Tradição e Liberdade escrita por eMeoonbird


Capítulo 3
A Lua Cheia




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Depois de receber aquela notícia, Yue pediu licença para a mãe e se retirou para sua parte da tenda principal, que era grande o suficiente para se ter cômodos separados para cada um dos membros da família do líder — se parecendo bem mais com um chalé feito de panos e madeira, tamanho era seu espaço.

E foi ali, no local onde normalmente a caçadora dormia, em que ela se permitiu deixar as lágrimas, que já borravam a sua visão, caírem de seus olhos e traçarem caminhos pelas suas bochechas. 

Seu choro foi silencioso, pois o medo de seus pais passarem por ali e descobrirem o motivo de sua tristeza era maior do que o luto pela vida que tinha.

Não poderia mais fazer o que gostava, muito menos em segredo. Teria mais responsabilidades, além de que estaria unida a uma pessoa que nem sequer conhecia e muito menos amava. Pior, esse mesmo desconhecido iria governar sua tribo e sabe se lá o que ele pensava em fazer uma vez que tivesse o poder da liderança de Shuiliang.

Yue não saberia dizer quanto tempo se passou até suas lágrimas secarem e só restar uma leve dor de cabeça acompanhada de uma falta de energia e força em seus músculos, que a deixavam deitada sobre os panos quentes da tenda. 

Estava agarrada ao travesseiro que usava para dormir, suas mechas brancas soltas pareciam desorganizadas pelos tecidos, visto que ainda não tinha feito um penteado no cabelo ao ter ido se alimentar com sua mãe.

Ela não sabia se havia pegado no sono no meio tempo em que seu coração doía no peito e seus pensamentos davam voltas e voltas no fato de que não teria mais sua liberdade, só sabia que, em algum momento, sentiu dedos quentes e macios passeando por sua cabeça, massageando e se enroscando por seus fios em um carinho tão gostoso que a fez se sentir um pouco menos desgastada.

Ao se virar e olhar na direção da mão, ela viu que era Katara a acariciar seu cabelo. A morena carregava no rosto uma expressão que poderia ser definida como triste. Suas sobrancelhas estavam baixas e seu olhar parecia perdido, todavia o fraco sorriso que ela sustentou no rosto ao perceber que Yue estava a olhando transmitia compaixão.

A caçadora não conseguiu manter contato visual com a amiga por muito tempo, resolvendo se esconder atrás de suas pálpebras enquanto sentia os dígitos massagearem seu couro cabeludo com um pouco mais de gentileza.

Elas ficaram assim por alguns minutos, o silêncio instalado no ambiente dando espaço para reunir coragem e organizar ideias, enquanto ambas aproveitavam a presença alheia.

— Eu vou me casar, Katara — Foi o que a albina disse, abruptamente. Sua voz tinha saído tão fina pelo esforço que fez só para falar aquelas palavras, mostrando o quanto aquela situação estava a afetando.

Tui, ela iria achar Yue tão estúpida. Era só um casamento, com certeza não era um motivo para ela estar agindo daquele jeito, talvez ela devesse secar as lágrimas e agir como uma pessoa.

— E pelo visto, você não o ama — A voz calma e tranquila da morena interrompeu sua linha de raciocínio, no entanto a albina estava grata por ela a entender.

— Eu sequer conheço ele! — Resmungou ainda com um pouco de dificuldade de falar, embora agora sentisse um calor dominar seu corpo diante a injustiça de não poder sequer escolher o seu próprio futuro. — A única coisa que me disseram é que ele é do Oeste e que se chama Rem.

Inspirando fundo para ver se conseguia recuperar a compostura, ela se ergueu até que estivesse sentada de frente para Katara.

— Não sei quem ele é — Falou com uma entonação triste agarrada a suas palavras. — Nem tenho ideia de como pretende guiar o meu povo, minha tribo, minha vida. Só sei que devo confiar na escolha de meus pais, e se escolheram ele…

— Não precisa ser assim Yue — A mão que antes estava em sua cabeça lhe acariciando agora tinha ido parar em seu colo para agarrar a semelhante com certa força, como se pudesse dar um pouco de sua vitalidade para a amiga.

