Clichê escrita por Day


Capítulo 6
And we meet again - doremus


Notas iniciais do capítulo

oieee, desculpem a demora!!!! mas to aqui agora pra postar o restante de doremus hahaha

bom, eu revisei há muito tempo e não tive tempo de (re)revisar, então perdoem algum erro eventual.

(preciso dizer que eu amei esse remus meu deus!!!!!!!!!)

ps: informalidade proposital em mensagens/diálogos ok



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dorcasmeadowes

queria conversar com você, podemos?

remuslupin

Não sei se falar por aqui é o melhor.

Podemos conversar amanhã, longe da sua mesa.

Dorcas ignorou por completo as últimas palavras que leu. Seria obrigada a fazer aquilo pessoalmente, então precisaria ensaiar ou explodiria de nervosismo antes mesmo de abrir a boca.

dorcasmeadowes

tá bom

Sua ansiedade quase não a deixou dormir naquela noite. Passou a madrugada criando diálogos para todos os possíveis cenários, criou todas as reações possíveis para os dois e se preparou adequadamente para cada uma delas. A última vez em que falar alguma coisa a deixou tão desconcertada foi na apresentação final do ensino médio, há anos; já nem se lembrava o tamanho do nervosismo.

Quando o despertador a acordou, acabando com suas poucas horas de sono, Dorcas sentiu o peso do mundo nas costas ao levantar e se arrumar para ir trabalhar. Não sabia exatamente porque tinha todas aquelas sensações de apreensão e ansiedade, há tempos não se sentia assim — e preferia não sentir de novo, dada a última vez, em que ficou assim no momento em que se deu conta de que estava apaixonada por seu ex namorado.

Ela não podia estar apaixonada por ninguém, não naquele momento da vida. Deveria se focar de modo integral em seu emprego, se esforçar para entrar na faculdade e construir o futuro que sempre quis, futuro este que não envolvia uma paixão por seu chefe. Chefe este que já tinha a vida ganha, um apartamento deslumbrante e um salário invejável, coisas ainda distantes demais para a loira.

Cumprimentou as pessoas por quem passou de cabeça baixa, como se elas pudessem saber tudo o que se passava em sua mente, queria evitar olhar para alguém e que alguém a olhasse. Chegou à sua sala mais rápido do que qualquer outro dia, fechou a porta e rezou para que não abrisse mais durante o resto do dia. Seu olhar parou de imediato no arranjo de flor sobre a mesa que ele tinha lhe dado, há meses. Talvez fosse hora de tirá-lo dali.

Sua reza interna não demorou a ser ignorada. Dorcas viu sua porta ser aberta e Lupin, com uma mão no pescoço, entrar. Riu com o modo nada discreto que ele achou para esconder o chupão.

— Terei que recorrer à sua maquiagem, o gelo não resolveu muito.

— Certo. Sente aqui e eu cuido do resto — disse, levantando-se. Foi até a bolsa e alcançou a base que, por sorte, estava sempre ali. O tom arroxeado não sumiu por completo, mas estava um pouco mais fraco do que a última vez que viu. Estremeceu quando tocou a pele dele e viu que ele reagiu da mesma forma. Nunca antes levou tanto tempo para usar tão pouca maquiagem. — Pronto, bem melhor agora.

— Obrigado, srta. Meadowes — respondeu, devolvendo o lugar a ela. Caminhou até a frente da mesa e sentou de frente para Dorcas. Tinha os olhos fixos nos dela, desencadeando nela uma torrente se sensações. — O que você quer conversar?

Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, buscando por palavras para começar a falar. Era quase tão difícil quanto o ato de falar em si.

— Eu queria pedir desculpas por ter ido embora daquele jeito ontem, não foi meu momento mais educado.

— É, não foi mesmo, mas tudo bem. Só isso?

— Não — tentou ser firme no tom de voz, mas falhou um pouco. — Eu não sei se isso aqui — fez um gesto apontando para os dois — é a minha decisão mais correta, entende? — Lupin se recostou na cadeira, com os braços cruzados e negou com a cabeça. — Você. E eu. Nós dois. Eu prezo e cuido demais do meu emprego pra dormir com o chefe, por melhor que seja.

