A Criada Francesa escrita por Claen


Capítulo 8
Juliette Renard




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Já um pouco mais animado por saber que sua busca continuaria com nova ajuda, Gilbert Renard finalmente resolveu nos contar sua história, ou melhor, a triste história da família Renard.

— Minha família sempre foi bastante humilde, - começou o rapaz. - mas a situação se tornou realmente difícil após o falecimento inesperado de meu pai, apenas poucos dias depois de contrair pneumonia. Minha mãe era uma mulher muito forte, mas de uma hora para outra, se viu viúva e com duas crianças para criar. Eu tinha apenas três anos e minha irmã, Juliette, nove, e embora eu me lembre de pouca coisa dessa época, me recordo bem dos anos seguintes e das dificuldades que tivemos que enfrentar.  

“Na tentativa de fazer com que nossas vidas se tornassem um pouco menos difíceis, minha irmã e eu começamos a ajudar nas despesas da casa quando ainda éramos pequenos, mas Juliette sempre foi uma menina especial. Ela era linda e inteligente, uma verdadeira flor rara nascida no chão árido do deserto, e chamava a atenção por onde passava. Embora tivesse largado seus estudos para poder trabalhar, ela sempre estava ávida a aprender e desejava muito dar uma vida melhor para nossa família.”

“Com 17 anos, Juliette trabalhava como camareira em um pequeno hotel, junto de nossa mãe, e foi lá que ela conheceu um casal de ingleses e tudo começou a mudar. Os Armstrongs, como se chamavam, ficaram encantados com a beleza e simpatia de minha irmã. Eles se surpreenderam ao ver uma moça humilde como ela ser tão educada e, além de tudo, saber falar a língua deles. Ela não era fluente, mas tinha aprendido muitas coisas sozinha e conseguia se comunicar bem com os hóspedes estrangeiros. Eles logo perceberam que se tratava de alguém que poderia ter um futuro melhor se recebesse a ajuda que merecia, e eles estavam dispostos a serem esses benfeitores.”

“O casal disse estar na cidade resolvendo assuntos de trabalho, mas que quando retornasse para casa, teria outro assunto para resolver e Juliette poderia ser a solução para seus problemas. Em breve eles perderiam a babá do filho, pois a moça estava de partida para sua cidade natal para cuidar da avó, que viva sozinha e já tinha uma idade avançada. Eles perguntaram a minha irmã se ela estaria interessada em assumir o cargo. Se aceitasse, ela passaria a morar na casa deles e, assim que seus documentos estivessem regularizados, ela também poderia voltar a estudar na escola de sua escolha. Com um salário melhor e quase nenhum gasto para se sustentar, ela teria condições de mandar uma boa quantia para ajudar a nossa mãe.”

“A decisão de se afastar da família e se mudar para um país completamente diferente não foi fácil, mas Juliette acabou aceitando a oferta tentadora e pouco tempo depois seguiu viagem com o casal. No entanto, logo percebemos que algo não estava certo.”

“Os meses começaram a passar e não recebíamos nenhuma notícia dela ou dinheiro. Na época, eu tinha 11 anos e vagava pela cidade à procura de sapatos para engraxar, mas os trocados que eu conseguia juntar não eram de grande ajuda. Finalmente, após oito meses de completo silêncio, recebemos uma carta de Juliette, na qual ela pedia desculpas pela falta de notícias e dizia que as coisas não haviam saído exatamente como ela imaginava e por isso não estava mais com a família Armstrong. Ela havia passado por momentos difíceis, mas as coisas já tinham se resolvido e agora ela estava feliz e trabalhando na casa de uma outra família.”

