50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 11
Capítulo 10




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Ele está mostrando suas garras enquanto você me ama.”

Christian ainda tinha Ana agarrada a sua cintura quando o policial Trevis voltou exatos cinco minutos depois desde que ela havia chegado.

— Srta. Steele, temos que voltar – ele falou, o rosto contido ao ver como Ana abraçava o médico.

— Tudo bem – ela murmurou contra o peito de Christian, não querendo soltá-lo. – Você não vai me deixar, né?

— É claro que não – o médico garantiu, passando uma das mãos por seu cabelo e a outra a apertava contra si.

— Eu não quero ficar longe de você – ela resmungou.

— Eu sei, eu também não, mas você precisa ir agora, querida.

Ana limpou o rosto com as costas da mão, tendo a ajuda de Christian quando o mesmo percebeu que a menina chorava.

— Vai acabar logo – sussurrou contra a testa dela, deixando um beijo singelo em seguida.

— Não esquece de mim - ela pediu, tirando uma mecha do cabelo dos olhos.

Christian mordeu o lábio inferior e beijou a pontinha de seu nariz, ganhando um sorrisinho da garota.

— Nunca - sussurrou para ela.

A morena balançou a cabeça e se afastou, soltando o ar pela boca que nem percebeu que prendia.

O polícia Trevis a olhou com compaixão. Os dois haviam se tornado "amigos" depois do homem devolver as palavras afiadas da menina com outras mais afiadas ainda. Era o jeito, Ana só gostava de pessoas que a desafiavam.

Ela gostava de Trevis, ele era legal e a ensinava sobre os truques de poker e truco quando tinha a oportunidade de ir no quarto dela no Presídio Psiquiátrico de Seattle, onde ela ficara nos últimos dias.

A garota seguiu o homem, tendo-o um passo a frente, e se recusou a olhar para atrás, sabia que iria querer voltar para Christian, e não tinha o controle tão alto assim de suas emoções para apenas não voltar para ele quando bem entendia.

Não demorou para eles voltarem de volta a sala com o juíz.

— Foi como um pedido de socorro. Imagino que ela nunca tenha falado com Elliot Grey por ele ser irmão do Dr. Grey, ou se tentou ele apenas acobertou. Ela parceria extremamente desconfortável, assustada, mas logo foi claro que ficou aliviada por poder contar comigo. Eu gravei porque sempre gravo a primeira sessão com meus pacientes, gosto de ouvir muitas vezes para tentar trabalhar em cima de suas respostas – Hyde falava com naturalidade.

O juiz apenas balançou a cabeça e se virou para o advogado Leonel que pediu a vez

— Gostaria de ressaltar que é uma regra de Priory, é estritamente proibida a gravação dos pacientes, até mesmo áudios.

— Meu cliente se responsabiliza totalmente pela  gravação e o erro que cometeu – o advogado de Hyde se pronunciou.

— Me desculpe, mas não foi um erro, ele escolheu passar por cima das regras – Leonel debateu.

— Eu entendo que não foi certo, mas a minha escolha de quebrar uma regra, para o bem da minha paciente, na verdade de todos os meus pacientes,  com certeza não foi nada comparada a escolha do Dr. Grey – Hyde respondeu.

Christian revirou os olhos e bufou.

— O Dr. Hyde teve uma intensão boa com a gravação, e ela foi de grande ajuda, peço que não haja punição de nossa parte – o advogado dos Steele falou.

— Eu peço que a gravação seja exposta – Leonel se pronunciou.

Linc e Carrick levantaram as sobrancelhas.

— Também peço permissão para que Anastasia Steele volte ao julgamento – continuou o advogado.

Christian inspirou o ar profundamente e mirou um ponto cego da mesa.

Ele sabia – Leonel também sabia – que colocar Ana de volta naquele julgamento era um perigo, a garota falava a verdade, mas os advogados sabiam destorce-la, e de qualquer forma o médico não era inocente. Então, colocar Ana e a gravação em que ela claramente confessa um “assedio" de Christian, não era bom para o lado dele.

Que porra aquele advogado estava pensando!?

Não demorou muitos minutos para Ana voltar a sala - claramente irritada por estar sendo levada de um lado para o outro - , se sentar abaixo do juiz e começar a brincar distraída com seus dedos, sem dizer uma palavra sequer a ninguém.

Okay, ela também não ajudava quando o assunto era não ser estranha ou louca.