— É a tradição Katara — A albina retrucou de forma amarga, impedindo a outra de contra argumentar. — Meus pais não me ouviriam se eu dissesse que estou desgostosa com a escolha deles, e mesmo se escutassem, não tenho ninguém que realmente tenha meu coração e possa ser o próximo líder de meu povo.

O aperto em sua mão foi o único consolo que a mais nova conseguiu lhe dar naquele momento.

—_

— Aqui, tome esse chá — A morena lhe entregou o copo de barro com o líquido quente em suas mãos. Ela tinha um sorriso nos lábios que pareciam a transmitir tranquilidade a caçadora bebia um gole.

— É muito bom! —  Yue comentou, surpresa com o sabor doce e calmante que o chá tinha. — Onde vocês compraram essas folhas?

— Encontramos com um senhor no Leste que é apaixonado por chás, ele que nos recomendou as folhas dos vários sabores que temos — Katara respondeu para logo depois beber um pouco de seu copo.

— Ele não só é viciado em água de folha como também tem conselhos muito bons — Sokka comentou enquanto passava um pano em seu bumerangue, seu fiel amigo na viagem pelo que tinha dito a albina.

— Se ele te escutasse desrespeitando o chá assim…

O riso que saiu de Yue foi o som mais alegre que tinha feito após alguns dia aceitando o fato de que estava noiva. Sabia pela forma como a morena parecia manter seu rosto sério que a fala do irmão dela não era algo que ele realmente diria ao senhor que conheceram — provavelmente era uma piada interna.

A caçadora sabia muito bem que eles estavam tentando lhe deixar mais animada, e sinceramente, estavam conseguindo.

Ter a companhia de ambos era muito refrescante, e embora ambos discutissem bastante, assistir eles era deveras interessante.

Quando ela percebeu que o clima agradável estava muito silencioso, embora os irmãos estivessem no mesmo lugar, resolveu olhar na direção deles só para ver o sorriso satisfeito que se esticava nos lábios de ambos.

Ver tanto carinho nas expressões alheias fez com que as bochechas dela se esquentassem, algo que tentou esconder ao dar mais um gole no chá.

— E você tem certeza que não ama ninguém, Yue? 

— Sokka!

— É só uma pergunta — Retrucou ele de forma levemente agressiva, provavelmente não gostando que a irmã tenha o repreendido. — Não haja como se não tivesse interessada também, porque sei que está.

A albina olhou para Katara com confusão no olhar, e ver a mesma corando não ajudou muito a responder suas questões. Ela não parecia ser muito interessada em assuntos do coração, porém Yue poderia estar enganada.

— Para ser sincera — Começou a dizer, a insegurança fazendo sua voz soar levemente trêmula. — Não sei se já cheguei a amar alguém.

Os irmãos parecem chocados com o que escutam, pois Sokka não conseguiu fazer nenhum som além de um “ah” e Katara estagnou o copo no ar, sem saber se o colocaria de volta nos lençóis que serviam de chão ou se iria beber o chá.

— Nunca sentiu o coração disparar por alguém? 

— Ou teve problemas pra dormir porque não conseguia parar de pensar numa pessoa? — Complementou o único homem do cômodo, no mesmo tom de voz perplexo da morena.

— Nem percebeu que suas pernas estavam trêmulas e que o coração disparava ao falar com alguém?

— Ou sentiu algo engraçado no estômago, como se o que comeu não tivesse caído bem? — Ao que Sokka tinha dito aquilo, sua irmã apenas ergueu uma sobrancelha numa clara expressão de desgosto pela forma como ele explicou.

— Eu acho — A albina relembrou rapidamente de como vivia antes de ter que se preocupar com a idade para casório. —, bem, acho que não.

Novamente, ambos os jovens de Shuijia pareciam desacreditados nela, embora Yue não ficasse chateada com aquilo. Sabia que era meio estranho não ter tido nenhum interesse romântico em alguém, principalmente quando estava na época certa para vivenciar um.

Porém agora que parava para analisar, talvez ela tenha sim amado uma pessoa. Listando novamente os sintomas citados pela dupla experiente, ela conseguia reconhecer em seus gestos recentes alguns traços da lista.

