WSU's O Guarda-Costas da Possuída escrita por Lex Luthor, WSU, Lucas
Igreja de São José
Cidade do Corsário
Fechada à noite toda igreja parece sempre bem mais sombria. Nem mesmo as luzes acesas do sacrário tornam mais brando aquele ambiente escuro e de inúmeros longos bancos de madeira sendo iluminados pelos raios, que, junto da chuva, caem fora do templo, incidindo nas janelas e vitrais da época do Barroco.
Mia, deitada sobre um desses assentos, desperta. Massageia suas têmporas, enquanto tenta entender o que está havendo.
— É melhor não se esforçar muito.
Ela escuta a voz masculina, branda e, ao mesmo tempo, paterna falando. Levanta-se, coça os olhos e observa que não está sozinha. No altar, o homem de clerygman e chapéu de vaqueiro preto, prepara uma ceia.
Decerto, tudo ali é estranho para a garota. Exceto por aquele homem de barba bem feita e bigode grosso, ele lhe é muito familiar.
— Não sei se ainda lembra de mim, Miandrya Vikernes — fala o Padre, partindo a hóstia. — Como não deve se lembrar de estar em São Paulo ontem e agora na Bahia.
— Eu tenho um bom palpite — retruca a alva garota de cabelos platinados, carregada de um forte sotaque europeu.
— Sou Wellington. — O homem se aproxima, descendo do altar com uma fração da magna hóstia em mãos. — Padre Wellington Agostino.
Ele para de frente à menina grisalha e entrega-lhe aquela pequena porção do Corpo de Cristo.
— Pode provar um pedaço? — indaga, seriamente.
Ela pega e leva o pão partido à sua boca, mastigando.
— Não faça isso — pede o clérigo —, apenas engula.
A garota sorri, lascívia.
— Que promiscuidade — observa, mesmo de boca cheia e, de repente, sua garganta trava.
O ar não passa por sua traqueia, ela engasga e aperta seu pescoço com as mãos. Desesperada, ajoelha-se e tosse forçando a saída da hóstia, que cai ao chão suja com seu sangue. A moça observa franzindo as sobrancelhas.
— Nada de surpresas por hoje, não é mesmo, senhorita Vikernes?
— Que porra é essa? — indaga, ofegante.
— Cuidado com a boca, menina! — esbraveja o homem de fé. — Eu até gosto de falar umas bobagens e fumar uma coisinha, mas está pisando em solo sagrado!
Retirando seu chapéu da cabeça, ele fica de cócoras e observa a garota, apreensivamente.
— É impressionante, nunca vi nada assim — fala, enquanto a ajuda a se levantar. — Diga-me, Miandrya... seus pais negociaram sua alma com o terrível Zagan, talvez você fosse mui jovem para lembrar-se e...
Irritada, ela grita interrompendo-o.
— Beleza, pode pular essa parte! — Seus olhos intensos, soam como agressivos junto de sua respiração descompassada. — Mefisto desfez o meu contrato com ele, qual a razão d’eu continuar assim?
O Padre balança a cabeça negativamente, olhando para baixo.
— Sua alma está integrada com os goetia, Miandrya. — Torna a colocar o chapéu. — Trata-se de um raro tipo de possessão em que não há volta e você pode até se separar, mas que uma hora vai bater à sua porta novamente.
Ela suspira, decepcionada.
— Eu não acredito, estava tão bem sozinha! — A menina esfrega seu rosto com as mãos. — Tinha uma vida nova, num país novo!
— Você é dinamarquesa, não? — pergunta, fazendo-a responder com um aceno. — Acha que aprendeu um idioma completamente diferente em tão pouco tempo sem ajuda do Sete-Peles, ou do CCAA?
— Aquele idiota sempre dá um jeito de tornar tudo desgraça e agora vai ser pra sempre, é fo...
O olhar inquisidor do bigodudo a faz repensar no que vai dizer.
— Fora do comum — ela completa, liberada com um gesto de aprovação do polegar dele.
— Não culpe a Zagan dessa vez, garota — afirma, sereno. — Há pessoas poderosas e assustadas com o que viram na batalha de São Paulo, eles estão lá fora agora e querem a nossa cabeça.
— Como assim, Padre? — pergunta, confusa. — A Frente Unida Extraordinária salvou o mundo e eu, ou melhor, Zagan, quis destruí-lo.
— Salvamos o mundo e perturbamos a ordem. — Olha para o chão, preocupado. — Ainda há muitos que acreditam ter sido mais um evento de corrompidos, ou forças extraterrestres.
Desiludido, o pároco, observa atrás de si o crucifixo, com o Cristo em seus maiores momentos de agonia.
— A fé de milhões foi abatida — continua expondo o seu pensar —, a exposição daquela batalha fez com que muitos acreditassem numa figura divina e onde Ele estava quando nós cerrávamos os punhos pela humanidade?
Mia suspira, colocando seus cabelos brancos para traz com a mão direita.
— Talvez Ele os tenha permitido ir à luta — conclui a garota. — Mas somos todos ameaças agora, aos olhos dos homens.