Mas o que podia fazer? Era o seu jeito.

— Anastasia Rose Steele, vítima, paciente de Priory, de volta ao julgamento – o escriba anunciou.

Logo um gravador moderno fora colocado no meio da mesa, e o advogado de Hyde apertou o botão do controle.

Foi com um silêncio poderoso e inquebrável que a voz doce de Ana saiu do alto falante do gravador.

 

 

— Eu não quero falar.

Olá, Srta. Steele... Sente-se, vamos conversar. Espero que não tenha se importado com as mudanças. Eu prefiro o sofá aqui. Ficava algo muito "jogado" do outro lado... O Sr. Grey pediu para substitui-lo hoje, não estava se sentindo bem.

O que ele tem?

Não tenho permissão para falar sobre meus colegas, querida.

Eu dou permissão.

Risada de Hyde.

Eu não gosto de você.

Acho que já tivemos essa conversa antes... Não temos o dia todo, vamos...Tudo bem... Vamos começar... Ele me falou sobre as conversas, sobre como ele dorme em seu quarto... Ele me disse.

É, ele dormia no meu quarto. Para eu ficar bem e segura, para que ele pudesse me acordar, mas era proibido. Eu sei que era proibido, ele me contou. E então parou, mas ele sempre fica até eu dormir. Até eu dormir, sempre.

Ele cuida mesmo de você, não é?

Sim... Ele sempre fica dizendo sobre como eu sou especial para ele, que eu não sou só uma paciente.

Você gosta disso?

Não!

Ele não tem tanta certeza.

Eu sempre deixo claro, ele é que não parece muito a vontade. É proibido, sabe... Você sabe, ter um relacionamento com um paciente, isso é errado.

Que bom que você entende isso, Anastasia, é muito importante saber e ter consciência que isso é errado, ele não deve fazer essas coisas com paciente algum. Não deve beijar os pacientes.

Ele não beija os pacientes! Só a mim.

Ele te beija, então?

Sim... não queria, mas aí me beijou, então...

E mais alguma coisa aconteceu?... Você fez algo que não queria, Anastasia? Você deixa ele te beijar?

Sim, eu deixo...

Então, ele faz o que você quer para que você o deixe beija-la... Você se confunde muito, Anastasia, é normal em uma situação como a sua... É normal, não precisa chorar... Vai ficar tudo bem, é confuso para você...

O Christian não. Eu não gosto da sensação que eu tenho quando olho para ele. Eu não quero lembrar... 

— Você fez algo que não queria, Ana... vai ficar tudo bem..."

 

A gravação foi desligada com a voz baixa e gentil de Hyde, dando continuação ao silêncio mórbido  da sala.

— Bem, não muitas margens para dúvidas agora - o advogado de Carla e Ray falou, ajeitando a gravata como para se impedir de algum gesto vitorioso.

— Ainda ressaltando que é um ato ilegal essa gravação, peço que nao seja considera - Leonel falou.

— Minha filha claramente confessou, Sr. Leonel - Carla comentou, a expressão irritada e o tom contido. - Claro que essa gravação será levada em consideração, e eu também quero mais exames.

— Srta. Steele, está acusando meu cliente de algo mais? - Leonel questionou.

— Não, minha cliente é apenas uma mãe preocupada, claramente horrorizada com a situação e ela apenas questionou novos exames - Hardware falou, dando um olhar claro à Carla para que ela não falasse mais.

— Mas é uma coisa diferente essa - foi a voz de Ana que sobressaltou, fazendo todos à olharem. - Ficou estranho. As palavras e as frases estão fora de contex... conte... - ela suspirou alto e irritada, batendo as mãos com força na mesa.

— Contexto - Leonel a corrigiu.

— Contexto - ela completou, engolindo em seco em seguida e respirando ar calmamente.

— Querida, voce ao menos entende o que está dizendo - Hardware falou.

— Na verdade, eu acredito que a Srta. Steele entende muito mais do imaginamos. Peço um julgamento aberto, com testemunhas e Ana presente - Leonel vociferou.

— Uma incapaz testemunhando num julgamento aberto? - Hardware questionou irritado.

— É possível, Dr. Elliot Grey? - o juíz questionou ao médico.

— Com as circunstâncias e todas as melhoras da Srta. Steele ultimamente, eu não vejo problema algum contanto que ela aceite.

— Ótimo. Nos vemos em duas semanas.

