com Ana: sedação.

Ana acordou não sabe quanto tempo depois, no pior lugar que ela já conheceu em toda sua vida de internações: a sala de recuperação.

Era um cubículo estofado, completamente branco, que a fazia sempre se sentar num canto e mirar sem realmente ver todas as coisas iguais a sua frente, pensando em como só sentia mais raiva dentro de si toda vez que acordava naquele lugar.

— Eu quero sair daqui! - ela gritou em vão para todas as câmaras que ninguém fazia questão de esconder no teto.

A garota abraçou os joelhos e escondeu o rosto entre eles. Estava cansada daquela vida, ela não fazia por mal, apenas se descontrolava... Por que acontecia com ela? 

— Mamãe... - sussurrou, os olhos já molhados com as lágrimas.

Odiava chorar.

Se pelo menos sentisse dor... Tudo seria mais fácil.

Diferente de todas as pessoas do mundo, sentir dor era a única coisa que salvaria Ana.

 No outro dia, Priory já estava pronta para receber Ana, ou quase.

Uma movimentação no elevador especial para macas chamou atenção no último andar. A "sala de descanso" como os pacientes gostavam de chamar, estava quase vazia.

Como sempre.

Aquele era o andar mais calmo e também mais aterrorizante da Clínica Priory. Os poucos pacientes, jogavam ou assistiam TV. Quietos, sem falar, com os olhos vidrados no nada, ou em tudo. Alguns outros gostavam mais de apenas se sentar e contemplar o chão, ou o teto, até mesmo um ao outro. Porém, com a chegada do elevador especial - o plim alto já quase esquecido - fez com que muitos se virassem para ver o mais novo paciente.

Dois enfermeiros aplicavam os remédios de seus respectivos pacientes, mesmo com o costume de não desviar os olhos quando algo simples acontece, se viram obrigados a olhar para o elevador que era aberto.

A garota adormecida na maca, estava presa por suas tiras, o cabelo quase caindo da mesma, a expressão indistinguível, sendo levada pelo canto, direto até o corredor da Ala Z, a ala que ninguém gostava. Tinha somente mais três pacientes lá, de toda a clínica. Eram pacientes que cometeram atrocidades perigosas, obrigando a todos serem extremamente cuidadosos enquanto estivessem por perto, era a ala destinada àqueles que não tinham salvação, considerados os casos perdidos. O último quarto do corredor, o único que não era ocupado naquela ala, foi onde a menina foi colocada na cama central.

O momento ficou suspenso no ar, até que os enfermeiros voltaram para a sala de descanso e cruzaram para o Elevador 1, descendo.

Todos voltaram as suas respectivas concentrações, ou não concentrações.

Elliot Grey era um dos médicos de Priory, que acabou de ver a cena no último andar. Sem em nenhum momento conseguir pensar no que havia visto, virou-se para Elena.

— O que você acha? - perguntou, após o elevador se fechar.

— Não sei, parece uma criança - retrucou a loira enquanto verificava as próprias unhas.

A mulher era a enfermeira chefe daquele andar, considerada o carrasco por muitos pacientes. 

Mas quando se é louco, ninguém acredita em você.

— Acha que vão entregar o caso para quem? - Elliot continuou.

— Não faço ideia. Contanto que eu não tenha que chegar nem perto. Deus me livre pegar alguém da Ala Z. Ainda mais alguém tão novo.

Elliot revirou os olhos.

— O que houve? - Christian  perguntou, se juntando à eles.

A tensão no local era mais do que sentida.

Christian Grey era irmão de Elliot, por ironia do destino, os dois quiseram cursar o mesmo curso e trabalhavam na mesma clínica, não importava se discutiam mais do que quando apenas moravam na mesma casa.

Elena se endireitou, sem disfarçar passando a mãos pelos cabelos e sorrindo de canto. Não era novidade que a loira era obcecada pelo psiquiatra, assim como não era que os dois já haviam se pegado na sala do almoxarifado algumas vezes. Mas Christian não queria compromisso com ninguém, e todos sabiam que ele era "casado" com seus pacientes, talvez fosse aquilo que fizesse Elena soltar fumaças toda vez que o medico era gentil demais com eles logo depois de lhe dar mais um fora.

— Uma nova paciente - Elliot respondeu.

— Ela foi para a Ala Z - Elena acrescentou, querendo ser útil.

Christian não deu bola, estava estressado com a mulher.

— A menina dever ter uns dezoito anos, ou nem isso - Elliot continuou.

— Sabe o diagnóstico? - questionou Christian.

— Ela acabou de chegar, não faço ideia. Aposto que o Hyde vai ficar com ela - Elliot resmungou, em voz baixa, olhando para o outro medico do outro lado da sala.

— Por quê?

— Por causa do último caso dele. Não lembra? Ele se gaba até hoje mesmo depois de meses. Com certeza vai pedir para ficar com ela - ele revirou os olhos. - E se conseguir, a minha vida acabou. Eu não vou aguentar esse cara.

— Então pede para ficar com o caso - Christian sugeriu distraído com a evolução em suas mãos enquanto tentava não se irritar mais pelo fato de Elena estar encarando-o fixamente.