— Sim, senhorita Vikernes — concorda Wellington. — Os Iluminatti vão tratar de nos apagar da história e não se admire caso surja uma visita indesejada, batendo à sua porta madrugada — alerta, quando o som estridente de um raio invade o local e o clarão ilumina seu rosto.
É então que batidas bruscas nas rústicas portas de madeira da igreja são ouvidas, fazendo com que os dois se olhem desconfiados. De seu paletó, o padre retira uma Beretta, faz um gesto pedindo o silêncio da garota.
— A vida é impressionante — cochicha a menina de cabelos brancos.
Aproximando-se lentamente da saída, o que ele vê pelas brechas são dois pés. Apenas um visitante incomum. Destrava a porta e a chuta, abrindo-a, automaticamente mira a arma na pessoa.
Apenas um braço ao alto.
— Não atiraria num aleijado, não é, padje? — fala o homem barbado, com um cigarro artesanal na boca.
Wellington puxa o fumo dos lábios, amassa e arremessa na calçada molhada pela chuva.
— Não adianta usar o argumento de que Deus fez a erva! — esbraveja o clérigo. — Já falamos sobre o respeito na Santíssima Casa.
— Engraçado o que o senhor está com o tinhoso aí dentro, mas a verdinha não entra — analisa, soltando a fumaça dos pulmões. — Qual o motivo?
— Deus Vult — responde o religioso. — E ele também te incumbiu de assegurar a vida inocente dela.
— Isso aí — fala, apontando para o padre.
O guarda-costas sorri, admirado e convencido, diferente do constrangido aliado, que passa a mão no rosto. Eles adentram na igreja e seguem para perto do altar novamente onde Mia os espera. Admirado com as esculturas deslumbrantes, o visitante pergunta, confuso:
— O que faz aquela estátua de Jared Leto numa cruz?
Revoltado, o padre olha encarando.
— Aquele é Cristo na cruz, Marcos — responde o padre, conflituoso. — Ele morreu ali para que todo que nele creia não pereça, mas tenha vida eterna.
— Não, não, não — refuta o barbudo com um gesto de cabeça negativo. — Eu vi o filme e sei que ele se suicidou enforcado, alguma coisa do tipo. Cristo tinha um rosto mais experiente, com uma barba negra como a minha; este é Leto.
O padre retira seu chapéu da cabeça e coça o crânio com o indicador, enquanto um furor sobe por sua garganta. Ele prefere calar-se ante a ignorância daquele homem.
— Então é esse aí o pacote? — pergunta o barbudo, observando a menina dos pés à cabeça à sua frente. — Não parece o demônio.
A moça arregala olhos, impressionada ao ver o visitante.
— Padre — chama a garota, educadamente —, pode vir aqui, por favor?
Pacientemente, o jovem senhor segue em sua direção
— Este sujeito é um burguês pé de televisão que acha que sabe de tudo, é melhor me entregar de vez para os Iluminatti — cochicha ela. — Eu o conheço da tevê, vai por mim.
No meio da quase silenciosa discussão dos dois, o maneta observa-os enquanto se aproxima do altar com o ofertório consagrado.
— Não pense que você está sendo diferente dele falando assim, Miandrya. — Wellington tenta explicar, arrumando o chapéu em sua cabeça novamente. — Não o conhece como eu, está agindo com a mesma ignorância.
— É mesmo, acha que ele sabe mesmo o que está fazendo? — ela rebate apontando ao visitante, com seu olhar.
O padre segue o pedido implícito da garota e vê Marcos molhando uma hóstia no vinho do cálice e levando à boca, enquanto mastiga o sagrado alimento, faz um sinal aprobatório com o polegar. A atitude leva Wellington a um suspirar aborrecido e ele pega algo em seu bolso, algo cortante, mas que não fica explícito em sua mão fechada.
— Por que escolheu ele, padre? — o cochicho conflituoso dela é tão alto, que é ouvido pelo acusado.
Sentindo a crítica, olha e solta uma risada interrompendo a discussão dos dois.
— Eu assisto sessão do descarrego toda madruga e vi toda a franquia “O Exorcista.” — responde com um sorriso convicto. — Li o resumo dos filmes na internet pouco antes de chegar, mas sou o mais preparado para isso.
Após inflar seu ego, escora-se com o coto em uma imensa estátua de gesso de São José, que perde o equilíbrio e cai partindo-se em milhares de pedaços ao chão.
Tudo em nossas vidas há um limite. A certeza de que Wellington foi transpassado vem em seu olhar para baixo, exatamente para o objeto que retirou do bolso; um crucifixo de um tipo de metal perfurante nas quatro pontas.
— Mil perdões, padre! — pede o desastrado, de joelhos e tentando juntar os pedaços da escultura no chão.
Uma lágrima de fúria desce no olho do homem de fé e Mia o observa perplexa, inerte à situação.
— Filho da puta! — grita o pároco furioso, ao arremessar aquela lâmina de quatro pontas em direção àquele inconveniente homem.
Impressionado, Marcos usa o seu reflexo e perfeitamente segura a arma entre os dedos a poucos metros de seu peito.