O juíz bateu um martelo, encerrando o julgamento privado.

Tem aqueles momentos que parece que até se apaixonar é uma droga. Christian esteve em observação, ele aguardou um julgamento com testemunhas que aconteceria em duas semanas. E aí ele iria ficar com medo. Naquele julgamento ele seria abertamente acusado de assédio contra uma incapaz.

Ele tentava não pensar sobre aquilo, tentava não pensar se era certo, se Ana não era mesmo incapaz e ele não havia se aproveitado dela.

Mas então vinha aquela droga de sentimento, de sentir o coração apertado só por a menina estar longe, não saber se estão regando ela a sedativos ou se ela está comendo. Preocupação, claro. Ela era linda, mas de alguma forma, naqueles dias, ele sequer conseguia pensar sobre aquilo, sobre querer beija-la ou toca-la com outra intensão que não seja confirmar que ela estava inteira.

Okay, ele iria surtar.

Christian também não podia ver seus pacientes – ao MENOS VER, não podia sair do país – não que ele quisesse – e não podia falar o nome da garota.

Aquele último era por sua mãe, a mulher pareceu adquirir certo rancor da menina após Leonel decretar um pedido de julgamento aberto como a única saída em terem mais tempo sem qualquer chance de encerrar ali.

Talvez com o fato de não pensar em nada, tentar se manter neutro, Christian se preocupou com outras coisas, como as palavras de Ana.

Ele não estava dando uma detetive, mas Elliot gostava de investigação.
Então, la estavam eles, em frente à casa ao lado da antiga de Ana, em Port Land.

— Você tem certeza que pode sair de casa, da cidade? A polícia não está vindo atrás da gente, né?

Christian revirou os olhos.

— É claro que não. Eu não posso sair do país, gênio, mas não estou em prisão domiciliar – ele bufou. – Agora vamos.

— Isso te excita também? – Elliot questionou animado enquanto os dois caminhavam em direção à porta da casa.

Christian levantou uma das sobrancelhas.

— Você é estranho, e não é pouco.

— Ah, claro, fui eu que me apaixonei por uma garota louca – Elliot brincou.

Christian o empurrou de lado.

— Vai se foder, ela não é louca.

Elliot riu antes de apertar a campainha.

Os dias passaram tão rápido que Christian ao menos perceber e já estava no tribunal, junto à muitas pessoas da clínica - como Elena. Não havia ninguém alem dos funcionários da clinica Priory, o tribunal estava recoberto por eles, tirando as testemunhas do juri.

Havia uma grande comoção, Leonel se sentia orgulhoso por seu feito. Se tudo saísse como o planejado, Christian seria inocentado, Ana seria levada para uma clínica de reabilitação com uma grande chance de ser curada, e Hyde apodreceria na cadeia por seus crimes.

Christian não conseguia levar fé de qualquer forma, tudo precisava ser perfeito... perfeito demais para que desse certo. Eram vidas demais em jogo para que as coisas fossem de zero a dez no julgamento. Eles precisavam de uma deixa, fazer Hyde confessar e Hardware não fazer perguntas específicas a Ana. Porém, aquilo foi por água abaixo antes de mal começar.

Segundo a lei, o advogado de acusação era o primeiro a se expor, para então o de defesa tentar quebra-lo. Mas Hardware era sujo, ele queria demais ganhar o caso colocando um médico renomado na cadeia e tirar Ana de Priory - o que seria uma grande conquista. Por isso, a primeira coisa que o homem fez foi chamar Ana para depôr.

Mas Leonel não perdeu as estribeiras. Havia um motivo para ele ser o advogado da clínica, ele era bom no que fazia, e estava disposto a tudo para provar a inocência e os crimes de dois homens completamente diferentes, não tinha nada a ver com o fato de Carrick ser um amigo de infância.

— Esse cara é um canalha mesmo - Linc Priory sussurrou ao que o juiz concordava com o pedido de Hardware.

Ana estava do outro lado do tribunal, separada apenas por uma porta, esperando os policiais lhe levarem até lá. Era uma coisa importante, ela sabia. Mas não conseguia pensar em nada que não fosse o fato de que iria ver Christian finalmente depois de duas semanas inteiras... e também o bolo em sua garganta e a sensação estranha de estar caindo de um precipício. De alguma forma ela sabia que aquilo não tinha nada a ver com o nervosismo que sentia.