Se arrependeu de imediato por dizer aquilo ao ver o sorriso presunçoso que ele tinha.

— Então você gosta — não era uma pergunta, era uma afirmação categórica.

— Não é esse o ponto, Sr. Lupin. O ponto é que aquilo foi um erro, você sabe que foi. A diferença é que isso não é relevante pra você porque o seu emprego vai continuar, não importa se dormir comigo ou não. Já o meu emprego é o primeiro a ser jogado fora, e eu realmente preciso dele.

— Seu emprego só vai ser jogado fora se alguém acima de mim na hierarquia descobrir, e eu espero que isso não aconteça — rebateu, se aproximando dela o quanto foi possível. — Mantenha como nosso segredo, Meadowes. Pode fazer isso? — ela concordou e ele se afastou. — Muito bem, então. Estarei na minha sala se precisar conversar mais.

Dorcas nem ao menos teve tempo de responder. Sentiu-se a pessoa mais patética do universo, porque aquele não era um cenário que tinha imaginado, nem um diálogo que tinha ensaiado. Perdeu todas as palavras e ficou lá, estática e calada enquanto o assistia dar as costas e sair. Naquele dia, fez seu trabalho todo no automático, sem se dar conta de quão rápido os ponteiros do relógio correram e, antes de se dar conta, era hora de ir para casa. E ela iria sem falar o que realmente queria ter falado.

No elevador, ao invés de apertar o botão do térreo, seu cérebro a enganou e fez apertar o botão do último andar. O andar da chefia. Suas pernas bambearam enquanto subia os únicos dois andares que a separavam de seu, agora, destino, e ela pensou por um segundo se conseguiria andar quando as portas do elevador abrissem.

Conseguiu.

Caminhou até a sala de Lupin e entrou sem cerimônia. Sabia que ele estaria ali sozinho, afinal ela era quem organizava as visitas ao diretor. A surpresa não pôde ser disfarçada no olhar dele ao vê-la entrar como um furacão, sem ser anunciada. Deixou sobre a mesa os papeis que estava lendo e a olhou, em silêncio, esperando que falasse o que, com certeza, tinha para falar.

— Eu menti mais cedo. Não era só aquilo que tinha pra conversar — sua voz era cortada pela respiração ofegante. — Eu não sei o que você fez comigo desde que chegou aqui, comprando flores pra mim, rindo das coisas que eu falo, elogiando o modo como faço meu serviço, concordando com o que eu digo, eu não sei. Mas, você fez alguma coisa, e agora eu fico pensando nisso o tempo todo. O que eu tinha pra dizer de verdade era que eu fui embora daquele jeito ontem porque fiquei assustada com o que comecei a sentir, fiquei nervosa só de imaginar tudo o que podia ser.

“Não posso ser demitida, Lupin, não por você e nem por ninguém. A única coisa que eu posso fazer é precisar vir aqui, estar perto de você o dia todo, ouvir sua voz o dia todo, e ter que ficar tranquila com isso, sendo que não é bem assim. Foi um erro o que aconteceu, não porque foi ruim, porque, pelos céus, não foi ruim de modo algum; foi um erro porque agora eu tenho que lidar com essas coisas que sinto e que nem sei o que são. Por sua causa, por essa sua voz firme e esse cabelo que combina tão bem com esses olhos azuis.

“É melhor fazer o que fizemos da primeira vez, fingir que nunca aconteceu. Nenhuma das duas vezes, principalmente porque a segunda não devia mesmo ter acontecido. Não quero manter como segredo, porque assim afirmo a existência do fato e eu prefiro negar e agir como se não tivéssemos nada daqui pra fora. Pronto. Agora sim, eu acabei.

— Uau. Isso é... uma avalanche de informações — ele ressaltou o óbvio. — Bom, em primeiro lugar, me desculpe por fazer alguma coisa com você desde que eu cheguei? Segundo, você não vai ser demitida, Meadowes, eu te dou a minha palavra nisso. Por fim, se você preferir fingir que nunca aconteceu, nós fingiremos.