— Uau! — impressiona-se a garota, boquiaberta.
— Você ia me matar por causa de uma estátua? — pergunta Marcos, com os olhos mareados. — Eu tenho família, seu desgraçado! — esbraveja chutando e pisoteado os cacos de gesso.
Wellington vira-se para a moça ao seu lado, assustada. Ela assiste ao homem picar os restos da imagem com o crucifixo pontiagudo.
— Viu?! — esbraveja. — É por isso que esse imbecil é o ideal para isso!
— Vai tomar no cu! — esbraveja o barbudo.
Ela faz o sinal afirmativo com a cabeça, observando o sorriso sádico no rosto do seu futuro guarda-costas. Vira-se uma última vez para o padre.
— É, mas você chamou um palavrão — Mia faz uma boa observação.
— Você vem fazer um favor — choraminga Marcos — e te dão o tratamento de um carioca.
— Nem Cristo o aguentaria — enfatiza o religioso —, seja paciente com ele.
Decidida, Mia adentra no peculiar automóvel de Marcos. Um Opala 1971, preto. Totalmente diferente de tudo o que já vira, por todos os painéis e equipamentos extras.
— Marcos, explique tudo para ela no caminho. — O padre tem sua última conversa antes de partirem. — A viagem não é tão longa quanto parece.
— Claro que não — confirma o homem ao volante, rindo com sua mão envolta de ataduras. — Pegar aquele crucifixo foi muito foda, mas tudo tem um preço — desanima-se — e este foi a minha mão toda cortada.
O religioso toca no ombro de seu companheiro.
— Deus vai curar as suas feridas — diz com seriedade. — Exceto as mentais, essas já não fazem mais sentido perdurarem por tanto tempo.
Ele olha para Mia, uma última vez.
— Garota, você está em boas — para, pensativo e corrige — boa mão — tranquiliza a menina de cabelos platinados. — Ele guia-lo até uma pista de voo na cidade de Conde, onde um amigo meu a espera.
— Obrigada por tudo, padre — ela sorri triste, mas grata.
— Não tem culpa do que seus pais a fizeram, são casos como o seu que me fazem remar contra a maré. — Wellington fala com o pesar no olhar sereno. — Façam uma boa viagem — despede-se estapeando o teto do carro, amigavelmente.
O carro dá partida e eles seguem viagem, deixando Mia a refletir nas palavras do amigo religioso. Aderido ao volante, há um suporte mecânico que encaixa o coto de Marcos e simula perfeitamente o movimento de uma mão guiando o veículo.
O destino é o Dique de Corsário.
Salvador
Os faróis acesos na rodovia iluminam o asfalto com listas brancas, que a garota observa passarem em alta velocidade. Sua atenção é tirada da estrada, quando o motorista liga o toca-fitas num som estridente, para só então regular o botão de volume à uma intensidade agradável.
— Desculpe — fala sorrindo, sem tirar os olhos da estrada.
Mia prefere voltar o seu rosto novamente para fora do carro e observar a mata escura pela janela, enquanto ouve Girl You Know It’s True, de Milli Vanilli.
— Já tinha pegado uma balsa antes de hoje? — puxa assunto, referindo-se a alguns instantes antes, quando cruzaram a Baía de todos os Santos com o veículo. — Economizamos umas horinhas a mais, do que indo pela terra... doidêra, né?
Ela pouco se importa, apenas mantém o olhar para a janela e finge nem o escutar.
— Não é muito de falar, não é... Mia? — o homem titubeia. — Posso te chamar assim?
Ela apenas consente com a cabeça.
— Eu sou muito bom com apelido, bicho. — Um sorriso de satisfação é estampado em seus lábios.
— Não é que você seja bom — responde a garota —, todos me chamam assim
Uma risada discreta é arrancada dele.
— Você me lembra a minha filha — insiste em puxar assunto, mesmo com a frieza da menina. — Ela tem mais ou menos a sua ida... — esforça-se para lembrar quantos anos tem a sua prole. — Não lembro bem a idade dela, mas quando se trata de novas amizades, ela é bem difícil de lidar.
Eles observam a placa escrito “Bem-vindo a Salvador”.
— O padre falou que você ia me deixar em outra cidade e íamos encontrar um amigo dele, não que íamos mandar uma solicitação no Facebook — rebate a tentativa.
O som da música predomina o ambiente, ambos se calam. Satisfeita, a garota de cabelos platinados sorri de lado, vencedora da situação.
— Ela acha que essa música é feliz — mas se engana, pois motorista parece não filtrar a inconveniência exacerbada que possui.
Impaciente, ela suspira.
— Tem uma porra de um piano frenético nessa música! — Mia fala num tom de esbravejo. — Isso parece eurodance dos anos noventa, só que ainda influenciada pela voz black predominante nos anos oitenta.
— Falou o Arnaldo do Ídolos agora — debocha o barbudo. — A tristeza está justamente na voz — responde, rindo. — É emprestada, dublada, não é a dupla original que canta, um lip sync.
Ela continua com os olhos fixos no percurso, mas agora parece mais aberta ao que ele fala.