— Srta. Anastasia Rose Steele está apta para esse julgamento? - o juiz começou quando o advogado de acusação fez o pedido para interrogar Ana.

— Sim, meritíssimo - Elliot respondeu, como seu principal médico agora que Christian não poderia mais.

— Tragam a menina - pediu o juíz.

Dois policiais, entre eles Trevis, entrou no tribunal pela porta dianteira, trazendo Ana, e a levando ate a cadeira alta e polida logo abaixo do juiz.

— Levante a mão direita e declare: eu juro falar a verdade e somente a verdade - um dos policiais disse ao colocar uma bíblia sob a outra mão da menina.

Ana mordeu o lábio inferior e mirou o homem a sua frente.

— Eu... Eu juro falar a verdade e somente a verdade - ela prometeu, logo em seguida voltando a respirar fundo.

Podia sentir a bile novamente, subindo e descendo e não sabia o porque daquilo.

— Ana, como se sente hoje? - o advogado de acusação começou, Sr. Hardware.

A garota passou a mão na testa, sentindo-a ficar molhada logo em seguida. Estava suando.

— Bem... Eu acho - respondeu.

— Pode ser um pouco mais específica, clara?

Ana balançou a cabeça, sentindo o coração hiperventilar, e engoliu em seco.

— Eu sou alérgica a penicilina - ela confessou.

Hardware franziu o cenho.

— É ótimo que você saiba disso, querida, mas vamos focar...

— Eu sei disso porque uma vez tiveram que injetar em mim porque eu fiquei resfriada do nada, mas foi um erro, quase me matou, o meu coração acelerou tanto que parecia que estava cheio de adrenalina, meu corpo esquentou tanto que fiquei nadando no suor, e eu não conseguia pensar em nada que não fosse morrer. O Dr. Flynn chamou isso de choque anafilático.

— Mas então, Srta. Steele, como foi sua última semana? - o advogado tentou mais uma vez.

— Eu acho que estou tendo isso agora, estou sentindo o meu coração bater muito forte e parece que todo o meu corpo está queimando.

Todos se mexeram inquietos em suas cadeiras, e Dr. Flynn e Elliot pediram permissão para se aproximarem ao mesmo tempo.

Hardware riu.

— Eu não acho que seja preciso, ela está bem, não vamos pelo lado incorreto, vamos focar no julgamento - o advogado falou com desdém.

O juiz encarou Ana, mas a garota só encarava a porta enorme do outro lado do tribunal, realmente não parecia estar tendo um "choque".

— Prossiga, Sr. Hardware.

O advogado assentiu com a cabeça e forçou a atenção de Ana para si.

— Ana, eu gostaria que você dissesse mais uma vez com suas palavras sobre o assédio que sofreu por Christian Grey, ressaltando que era o seu psiquiatra na clínica Priory.

Ana piscou lentamente várias vezes.

— Eu... não entendi o que você quer que eu fale - ela respondeu.

Christian franziu o cenho quando percebeu a garota respirar fundo pela quarta vez em menos de um minuto.

Ela não estava bem.

Dali, há metros de distância, ele podia ver a garota brilhando de suor, suas mãos fechavam e abriam o tempo todo, e ela parecia fazer um esforço muito grande para formar palavras e racionar ao mesmo tempo.

Ela não estava nada bem.

Hardware sorriu minimamente, mostrando conforto.

— Meritíssimo, eu imagino que minha cliente não esteja num estado de lucidez hoje, o que já é de se esperar e espero que todos entendam pela sua condição de vida - o advogado se virou para o juiz.

Leonel xingou baixo.

Era aquilo que ele não queria. Hardware queria Ana ali para desestabiliza-la e faze-la parecer incapaz, o que resultaria num testemunho sem fundamento e ele ao menos poderia tentar interroga-la.

Christian se virou para o advogado e sussurrou para ele.

— Você acha que ele vai tira-la do julgamento? - questionou.

— Com certeza. Ela acabou de falar de alergia a remédios, eu não acho que o juiz irá levar em consideração qualquer coisa que ela disser agora - Leonel respondeu igualmente num sussurro.

— Eu posso falar com ela?

O advogado franziu o cenho e bufou.

— É claro que não, você está sendo acusado, não pode falar com a vítima.

— Mas estamos em público - Christian insistiu.

