Na ponta dos dedos escrita por annaoneannatwo


Capítulo 6
Capítulo 6




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Ochako se checa no espelho e ajusta sua franja mais uma vez. De todos os dias, logo hoje seu cabelo resolveu ficar frisado e rebelde. Ela ajeita os fios e encosta a testa no espelho, suspirando.

O que diabos ela pensa que está fazendo?

Ajustando suas roupas de ginástica, checando o cabelo preso em um rabinho de cavalo, até rímel ela cogitou passar. Quem é que passa rímel para ir a uma luta???

Sim, isso é uma luta. Ela e o Deku não vão fazer nada além de trocarem golpes e experiências em combate, era exatamente o que Ochako queria, não é porque ele concordou com seu pedido sussurrando em sua orelha e deixando-a arrepiada quando estavam só os dois na penumbra da sala de convivência tarde da noite, não é porque seu coração palpitou quando ele segurou na mão dela, que muda o fato de que eles vão lutar, e isso não é, de forma nenhuma, um encontro.

Então a roupa de ginástica tá ótima! Ela ganhou essa da Mina, a amiga lhe deu de aniversário dizendo que, por ser rosa e preta, seria merchandising não oficial da Uravity antes mesmo de ela estrear como heroína. Foi super fofo, e a roupa é bem estilosa, mas Ochako nunca a vestiu por ter vergonha das transparências nas partes posteriores das pernas e nas costas, não é nada escandaloso ou indecente, mas ela não consegue se imaginar confortável expondo tanta pele, ou não conseguia. Assim que a vestiu, adorou o caimento, as cores, tudo. É só uma luta, o que está à prova são suas habilidades, não seu vestuário, mas ainda assim, não deixa de ser empolgante imaginar a cara do Deku quando ele a vir.

Porque esses dias convivendo com o Hiro também a fizeram pensar em como uma roupa que você genuinamente gosta muda completamente seu jeito de se ver, mexe até com sua confiança. O traje que ele está fazendo é a cara dela, a deixa confortável sabendo que não precisa se preocupar com a calcinha marcando, já que o Hiro desenhou de um jeito que faz as linhas cor de rosa se expandirem nessa área e disfarçarem quaisquer outras marcas, ele mostrou o tecido que vai usar, garantindo que fosse um que não a fizesse passar calor, e conferiu se tudo combina com o capacete, os braceletes e as botas (que parecem não ser muito do agrado dele também, mas o amigo disse que ainda não sabe fazer design de sapatos). Aparência, nesse mundo, é algo muito mais valorizado do que deveria, mas se a aparência é algo que combina com a essência de alguém, então só se veem vantagens.

E Ochako pode não estar cem por cento contente com a sua no momento, os cabelos rebeldes a incomodam, também não está completamente confiante, afinal, ela vai lutar com o Deku, um dos alunos mais brilhantes da história do curso de heróis da U.A., mas ela está tão empolgada! Tão… tão feliz!

Por quê? É difícil dizer, talvez por saber que o Deku se importa? Que ele a respeita e a considera ao ponto de tê-la esperado até tão tarde naquela noite só para aquiescer um pedido dela que Ochako já tinha tratado como algo desimportante? Foi tão satisfatório e intenso o jeito que ele pediu pra ela não se chamar de idiota, a decisão na voz dele quando disse para ela escolher a data e a hora… Ochako mal se lembra das vezes em que ele falou assim com ela, a expressão mais séria do amigo geralmente é reservada a adversários ou vilões, com ela, seu tom costuma subir uma oitava e é recheado de palavras entrecortadas e murmúrios. Ela não chegou a ver o rosto dele pois estava de costas, mas talvez tenha sido melhor assim, se não ela não teria dormido por noites pensando nas feições dele e como elas a deixam com o coração acelerado. E uma Ochako que não descansou direito é uma Ochako incapaz de dar seu melhor na luta contra seu melhor amigo e maior inspiração nesse curso.