— Ganharam até um Grammy com isso, mas tiveram que devolver. E aí, um morreu de overdose e outro nunca emplacou nada — ao contar, ri de uma forma que se engasga.
A menina, boquiaberta, toma o fôlego quando o vê baixar a cabeça, engasgado e entrar na contra mão da estrada. Ela puxa o volante e evita uma colisão frontal com um caminhão de carga e guia o veículo para a faixa correta novamente, fazendo os pneus cantarem.
— Obrigado — agradece, ao erguer novamente a cabeça e tomar a direção.
— Você é louco! — esbraveja a garota, ofegante.
Ambos se recompõem. Ela da cena aterrorizante, ele do engasgo.
— Os caras levaram os créditos por algo que não fizeram e se foderam — continua o homem —, como você.
Girl, you know it’s true (Garota, você sabe que é verdade)
Ooh, ooh, oohm I love you (Uh, uh, uh, eu te amo)
Sim, é verdade. Como disse Marcos e corroborou o refrão da canção, a menina demônio passa a refletir. Ela cometeu atrocidades sobre o domínio do goetia Zagan e agora estava pagando por isso, sendo caçada.
— Caralho! — Marcos grita do nada. — Tiradentes!
— O que?! — pergunta, assustada.
— Quem morreu enforcado no filme que eu vi foi Tiradentes e não Cristo! — conclui. — O padre tava certo, aquele na cruz não o dentista serial killer do período colonial!
— Tinha um serial killer dentista? — indaga a garota norueguesa.
— Sim! — ele responde em êxtase. — E dos mais brutais!
— O passado desse país explica o presente — ela observa.
De repente, um ronco leva Mia a segurar seu estômago.
— Isso aí é o diabo avisando que tá chegando? — pergunta o motorista do Opala, a olhando apreensivo.
— Não.
— Podemos parar pra comer algo, se quiser.
A garota nem precisou abrir a boca, suas sobrancelhas franzidas já dizem tudo e ele desvia o caminho para uma avenida.
— Que tal um BigMac? — ela indica ao passarem por uma hamburgueria famosa.
— Não posso entrar na McDonald’s — o motorista responde —, fui banido de todas as franquias deles.
A garota estranha a resposta, mas prefere manter a sanidade e não perguntar a natureza do banimento.
Com tantas opções no comercial bairro de Garibaldi, a preferência de Marcos é um discreto barzinho.
— Aqui estaremos às escuras — observa, enquanto faz a manobra no estacionamento aberto. — Pelo menos vou ver como estão servindo a minha franquia de uísques.
Numa mesa para dois, a dupla observa o menu repleto de comidas regionais: acarajé, vatapá, cozido, mas também pratos mais populares como alguns hambúrgueres.
— Um x-bacon, por favor — a garota pede, entregando o cardápio ao garçom.
Ao fazê-lo, percebe um jovem a observar na mesa mais à frente. Enquanto fingia prestar atenção no que seu companheiro fala, ele sorri de lado e Mia, sem jeito, evita o contato visual.
— Tava com vontade, hein? — provoca o inconveniente barbudo.
O rapaz encarregado de servi-los anota o pedido e ri discretamente.
— E para o senhor? — pergunta o jovem moço com uma penugem adolescente no busto.
— Uísque Fonseca com três pedras de gelo, por favor — o maneta lhe pede.
— Finalmente alguém pediu isso! — impressiona-se. — Mas alguma coisa?
— Que você se — Marcos titubeia, repensando no que vai dizer — dê bem hoje e ganhe dez por cento em cima de cada mesa que indica o uísque Fonseca, diretamente daqui.
— Você é ele, não é? — pergunta, boquiaberta.
O barbudo retira um talão de cheques do bolso de seu terno branco, afim de mostrar que não era um blefe e repõe, piscando o olho para o rapaz, que se retira sorridente.
— Isso foi muito nojento. — O nariz da moça retorce em repulsa à atitude do empresário cotó, que a acompanha. — Gente como você acha que pode mesmo fazer de tudo, não é?
— Sim — responde o homem —, mas discordo totalmente. — Coça a barba, enquanto expõe seu ponto de vista para a menina. — Estou dando um peixe a um homem, para que ele venda o meu peixe e aí, a gente monta um... coletivo de peixes.
— Cardume? — sugere, franzindo o cenho.
— Isso — consente, afirmando com a cabeça. — É incrível como em quase um ano no país, você conhece o idioma melhor do que eu — elogia, orgulhoso da garota platinada. — Só tem que perder esse sotaque de viking.
Olhando para a mesa da frente, percebe que o rapaz ainda continua a admirá-la.
— Parece que alguém quer transar violento hoje — comenta Marcos, percebendo a situação. — Uma brusca trepada à escandinava.
— Para com isso, idiota! — ela pragueja entredentes.
— Também parece que tá com medo de um adolescentezinho de boteco — debocha, rebatendo-a. — Deixa eu adivinhar, perdeu o namorado lá na mãe Rússia?
O jovem não tira os olhos dela, que o observa intensamente apreensiva.