— Nunca! Um caso da Ala Z? Não aguento com isso. Acho que não tenho nem pique. Ainda mais que, dependendo do diagnóstico, precisa ter licença - Elliot murmurou e então passou um dos braços pelo pescoço do irmão. - Bom, cara, você é o garoto prodígio, salve o mundo. Você e Hyde são os únicos que tem uma licença aqui em cima e estão sem um caso tão pesado, então vai ter que ser um dos dois.

— Eu já tenho um da Ala Z - Christian falou.

Elliot bufou.

— Então será o engomadinho mesmo.

O toque suave do sinal foi ouvido, os pacientes começaram a resmungar.

— E lá vamos nós - Elliot disse, sorrindo indo em direção aos seus dois pacientes, pronto para colocá-los em seus respectivos quartos.

Christian fechou o prontuário em suas mãos e se virou, porem Elena segurou seu braço.

— Podíamos sair hoje... - a loira começou.

— Tenho plantão até às 7h, e eu já falei que não vamos ter mais nada - ele foi direto.

— Christian, eu não entendo...

— Então começa a entender - ele interrompeu, o tom baixo mas firme. - Eu não nenhum compromisso com ninguém, não vamos ter nada, Elena. Ah, e da próxima vez que eu ver o braço da Leila roxo daquele jeito porque você "não conseguiu" encontrar a veia, minha mãe vai entrar nessa historia - ele vociferou e seguiu para fora da sala.

Elena bufou com raiva e cruzou os braços enquanto seguia o médico com o olhar.

— O quê? Mas eu já tenho o Denver - Christian resmungou.

Ele estava na sala da Drª. Grace, a residente chefe da clínica, e também sua mãe.

— Sim, e você só tem o Denver.

— E a Leila.

— Ela está prestes a descer, fez um ótimo trabalho - ela elogiou.

Christian suspirou.

— Denver é da Ala Z - defendeu-se ele, como se fosse algo óbvio.

— Ele está mais calmo. Outro bom trabalho seu.

— Ele não vai se curar. Tem um motivo para ele estar na Ala Z e a senhora sabe.

— Sei. Mas eu também preciso de alguém para o caso da menina Steele.

— Hyde - sugeriu o Grey.

Ele não ia muito com a cara do outro psiquiatra, o mesmo era arrogante e muitas vezes convencido, mas fazia qualquer coisa para não pegar um novo caso da Ala Z, era cansativo e o fazia ficar noites e noites sem dormir.

— Sim, ele até se voluntariou. Um pouco mais que empolgado, devo dizer. Mas eu quero muito que você pegue esse caso. Raymond Steele é um grande amigo de seu pai e você sabe.

— Jack Hyde vai cuidar dela tanto quanto eu cuidaria.

— Eu realmente acho que ela pode ter salvação - insistiu Grace.

Christian levantou uma das sobrancelhas.

— O que ela está fazendo na Ala Z, então? 

— Sabe que temos que seguir as regras.

— O que eu posso fazer que Hyde não faria?

— Pode ser esforçado, mais do que um psiquiatra.

— Dona Grace...

— Ela realmente pode ser salva. Imagina o prestígio em seu histórico se você conseguir que ela fique bem - Grace jogou.

Okay, sua mãe sabia como comprá-lo.

Christian suspirou, ainda relutante.

— Se ela pode ser salva, então por que ela está na Ala Z? - ele insistiu, não iria entrar num caso tão no escuro.

— Por que ela tem um diagnóstico e eu preciso cumprir com ele. E ela é um pouco agressiva, para dizer o mínimo.

— Eu não sei... Parece responsabilidade demais ficar com os dois.

— Talvez você possa dividir o caso de Denver com seu irmão.

— Não, ele já se acostumou demais comigo. Tenho medo de ele ter uma recaída com uma mudança desse porte em sua rotina.

—Tudo bem. Então o de Anastasia você pode dividir com Elliot? Ele pode te ajudar com os relatórios, consultas...

— Vou pensar.

— O senhor tem menos de duas horas antes da menina acordar - disse Grace com impaciência.

— Okay - Christian suspirou, já se levantando.

— Assim que se decidir, e se aceitar, entrego-lhe os papéis.

— Uhum.

— Tenha uma boa noite, filho.

Bem, ele teria que fazer um plantão, não seria bem uma boa noite tendo de ficar até as 7h da manhã acordado.

— A senhora também.

O médico já estava quase abrindo a porta quando se virou novamente para a mãe.

— Por que ela foi mandada para a Ala Z só agora? - questionou.

— Ela teve um acesso de raiva - explicou Grace.

— Isso não quer dizer que ela seja um caso perdido.

— Ninguém consegue pará-la. Ninguém sabe o que ela tem de verdade. Vai ver ela é só... Como o povo diz, louca?

Christian balançou a cabeça e saiu da sala. Já no corredor, se aproximou de umas enfermeiras que saía da Ala Z.

— A garota que acabou de chegar - ele disse, apontando para o corredor da ala - Quem a diagnosticou? - perguntou.