Ela checa seu relógio, ainda tem alguns minutos para matar antes de ir à sala que reservou pra isso, Ochako achou melhor deixar para o fim de semana pois o movimento é menor, foi uma decisão acertada pela logística, mas péssima para seu emocional, já que a deixou ansiosa durante todo o decorrer da semana, e agora que falta menos de meia hora, parece que não vai chegar nunca!

Sentada na cadeira próxima à escrivaninha, ela quase toma um susto ao ouvir batidas na porta, o que se prova ridículo ao ouvir a voz da Mina:

“Ochako, sou eu!”

— Entra, Mina-chan!

A rosada dá um passo e seus olhos já zeram nela e na sua roupa, abrindo um enorme sorriso.

—  É por isso que o tempo tá feio por esses dias, porque um milagre aconteceu e  alguém resolveu vestir a roupa super sexy e poderosa que eu dei pra ela! Tá linda, Ocha!

—  Ah, obrigada. —  ela cora.

—  Linda mesmo! Vai treinar agora?

—  Uhum, combinei de treinar com o Deku-kun.

—  Hum, legal. —  a Mina sorri, e algo no tom dela indica que tem mais coisa por trás desse “legal”.

—  É, sim. A gente sempre treinava juntos no primeiro ano, hoje em dia é mais difícil porque os horários nunca batem, mas hoje calhou de dar certo.

—  Entendi… bom, então você tá ocupada, né? Ia te chamar pra ir na sorveteria comigo. Mas pode ser mais tarde também, depois que você voltar desse… treino com o Midoriya?

—  Ah, depois eu vou encontrar o Hiro-kun.

—  Ah sim! Bom, então fica pra outro dia!

—  Ah, mas podemos ir nós três, o Hiro-kun ia gostar.

—  Hum… não sei se ia, hein?

—  Como assim?

—  Nada, nada… eu prometi pro Kiri que não vou dar palpite na sua vida amorosa.

—  C-como é? —  ela sente o rosto esquentar —  M-mas eu não tenho uma vida amorosa.

—  Só porque tá fugindo dela. Só… promete pra mim que não tá criando expectativas pra esse treino com o Midoriya? —  ela suspira e dá um sorriso triste.

—  Expectativas? Hahaha, a única expectativa que se tira de um treino é conseguir fazer tudo direitinho, e é isso que eu espero mesmo, Mina-chan.

—  Ótimo! Se for só isso mesmo, tá ótimo! —  ela se aproxima e apoia a mão no ombro dela —  Olha, Ocha, ninguém shippa Midoraka mais do que eu, eu acho vocês muito fofos juntos, gosto muito de ver como vocês se tratam, mas… me preocupo com você em relação a ele, amiga.

—  C-como assim, Mina-chan? O que… o que é “shippar”? —  ela tenta se fazer de desentendida, naturalmente, não cola.

—  Eu não quero que você se magoe criando expectativa com algo que pode não acontecer, o Midoriya é… como dizer, ele é… tapado, completamente tapado, amiga, e gosto demais de você pra te ver se frustrar com isso, por isso que fiquei tão empolgada com o Yubi-kun, porque acho… só acho que seria bom você mudar os ares um pouquinho e, quem sabe, dar uma chance pra um garoto que obviamente tá gamado em você.

Ochako fica sem palavras, uma reação que só a Mina consegue tirar dela. Um misto de carinho pela amiga e vergonha tomam conta dela, porque dá pra ver que as intenções da rosada são as melhores, mas isso é tão… absurdo e doido! Ela tá aqui focada em ir lutar e mostrar pra si mesma o quanto cresceu e melhorou, e a Mina querendo sugerir que ela namore com seu amigo de infância pra esquecer alguém que ela JÁ ESQUECEU?! 

—  Mina-chan, eu… agradeço, mas… nada disso faz sentido. —  ela sorri.

—  Como?

—  E-eu… eu não tenho sentimentos românticos pelo Deku-kun, ele é… um grande amigo, quase um irmão, e ele me inspira muito, é só isso. E o Hiro-kun? É praticamente a mesma coisa! —  sua voz soa quase histérica, por algum motivo.