Ele deliberadamente ignorou todo o resto?, pensou. O resto importante?

— É só isso que você vai responder? Sério? Sério?

— O que mais você quer que eu diga? Que eu fiquei tão chocado quanto você quando te vi aquele dia? Que às vezes eu evito de falar com você porque posso controlar o que digo, por enquanto, mas não posso controlar o que eu penso? Porra, porque eu faço tudo isso. Eu rio das suas piadas, concordo com o que diz, elogio seu trabalho, comprei as flores porque você ri quando faço isso, e eu gosto. Gosto de ver e ouvir rindo, mas não é uma coisa que eu iria te falar algum dia porque não sabia qual poderia ser a sua reação. Então é bom saber que você pensa tudo isso, na verdade.

Dorcas ficou parada onde estava, processando o que tinha acabado de ouvir, antes de caminhar até ele e — ignorando suas próprias palavras — o beijar como não o beijou antes. Não sabia o motivo de fazer aquilo, e nem de onde tirou coragem e impulso para tanto, mas já não dispunha de tempo para descobrir, não quando o sentia puxá-la para sentar em seu colo.

No fim das contas, Lily meio que tinha razão. Transar na mesa do trabalho era bom.

≡≡≡

TRÊS MESES DEPOIS

Ela sabia que era arriscado, perigoso e ousado continuar com aquilo, mas a mera vontade de continuar falava mais alto. Não podia dizer que estava em um namoro ou coisa parecida, mas a verdade era que, há uns bons meses, nem ela e nem Remus ficavam com outra pessoa. Também não era como se mais alguém além deles — e Lily — soubesse da verdade. Então, talvez fosse, sim, um namoro, namoro às escondidas, como dois adolescentes.

Dorcas ainda prezava e cuidava demais de seu emprego, mesmo que não fosse o melhor do mundo ou com o salário mais alto; no entanto, era tudo o que tinha e precisava mantê-lo por mais um tempo ainda. Remus, por outro lado, se via crescendo cada vez mais e atingindo mais e mais metas corporativas, de modo que estava prestes a se tornar um dos melhores diretores que a empresa tinha.

Agora, aproveitavam cada oportunidade, por menor que fosse, para passarem algum tempo junto. Normalmente, eram reuniões de fachada, horas extras antes e depois do horário regular de expediente, intervalos de almoço, qualquer minuto sobrando era válido. Mais do que isso, aproveitavam todo o tempo livre fora do trabalho, longe da visão de todos. Na opinião deles, eram os melhores. Ela se sentia mais solta, sem o peso da apreensão que constantemente a rondava, permitia-se ser tão afetuosa quanto podia ser.

— Você tá livre hoje? — ele perguntou depois de assinar a pilha de papeis que ela trouxera.

— Não sei... meu chefe me passou uma tonelada de relatórios pra terminar até o fim da semana.

— Ele vai entender se você sair hoje, eu garanto.

— Garante como? — Dorcas se inclinou sobre a mesa, deixando seus rostos a uma distância mínima.

— Tenho meus métodos — ele a beijou brevemente. — Hoje?

— Hoje.

Mais tarde, puderam estar a sós e serem quem realmente eram, na presença apenas um do outro. Mais ou menos. Remus segurava uma de suas mãos sobre a mesa do restaurante em que estavam, fazendo círculos com o dedo sobre a palma dela, num movimento quase automático. Mantinha os olhos atentos na loira à sua frente, imersa entre todas as opções que o cardápio tinha; mordia os lábios por vezes quando se deparava com uma aparente escolha difícil — aparentemente, qualquer situação em que ela mordesse os lábios era uma boa situação.

Ele poderia ficar naquela posição por todo tempo do mundo, desde que pudesse olhá-la ininterruptamente. Não se cansava de se perder no acinzentado dos olhos dela, nem nos lábios dela quando se curvavam em um sorriso, nem na pequena cicatriz que tinha acima da sobrancelha direita — cicatriz essa que lhe tomou tempo até saber o motivo: um percing colocado às escondidas na adolescência, que causou tudo de ruim que poderia causar.