— Christian, eu acredito em vocês, mas as outras pessoas não, e é essas pessoas que não vão deixar você falar com ela. Somente advogados podem falar com ela no momento.

— E um médico?

— O que? Talvez, mas... O que você está querendo aprontar?

Christian suspirou.

— Ela não está bem, mas as outras pessoas não a conhecem, acham que ela é assim normalmente.

— Esse é o problema em colocar pessoas com problemas mentais num julgamento.

— Um médico pode falar com ela, então eu posso.

— Você é o acusado, não pode.

— Tenta!

— Você está louco? Quer piorar a situação? Tentar uma aproximação agora seria...

— Eu sei, eu sei. Mas eu também sei o que estou fazendo. Teeenta'!

Leonel o encarou mais uma vez antes de se levantar e chamar a atenção do juiz.

— Sim, Sr. Jeffrey?

Leonel ajeitou a gravata e engoliu em seco antes de falar.

Não acreditava que estava prestes a fazer aquilo!

— Eu gostaria de uma licença para que meu cliente, como médico psiquiatra de Anastasia Rose Steele, tenha permissão para se dirigir à menina.

As testemunhas no júri se inquietaram.

O juiz levantou as duas sobrancelhas.

— Sr. Jeffrey, está pedindo para que seu cliente, o acusado, possa falar com a vítima no meio do julgamento?

— Sim, meritíssimo.

— E o senhor achar que eu sequer deveria considerar isso?

— Sinceramente, meritíssimo, devido às circunstâncias do último julgamento privado, posso afirmar que a Srta. Anastasia não sofre qualquer risco ao escutar ou falar com meu cliente, ainda mais na frente de todos. Eu peço que considere sim.

O juiz se virou para as testemunhas e bateu o martelo uma única vez.

— Uma democracia então.

— Com licença, meritíssimo, mas eu recuso veementemente que minha cliente, totalmente incapaz mentalmente tenha qualquer contato com o acusado - Hardware falou.

— Mas a filha é minha e eu concordo com o Dr. Grey poder se dirigir à ela - Raymond, pai de Ana, proferiu em alto e bom tom.

De repente todos começaram a falar, e o juiz teve de bater o martelo várias vezes para a bagunça terminar.

— Silêncio! - ordenou sendo atendido de imediato. - Testemunhas.

— Por que não deixamos que a própria Anastasia Steele decida? - uma das testemunhas sugeriu.

— Minha cliente não tem nenhuma capacidade de decidir qualquer coisa - Hardware interveio.

Ana que parecia cada vez mais pálida de repente se pronunciou num tom irritado.

— Eu queria muito quebrar todos os seus dentes para você nunca mais poder falar besteira - ela declarou.

Hardware apenas deu de ombros, como se mostrasse que suas palavras fossem apenas mais uma prova de que ela não se controlava mentalmente.

— Chega! Sr. Jeffrey, pedido concedido. O Dr. Grey pode se aproximar de Anastasia, mas que seja rápido e em bom tom - o juiz decretou para a surpresa de todos.

Ela o encarou em desafio, com petulância, como sempre fazia antes de ceder a fachada de durona e simplesmente desabar nele contando de seus dramas infinitos.

E ele não se importaria, claro. Amava cada uma de suas vontades e suas mudanças de humor constantes.

Ana usava o uniforme azul da PPS – Prisão Psiquiátrica de Seattle – mas de alguma forma ela mantinha aquela áurea de inocência. O cabelo preso num rabo de cavalo e a franjinha perfeitamente penteada grudava em sua testa por causa do suor, o rosto pálido como quando ela chegou em Priory, como se ela não tivesse pegado sol nas últimas semanas que esteve lá. De perto, Christian também pôde ver algumas manchas roxas em seus braços e pulsos, haviam alguns pontos vermelhos já quase roxos em seu pescoço também, com certeza resultado de muitas agulhas. Ele sabia que Ana era difícil, a garota provocava, irritava, fazia drama e o caralho a quatro, mas nada justificava a violência que todos lidavam com suas crises. Se ele conseguia ser paciente, por que ninguém mais conseguia?

—Oi – ela sussurrou, sorrindo de lado.

— Oi – ele respondeu, tendo o cuidado de não tocar na garota mesmo que ela tenha  estendido a mão e tocado em seu braço.