—  Ochako, você não é boba, você já deve ter percebido como ele te olha… 

—  Ele é meu amigo, e eu não o vejo de nenhuma outra forma. Obrigada por se preocupar, Mina-chan, obrigada mesmo, mas… não é nada disso.

—  Ocha-

—  Nossa, olha a hora! —  ela levanta, quase batendo a cabeça na da amiga —  Preciso ir, Mina-chan!

Fica um breve silêncio, e encarar os olhos dourados com escleras pretas deixa Ochako nervosa, a Mina não está a provocando para deixá-la envergonhada, ela parece genuinamente preocupada.

—  Tudo bem, vai lá. Qualquer coisa, eu tô aqui, viu?

—  Ok! —  ela sorri , e ambas deixam o quarto, a manipuladora de gravidade entra no elevador e sente seu coração palpitar, evitando olhar os próprios dedos tremulantes. Não há porque ficar nervosa, a Mina não disse nada demais, a preocupação dela é bem vinda, mas totalmente infundada.

E mesmo se tivesse fundamento, se ela ainda gostasse do Deku, se o Hiro gosta dela, agora nada disso importa. Ochako não é só uma garota tomada por hormônios e sentimentos, ela é uma heroína querendo mostrar do que é capaz.

 

***

Assim que ela chega à sala de treinamento, encontra o amigo de cabelos verdes se alongando, ele está no chão, os braços esticados para tocar a pontas dos tênis vermelhos, a posição faz com que seja um tanto difícil não notar o jeito como as… hã… nádegas dele pressionam os shorts azul escuros, Ochako sacode a cabeça, concluindo que é esse tipo de pensamento que levaria a Mina a se preocupar com ela.

—  Ei, Deku-kun!

—  Uraraka-san, boa tarde! —   ele muda de posição rapidamente, juntando as pernas e dobrando-as para se levantar, Deku sorri e coça a cabeça levemente —  Espero que não se importe de eu ter começado a me alongar.

—  Não, não, imagina! Alongamento é importante, e também é a única coisa pra se fazer aqui quando a outra pessoa atrasa, né? Me desculpa por isso! Eu… a Mina-chan queria conversar um pouco.

—  Tudo bem, não se preocupe. O que importa é que você está aqui. —  isso a deixaria um tanto envergonhada não fosse o olhar dele fixado nela, Ochako pode não estar envergonhada, mas fica nervosa.

—  D-Deku-kun? Algum problema?

—  Hã? N-não, é só… já faz um tempo que eu não te vejo de cabelo preso. —  ele murmura, mas é alto o bastante para ela ouvir e sentir seu coração acelerar —  E-enfim, como você quer fazer isso, Uraraka-san?

—  Bom, eu tinha proposto que fosse um combate sem individualidade, mas pensei melhor fazermos com. Você… você pode escolher três das suas habilidades. —  ela fraseia assim pois ainda não se acostumou com a ideia de que ele tem praticamente mais de uma individualidade, cada uma manifestando-se em momentos críticos, então prefere acreditar que a individualidade dele é ter várias habilidades diferentes, desde uma massa negra que se assemelha a um chicote até… flutuar, assim como ela.

—  Tudo bem, eu vou usar a-

—  Ah, eu prefiro não saber! —  ela o interrompe — Numa luta de verdade, nem sempre dá pra saber qual a individualidade do adversário, né? A gente se adapta conforme a situação, então… pode me pegar de surpresa, Deku-kun!

—  Oh… tá bom! —  ele concorda, e depois de alguns minutos dos dois se alongando e dela olhando para as paredes da sala como se fossem a coisa mais fascinante do mundo a fim de não olhar para as pernas, braços, costas e… não olhar para ele de um modo geral, Deku faz um leve e decidido aceno de cabeça, indicando que é só ela dar o “ok” quando estiver pronta, pois ele já está.

Ochako acena de volta. Tá na hora.