— Namorada — corrige o inconveniente barbudo —, Noruega.
No canto do bar, um jukebox sobrevivente da globalização, que não passa despercebido do saudosista dos anos oitenta.
— Eu não posso acreditar! — grita, impressionado. — Espera a comida aí, garota — pede animadíssimo, ao levantar-se. — Espero que funcione, preciso de uma música!
Ele anda em direção à máquina musical, com bastante luzes adornando-a. Logo no chão à sua frente: uma moeda de um real. É o seu dia de sorte, vai poder reproduzir a música que quer e sem tirar um tostão do bolso.
Porém, sua alegria se esvai, quando uma senhora chega na sua frente. Horrorizado, ele aproxima-se da mulher para esperar sua vez e se impressiona ao vê-la virar para si.
— Oi, meu jovem inválido — o cumprimento é retornado com um respeitoso aceno de cabeça de Marcos. — Obrigado por apanhar minha moeda, poderia me ajudar a escolher minha música?
O pedido faz com que um sorriso fechado e malicioso apareça no rosto do barbudo, que coloca o dinheiro na máquina.
— Claro — ele se dispõe, sem tirar a caricata maldade de sua face. — E o que a senhora quer?
— Me veja se tem — ela arruma os óculos, tentando enxergar melhor — “Quatro Semanas de Amor”.
“Eu queria te ajudar. Eu juro, mas... foda-se, minha senhora. Isso nem música é, é uma distorção de ‘Sealed With a Kiss’, de Bryan Hyland” — pensa o deficiente.
— Segundo botão à sua esquerda — maldosamente direciona-a.
A máquina começa a tocar uma batida tropical, misturada às baladas de eurodance da década de noventa.
— Minha senhora! — o homem fala em tom repreensivo e lamentável. — Botão errado!
A velha, encarando-o, brada insatisfeita:
— Mas você disse o segundo botão à minha esquerda!
A discussão se forma, enquanto o rapaz toma coragem e vai à mesa de Mia.
— Oi — cumprimenta o rapaz, arrumando, com os dedos, para trás os cabelos ondulados.
— Oi — ela devolve, fria.
— Gostei do cabelo — elogia, olhando para os esbranquiçados fios da moça.
— Obrigado — agradece, sorrindo introvertida.
O som das palavras que saem da boca dela, a entregam para o jovem.
— Você não é daqui, não é? — pergunta com um sorriso simpático, revestido dum metálico aparelho dental. — Não tem ninguém com esses olhos por aqui.
Observando a discussão entre Marcos e a velha, com a trilha sonora de “Coco Jambo”, do grupo Mr. President, a estrangeira retruca:
— São lentes — suspira, impaciente —, acha que meus olhos são roxos de verdade?
O moreno solta uma risada descontraída.
— Não precisa ser tão rude, Mia — o moço fala, aos risos.
Desconfiada, ela aperta os olhos para o rapaz de aparelhos.
— Nós nem nos apresentamos, como sabe o meu nome? — indaga, ressabiada.
Marcos escora seu único braço no jukebox, olhando cínico para a velha.
— Vai ter que me reembolsar! — o grita a senhora, pondo o dedo no rosto. — E botar minha música pra tocar!
Ele desvia o olhar das agressivas mãos dela, quando vê a movimentação estranha do rapaz de boca metálica por debaixo da mesa.
— Tá legal, diabinha — fala o moço, pacificamente. — Tem uma Glock 25, apontada pra sua boceta aqui.
Ele acena com a cabeça para o companheiro na mesa que estava antes, um homem careca e de porte físico razoável. O cabeça lisa levanta-se e deixa o bar.
— Vai vir com a gente e sem dar pista pro seu amigo idiota.
Sem tirar os olhos da mesa, Marcos põe o indicador nos lábios da senhora, interrompendo sua gritaria.
— Valendo uma Corega novinha e a música: quem canta “Quatro Semanas de Amor”? — ele provoca, como se estivesse num show de perguntas.
— Essa é fácil. — A velha sorri ao dizer. — Jane e Herondy.
Imitando uma sirene, o maneta zomba da resposta errônea da mulher.
— Erôu — rebate imitando Faustão e, em seguida, beija a bochecha enrugada da senhora.
O som da arma destravando faz a garota arregalar os olhos, apreensivamente.
— Vem agora, Mia! — exige o rapaz, ameaçador. — Ou eu ati...
Ele é interrompido quando sua cabeça bate violentamente contra a mesa.
— Ninguém é obrigado a porríssima nenhuma, amigo. — Marcos fala segurando os cabelos ondulados do garoto. — Sem consentimento é estupro.
Puxando a cabeleira negra para trás, ele derruba o moço e arma desliza pelo chão do bar. A agressão assusta os frequentadores, causando um alvoroço e fazendo muitos deixarem o local desesperadamente.
Mia corre em direção ao revólver, mas rapidamente o rapaz se levanta e, já próximos da arma, é empurrada pelo pé do rapaz, batendo violentamente contra a parede e caindo.
Enquanto a música toca no jukebox, o maneta aproxima-se furioso do garoto e o segura no pescoço.