Ana tinha aquela coisa de querer ter as coisas no momento que sentia vontade de ter, não importava nada mais. E Christian a conhecia bem, sabia de todas as suas vontades, ele a estudou por semanas. Ela estava ali, se sentindo vulnerável com pessoas demais ao seu redor, entendia que era uma coisa de extrema importância que acontecia e ela tinha que se comportar. Mas saber aquelas coisas não impediu a garota de continuar puxando o braço de Christian, tentando trazê-lo perto o suficiente para que pudesse abraça-lo. E depois de duas semanas, um abraço era tudo o que Ana queria, de certa forma ela era carente. Foi tratada como incapaz por anos, falavam dela como se ela não estivesse a centímetros de distância, tocavam em seu corpo com violência porque ela não sentia nada, mexia com sua cabeça como se ela fosse uma marionete sem vida, faziam perguntas que ninguém sabia a resposta. Ela estava certa, machucaram-a de uma forma tão intensa que ela não sentia vontade alguma de estar com o ser humano. Mas Christian era diferente, ele mostrou que o contato era bom, que só porque ela não sentia fisicamente não queria dizer que ela não sentia nada.

— Hey, calma, está tudo bem – ele tentou persuadi-la, tirando suas mãos de seu braço.

A garota passou uma delas pela testa, limpando o suor que era embebido em sua pele e respirando fundo.

— Eu não consigo respirar – ela forçou sua fala, dessa vez se levantando enquanto o puxava.

— Ana, você precisa se acalmar – ele insistiu, mas se assustou a ver a roupa da garota completamente molhada de suor.

Ela não estava tendo um ataque de pânico como ele achou que era, e tampouco era mais uma de suas crises.

Balançou a cabeça e o encarou, respirando regularmente.

— Você comeu alguma coisa diferente hoje? – ele questionou.

— Só tomei suco de laranja.

Para Ana, o café da manhã era às 10h, e como naquela hora o relógio ainda ainda marcava 8h16min, era até surpreendente que a garota tenha tomado algo que não fosse água. A garota engoliu em seco e levantou a cabeça para o teto, puxando o ar profundamente, apertando a mão de Christian.

O psiquiatra acompanhou minimamente uma gota de suor escorrendo pelo pescoço da garota.

Ela ficava cada vez mais branca, a boca se tornando um quase lilás.

— Tá', vem cá – falou, puxando a menina contra si, indo contra as regras do juiz.

A garota desceu o degrau da cadeira alta e parou em frente de Christian.

Não houve objeção, nem mesmo do juiz, todos pararam de respirar quando a garota voltou a cabeça na direção de Christian, mostrando a cor quase de papel e os olhos totalmente inexpressivos.

— Eu acho que eu vou... – ela não conseguiu terminar de falar, o jato de vômito foi direto na camisa de Christian.

A garota tentou tampar a boca, mas outro jato ultrapassou, dessa vez direto no chão.

— Desculpa – ela sussurrou antes de vomitar mais uma vez.

Christian a segurou enquanto os policiais se aproximavam e um enfermeiro corria para perto.

— Levem a menina para a ala hospitalar – o Juiz ordenou.

A garota finalmente parou de vomitar, mas a mão agarrada a barra da camisa de Christian não deixava ninguém toca-la.

— Srta. Steele – o enfermeiro tentou persuadi-la.

A garota balançou a cabeça, e ela se encostaria em Christian se a camisa dele não estivesse suja com seu próprio vômito.

Nojento.

— Está tudo bem, eles vão te ajudar – Christian falou em seu ouvido.

— Tudo bem, Dr. Grey, pode acompanha-la – o juiz foi compreensivo.

Christian a ajudou com sua permissão a se deitar na maca.

O suor havia parado, a cor estranhamente estava voltando ao seu rosto, a pele não estava mais fria, o que quer que havia feito seu corpo ficar daquele jeito, havia sido expulso.

Christian a acompanhou até a ala hospitalar, tentando esquecer o cheiro em sua camisa.

A garota foi posta no soro imediatamente.

— Aqui, tem um banheiro ali – o enfermeiro lhe entrou uma camisa do uniforme azul e indicou a porta a direita com um sorriso.

— Obrigado – ele agradeceu.

— Não – Ana sussurrou quando sentiu o outro tentando desvencilhar a mão a da dela.

— Eu já volto, prometo.

A garota abriu os olhos, cheios d’água, mas Christian não sabia se era pelo episódio de êmese ou por ela estar querendo chorar mesmo.

— Eu prometo – ele reforçou.