A enfermeira cruzou os braços, olhando-o desconfiada.

Era Sarah Bucker, o dobro da idade de Christian e havia rumores de que ela estava ali desde que a clínica fora construída. Era mais respeitada que muitos médicos... E dava mais medo que os pacientes.

— Um psiquiatra de Seattle - respondeu a mulher com desinteresse.

— E o diagnóstico diz...?

— Num resumo? Que ela é agressiva agressiva, tem alta dificuldade em confiar e conviver com outros seres humanos e tem senso homicida - ela foi direta enquanto jogava as roupas sujas no hamper.

— Em base no quê?

— Não sei. O relatório está trancado.

— Pode pegar para mim? - Christian tentou, sabia que ela tinha acesso a todos os relatórios e prontuários.

A mulher arregalou os olhos.

— O senhor não pode...

— Mas você pode.

As enfermeiras era as unicas que sabiam de cada caso ali, elas cuidavam de todos junto com os medicos, tinham reunioes antes dos pacientes chegarem onde era contado e explicado cada detalhe de seus casos.

— Mas...

— Eu quero saber por que uma garota de dezenove anos foi mandada para a Ala Z.

A mulher suspirou. Gostava de Christian, ele era dedicado aos pacientes e sempre lhe trazia café no plantão.

— Tudo bem - rendeu-se. - Mas não há nada a ser feito, Dr. Grey.

— Por que está dizendo isso? O que houve com ela?

— Ela estava sendo tratada, mas não reagia ao tratamento. Porém, os pais insistiram que continuassem. Há duas noites um dos enfermeiros foi injetar...

— Dopá-la?

— Sim. Ela surtou, dizendo que não queria dormir. Precisou de três enfermeiros para segurá-la e uma enfermeira para injetar o calmante. Um dos enfermeiros talvez não vá enxergar nunca mais, o outro ainda está no hospital em observação, pois ela deu um chute com força no estômago dele. Dizem que dá para saber quanto ela calça só pela marca na barriga do homem.

— E por que queriam dopá-la?

— Ela não dorme. Já estava há quase cinco dias sem dormir.

— Ela não consegue - o psiquiatra concluiu.

— Na verdade, ela força. Tem pesadelos quando dorme. Terror noturno, pesadelos terríveis... A garota morre de medo de dormir e não é para menos. Então injetavam calmantes muito fortes quando ela ficava agitada e ela acabava adormecendo. O terror noturno atacava e ela não podia acordar, e quando acordava era pior por causa da Paralisia.

— Como é possível uma garota tão nova sofrer com tantas coisas? - pensou alto.

— Uma coisa levando a outra? - a enfermeira foi retórica.

— E eles continuaram fazendo a mesma coisa?

— Sim. Ela é muito agressiva, ninguém estava a fim de lidar com isso.

— Era obrigação do médico dela lidar com isso. Ele pelo menos descobriu o por quê?

A enfermeira balançou a cabeça de um lado para o outro.

— Que médico incrível - Christian ironizou.

— Os pais pagaram uma fortuna particular para o psiquiatra.

— E ele gostou do dinheiro que recebia, mas não resolveu problema algum.

— Nem deve ter tentado - Elliot disse, entrando na conversa de repente, no corredor vazio. - Por que ele faria ela ficar bem? Para os pais da garota pararem de pagá-lo? Até parece.

— Tem alguns médicos que não deveriam ser médicos, e sim políticos - a enfermeira comentou.

— Me dê o relatório, fico te devendo essa - Christian murmurou.

— Sim, senhor, fica me devendo mesmo - a enfermeira disse, antes de sair.

— Você está mesmo pensando em pegar o caso da Garota Tyson? - Elliot perguntou, andando lado a lado pelo corredor com Christian.

Apesar das brigas de irmãos, Christian e Elliot eram melhores amigos.

— Garota Tyson? - Christian questionou.

— É como estão chamando-a. Ficou sabendo o que ela fez com os enfermeiros da Sert?

— Sim - Christian bufou.

— Eu não quero estar na frente dela quando ela acordar.

— Ela só precisa de ajuda, não que as pessoas tenham medo dela - Christian revirou os olhos. 

— Ninguém melhor que você.

— Eu sei.

— Tão modesto...

No ultimo corredor, no ultimo andar, no ultimo quarto, Ana havia acabado de acordar, sua cabeça estava girando com tudo o que aconteceu nos últimos... Minutos? Horas? Dias? Ela não sabia dizer quanto tempo havia se passado, mas parecia ter sido o suficiente para a trocarem de lugar. Ela não se importava com a mudança de cenário, afinal, todos os quartos pareciam ser iguais.

Então ela apenas ficou deitada na cama, olhando para o teto. De repente ela sorriu, porque o silêncio era muito legal, confortável.

Doce.

Do lado de fora do quarto, Christian colocou a mão na maçaneta da última porta do corredor, e a girou. O quarto cinco.

A Ala Z era a especialidade da Clínica Priory, mas nem mesmo aquele hospício conseguiria se manter de pé e seguro com mais do que cinco pacientes diagnosticados como "caso perdido".


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