Os dois caminham em direção oposta, contando regressivamente juntos, ela mal termina de falar o “...ro” do “zero” e já sai correndo em direção a ele, Deku se abaixa levemente, e a estática verde de sua individualidade cobre seu corpo quando ele pula antes que ela possa tocá-lo. Ótimo.

As náuseas são praticamente passado na vida dela, é provável que se tiver que erguer algo extremamente pesado ou passar uma quantidade alarmante de tempo, ela vá sim passar mal, mas em lutas assim onde ela só tem a si mesma ou ao adversário para fazer levitar, Ochako não encontra mais dificuldades, às vezes ela se sente até mais confiante no ar do que no chão.

Agora é um bom exemplo disso, a manipuladora de gravidade se lança ao ar praticamente em sincronia com ele, preparando-se para dar um salto mortal no ar e tocá-lo no ombro, a parte mais difícil ela faz, mas falha em tocá-lo, Deku percebe a aproximação dela e se vira, acertando um chute bem dado em seu estômago, Ochako não se orgulha do pequeno ganido de dor e surpresa que deixa escapar, mas nem pensa muito nisso, apenas se permite cair com o impacto, aterrisando por entre algumas bolas de pilates e equipamentos de ginástica.

—  Uraraka-san! —   a voz do Deku pode ser ouvida vindo em sua direção, é realmente ótimo que ele tenha tanta consideração de vir checá-la depois de um chute bastante efetivo, mas é também um enorme erro —  Urara-omph!

Ela atira as bolas de pilates nele, podem não machucar, ainda mais sem peso nenhum, mas com certeza distraem, o garoto de cabelos verdes as afasta com gestos bruscos, os grunhidos dele são de clara frustração diante de algo tão bobo, e é difícil segurar um sorriso triunfante ao vê-lo assim.

Mas não demora até ele notá-la no meio da confusão com os equipamentos redondos, olhos esmeralda focam em sua adversária, vindo na direção dela, Ochako se põe em posição, só precisa dele mais alguns passos à frente… só mais um pouco. E então ele para e sorri.

—  Eu te conheço, você não deixaria eu me aproximar se não tivesse um plano. E você sempre tem um plano. —  isso a pega de surpresa, não o que ele diz, mas como diz. É tão determinado e respeitoso, mas também tem um quê de… provocativo? Ela balança a cabeça e dá alguns passos para trás na esperança de que ele a siga, mas Deku não o faz, fica parado e apenas levanta o braço direito, lançando seu chicote negro que se ramifica em vários braços e segura todos os pesos flutuantes que ela planejava soltar em cima dele.

Deku os joga pra longe, e Ochako devolve a gravidade a eles para não desperdiçar energia. 

Bom, se por cima não deu certo… agora é hora de tentar por baixo, ela se abaixa e toca o tatame, que, ausente de peso, começa a ondular levemente, Deku se desequilibra um pouco, e era só o que ela precisava, Ochako grita quando avança para cima dele, aplicando uma rasteira no amigo, ele cai de barriga pra cima, mas ainda está firme, aproveitando as pernas erguidas para se proteger dela, a estática verde os rodeia, e tem tanta energia que ela mal consegue ver, Deku enlaça sua perna na dela, derrubando-a, e embora ela tivesse proposto que fosse um combate com individualidades, nenhum dos dois está inclinado a usá-las, trocando e se defendendo de golpes com a pura força de seus corpos, o tatame continua se movendo, o que torna tudo ainda mais difícil e, portanto, imensamente empolgante, Ochako está suada e exausta, mas ridiculamente feliz.

Ela quase acerta um soco no queixo dele quando tranca a cintura do amigo por entre suas pernas, mas é impedida antes, Deku segura seu punho com firmeza enquanto ergue o seu próprio, a mão parece estar pegando fogo no jeito em que brilha em poder e força, esse soco vai doer muito, ela estreita os olhos, esperando a dor.