A garota devagar deixou que ele soltasse sua mão e desaparecesse de seu campo de visão.

Christian entrou no banheiro e tirou a camisa, jogando-a na lixeira, olhando com uma careta para seu peito refletido no espelho. O vômito havia ultrapassado os espaços entre os botões.

Ele não sentia nojo. Qual é, já teve coisa pior do que vômito em si, mas ainda assim não era o paraíso.

Ele pegou papel toalha e começou a limpar a própria barriga e peito, franzindo o cenho ao perceber os pontinhos brancos triturados junto ao suco de laranja vomitado.

Ele conhecia a rotina de comida de Ana, a garota jantava bem cedo, porque não conseguia deitar após comer, então ela sempre precisava comer antes dos outros, o que queria dizer que aquela hora da manhã não haveria nada da janta em seu estômago, apenas o suco de laranja que segundo ela havia tomado.

Christian terminou de se limpar e jogou tudo no lixo antes de colocar a outra camisa, e sair do banheiro.

Ana parecia relutar com a ajuda do enfermeiro que tentava limpar a mão da garota.

Ela era difícil mesmo!

— Tudo bem, deixa que eu faço isso antes que ela arranque o acesso – ele falou, fazendo a garota sossegar na cama e encara-lo.

Fora ele também quem havia tido de colocar o acesso para o soro, diante da tentativa de assassinato ao enfermeiro.
O policial Trevis estava ao lado da maca de Ana, permanecendo calado, mas com o olhar tranquilizador à menina.

Christian terminou de limpar as mãos e o rosto de Ana, encontrando mais pontinhos brancos triturados.

— Você ingeriu alguma coisa além do suco hoje de manhã? – ele a questionou.

Ana balançou a cabeça em negação.

— Foi só suco e nem foi todo, estava com um gosto estranho – ela respondeu.

— Você se sente melhor agora?

— Sim – ela suspirou. – Parecia que o meu corpo estava entrando em combustão. Você acha que foi choque analítico?

— Anafilático, meu anjo – ele a corrigiu gentilmente enquanto passava um pano úmido em sua testa. – Por que você acha que foi isso?

— Porque eu tive antes, foi exatamente igual, mas eu não vomitei, tiveram que colocar um negócio dentro de mim para tirar o remédio.

— Você tem alergia a penicilina e qualquer coisa com iodo ou mercúrio, não há nada em você agora que faria necessário o uso dessa drogas – ele a explicou.

— Ontem eu espirrei – ela falou.

Christian riu.

— Isso não quer dizer que você está resfriada. Sem contar que as suas alergias estão descritas em todo o seu prontuário e bem aqui também – ele levantou seu punho com a pulseira de alergia. – Mesmo que você estivesse, ninguém te daria essas coisas.

Ana mordeu o lábio inferior e mirou o fundo da sala.

Ela podia jurar que foi a mesma sensação.

Outro policial entrou na sala de repente.

— Dr. Grey, peço que volte para o julgamento.

Ana tentou levantar, mas foi impedida por Christian.

— Eu preciso voltar e você precisa ficar aqui até o soro acabar, não comeu nada e perdeu muito líquido – ele lhe falou. – Vai ficar tudo bem, okay?

— Mas...

E lá estavam de novo, a droga das lágrimas nos olhos estupidamente azuis da garota.

Era como se o coração de Christian fosse quebrar toda vez que aquilo acontecia. Não era bonito, não era adorável, era só Ana triste.

— Olha para mim – ele segurou em seu queixo, ignorando o fato de ter dois policiais e um enfermeiro militar ali. - Só para mim. Eu estou bem aqui. Eu amo você e confio em você – ele levou os labios ate a testa da garota e fechou os olhos por um segundo - Confio em você mais do que em qualquer outra pessoa nesse lugar – confessou.

Ana ainda tentou segurar sua mão quando ele se virou, mas o mesmo apenas se afastou e seguiu para fora da sala sem olhar para trás.

Era difícil para Ana, era quase impossível para ele.

Naquela relação, de um jeito meio babaca, ele admite, Christian se via como o pior lado, ele sentia mais, precisava mais, porque ele era o lado da verdade, ele era o lado responsável que precisava colocar limites... Ele era o lado são e perfeitamente estável.