Put me up, put down
(Me levante, me abaixe)
Ele o ergue pelo pescoço, jogando-o contra o teto baixo do local.
Put my feet back on the ground
(Ponha os meus pés de volta ao chão)
O corpo cai no balcão do bar, o rapaz arqueja com a boca cortada pelos aparelhos odontológicos.
Put me up, take my heart and make me happy
(Me erga, pegue meu coração e me faça feliz)
Insistente, o deficiente o arrasta ao longo do balcão quebrando taças e copos de vidro até o agredido atingir a parede e cair no piso. Quando o garçom vem da cozinha através de uma porta atrás do bar, trazendo um copo de uísque.
Abismado com a destruição, não tem reação nenhuma quando Marcos toma a dose de sua mão.
— Obrigado — ele agradece, enquanto apoio o copo no balcão, para assinar um cheque de seu talão e entregar ao trabalhador. — Adorei o ambiente, vou frequentar sempre que visitar a capital.
O barbudo pega novamente a dose e vira tudo numa só golada. Em seguida, atira o recipiente no chão e procura a arma apreensivamente.
— Procurando isso? — pergunta a senhora com quem discutira, o surpreendendo.
Ela tira seus óculos e deixa-os cair. Engatilha a Glock 25 e mira no homem de um braço só.
— Ah, não fode! — esbraveja em tom de desabafo, erguendo a mão ao alto. — Foi só uma música, minha senhora!
— Mas você é muito ingênuo mesmo! — retruca a velha. — Vou matá-lo antes dessa putinha do inferno!
No canto da parede, Mia afaga os cabelos de sua nuca, sentindo a dor de uma possível concussão. A garota de cabelos platinados observa o impasse que seu parceiro está, quando solta um grunhido baixo.
— Bons sonhos, aleijado do caralho — a velha insulta ao apertar o gatilho.
— Maracujá de gaveta! — rebate o homem, num tom choroso. — Peito de sacola de mercado!
Marcos fecha seus olhos para absorver o disparo, mas nada acontece. A arma falha no exato momento.
Insistindo em atirar, a atiradora sente o revólver esquentar e o solta, em agonia. Olhando para a palma de sua mão, percebe abismada à queimadura sobrenatural. Um urro como o de um animal selvagem ecoa pelo local.
A garota parada com seus cabelos platinados à frente do rosto, fica de quatro apoios e corre em direção à velha como um felino de grande porte. Ela salta num último instante para agarrar a cabeça de sua vítima e furar seus olhos com os polegares, deixando-a em gritos agonizantes no chão.
— Isso é pra nunca mais fingir que não vê! — grita Marcos, enfurecido.
A possuída vira instintivamente para ele.
— Vou abrir as suas entranhas, comer o seu fígado e as moscas da sua carne! — berra a moça, com uma voz distorcida.
— Eu comeria meu rabo, antes do fígado. Tem doenças que eu nem sei por lá — explica-se o barbudo, assustado. — É melhor deixar esse papo pra lá e pra gente entrar no carro e ralar peito daqui, antes que apareçam mais desses vagalumes.
— Iluminattis — a moça corrige, com o timbre de voz normal.
Ela percebe o olhar ainda impressionado de seu parceiro, mas a demoníaca se arrepende.
— Cara, eu tava zoando! — tenta descontrai-lo, com sua voz original.
— Tomar no cu, rapaz — murmura irritado, ao sair pela porta da frente do bar. — Essa parada dá mais medo que menstruação atrasada.
A dupla entra no carro e Marcos pega novamente o volante, enquanto Mia segura a sua cabeça, gemendo de dores. Seguem pela rodovia, enquanto a garota arqueja, sentindo um mal-estar.
— Tá tudo bem, com você aí? — pergunta, preocupado.
A sua mão repousa sobre o ombro dela, que grunhe ameaçando um bote. Assustado, ele se afasta.
— Eu tô bem — responde a moça, com dificuldade.
Ela retira o seu cinto de segurança, para tentar respirar melhor.
Um feixe de luz reflete no retrovisor incomoda a vista do motorista. Observando mais uma vez, ele percebe que luz da lâmpada interior reflete numa incomum lâmina, que rapidamente passa pelo seu pescoço, cortando sua garganta e fazendo esguichar o sangue no painel do veículo.
Bruscamente, ele aperta o freio e faz a menina bater a cabeça no para-brisa do Opala, assim como o familiar homem louro, violentamente arremessado do banco de trás.
Desacordada, Mia desperta aos poucos, instantes depois. Vê, entre si e o companheiro, o pescoço quebrado do agressor no painel do veículo ainda de motor ainda ligado. Reconhece que o intruso morto havia acompanhado o outro do bar há poucos minutos.
Esta não era a sua preocupação. Marcos havia perdido muito sangue, não conseguia falar. De olhos bem abertos, pressiona o seu ferimento, sufocando com o próprio sangue saindo de sua boca.
— Droga — lamenta em norueguês, compadecida. — Merda, merda, merda!