Mas não vem, Ochako abre os olhos e o encontra ainda com o punho em riste, e trêmulo, os olhos dele cintilam em adrenalina e… hesitação. Ele já ganhou, mas não quer acertá-la.

— Anda, Deku-kun! —  ele não se move — Pode acertar, você ganhou! —  nada — Vai logo, não hesita!

E ele não hesita, mas não é em esmurrá-la, e sim em beijá-la. No segundo seguinte, os lábios dele estão contra os dela, firmes e desesperados. Ochako arregala os olhos e sente seu corpo enrijecer, mas a sensação da boca dele, quente e macia, a respiração pesada dele contra sua pele, mãos cheias de cicatrizes fincadas no tatame, um pouco acima de sua cabeça, a fazem relaxar e se entregar.

A sensação é inexplicável, mas se ela fosse tentar, é como ter a corrente de energia verde da individualidade dele correndo por seu corpo todo e chacoalhando-a. Ochako inclina a cabeça e aprofunda o beijo, não tem a mínima noção do que tá fazendo, mas o suspiro dele dentro de sua boca prova que o Deku não poderia ligar menos, logo, ela também não liga.

É intenso, sua cabeça parece leve, como se ela estivesse em um lugar com ar rarefeito, seu coração bate insanamente, e por estar tão próximo dele, dá pra ouvir que o coração do Deku também soa alucinado, e quando as mãos dele deslizam para seus quadris, Ochako não segura um som vergonhoso que só poderia ser descrito como um gemido.

Ela está desesperada e nem consegue disfarçar, quando se descobriu apaixonada por ele no primeiro ano, a jovem jamais permitia sua mente de imaginar coisas assim com ele, mas seu subconsciente era um pouco teimoso e a fez sonhar em beijá-lo algumas vezes, mas não era nada parecido com isso, eles se beijam como se estivessem com sede, como se estivessem prestes a morrer e precisassem aproveitar os últimos momentos que lhes restam de vida, é molhado e desajeitado, os dentes aparecem no lugar errado na hora errada, mas também é incrível, empolgante…

… e errado.

Porque não é isso que Ochako veio fazer aqui hoje, ela tinha algo a provar pra si mesma e pra ele, é uma oponente forte querendo mostrar àquele que admira tanto que, se quisesse, também entraria nessa “batalha de homens destinados” que ele trava contra o Bakugou e o Todoroki. 

Ela não está aqui pra vê-lo hesitar em atingi-la —  ele teria dúvidas em acertar um dos meninos? — ninguém gosta de ser subestimado, e Ochako não quer ser poupada pois aguentaria o soco, mas um beijo? Que tipo de golpe é esse? Qual adversário gostaria disso?

—  D-Deku-kun… —  ela maneja o nome dele por entre sua respiração ofegante, sentindo o ar lhe faltar quando ele distribui beijos suaves em sua bochecha, descendo aos poucos. Em seus sonhos, ela nunca passou dos beijinhos na boca e no rosto, imaginando o que viria depois…Mas isso não é um sonho! —  De- Deku! — Ochako ativa sua individualidade nele e o afasta, ele a olha em espanto.

—  U-Uraraka-san, me desculpa! E-eu não sei o que aconteceu comigo, eu só… eu… você está bem?

—  Sim, Deku, eu tô bem. Acho que eu não sou feita de vidro, consigo aguentar uns golpes e… o que aconteceu depois.

—  C-claro! Eu não quis dizer que-

—  Me responde uma coisa: você deixaria de dar aquele soco no Todoroki-kun ou no Bakugou-kun? Você beijaria eles no lugar?

—  Q-quê? N-não, lógico que não! Eu não sou… eu não… nada contra quem é, mas eu não sou- —  ela volta ao Deku de sempre.