“Ela nunca nos contou o que de fato havia acontecido entre ela e os Armstrongs, mas sua vida parecia ter entrado nos eixos e ela passou a nos mandar cartas e dinheiro regularmente, até que aproximadamente um ano e meio depois de sua partida, as cartas cessaram novamente, mas dessa vez, para nunca mais voltarem. Minha mãe escreveu várias vezes em busca de respostas, mas jamais recebemos retorno. Desesperada, ela decidiu que iríamos para a Inglaterra para procurar Juliette, mas essa não seria uma tarefa fácil, pois não tínhamos recursos financeiros para realizar a empreitada. Nós morávamos em Marselha e tínhamos que praticamente cruzar o país inteiro para chegarmos ao porto de onde partiria a balsa que nos levaria até a Inglaterra. Então, daquele momento em diante, todos os esforços de minha mãe se voltaram para trabalhar e juntar dinheiro para podermos viajar. Infelizmente, ela trabalhou tanto que acabou caindo doente de exaustão e todo o dinheiro que tinha conseguido juntar precisou ser usado com as despesas médicas.”

“Sua saúde nunca mais foi a mesma, mas ela continuou trabalhando até que, finalmente, após seis longos meses de espera, partimos rumo à Inglaterra. Contudo, como já era de se esperar, as coisas não foram nada fáceis após desembarcarmos aqui. Nós éramos dois maltrapilhos estrangeiros vagando pelas ruas de Londres sem saber ao certo para onde ir. Não conhecíamos a cidade e ela não falava muito da língua, e eu, menos ainda. Andamos por algum tempo até conseguirmos encontrar a delegacia de polícia, onde ela, com muito esforço, explicou a situação, mas ninguém deu importância para o caso de uma imigrante ilegal qualquer desaparecida.”

“Mesmo sem conseguir ajuda das autoridades, minha mãe não desistiu e passou a procurar por conta própria. Nós tínhamos os envelopes das cartas mandadas por Juliette com dois endereços diferentes. Acreditávamos que um deles era da casa dos Armstrongs e o outro da casa onde ela estava de fato trabalhando. Procuramos pelo endereço escrito no envelope da última carta e descobrimos que era uma mansão localizada em uma área nobre de Londres, mas lá nos disseram que Juliette havia abandonado o trabalho repentinamente sem nenhuma explicação e nunca mais tiveram notícias dela. Cada vez mais preocupados, saímos então à procura do endereço da outra carta e foi aí que nosso mundo desabou e finalmente entendemos o motivo pelo qual Juliette tinha deixado os Armstrongs.”

“O endereço não era de uma casa e sim de um bordel, cujos donos eram os Armstrongs. Eles a tinham enganado com a falsa promessa de trabalhar em uma casa de família, quando na verdade, o lugar não passava de uma casa de prostituição. Ao saber daquilo, minha mãe não conseguiu se conter e diante de toda a sua indignação, estapeou a Sra. Armstrong e uma briga feia se seguiu até sermos expulsos do lugar.”

“Já do lado de fora, uma das moças que dizia ser amiga de Juliette, veio falar conosco. Seu nome era Corine e ela nos contou que, assim como a maioria das moças que trabalhavam ali, Juliette só descobriu ter sido enganada por aqueles dois cafajestes quando chegou ao bordel. Eles realmente eram um casal, mas não havia filho algum. Eles eram na realidade aliciadores que saíam em busca de moças bonitas, pobres e inocentes que caíssem na lábia deles de casal bondoso. Quando viu onde tinha se metido, minha irmã ficou desesperada, porque jamais se sujeitaria a trabalhar num lugar daqueles, mas se viu encurralada, porque não conhecia ninguém, não tinha documentos, dinheiro e muito menos onde morar.”

“Eles a ameaçaram dizendo que ela tinha uma dívida com eles, uma vez que precisava pagar pela viagem que eles haviam custeado, e a única maneira de quitar a dívida seria trabalhando para eles. Dessa forma, ela poderia morar na casa, mas também teria que pagar outras despesas como aluguel, alimentação e roupas, o que aumentaria ainda mais a dívida. Ela estava em um beco sem saída e acabou aceitando ficar no bordel, mas ela jamais se sujeitou a se prostituir. Ela passou a trabalhar como faxineira e garçonete do lugar e fez de tudo para não deixar que a dívida se tornasse uma bola de neve. Com o objetivo de se livrar o mais rápido possível daqueles dois desgraçados, ela não aceitava nenhum tipo de “presente” deles, como roupas ou sapatos, e até mesmo comia pouco para evitar maiores gastos.”