De olhos mareados, ele solta seu ferimento e a corrente sanguínea esvai-se por sua artéria sujando o terno branco, também a vasta barba loura. Mia, desesperadamente, tenta estancar o sangramento.
— Família — fala, arquejante, entregando seu aparelho celular para garota.
Ela evita segurar o smartphone, com a mão trêmula.
— Não — fala, com uma lágrima descendo do olho da menina.
Marcos fecha os seus olhos segurando o telefone, respirando fraco.
— Merda! — esbraveja a garota em sua língua mãe. — Maldito Zagan! — ela pragueja o demônio que fora sua âncora. — Se ao menos estivesse aqui, eu saberia como parar isso! Se ao menos tivesse me ensinado e não me usado!
Ela franze o cenho, enfurecida. Em sua mão direita sobre o ferimento, uma aura branca emerge, espalhando-se pelo ambiente. A luz dos faróis do carro pisca em repetidas falhas, suas lentes oculares roxas se tornam totalmente brancas.
— Tira esse cara do carro — balbucia o homem, quase incompreensível.
Apenas uma cicatriz no pescoço foi o que restou do ferimento.
— O que? — pergunta Mia, sem entender nada.
— Ele parou com o cu no freio de mão — responde Marcos, com a voz normal. — Tira esse desgraça daqui, rapaz.
A garota joga o corpo do defunto novamente para o banco de trás e abraça o barbudo reclinando a cabeça sobre o amigo.
Ele até pensa numa piada ligando uma possível menstruação dela a todo o sangue no veículo, mas, ao sentir os pingos de lágrimas em seu ombro e ver novamente sua família no celular, apenas a abraça, segurando seu choro.
— Eu não sei como vou fazer pra sobreviver a isso, parece o desafio grande demais para mim — comenta a garota, desolada. — Você viu, meus poderes vêm e vão.
— É, mas grandes desafios precisam ser superados.
— Essa situação fodida, cara — pragueja a menina. — Isso me lembra quando um brasileiro foi lutar contra o Svensen na Noruega. — Ela olha para cima, projetando a imagem da lembrança na mente. — Fui ver um cara de dois metros de altura bater em outro que mal tinha seus um e oitenta durante cinco rounds.
Marcos fixa seus olhos na estrada e se concentra.
— Ele apanhou tanto — continua a garota —, que perdeu o rumo de casa.
— É — Marcos tenta intervir —, mas...
— Eu não sei como ele foi tão idiota de casa aquela luta — corta o motorista, incrédula.
— Ninguém sabe se o cara, que não sou eu, bebeu durante toda a preparação da luta — explica, como se fosse uma autodefesa. — E depois ele chegou até o final da luta com duas costelas quebradas e teve até que colocar um pino na virilha. — Suspira ao volante. — Eu nem sei como isso é possível!
— Nossa! — Ergue as sobrancelhas, impressionada. — Você sabe de tantos detalhes.
— É que eu gostava de acompanhar as lutas do Marcos — retruca, olhando para o volante — Chevrolet.
Então, a viagem segue com um defunto, uma possuída e um esquizofrênico maneta.
Os raios de sol iluminam o rosto de Mia, ela desperta massageando suas têmporas, como se sofresse algum incomodo.
— Dormiu para um caralho, bicho — Marcos, com seu terno branco sujo de sangue e terra, observa. — Tem remédios para enjoo no porta-luvas e água no freezer atrás da caixa de marchas.
A garota olha para trás e percebe que o defunto já não está mais lá.
— Dei um jeito no presunto enquanto tu dormia — explica, percebendo a curiosidade da garota.
Ela abre o porta-luvas e dá de cara com uma máscara de caveira.
— Você é? — pergunta, chocada.
O motorista dá uma risada cínica, em resposta. A garota pega uma caixa de Dramin e observa a placa na estrada.
“Seja Bem-Vindo a Conde”
— Parece que a nossa maravilhosa epopeia está chegando ao fim — fala o motorista, com pesar na voz. — Uma pena, eu acho que você tava começando a gostar de mim.
Ela pega uma garrafa d’água no freezer e ingere a pílula. Logo, a pequena cidadezinha exibe seus encantos. Com um ar paradisíaco, muito se assemelha à uma vila de pescadores.
— Ih! — grita o barbudo, apontado para algo mais à frente. — Olha ali.
Olhando na direção apontada, Mia vê uma multidão sair de um lugar pequeno, com uma placa em cima.
“Igreja Evangélica Universal do Conde”
— Um bando de judeus saindo de seus rituais! — ele berra, animado. — Tá pensando o mesmo que eu?
A menina responde com um sorriso no rosto.
O Opala para na frente do templo, a janela do motorista se abre e mostra a face de Marcos vestida com a máscara de caveira de olhos vermelhos.
— Vai uma carona aí? — ele pergunta, com uma voz distorcida.
No mesmo instante, Mia coloca sua língua babando para fora do carro e, com os olhos totalmente negros, endossa o convite:
— Vamos pegar a Highway to Hell — convida a demoníaca da possuída.