Dorcas era o tipo de pessoa que ele precisava em sua vida, sem nem saber. Com ela, a rotina parecia mais fácil e mais leve, os compromissos profissionais não o deixavam mais tão estressado ou sobrecarregado porque sabia que, cedo ou tarde, a veria entrar sorrindo em sua sala e diminuir o estresse e sobrecarga. Seu ideal quando se mudou não era, nem de longe, estar naquela posição — não quando sua mudança envolvia explicitamente não se relacionar com mais ninguém.

No entanto, como quase tudo na vida não saía como planejado, lá estava ele: refutando sua mais forte convicção. Ela tinha conseguido derrubar a barreira dele em menos tempo do que parecia ser possível. Derrubara desde a primeira vez em que se falaram de verdade, desde que a viu concentrada em números e ele pensou o que se passava na cabeça dela.

Remus Lupin, que há tempos não queria nada daquilo, estava irremediavelmente aos pés de Dorcas Meadowes.

— Eu não sei o que pedir — ela disse, baixando o cardápio. — É tudo chique demais. Num fast-food eu saberia o que pedir.

— Vamos pra um então. Deixa isso aí e vamos parar no primeiro McDonald’s do caminho.

— Você não tá falando sério, Lupin.

Ele tirou o cardápio da mão delas, deixando de lado e levantou, puxando-a consigo. Saíram sem nem olhar para trás, para a expressão de choque do garçom que os aguardava fazer o pedido desde que tinham chegado. Ela ria, sem acreditar no que estavam prestes a fazer, ria porque estava arrumada demais para ir a um McDonald’s, pedir o lanche mais gorduroso disponível e se sujar de molho.

Dorcas sorriu pelo resto da noite. Há muito tempo não sorria daquele jeito, desde que seu último relacionamento fracassara o suficiente para fazê-la desistir de entrar em algo similar tão cedo de novo. Como nunca tinha sido muito convicta das imposições que fazia a si mesma, vinha se permitindo imergir cada vez mais no que tinha com Remus, fosse lá o que fosse — não importava, não precisavam de um rótulo, desde que a fizesse feliz, e fazia.

Seus dias pareciam mais alegres com ele, seu trabalho tornava-se mais um prazer e menos um fardo pelo simples fato de que ele estaria lá, dia após dia. E, nos em que não estava, ela se permitia sentir saudade; saudade boa, diferente da que sentia de sua casa e família, uma saudade breve, que acabava assim que o via chegar. E ela sorria de novo, e de novo.

— Não estamos vestidos de acordo com o lugar — falou enquanto terminava de comer. — Você, pelo amor de Deus, tá de roupa social num McDonald’s!

— Pois eu acho que você tá linda nesse vestido, ainda mais com ketchup na bochecha — ele riu ao ver que o rosto dela agora estava todo vermelho, beijando-a onde estava sujo.

Ficaram ali por mais algum tempo, conversando; agora parecia ainda mais fácil para eles conversarem. Aproveitavam momentos como aquele, longe de qualquer preocupação, para saberem tudo a respeito um do outro — assim Remus soube sobre a cicatriz na sobrancelha dela, e Dorcas soube que ele quebrara o braço duas vezes no mesmo lugar em menos de um ano quando tinha doze anos. Sabendo de detalhes tão internos quanto aqueles, era inevitável que não se sentissem mais próximos.

     Cada vez que riam juntos, era como se a bolha em que estavam diminuísse ao redor dos dois, deixando-os ainda mais alheios à realidade ao redor. Não existiam outras pessoas, nem outros casais, nem mesmo carros na rua, nada. Eram apenas eles, e nada e ninguém mais. E isso era bom o bastante para fazê-los nunca querer furar a bolha.

Um dos pequenos prazeres que Dorcas mais gostava era poder andar de mãos dadas, mas raramente o fazia porque era correr um risco grande — e desnecessário — demais. Mas, naquele dia, àquela hora da noite, com poucas pessoas ainda na rua, ela sentiu que talvez pudessem, enfim, andar de mãos dadas. E era bom, um ato simplista, mas tão bom quanto era simples; apertou a mão dele na sua e escorou a cabeça no braço dele enquanto andavam.