Enquanto Ana não precisava dar satisfação a ninguém, falava o que pensava, nada de seus atos podiam prejudica-la porque eles não eram levados em consideração pela sociedade. Mas com Christian a história era outra, um passo em falso e ele estava destruído... como naquele momento, voltando para um tribunal onde acontecia um julgamento sobre sua liberdade. E a única pessoa que poderia ajudar de verdade, era considerada incapaz.

Ele voltou a se sentar ao lado de Leonel e esperou o juiz comandar o julgamento novamente.

— Como ela está? – o advogado perguntou.

— Ela está bem – respondeu apenas.

Leonel suspirou.

O que iriam fazer?

— Você acha que consegue pedir um tempo? Tipo, meia hora? – Christian questionou.

— Eu não sei, não acho que o juiz vá questionar. Não adianta, Christian, Anastasia não pode voltar para o julgamento, depois do que acabou de acontecer e dessas provas que Hardware está colocando na mesa do juiz, nem mesmo se a garota disser que está com sede vao acreditar nela.

— Não é para ela voltar – ele falou, observando Hardware interrogando Flynn e expondo anos do prontuário infinito de Ana.

Hardware não estava tentando incriminar Christian, ele nem tocava em seu nome, a estratégia dele era colocar Ana como louca, quase como uma criança que nem sabe o próprio nome, e assim, com as provas que já tem de Christian tê-la beijado, ele ganha o caso.

— Seja o que for que está pensando, é bom ser rápido, eu vou tentar enrolar – Leonel falou. – Vou dizer ao juiz que você precisa de alguns minutos.

Christian balançou a cabeça.

Não foi difícil o juiz concordar com o pedido de Leonel, o advogado iria continuar a defesa, afinal, mas Christian precisava estar acompanhado de um policial para “pegar um ar".

Assim, com Trevis em sua cola, Christian saiu do tribunal em direção à clínica Priory. Ele tinha vinte minutos, levou oito apenas para chegar ao lugar.
Ele nunca vira aquela clínica tão vazia de profissionais e tão cheia de estagiários. O psiquiatra foi direto para a sala de Elliot, felizmente encontrando o mesmo la.

— Hey, e aí, cara? Já acabou? Tá livre? – o mesmo disparou.

Christian respirou o quanto conseguia após ter corrido pela clínica.

— Ainda não. Eu preciso que analise o que tem nisso – ele jogou o papel toalha em cima da mesa do outro.

Elliot o tocou e fez uma careta de nojo.

— Que isso?

— É vômito.

— Ah, qual é? Na minha mesa!?

Christian bufou.

— Ela só tomou suco de laranja – ele suspirou.

— Até parece, e esse troços aqui?

— É o que eu quero saber também – respondeu.

— Dr. Grey, precisamos ir – Trevis falou da porta.

— Droga! Me manda por mensagem o que você descobrir – falou ele enquanto se encaminhava para fora da sala. – Seja rápido!

— Tudo bem. Você conseguiu convencer ela? – questionou e Christian sabia do que ele estava falando.

O mesmo se virou e balançou a cabeça.

— Ela não vai, deixou claro – respondeu antes de seguir Trevis.

Christian conseguiu chegar de volta ao tribunal dentro de seus vinte minutos, não pensando no fato de ter visto a luz vezes demais enquanto Trevis dirigia feito um louco pelas ruas de Seattle.

Leonel interrogava Carla Steele, e o mesmo terminou com suas perguntas um pouco sem sentido assim que viu Christian voltar ao seu lugar.

— É o suficiente, obrigado, Srta. Steele  - ele falou antes de voltar para o lado de Christian. – Eu estava perguntando sobre a comida preferida de Anastasia, não me orgulho disso – falou ele de forma impaciente. – É bom que tenha dado certo.

Christian balançou a cabeça enquanto observava o júri comentar sobre o caso.

— Eu peço o acusado, Dr. Christian Grey para depor – Hardware falou.

Christian o mirou e pôde sentir o olhar de xeque-mate do outro.

O mesmo se levantou, colocando o celular em cima da mesa. Foi de relance, ele nem havia sentido o aparelho vibrar com a chegada da mensagem de Elliot, mas havia chegado... uma palavra apenas. Uma palavra que fazia tudo mudar.

 

De: Elliot

penicilina

 

Christian não mirou as pessoas ao seu redor, nem seus pais sentados ali na primeira fileira, ele mirou a porta, onde ao mesmo tempo entrava Elliot... e a antiga babá de Ana.

 


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