—  Então, por quê, Deku? —  ela se vira pra ele, sentindo lágrimas encherem em seus olhos —  Por que seria ok fazer isso comigo? Eu não sou uma adversária à altura pra você, ok, eu entendo isso, mas… mas… me humilhar assim, eu não-

—  NÃO! Isso não é verdade, Uraraka-san! Você é… você é uma adversária esplêndida! Eu não… eu não te beijei com a intenção de te humilhar, nunca! Eu só… não consegui me controlar! Minha cabeça anda confusa, e eu não sei como lidar e você tava aqui… tão perto, e eu… 

—  E você achou que eu ia ficar lisonjeada por você ter preferido me beijar ao invés de me bater?! Eu sou assim tão patética na sua visão?

—  Nunca, Uraraka-san! Não fala assim! —  ele se move no ar, já acostumado a flutuar, e se aproxima dela, Ochako não permite, afastando-se bruscamente —  Eu sinto muito mesmo, por favor, não pense que eu fiz por mal pois não foi minha intenção, essa luta… essa luta mexeu demais comigo, eu fiquei pensando em estratégias e em como vencer, mas esqueci de tudo quando te vi, e… foi tudo tão… rápido, eu… —  diante disso, ela precisa perguntar:

—  Deku… por favor, seja honesto: você sequer queria lutar comigo?

—  Eu… eu… não sei. —  a admissão parece doer nele, ela o encara em choque. O Deku é sempre tão empático, tão gentil, mas beija uma garota com quem era pra estar lutando e nem sabe o porquê, aceita fazer algo que ele não queria sem nem entender o que significa pra ela, isso só não é mais decepcionante do que descobrir que ele seria um vilão, mas mesmo vilões tomam atitudes, por mais desastrosas que sejam, com um objetivo em mente, ter seu primeiro beijo roubado sem motivo aparente, e o pior, ter gostado até certo ponto, a magoa em um nível que dói.

—  Bom… pelo menos nisso a gente concorda, eu também não sei porque você aceitou se acabou fazendo algo assim. —  ela se levanta, resignada — Eu preciso ir.

—  Uraraka-

—  Só… me deixa, por favor, Deku. —  Ochako lhe dá as costas, odiando-se por saber que, se decidir virar-se e olhá-lo, ela vai querer arrancar uma explicação coerente dele, ou se contentar com uma mais ou menos coerente, só para ficar bem consigo mesma, mas chega de pô-lo em um pedestal e achar justificativa em tudo que o Deku faz, ela sabe que não tem o direito de sentir ciúmes dele ou frustração por nem mesmo ser vista como mais que amiga, mas Ochako tem o direito de estar magoada com ele agora.

Ela deixa a sala de treino e anda como se seus sapatos estivessem cheios de areia, mas mal tem tempo de assimilar o que aconteceu, pois assim que deixa o prédio da academia, encontra o Hiro encostado em uma das pilastras, mexendo em seu celular. Ah sim, ela combinou de encontrá-lo ali depois que saísse do treino com o Deku, uma pena Ochako não estar no menor clima para sorvete no momento.

—  Boa tarde, Ochakolate! —  ele a cumprimenta, sorridente, mas seu sorriso míngua aos poucos quando a vê  — Ei… aconteceu alguma coisa? — Hiro se desencosta da pilastra e se aproxima —  Ochako, você está b- opa!

Ela o abraça pela cintura, assim como ele fazia com ela quando eram crianças e o garoto estava com medo. Não há nada aterrorizando-a agora, talvez apenas a perspectiva de que seu melhor amigo a beijou, e, mesmo sabendo que não devia,  ela gostou muito, amou, na verdade.

Porque esteve mentindo pra si mesma: Ochako ama o Deku.

—  Desculpa, Hiro-kun, acho que não quero sorvete hoje.

—  Tudo bem, só me diz o que você quer agora.

—  Agora? —  ela pensa —  Eu… só quero ficar um pouco assim, agora. —  Ochako o aperta.

—  Certo. Então vamos ficar assim o quanto você precisar. Pode me usar como você quiser, Ochako. 

Hiro a abraça de volta, uma mão envolve sua cintura, a outra acaricia seus cabelos, é reconfortante e bom.

Só… não tão bom quanto aquele beijo.


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