Naquele momento, ela podia jurar que estava mais feliz do que jamais esteve na vida. Esperava que sua felicidade durasse mais, muito mais, para aproveitar a sensação indescritivelmente boa que causava em seu corpo e mente.

Contudo, como quase sempre em sua vida, as coisas não costumavam sair como esperado. Dorcas soube disso quando, dois dias depois, foi recebida pela expressão dura de Remus, tão diferente das quais já estava acostumada. Ele a tinha chamado em caráter de urgência máxima até sua sala, não lhe deixando nenhuma outra opção a não ser concordar e ir até lá — não que ela não fosse, de qualquer modo.

— Leia isto — ouviu antes mesmo de fechar a porta, ele virou o computador para que ela pudesse ler o e-mail aberto.

Ilustríssimo Sr. Remus Lupin

No dia de ontem, chegou ao conhecimento da Diretoria Executiva a existência de comportamentos por sua parte que não condizem com as diretrizes da empresa, no que tange relações interpessoais. Esteja ciente de que esta empresa não proíbe as referidas relações, desde que não sejam referentes a funcionários em diferentes hierarquias. Nossas diretrizes vetam, muito claramente, qualquer relação íntima entre superior e subordinado, motivo pelo qual fazemos contato. Receamos que a relação em questão envolva o senhor, naturalmente, e a Srta. Meadowes, sua secretária. Aguardamos resposta a este e-mail no prazo de três dias úteis com adequação às diretrizes corporativas.

Atenciosamente,

Direção Executiva.

— O que? — Dorcas gritou ao terminar de ler. — Como eles podem saber? Nós evitamos ao máximo deixar alguma coisa aparente.

— Alguém nos viu anteontem, tem duas fotos nossa voltando depois de comer — ele mostrou os anexos do e-mail.

A primeira foto era enquanto ainda comiam; ela acabava de corar com o comentário dele sobre sua roupa, momento em que a beijou no rosto. Click. A segunda foto era dos dois caminhando de volta, quando ela se sentiu segura o suficiente para pegar a mão dele. Click. Fim de sua segurança.

— E agora?

— Não sei, Srta. Meadowes — ela não gostava de ser chamada daquele jeito, não quando ele não a chamava assim há semanas.

— Vou voltar ao trabalho então, Sr. Lupin. Mais tarde, nós descobrimos o que fazer. Com licença.

Por mais que tivesse dito que voltaria ao trabalho, concentrar-se nisso beirava o impossível. O e-mail era claro o suficiente ao dizer que a relação interpessoal deles não devia existir, porque aparentemente ela era subordinada a ele. Pensar assim só a fez querer chorar ainda mais. Há tempos não temia pelo seu emprego, ele a tinha levado para um lugar seguro, no qual não havia nem sombra de demissão. Mas, agora, seu medo de ser demitida voltou e com mais força.

No meio da tarde, perto da hora de ir embora, Dorcas o viu passar na frente de sua sala e, diferente de outras vezes, não olhou para onde ela estava. Aquele gesto — ou a ausência dele — respondia a pergunta que tinha feito, e agora? Agora não olhariam mais um para o outro.

Era ilusório achar que teria dado certo, em qualquer universo.

Quando chegou em casa, tudo o que quis fazer era se entupir de todo açúcar disponível, ouvir um repertório de músicas tristes e esquecer que aquele dia tinha acontecido. Tinha um peso no peito, doendo, que a impedia de respirar direito. Sua visão começava a ficar turva pelas lágrimas — incontroláveis — que tinha nos olhos. Não queria chorar, até porque não sabia sobre o que chorava.

Tinha afirmado para si mesma, mais de uma vez, que não era um relacionamento sério. Mas, então, se não era, por que doía como se fosse? Foram três meses, apenas três, nem ao menos era tempo suficiente para causar todas aquelas reações — três meses de correspondência entre eles, ela precisava ressaltar mentalmente; antes disso, foram outros meses em que não sabia direito o que se passava consigo quando o via.