A caçadora às vezes não conseguia dormir, pois acabava relembrando as conversas que teve com Katara, na forma como ela sorria ao escutar as coisas que dizia, o franzir de sobrancelhas acompanhado de lábios tensos e espremidos em uma linha a cada vez que Yue falava das injustiças que aconteciam na tribo.

Não só recordava dos trejeitos dela, como também do toque reconfortante que a mão da mais nova tinha, de como o olhar castanho brilhante sempre a deixava com as bochechas quentes e em como o coração palpitava mais rápido quando era abraçada pela outra.

Oh, Tui. Talvez Yue tenha chegado a amar alguém, só não tinha percebido antes.

—_

A água que corria pelo lago platinado era quase um calmante para a caçadora. Ela respirava fundo, tomando coragem para o que iria fazer naquele momento.

— Qual era o segredo que queria me contar? — A bela e intensa voz de Katara a fez abrir os olhos para encará-la. Era óbvio a curiosidade nela, visto que estava o mais próxima de si possível, a expectativa emanando de si como uma aura quase visível.

Yue mordisca os lábios, ainda meio insegura se era a escolha certa a se fazer. Ao ver o olhar brilhante da mais nova, ela resolveu que seria agora ou nunca.

— Eu… talvez esteja — Inspirou, tentando controlar a sua voz trêmula. — talvez eu esteja amando alguém.

Os lábios da morena se entre abriram pela surpresa e ela chegou a arfar um pouco, parecendo não saber exatamente como reagir a informação jogada a si.

— Sério? Isso é bom… não é?

— Não acho que meus pais vão aceitar quem está com meu coração — A tristeza se agarrava as palavras que saíam da albina que olhava para as árvores atrás da outra.

— Por que não iriam? — Katara questionou com curiosidade ao que sua mão se encontrou com a semelhante que estava no colo de Yue, querendo dar algum tipo de apoio a mais velha.

— Porque é alguém que chegou recentemente na tribo — Foi a resposta da caçadora à morena. Seus olhos se encontraram com as orbes castanhas, dando um pouco mais de seriedade e intimidade a sua confissão. — , e não é exatamente um herdeiro, embora tenha todas as qualidades que um precise.

A única coisa que escapa os lábios da mais nova foi um “oh”. Ela parecia meio perdida sobre o que Yue queria dizer, porém mesmo assim apertou a mão dela, como se precisasse que ter certeza que a albina estava ali, do lado dela.

Ao que Katara parecia assimilar a informação que tinha a dado, a caçadora aproveitava para observar-la. Seus cabelos nos tons mais escuros do castanho tinham pequenas ondulações presas num rabo de cavalo, e suas sobrancelhas franzidas faziam ruguinhas aparecerem em sua testa – não era algo que deveria achar bonito, porém na morena parecia ser um belo pequeno detalhe.

Yue nem percebeu que um sorriso apaixonado adornava seus lábios enquanto a observava, todavia viu o vermelho ir ganhando espaço na pele escura da jovem a sua frente, deixando suas bochechas bem interessantes de olhar.

— Essa pessoa que você está se referindo… — Katara começou a falar com a voz meio aguda, parecendo nervosa só de colocar as palavras para fora de si. — por acaso seria eu?

Tudo o que ela ganha como resposta é um breve assentir da albina, os olhos azuis da caçadora cheios de paixão e felicidade apenas confirmando a pergunta que tinha feito.

E tão rápido como uma flecha acertando seu alvo foram os lábios dela se encontrando com os de Yue num beijo cheio de promessas e descobertas.

Foi um pouco desorganizado, súbito e intenso, no entanto nada disso fez o primeiro beijo delas ser uma experiência ruim — não, aquela seria a memória que guardariam no coração enquanto suas bocas conheciam o gosto alheio e os corações batiam acelerados.

Era o início de uma nova jornada.


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez agradeço a @fu-ho por me aguentar enquanto escrevo essa short, te amo nenê; e dessa vez agradeço ao @Letum pela betagem, muito obrigado mesmo, aaa



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