Os religiosos que deixavam o lugar correm desesperadamente para igreja, gritando assustados. É a deixa para o veículo sair cantando pneu pela estrada
Após alguns minutos, os viajantes passam por uma porteira de madeira no meio do mato. O motorista estaciona o Opala no local combinado pelo Padre: um bar, novamente um bar. Mas este, peculiarmente se localiza no meio de uma fazenda.
Alguns minutos depois, um homem jovem de sandálias de couro, jeans e camisa quadriculada, para de frente ao veículo. A dupla desce e ele os cumprimenta.
— Padre Mathias, um prazer — apresenta-se, apertando a mão de Mia.
Ressabiada, a garota retribui o gesto.
— Não se acanhe, sou exorcista — endossa o jovem religioso. — Só não bebo tanto quanto o Wellington.
— Também sou experiente, assisti todos os filmes do exorcista — Marcos, sorri ao dizer. — Só que deixei o AA semana passada.
Com um sorriso amarelo, Mathias se volta para a garota.
— Mia, essa não é uma propriedade comum, é uma base para refugiados sobrenaturais — explica calmamente. — Mas você não poderá ficar aqui, mais atrás a uma pista de voo com uma aeronave particular a esperando. Terá que deixar o país e voltar para a Dinamarca o quanto antes.
A menina olha confusa para o seu parceiro barbudo.
— Você não queria voltar para casa? — insiste o pároco.
— É claro — responde, preocupada. — Só que o Wellington não me falou nada sobre voltar
— Ele não poderia comprometer a operação com informações sigilosas, havia risco no caminho de vocês até aqui — explana Mathias.
Mia aproxima-se imprudente do homem e o toca na testa, fechando os olhos.
— O que é isso? — pergunta o padre, curioso.
— Porra é essa, Mia? — murmura Marcos, constrangido. — Não banca a estranha, ele pode se arrepender e te deixar comigo pra sempre.
A moça abre os olhos, insatisfeita e suspira furiosa.
— Não consigo saber se ele está mentindo! — esbraveja a garota. — Não sinto mais os meus poderes!
O esquizofrênico barbudo fica boquiaberto.
— É normal, você está integrada e não possuída — explica o homem. — A sua alma, como a do demônio que a possuiu, são únicas agora. Até que estejam juntos, as habilidades irão variar de um para outro.
Na pista de voo, Mia contempla o Embraer Phenom a esperá-la. De frente para Marcos, ela olha para baixo tristemente.
— Eu queria te dar uma coisa — fala a menina, colocando a mão na parte de trás de sua calça.
— Desculpe — diz o homem, com um sorriso constrangido. — Pode ser comum de sua cultura agradecer com sexo, mas não posso aceitar.
Ele puxa e mostra um cordão em seu pescoço. Entre a corrente da joia, uma aliança de casamento.
— Sou casado — explica-se.
Ela ri, descontraída.
— Não é nada disso — fala, mostrando-o a Glock 25 que pegou na briga de bar —, vi numa entrevista que você coleciona.
Ele segura a arma, sorrindo como uma criança.
— Esse é o melhor presente com o qual já tentaram me matar que eu ganhei na vida! — ele grita, comemorando. — Vou tatuar “eu amo Satã”, na testa, em sua homenagem!
Mia olha para ambos os lados, para ver se ninguém estava sendo constrangido pelo esquizofrênico maneta.
— Ah, você não é tão babaca como eu imaginei. — Ela esfrega as palavras de um jeito amigável no rosto do homem de terno branco com sangue e terra. — Queria que eu meu pai tivesse sido como você, pelo menos não teria me vendido ao demônio.
— Os seus elogios são horríveis, sabia? — fala, rindo. — Vá embora deste país, por favor.
A garota olha para baixo, desconfortável com o fim da companhia dele e até sente um aperto em seu peito.
— Eu tava brincando sobre me incomodar de ficar com você, tá? — diz, comovido. — Meu coração é muito grande, como o de toda a minha família — afirma, fungando o nariz. — Foi até o motivo da tia Bete ter morrido.
Ela sorri, o abraçando forte e até demoram a se soltar.
— Quero que fique com isso — fala, a entregando um aparelho celular — e me ligue quando precisar, tem tudo aí.
— Eu não sei a senha — reclama a garota tímida, ao tentar desbloquear o aparelho.
Matias grita pela moça, do alto da escada do avião.
— A senha é senha — responde o maneta. — Agora vá, estão te chamando.
Um misto de tristeza e esperança invadem o peito da garota, enquanto ela sobe os degraus e acena antes de ir. Ela adentra e se prepara para a decolagem.
— Ainda bem que ela se foi — reflete o guarda-costas, observando o veículo decolar. — Imagina ela aparecendo com aquela cara do Raul Seixas aidético de madrugada.
Mia o observa dar “tchau” pela janela e sorri. Logo depois olha para a tela e lê a manchete.
Em noite inspirada, o peso pesado Svensen massacra o médio Marcos Fonseca e vence o evento por decisão unânime.
A possuída sabe que nada está acabado e precisará de pessoas como o seu guarda-costas nesse momento. O fim de sua estada no Brasil, é apenas o começo de um novo desafio em sua terra natal.
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