Dorcas trocou o açúcar por álcool ao ver uma garrafa de vodca fechada no fundo de seu armário. Nunca tinha sido louca o suficiente de beber aquilo sozinha, mas para tudo na vida tinha a primeira vez. Num ímpeto de coragem, reforçado pela tristeza, alcançou a garrafa e virou boa parte do líquido puro na boca. Queimou como o inferno e, não muito depois, viu as consequências daquilo refletidas em seus sentidos.

Não apenas nos sentidos, contudo. Principalmente em seus pensamentos, que iam direto a Remus Lupin e se recusavam a voltar. Ela, agora, lembrava dele, pensava nele, supunha o que ele estaria fazendo, sentia falta dele. Começou a ter ideias que não podia controlar e, antes que o resto de seu lado racional pudesse impedir, estava ligando para ele. Nenhuma resposta.

remuslupin

Precisa falar comigo?

dorcasmeadowes

me liga agora

Alguns minutos depois, ela o atendeu, com a voz arrastada.

— Por que você me tratou daquele jeito? — dispensou os cumprimentos para atender. A dúvida pulava em sua mente. Sua voz arrastada não disfarçava em nada que tinha bebido.

Você bebeu, Meadowes? Hoje é quarta-feira!

— Não importa. Responda a minha pergunta.

Acho que você sabe.

— Não. Eu não sei. Por isso eu te perguntei. Por que você me tratou daquele jeito? Nem olhou na minha cara o dia todo, eu parecia até invisível pra você.

Você leu o e-mail, Dorcas. Alguém sabe e deve estar de olho em nós, talvez há um tempo, esperando que vacilássemos. E nós vacilamos. Eu não quero arriscar o seu emprego. Não era esse o seu medo, perder o emprego?

— O que nós vamos fazer agora?

Receio que nós não vamos poder fazer mais nada. É arriscado demais.

Ouvir aquela frase potencializou a dor que sentia. Ela sabia o que significava, mas tinha medo de perguntar e receber a confirmação que não queria. Nenhum dos dois falou por mais um par de minutos, escutando suas respirações do outro lado da linha — até isso era confortável fazer com ele.

Era hora de voltar a fingir que jamais tinha acontecido e, agora, era muito mais difícil. Não falavam mais de uma ou duas vezes casuais e sem compromisso, e sim de muito mais do que isso. Dorcas conhecia a si mesma para saber que não suportaria ter que voltar a vê-lo dia após dia, trabalhar próxima dele, ouvir a voz dele e precisar agir com indiferença.

— Vamos voltar a fingir?

Receio que sim. Sinto muito, srta. Meadowes — ele travou um segundo ao falar aquilo e ela falhou na tarefa até então impecável de segurar o choro durante a chamada. — A menos que você queira perder seu emprego.

— Eu não quero — respondeu com a voz embargada.

Então finja. Mude de assunto se falarem a esse respeito. Afaste-se.

Remus desligou sem dar a ela a chance de responder, não suportaria ouvir a voz embargada por mais uma frase. Jogou o celular longe, como se o aparelho pudesse ter alguma culpa. Não entendia como tinham sido vistos; eram sempre muito cuidadosos em ambiente de trabalho, e mais ainda na rua, sempre se certificando se haviam conhecidos nos lugares que iam.

Uma pontada de arrependimento lhe atingiu no peito. Não se arrependia por ela, não pela pessoa dela, longe disso, mas por ter se permitido entrar em um envolvimento, quando especificamente jurou a si mesmo que não entraria. Queria evitar tudo aquilo; o incômodo, comentários, a separação e, sobretudo, o choro. Nunca tinha sido bom em lidar com outras pessoas chorando, e ser a causa disso era ainda mais difícil de lidar.

Ele estava vivendo seu pior pesadelo. Enquanto não pudesse sair daquilo, precisaria procurar por alguma solução que agradasse aos dois lados, Dorcas e a empresa — o que parecia impossível, uma vez que o que agradava um era justamente o mesmo que desagradava o outro.