“Curiosamente, ela realmente acabou se tornando babá também, porque algumas das moças que moravam e trabalhavam no bordel tinham filhos e Juliette ajudava a cuidar das crianças, que na maioria das vezes, sequer sabiam quem eram os seus pais. Por esse serviço, as moças pagavam escondido para Juliette e foi com essa ajuda extra que ela conseguiu quitar a dívida com os Armstrongs. Nessa época ela já conhecia bem a cidade e tinha planejado o que fazer dali para frente.”

“Ela passava os dias a procura de emprego e as noites dormia em um albergue. Corine a ajudava sempre que podia e vimos que ela era uma boa moça que também tinha sido enganada como a minha irmã, mas ela se arrependia de não ter tido a mesma força de Juliette. Ela acabou se sujeitando ao trabalho, e agora também tinha um bebê sem pai nos braços. No entanto, Juliette tinha se tornado sua inspiração e ela agora também tinha conseguido juntar algum dinheiro e em breve deixaria aquela vida para sempre.”

“Após minha irmã ter tido a sorte de encontrar uma família disposta a contratá-la, mesmo sabendo de sua situação, as duas já não se encontravam mais com tanta frequência, mas mantiveram a amizade até ela, repentinamente, desaparecer.”

“A conversa com Corine nos ajudou a entender muitas coisas, mas ao ouvir sobre tudo o que havia se passado com Juliette durante aquele tempo, minha mãe se culpou por tê-la deixado ir. Como sua saúde ainda estava bastante fragilizada, ela acabou adoecendo novamente, mas dessa vez foi muito pior, porque sua fraqueza veio acompanhada por uma tristeza profunda. Embora ela fosse uma mulher extremamente forte, a culpa que ela levava em seu coração, fez com que ela parasse de lutar e morresse pouco tempo depois. Seu corpo foi trasladado de volta para a nossa terra e eu fui mandado para um orfanato, onde permaneci até completar 18 anos.”

“Quando saí, prometi diante do túmulo de minha mãe, que logo ela poderia descansar em paz, porque eu descobriria o que tinha acontecido com Juliette, custasse o que custasse. Mas como os senhores devem imaginar, também não foi fácil para mim chegar até aqui. Eu precisava de dinheiro, então trabalhei, estudei, aprendi a língua e quando finalmente tive condições, eu vim. Isso foi há cerca de uma semana.” 

“Não foi nenhuma surpresa alguma quando cheguei e tive praticamente o mesmo tratamento recebido por minha mãe, tantos anos antes, só que desta vez, uma pessoa se interessou pelo meu caso, o Detetive Inspetor Lestrade. Quando eu já estava deixando a delegacia, ele me chamou de volta e pediu para que eu contasse mais detalhadamente toda a história desde o começo e foi isso o que eu fiz, mas quando eu disse o nome da família para quem Juliette estava trabalhando antes de desaparecer, ele ficou surpreso e pareceu ter se interessado ainda mais. Ele disse que me ajudaria, mas tudo precisaria ser mantido em segredo.”

— E qual era o nome da família que deixou Lestrade tão interessado? – perguntei também já bastante curioso.

— A família se chamava Hyde. – respondeu o Sr. Renard.

— Hyde? - indagou Holmes, já com os olhos brilhando de animação. - Da Flora Cosmetics?

 - Essa mesma. – confirmou o rapaz.

Aquele era realmente um nome poderoso e começamos a nos perguntar por que uma família influente como aquela teria aceitado contratar uma moça com um passado tão complicado como o de Juliette Renard.


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