Se fosse egoísta o bastante, agradaria a ela sem pensar duas vezes. Não fazia isso, no entanto, porque conhecia o mundo corporativo bem o suficiente para saber que o emprego dela iria embora no mesmo ato. E tinha a ouvido se preocupar com seu emprego em cenários e circunstâncias muito variadas para fazer algo que acarretasse nela perdendo-o.

Os dias posteriores àquela ligação foram ainda mais incômodos do que os primeiros em que precisaram conviver juntos. Dorcas não passava mais de dez minutos na mesma sala que ele, não o olhava e fugia de qualquer diálogo que não fosse estritamente necessário. Remus via nos olhos e nos atos dela o quão difícil estava sendo, e não podia negar que entendia; sua vontade era mandar tudo aos ares e beijá-la no meio de uma reunião, para quem quisesse ver, mas precisava se conter.

Toda a atmosfera entre eles ia pesando cada vez mais, até se tornar insuportável. Se antes ela não passava mais de dez minutos com ele, agora nem ao menos se dava ao trabalho de estar no mesmo lugar. Inventava desculpas para evitá-lo, fugia de compromissos que o envolviam, passou a secretariar outras pessoas, deixando-o com uma substituta.

Passou a vê-la menos e menos até que não a viu mais, em lugar nenhum. Nem nos intervalos de almoço, nem nos corredores, nem nos lugares em que ele sabia que ela ia quando precisava dar um tempo das obrigações. Cogitou perguntar a seu respeito, mas usou do resto de sua racionalidade para lembrar que, até então, não fazia ideia de quem os tinha delatado, e era arriscado demais demonstrar sua preocupação a qualquer um.

Remus entrou em um espiral de preocupação, reforçada pela saudade do que tiveram e as dúvidas que ainda tinha a respeito dela que não seriam mais respondidas. Pegava-se lembrando do som da risada, da cor dos olhos, do cheiro do perfume, da intensidade do toque dela quando estava sozinho. Ouvia sua voz o chamando e ele procurava ao redor para ver se, por acaso, ela não estava por perto, para sempre confirmar que não.

Viveu aquilo até não aguentar mais.

remuslupin

Você sumiu.

Não era uma pergunta, era uma afirmação direta.

remuslupin

O que aconteceu?

dorcasmeadowes

não sabia que isso te interessava

eu me demiti, isso que aconteceu

Ele não pôde crer no que lia, por muitos motivos. Sabia que aquele não era um assunto para ser tratado por mensagens de texto. Queria e precisava ouvir a voz dela dizendo cada palavra, estava cansado de ouvir só as lembranças. O telefone chamou quatro vezes até que ela atendesse. Remus segurou a respiração quando a ouviu dizer oi.

— Como assim você se demitiu?

Encontrei um emprego na cidade dos meus pais, então vim pra cá. É mais perto deles e mais barato pra me manter.

— Então você não é mais minha subordinada?

Não. Nem isso e nem nada, sabe, eu estou fingindo — o sorriso que ele tinha desapareceu com a mesma rapidez com a qual brotou no rosto. — Algo mais, Sr. Lupin?

— Não.

Muito bem então. Tchau.

— Tchau.

Ele preferia ter ficado com as memórias da voz dela a ouvir aquelas coisas. Quis ter podido dizer que agora estavam livres, sem impedimento ou medo, não havia mais nenhuma sombra de alguma maldita diretriz para assombrá-los. Mas, antes que pudesse dizer isso, precisou lidar com o fato de que nem estavam mais na mesma cidade. Por sorte, para ele, distância nunca tinha sido problema.

Sabia exatamente onde os pais dela moravam, já tinha visto inúmeras fotos da casa em várias das ocasiões em que passavam o tempo falando sobre a vida. Evitou pensar em qual seria a reação de Dorcas, preferindo focar na máxima de agradecer por fazer do que se arrepender de não ter feito. Não poderia se perdoar se deixasse a chance escapar.

Uma hora e meia depois, estava em seu destino. Evitou pensar no que fazia enquanto dirigia para que não perdesse aquele fio de coragem; evitou até mesmo de pensar no que falaria. Sua preocupação era que ela abrisse a porta, nada mais. Depois disso, deixaria que as palavras aparecessem por si só.

Dorcas não podia acreditar no que via. Por dias e mais dias, sonhou com aquilo, que, agora que acontecia, não sabia como reagir. Seu coração pulou algumas batidas enquanto se perdia no azul dos olhos que a olhavam tão fixamente, olhos que ela não achou que a olhariam daquele jeito de novo.

— O que você tá fazendo aqui?

— Uma vez, você me disse tudo o que sentia e agora é minha vez — ele respondeu, subindo o degrau que os separava. — Eu não quero fingir, não quero esconder ou manter em segredo, pelo contrário. Eu quero mais é que saibam, que vejam, que ouçam que nós estamos juntos, que nós temos alguma coisa, qualquer coisa. Foi e tá sendo um martírio te procurar em cada canto, em cada outra mulher que eu vejo, me prender às suas memórias que guardo porque eu não posso ter você.

“Eu não quis ter nada com ninguém quando me mudei e aceitei aquele emprego. Não quis até você cruzar o meu caminho e me obrigar a mudar de planos, e, sem nem pensar, eu mudei. Mudei porque vi que estar com você valia a pena a ponto de me provar errado por desejar o contrário. Resisti à vontade de mostrar a quem quisesse saber que estávamos juntos — mesmo que não disséssemos abertamente, você sabe tanto quanto eu que nós estávamos juntos — para preservar o que você mais prezava: seu emprego.

“Só que agora ele não existe mais. Ele que me impedia de pegar a sua mão e sair pelas ruas sem medo de que nos vissem. E estive certo em temer isso, porque, no dia em que você pegou a minha mão, alguém viu. Alguém viu e acabou com o que vinha sendo tão bom. Mas, agora você é livre daquela empresa, livre da porra de diretrizes de lá, você está livre pra enfim fazermos o que sempre quisemos. Porque eu sei, Dorcas, eu sei que você quer tanto quanto eu.

“Ter que te ver me evitando por dias, semanas até, doeu muito mais do que te dizer para se afastar. Eu te pedi uma coisa antes, e agora eu imploro por outra: não se afaste mais. Por favor, não se afaste por mais nem um minuto, porque eu não consigo me manter longe de você.

— Você foi frio e distante comigo, Remus, e sabe disso.

— Eu sei, é claro que eu sei. Era pra te manter empregada. Eu podia não te ter mais, mas ainda podia te ver. Agora que não posso te ver, posso te ter? Pública e ininterruptamente.

— Nós estamos a uma hora e meia de distância — ela procurava por pequenos empecilhos para negar, mesmo que quisesse tanto. Não queria correr o risco de embarcar naquilo de novo, com ainda mais empenho e ter que, futuramente, correr o risco de perder tudo outra vez. Tinha doído o suficiente da primeira vez.

— Eu dirigi essa uma hora e meia até aqui pra te dizer tudo isso, pra dizer que a distância não importa, nós podemos dar um jeito. Posso fazer esse trajeto todos os dias, se você quiser — ele chegou mais perto dela, estavam próximos o bastante para ele ver a cicatriz acima da sobrancelha. — Por favor, Dora, vamos parar de fingir.

Dorcas sorriu ao ouvir o apelido e passou os braços ao redor do pescoço dele, puxando-o para si e anulando o espaço que os separavam.

Era o jeito que tinha de parar de fingir.


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Notas finais do capítulo

comentem o que vocês acharam, eu amei tantoooooo (eu amo d+ esse clichê de secretariaxchefe que pra mim qualquer coisa derivada dele é perfeito ahahah)

prometo não demorar tanto pra postar o último casal (frank x alice)!!!!

ps: caso queiram interagir, meu tt é @thisissrenata (lá é onde eu sou de verdade uhvsdua) se seguirem, só avisa antes pra eu seguir de volta!!!

beijoss, até o próximo e, de novo, comentem!!!!!!!!



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